Distante!
Essa é a palavra para descrever o que senti em relação a ele no primeiro momento.
Não consigo entender os garotos, primeiro fez questão de que me sentasse, depois me ignorou. Era como se eu nem estivesse ali ao seu lado, e nem sequer meu nome perguntou.
Dava a impressão de que estava mergulhado em seu livro de História do Brasil, percorrendo cada um dos detalhes que o amontoado de palavras existentes naquelas páginas lhe proporcionava. Mas naquele momento eu estava enganada, a verdade era que eu o intimidava, deixava-o sem palavras, sem ação, e o pobre coitado queria ainda deixar a impressão de que era estudioso, um nerd, e que a História do Brasil era muito, mais muito interessante.
Não funcionou mesmo! E eu sai daquela biblioteca passada.
Não! Claro que eu não estava apaixonada por ele, mas qual mulher não quer os homens babando por elas?
Nós passamos horas ali sentados na mesma mesa sem trocar uma palavra, sem emitir um som sequer. Ao redor podíamos ouvir o farfalhar das páginas dos livros de outros estudantes serem viradas e reviradas. Cadeiras sendo arrastadas e muitas vezes ouvia-se o sussurrar de alguns que esqueciam estar em uma biblioteca para então serem relembrados com um sonoro “PSIU” de Dona Neide solicitando silêncio.
Era somente neste momento, sim o momento do “PSIU” de D. Neide em que ele levantava a cabeça para ver quem era o repreendido, que eu podia contemplar o seu rosto, e foi essa cena que perpassou em minha mente por várias e várias semanas, martelando, perturbando meus pensamentos e deixando-me atordoada e perdida em meus estudos.
Quem era ele?
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- E então alguma novidade?
- Novidade? Porque eu teria alguma novidade, Danny?
- Sei lá! Você tem andado tão diferente ultimamente. Ah, e nem me venha dizer que é os estudos, que você tá muito cansada, não! Você tá diferente, até parece outra pessoa.
- Danny, por favor, né! Eu não pareço outra pessoa coisa nenhuma e, aliás, quem era que dizia: “Você tem que mudar, deixar os estudos de lado, ser diferente, quem era hein?
- Hummm! E de uma hora pra outra você resolveu me escutar!
De repente Danny me segura, se coloca em minha frente e diz com um ar de seriedade:
- Sério quem é você e o que você fez com minha amiga?
- Você tá sendo dramática agora! – Desvencilho-me de Danny e vou em direção a biblioteca, mas antes de entrar escuto as últimas palavras que ela grita em minha direção:
- A Evellyn que eu conheço nunca seguiria meus conselhos. Nunca!
Ela tinha razão, mas eu não podia simplesmente dizer “Danny, eu conheci um carinha dia desses e acho que tô apaixonada”, não posso. Inda mais que a situação piora quando penso que não sei nada sobre ele, nem seu nome eu sei.
E se ele se chamar Sebastião, Josefino ou qualquer outro nome desse tipo que serve para os caras fazerem chacota na sala de aula. Você já pensou eu estar no corredor e alguém dizer:
- Olha lá a namorada do Josefino!
Definitivamente não combina comigo.
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Minha esperança era que ele estivesse lá. Na mesma mesa, no mesmo lugar. Quem sabe até com o mesmo livro. Na verdade isso não importava muito, o meu desejo mesmo era vê-lo, falar com ele. Mas o que vi assim que entrei não me agradou muito.
Suas roupas remetiam aos 80, calça Legging, com um camisão e tudo bem colorido; Dona Neide, ainda trazia faixas nos cabelos e tênis, o bom e velho “all star” que pareciam ter voltado para nos assustar. Acho que Dona Neide deveria ter por volta de uns 40 a 45 anos, mas se sentia uma jovem e se vestia e se portava como tal, o problema era que todos na escola riam das roupas que ela usava, parecia que ela parou no tempo.
- Evellyn Rocha! Estava pensando em você agora mesmo. – aquela voz vinha do balcão que ficava em frente a porta da biblioteca. Era um balcão de forma oval, alto e imponente e atrás dele estava ela, Dona Neide, a responsável em manter a biblioteca em funcionamento e os livros, cadeiras e mesas intactas de alunos desordeiros.
