Ricardo dizia que era macho, um homem de verdade. Não tinha medo de nada. Nem da morte. Uma vez, disse ele, brigou com dez homens ao mesmo tempo. Era um homem de verdade.
Ricardo dizia que era inteligente e falava sobre história, política, filosofia, artes. Sobre tudo ele falava, sobre tudo entendia. Não sei de onde vinham aquelas informações e nem sei se eram todas verdadeiras. Mas ele falava sobre tudo, sobre tudo sabia.
Ricardo gostava de demonstrar conhecimento. Era um desejo incontrolável e, talvez, inconsciente de mostrar que tinha algum valor. Dominava todos os assuntos e discorria sobre qualquer assunto nos momentos mais inoportunos. Do nada falava sobre a Segunda Guerra Mundial. Ou especificamente sobre Adolph Hitler. Ou sobre qualquer coisa. No meio de uma conversa descontraída falava sobre reencarnação. Se alguém dissesse que planejava estudar Odontologia ele discorria sobre a cárie. Ele era assim. E por ser assim era ridicularizado por todos. Não sabia que era motivo de chacota. Se soubesse talvez parasse com seus comentários inoportunos. Ou talvez não.
Ricardo se gabava de ter namorado as mais belas mulheres e de ser um grande amante. Sempre que via uma modelo em uma revista dizia que o corpo de alguma ex-namorada era daquele jeito. Aliás, era melhor, muito melhor. Não sei se de onde vieram essas mulheres, pois nunca as conheci.
Ricardo foi abandonado pelo pai quando ainda era criança. O pai jamais o procurou. Casou novamente e teve outros filhos. Se lhes deu amor, eu não sei, pois não o conheci. Se foi um bom pai para seus outros filhos jamais saberei. Mas agora isso tudo pouco importa. Nada mais importa.
Ricardo foi expulso de casa pela mãe quando brigou com o padrasto que era apenas alguns anos mais velho do que ele. "Ou ele ou eu". O escolhido foi o padrasto. O rejeitado, mais uma vez, foi Ricardo. Foi morar com a tia e a prima em uma casa antiga. Ricardo passou a viver sozinho na casa velha e vazia depois que a prima casou e elas foram embora.
A mãe de Ricardo morreu. Ele brigou com o irmão. Não tinha amigos. Não tinha uma namorada. Não tinha ninguém. Tinha apenas suas ilusões, sua coragem, seus conhecimentos, suas ex-namoradas e mais nada.
Ricardo esperou vinte e um anos por uma decisão judicial que lhe garantisse a posse em um cargo público. Vinte e um anos de espera. Vinte e um anos. E depois de tanto tempo realizou seu sonho. Tomou posse. O emprego com o qual sempre sonhou. Começou a trabalhar. Não posso dizer o que ele sentia ou pensava, pois há muito tempo não nos víamos.
Um caroço no ombro é a única coisa que eu sei. Foi a única coisa que me disseram.
Ricardo morreu de câncer três meses depois da posse.
Ricardo não era nada daquilo que acreditava ser.
Morreu aos 47 anos acreditando que era.
Morreu sozinho sem ninguém para segurar sua mão quando o fim chegou.
Ricardo morreu sozinho com suas ilusões.
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