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Teste de Espelho
Talita Vasconcelos

Resumo:
Espelho é uma coisa complicada. Principalmente quando ele não sabe te dar um bom reflexo…

Acreditem se quiser: existe coisa mais estressante que o trânsito de São Paulo em horário de rush; e esta coisa se chama comprar espelho novo!

Primeiro você tem que escolher um tamanho que se adapte a sua necessidade. Se você precisa se ver de corpo inteiro para ter certeza de que o look está bom, o ideal é comprar um espelho BEM grande. Depois vem a dificuldade dois, que é instalá-lo no seu quarto numa posição que se adeque ao ângulo e a luz que mais te valorizem. E se você consegue vencer esses dois primeiros desafios, vem o terceiro e mais importante de todos: o reflexo!

Sim, porque o reflexo é a coisa mais importante num espelho. Ao comprar um espelho você deve verificar atentamente se o reflexo que ele vai te mostrar está do seu agrado, ou você corre o risco de passar o resto da vida diante de um espelho catastrófico, que vai te mostrar uma imagem deturpada – ou pior, ERRADA! – do seu eu!

Acha que é loucura? Então veja só o que aconteceu com a Emanuelly:

Um belo dia, ela comprou um espelho novo, mas subestimou essas dicas práticas. Esperou até o dia seguinte para desembrulhar o espelho, e ajeitando-o no canto do quarto onde costumava ficar seu espelho antigo – que fora quebrado pela madrasta Cruella, digo Rosana, dois dias antes, e talvez isso explique seus sete minutos de azar com o espelho novo –, começou a experimentar algumas roupas diante dele.

Depois de alguns minutos, e muitas trocas de looks, Emanuelly percebeu uma coisa estranha em seu reflexo. Colocou os óculos, imaginando que fosse a miopia lhe pregando uma peça e conferiu mais de perto. Não era ilusão: o rosto no espelho não era o seu.

Tinha o mesmo tom de pele, os olhos com o mesmo tom de azul, os cabelos da mesma cor castanho escuros, curtos, mesmo penteado… Mas as feições eram bem diferentes das suas.

Emanuelly experimentou fazer algumas caretas para ter certeza de que não havia algo errado com ELA, em vez do espelho; deu alguns tapas no vidro tentando forçá-lo a mudar o reflexo, mas nada adiantou. Definitivamente o defeito era do espelho!

Como era novo, ela tornou a embrulhá-lo e o levou de volta à loja.

Lá chegando, abordou um vendedor:

– Oi, posso ajudar? – perguntou ele, cheio de simpatia.

– Acho que sim – respondeu Emanuelly. – Eu comprei esse espelho ontem, mas ele está com defeito…

– Como assim, com defeito? – indagou o vendedor. – É um espelho!

– Sim, eu sei…

– O que aconteceu? Está sem reflexo? Pode ser o papel espelhado…

– Não é isso… Reflexo ele tem, o problema é que eu não sei de quem é.

O vendedor fez uma careta, encarando Emanuelly como se ela fosse completamente louca.

– Como assim? – indagou ele, confuso.

– Dá uma olhada… – disse ela, desembrulhando o espelho.

Emanuelly encostou o espelho numa parede da loja e ficou na frente dele.

– Está vendo? – disse ela ao vendedor, encarando o reflexo. – Esse não é o meu rosto.

Então o vendedor deu um sorriso, compreendendo tudo.

– Ah, não… Sabe o que é? – começou ele. – Essa é uma nova linha de espelhos, que mostra uma imagem melhorada da pessoa que está diante dele. Ele mostra como está o seu astral. Por exemplo: se você está feliz, você aparece mais bonita; se está se sentindo jovem, animada, você se vê mais jovem… E assim por diante. Ele reflete sua alma. Entendeu?

Desta vez Emanuelly o encarou como se ELE fosse louco.

– Não, eu não entendi nada – respondeu ela.

– Agora, por exemplo, que você está irritada, o seu reflexo deu uma enrugada – observou o vendedor. – Você precisa se acalmar, estresse faz mal para a pele…

– Olha, eu não preciso me acalmar! – garantiu Emanuelly, querendo resolver logo seu problema e sair daquela situação maluca. – Eu só quero ver o meu rosto no espelho, será que pode ser?

– É só olhar! Ó você aí…

– Essa não sou eu! – enfatizou Emanuelly, com a voz exaltada.

– Claro, está mais bonita no espelho, mais jovem, não estão aparecendo todos esses cravinhos no seu nariz… Mas é você.

– Cara, você acha que eu não conheço meu próprio rosto no espelho?

– Espera um pouquinho. – Ele se voltou para uma vendedora que estava próxima. – Ô Fátima! Vem cá.

A vendedora se aproximou, com um sorriso atencioso.

– Dá uma olhada… – pediu o vendedor, apontando o espelho. – A cliente aqui está dizendo que não é o reflexo dela nesse espelho. Fica aqui na frente dele e me diz o que você vê.

A vendedora observou seu reflexo por um instante. No espelho: o uniforme da loja, seu cabelo loiro e comprido, porém o mesmo rosto que aparecera para Emanuelly.

– Gente, esse creme que me recomendaram está funcionando mesmo! – animou-se a vendedora. – Olha como eu estou mais jovem…

– Mas essa não é você! – observou Emanuelly.

– Claro que sou eu! Parece até que eu voltei a ter vinte anos…

– Não, essa não é você – insistiu Emanuelly. – Sou eu!

– Você disse agora a pouco que não era você!… – lembrou o vendedor.