- Oi, Dona Neide, qual o problema?
- Qual o problema? O problema mocinha é o livro que você pegou emprestado há três semanas e não devolveu, nem renovou o empréstimo, e tenho várias reservas para este livro, você sabia?
- Quê!? É um livro de Harlan Coben, nenhum desses meninos e meninas tem interesse em romance-policial e a senhora sabe disso.
- Não importa. Você está atrasada com a entrega e...
- E eu já sei, vou ficar sem poder pegar livro emprestado por... Por quanto tempo mesmo?
- Ora, Evellyn você já deveria saber, é a aluna que mais leva suspensão de livro.
- Dona Neide, digamos que se eu não tomasse esses livros emprestados, e digo todos de Coben, eles jamais sairiam dessas prateleiras, então porque a senhora não me dá um desconto, por favor.
- Tudo bem, mas só desta vez. - E aproximando-se mais ainda de mim, disse baixinho – Eu já tinha mesmo renovado seu empréstimo, agora, por favor, vê se não se esquece de trazer na próxima semana e não conte a ninguém, senão isso aqui vira uma bagunça.
- Obrigado! E a propósito, seu look está show hoje. – dei uma piscadela e sai a todo vapor para as estantes da biblioteca.
Ultimamente não sei o que tem ocorrido, mas a biblioteca tem estado lotada de alunos que de repente ficaram estudiosos e intelectuais, e isso só dificultava meu trabalho em encontrar ele. Agora tinha de caminhar entre aqueles corredores, passando por várias e várias estantes de livros, muitos empoeirados, pois nunca tinham sido lidos por qualquer pessoa, para ver se o achava, mas acho que ele havia desistido da biblioteca. Depois de muito tempo andando e procurando resolvi ir embora desanimada.
- Quem você tem procurado com tanto afinco nessa biblioteca?
- Como!? Ninguém ora, afinal não se procura pessoas em bibliotecas e sim livros. Certo Dona Neide?
- Humm! Certíssima. E você achou?
- Achou? Achou o quê? A pessoa?
- Pessoa? Não, não! Afinal você disse que não procurava a pessoa. Quero saber se você achou o livro? Porque caso contrário posso ajudar a achar.
Nesse momento já não sabia se ela falava do livro ou da pessoa. Apesar das roupas, Dona Neide era muito esperta e atenta. Quando pensávamos que ela não estava prestando atenção, ela estava. Quando achávamos que ela não estava nos vendo, ela nos via. Parecia conhecer todos os alunos, seus gostos pela leitura e até sabia quando íamos para a biblioteca para nos esconder de alguma encrenca que nos metemos. Todos falavam de Dona Neide, mas todos gostavam muito dela.
“Não Conte a ninguém”, foi assim que ela me envolveu nesse mundo que me fazia viajar, me afastar um pouco do mundo de estudo e adentrar em um mundo onde a fantasia, imaginação e realidade se confundiam. O autor é surpreendente e nos deixa aprisionados neste thriller de tirar o fôlego. Não sei como, mas ela sabia que iria me apaixonar por cada detalhe desse livro, não apenas deste, mas de todos os outros do autor. Depois de Não conte a ninguém se seguiu muitos outros de Harlan Coben.
- E então? Evellyn você achou o que procura ou vai admitir que precisa de minha ajuda?
- Tá bom, tá bom você venceu! – Nesta altura Dona Neide já trazia em sua face um sorrisinho que dizia “Vamos lá estou esperando, pode começar”. – Tudo bem, você quer saber de tudo né?
- Sim!
- Mas não é você que sabe de tudo! Porque é que eu tenho de contar se você já sabe?
- Por quê?! Não é porque eu sei das coisas que vou sair comentando. E então vai contar ou não?
- Bom vamos lá! Deixa ver por onde começo... É foi no dia em que... Não, não! Foi naquele dia com o sol... Acho melhor começar por...
- Ah meu Deus! Por que você não diz logo que quer saber o nome dele! – Dona Neide já estava impaciente com minha indecisão de iniciar a estória. – Evellyn sei que você vem aqui todo o dia à procura dele, do Samuel Amorim. É isso mesmo o nome dele é Samuel.
