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A moral dos engravatados
(A humanidade e o apego ao status)
Roberto Queiroz


Que estranho e ancestral povo anda pelas ruas das grandes metrópoles do país, exibindo belas vestes, bem cortadas, em alguns casos de grife, sempre de sorriso no rosto (mesmo que às vezes desdentado) e com aquela aparência de privilegiados, seja do ponto de vista acadêmico (o que não significa que sejam possuidores de diploma de nível universitário), seja do ponto de vista monetário (o que não quer dizer que sejam donos de um patrimônio invejável)!

Aquela velha expressão cunhada pelo senso comum "a roupa faz o homem" ganhou uma exaltação ainda maior nos últimos anos. E não me refiro unicamente à chegada das igrejas evangélicas pentecostais à nossas terras. Não, meus amigos. Não é de hoje que o ser humano (e, claro, o brasileiro) gosta de exibir seu amigo, o terno de gravata.

Eu não lembro agora do nome do cronista do passado que disse uma vez que que os engravatados, se pudessem, sobrevoariam a cidade, como aves ou semideuses, mostrando todo o seu esplendor e garbo. Estava certíssimo em seu discurso. O engravatado é um lorde, ele é a versão oposta do sertanejo (que, um dia, o escritor Guimarães Rosa disse em sua obra-prima Grande sertão: veredas, ser um bravo). Mais: ele se orgulha disso. E se orgulha a tal ponto que ai daquele que o ofender, o criticar, o chamar de exibido, de esnobe, de duas caras, de metido a besta. O diálogo vira um Deus nos acuda.

Há casos sumários de personagens que não precisam sequer de nomes de batismo. Eles são a roupa que vestem e nada mais. Os advogados são um bom estudo de caso nesse sentido. Pairam pelas ruas, viram marcas registradas, já ouvi gente de meu círculo social dizendo que tem sinceras dúvidas sobre sua materialidade. Chegou a dizer-me em uma ocasião: "acho que se tentarmos tocar neles, nossa mão os atravessa, são etéreos". Terá razão o rapaz? Confesso: nunca tirei a prova dos nove.

E a classe só fez aumentar até mesmo em classes onde culturalmente não é tradicional o uso do traje. Os pagodeiros do grupo Só para contrariar lançaram a moda no auge dos grupos de samba (leia-se: Raça Negra, Molejo, Negritude Júnior, entre tantos outros). Chegaram a ser chamados pela classe artística, na época, de executivos do pagode. E gostaram tanto da ideia que o vocalista deles, o cantor Alexandre Pires, nunca mais largou o traje. E ganhou de segmentos dentre as classes menos favorecidas, é claro, a pecha de esnobe.

Jô Soares entrevistou certa vez em seu programa (não me recordo se na versão original, o Jô soares onze e meia, no SBT, ou na versão mais recente, na Rede Globo) um rapaz que vendia - acreditem! - amendoim num viaduto da zona sul. Pois é. Vendedor ambulante, mas com elegância.

E não acaba por aí, meus caros. Não, senhor! Há engravatados para todos os gostos e classes. Há entregadores de papel na rua (me disseram outro dia desses que o nome daquela profissão é agente de vendas. Fala sério!) que exibiam seus amarfanhados ternos. Há a versão feminina: o tailleur. Coco Chanel, estilista e fãzoca de Adolf Hitler, adora um terninho. E há, como esquecer?, o momento máximo de realização do traje: o smoking. Sim, sim. Existe o terno e o smoking (e nem sempre a mesma pessoa é capaz de portar os dois, não importa o quanto ela o engane achando que sim). Smokings são para casos/seres especiais, pertencentes à constelação dos privilegiados de carteirinha.

Porém nem tudo é digno de aplauso no mundo dos engravatados. Sua moral, por vezes (quase sempre) é torpe, deturpada, artificial, sempre se esquivam se assuntos espinhosos e polêmicos, evitam o debate de igual para igual. No máximo, criam uma frase de efeito ou um discurso cheio de jargões impossíveis, típico de quem frequenta um ciclo fechado de ideias.

Ah! Os engravatados... O que seria do mundo sem eles? Um lugar melhor? Serão eles um mal necessário? Não seremos nós os reais culpados, por dar-lhes ibope em excesso? Qual a função primordial desses seres?

Chego a inevitável conclusão que o engravatados são uma questão crônica de aprisionamento ao stauts. Vivemos num mundo onde a necessidade de aparecer, chamar a atenção, a qualquer custo, ganha uma conotação de obrigatoriedade. Se você não a tem, não é ninguém. E quando a tem, faz-se necessária uma indumentária à altura. Por isso, aquele "confortabilíssimo" traje, de "fácil vestimenta", apto a "qualquer" padrão de vida.

Eu não sei vocês, meus amigos, mas tenho a legítima e assustadora impressão de que há de chegar o dia em que não existirá outra opção de vestimenta que não essa. Por que será?

Deus queira que eu esteja ficando velho ou maluco...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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