– Quero dizer que é o mesmo rosto que aparecia para mim – explicou Emanuelly, irritando-se.

– Claro que não – protestou o vendedor. – Olha lá, está até com o uniforme da Fátima…

– Olha o crachá com o meu nome – apontou Fátima para o reflexo no espelho.

Na foto do crachá: o rosto do espelho com o cabelo da vendedora em cima do nome Fátima de trás para a frente.

Emanuelly fez uma careta confusa e se voltou para o vendedor:

– Olha você, então. Vê se aparece o seu rosto.

Ele ficou diante do espelho. O rosto que lhe apareceu era mais jovem e mais magro, mas tinha os olhos castanhos iguais aos seus.

– Rapaz!… – comemorou ele. – Olha como eu estou bonitão nesse espelho! Será que tem outro no estoque? Quero um desse…

– Deixa eu me ver de novo! – pediu Fátima, empolgada.

A vendedora começou a fazer poses diante do espelho, e de repente Emanuelly se sentiu perdida num sonho maluco. Aparentemente ela era a única pessoa a não achar aquela situação normal.

– Gente, eu estou uma gata, hein! – comemorou a vendedora, voltando-se para Emanuelly. – Fala a verdade: você acredita que eu fiz trinta anos no mês passado?

– Chega dessa maluquice! – bradou Emanuelly, voltando-se para o vendedor. – Você pode, por favor, trocar por um espelho normal?

– Ah, não vai dar, não – disse ele educadamente.

– Por que não? – A esta altura Emanuelly era a personificação da impaciência.

– Nós não trabalhamos com troca, senhora.

– Mas como pode isso, gente? – protestou Emanuelly. – Esse espelho não mostra o meu reflexo direito… Por que eu não posso trocar?

– Você devia ter testado antes de levar para casa – disse o vendedor com toda a naturalidade do mundo.

– Testado o espelho? – conferiu Emanuelly, com uma boa dose de ironia.

O vendedor deu de ombros, como se ela tivesse feito uma pergunta absurda.

– É!

– Gente, quem é que testa espelho? – desafiou Emanuelly. – Espelho é espelho! É feito para refletir a imagem da gente…

– Exatamente! – concordou o vendedor. – Você devia ter testado se o reflexo que o espelho iria te mostrar estava do seu agrado. Se não testou, eu não posso fazer nada.

– Isso é um absurdo! – protestou Emanuelly. – Chama o gerente, por gentileza.

O vendedor fez sinal para um homem que estava perto do balcão caixa e ele se aproximou, solícito:

– Pois não?…

– Essa moça quer trocar o espelho – informou o vendedor.

– Não moça, nós não trabalhamos com troca de mercadorias –disse o gerente.

– Mas esse espelho não mostra o meu reflexo! – explicou Emanuelly.

– Como não? – estranhou o gerente.

– É um espelho da linha “Reflexo Interior” – sussurrou o vendedor para o gerente.

– Perfeitamente – agradeceu o gerente ao vendedor, voltando-se para Emanuelly. – Moça, essa é uma nova linha de espelhos, que mostra uma imagem melhorada da pessoa que está diante dele. Por exemplo: se você está feliz, você vai se ver mais bonita; se você estiver de bom humor, alto astral, você vai se ver mais jovem; enfim, ele reflete seu estado de espírito. Entendeu?

Emanuelly, exausta desse discurso, respondeu, visivelmente irritada:

– Não, eu não quero saber o que ele reflete. Eu quero trocar por um espelho normal!

– Infelizmente não vai ser possível – repetiu o gerente.

– Que absurdo! – bradou Emanuelly.

– Mas, olha, se eu fosse você, ficaria com esse espelho mesmo –argumentou o gerente. – Ele sempre vai te dar um bom reflexo; você nunca vai se ver baranga nele…

– Ah, que ótimo… – desdenhou Emanuelly, sarcástica. – Ficar com um espelho que vai me mostrar bonita mesmo quando eu estiver feia… Quem tem que mentir é o meu namorado, não meu espelho!

– Muito pelo contrário – corrigiu o gerente. – Esse espelho só mostra a verdade! Ele cria a imagem de como você está se sentindo, e gostando do que vê, sua autoestima vai aumentar. E todo mundo sabe que com a autoestima elevada a pessoa fica mais feliz, e portanto, mais bonita.

Emanuelly fez uma careta de descrença e irritação.

– Eu, por exemplo, estou passando por uma boa fase na minha vida – disse o gerente, ajeitando o nó da gravata. – Me sinto muito feliz, então, com certeza esse espelho vai mostrar meu reflexo radiante…

Ele parou diante do espelho. No reflexo: as mesmas roupas, a mesma gravata, o crachá com seu nome, e o rosto de uma mulher sorrindo.

O gerente trancou a cara imediatamente, constrangido.

– Não tem graça – murmurou.

E voltando-se para Emanuelly, Fátima e o vendedor, flagrou-os compartilhando um risinho silencioso, que os dois vendedores disfarçaram imediatamente.

– Se alguém rir vai todo mundo para o olho da rua! – bradou o gerente aborrecido. E dirigiu-se ao vendedor que atendia Emanuelly. – Pode trocar o espelho para a cliente.


Biografia:
Paulistana, vinte e poucos anos, apaixonada por livros, cinema, boa música, e escrever. Possui três livros publicados: o Romance Alma de Rosas (Edição Física – Editora Desfecho), a antologia “A Morte Não é o Fim”, e o romance sobrenatural “As Noivas de Robert Griplen” (ambos apenas em e-book, na Saraiva).
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