- Mas como você sabe que eu procuro por ele? Eu nem disse nada.
- E nem precisava. Todos os dias depois daquele encontro, se é que podemos chamar aquilo de encontro...
- Definitivamente não podemos.
- Se você diz. Bom o que reparei é que depois daquele dia você não deixou de vir na biblioteca todos os dias
- Mas isso é normal não é? Quero dizer vir a biblioteca, não é normal?
- Sim é, supernormal. – Quando me dei conta Dona Neide já havia ladeado o grande balcão, se postou ao meu lado e com sua mão em meu ombro continuou – Assim como é normal, sentar, pegar um livro e ler. Observe! Veja você mesma e me diga. – Ela apontava para a biblioteca repleta de alunos, cada um entretido nas diversas prateleiras e estantes onde se dispunha os livros pelos mais variados temas: psicologia, sociologia, romance, ficção, fantasia, literaturas brasileira e estrangeira etc. Segurando em meus ombros delicadamente virou-me para a porta da biblioteca. A porta dividia-se em duas, com suas vidraças multicoloridas traziam desenhos de livros sobrepostos com capas douradas e prateadas intercaladas entre si, acima dela o nome: Biblioteca Professor Astrogildo Silva. Nunca havia prestado atenção, mas a luminosidade refletida pelos vitrais da porta para dentro da biblioteca dava ao ambiente uma bela visão de um grande livro sobre o piso, enquanto admirava aquela visão a porta se abriu.
- Agora observe o que acontece quando visitamos a biblioteca.
O aluno adentrou o recinto e foi diretamente a seção onde o livro que desejava se encontrava, entrou pelo corredor e sumiu. Olhei para Dona Neide sem compreender, ela apenas sinalizou com a cabeça para que eu me focasse no corredor que o aluno tinha entrado, de repente vejo o mesmo garoto saindo do corredor portando em suas mãos um livro, parando logo em seguida procurando alguma coisa, alguém. Não alguma coisa. Não alguém! Ele procurava um lugar.
- Viu? Você percebeu Evellyn? Quando vamos a biblioteca é por que queremos descobrir algo novo, algo extraordinário. E isto só descobrimos quando folheamos as páginas dos livros que estão dispostos nas prateleiras e estantes. Naquele dia você descobriu muito mais que isso, só que ainda não aceitou.
- Do que você está falando? Não descobri nada. Naquele dia eu estava com livro de matemática, nem romance era. – Uma gargalhada baixinha e cheia de sinceridade foi emitida por Dona Neide.
- Evellyn minha cara, então me responda por que todos os dias você entra por estas portas – apontado com seus dedos longos e unhas bem feitas – Vai sempre aquela mesa em especial, se senta e espera por horas e horas? Quem você espera que entre por aquela porta?
- Eu, eu não sei, mas...
- Você sabe! Vamos lá Evellyn, admita que esteja apaixonada, isso não é mau pelo contrário é bom e Samuel precisa de você.
- Mas eu nem sei se ele gosta de mim. Naquele dia, naquela mesa ele sequer falou comigo. Nem seu nome me disse.
- E isso não te impediu de vir aqui procurar ele todos os dias, impediu?
- Não! Mas como vou saber se ele sente o mesmo por mim? Como sei que não vou me arrepender?
- Isso minha querida não posso garantir, mas só há uma forma de conseguir essas respostas, vivendo cada momento, cada hora. Evellyn não perca mais tempo, o que esses livros tinham para lhe ensinar você já aprendeu, agora é o momento de aprender um pouco com a vida. Há tanta coisa para aprender que você nem imagina.
- Mas como posso encontrá-lo? Nem sei nada sobre ele, além do nome dele. – Neste momento Dona Neide, como se esperasse este momento por muitos dias, tira de um de seus bolsos um papel de carta e coloca em minhas mãos.
- A decisão agora é sua. Não posso fazer mais nada, além disso, estarei aqui caso precise de mim. Agora vá, preciso trabalhar. Afastou-se e sumiu entre as prateleiras da biblioteca deixando uma Evellyn de boca aberta olhando para um papel de carta dobrado em suas mãos.
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