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Viva a vida globalizada!
Valdir Gomes

Armando está muito feliz. Até que enfim, conseguira comprar o tão sonhado carro alemão, aquele sonho de consumo cultivado desde a infância. E o melhor: não precisou sair do país. Comprou ali mesmo, a duas quadras do local de trabalho (uma empresa mul-tinacional de alimentos) numa importante revenda de importados. Naturalmente não dá mais pra ostentar o status de importado, pois o carro chegou até a sua garagem com o mesmo preço que a revendedora lhe garantira, direto da fábrica, naquele país. Não precisou arcar com despesas alfandegárias e tampouco taxas de importação. Tudo foi muito simples, como se tivesse comprado uma televisão numa loja dali mesmo.
    Agora o novo bem vai somar-se a tantos outros adquiridos, graças a globalização. O aparelho de tv japonês, o DVD chinês, o computador coreano, o home teatcher mexicano. A bicicleta cana-dense. O lustre francês, os móveis chilenos, o fogão italiano, o microondas argentino.
    E a casa? Bem, a casa foi construída com tijolos senegalês, com ferragem nacional, cimento australiano, areia equatoriana e cal uruguaio. A telha é portuguesa. A estrutura de madeira veio toda da Jamaica. As janelas japonesas deram um toque oriental. Os vidros são gregos.
    O jardim é totalmente constituído com grama nacional e flores da Holanda. Sem contar um lindo pomar de bonsai.
    Armando teve todo cuidado ao montar a sua sala. Os sofás são germânicos e os móveis em madeira polonesa. O bar. Tá lá repleto de bebidas multinacionais... Blended escocês legítimo, cerveja ale-manha, tequila, vodca russa, saquê, os melhores vinhos chilenos, uma enormidade de espumantes franceses. Todos que podem ser degustados em lindas taças de cristais turqueses.
    Graças à globalização, Armando pode agora, quando for se ali-mentar, experimentar todo e qualquer tipo de comida típica do mundo inteiro. Tudo num único lugar, o restaurante internacional Life is Life, de sociedade de um saudito e dum inglês. Ali se pode comer pizza, sashimi, guaca mole, hamburgueres, um aipim com carne, um cachorro bem passado, um canguru no espeto, um boi na brasa. Ainda, se preferir, pode se deliciar com um salmão cru e um miojo. Um barreado e um vatapá. Se o gosto for um tanto asiático, tem besouros no espeto bem torradinhos, larvas ao molho e uma infinidade de insetos comestíveis.
    Para cuidar da saúde, tem-se sempre próximo um médico alemão ou um cubano. Se preferir pode se consultar com um indiano ou mesmo um chinês. Tudo num mesmo prédio ou hospital.
    Ouvir música está bem melhor. Não são mais aquelas poucas alternativas, como músicas brasileiras, espanholas, inglesas, norte americanas, italianas ou mesmo francesas. Agora se pode curtir um som chinês, coreano, paquistanês, polonês, chileno, guatemalteco ou mesmo málaco. É, de fato, uma enorme misturança, mas tudo resultado da globalização. Dessa mesma forma é o modo hoje de viver. Dependendo do poder aquisitivo, qualquer um pode tomar café num país, almoçar em outro e dormir noutro. Desde que levado em consideração a distância e os fusos horários, únicos ainda não globalizados, para se evitar confusão entre credores de um país e pagadores de outro.
    As placas de trânsito são imensos outdoors. Uma vez que gente de diversas nacionalidades, povos e línguas, podem transitar por aqui livremente, foi obrigatório as sinalizações e indicações nessas pla-cas traduzidas às várias línguas existentes.
    Armando ri. Ri por causa dos jornais. Eles agora não mais vêm com no máximo cinqüenta páginas diárias, mas em volume superior a mil, por causa da globalização. Tem-se a opção em ler as notícias nas diversas línguas presentes. Empresas, como a que trabalha, hoje exigem que o candidato para qualquer função, no mínimo, domine fluentemente dez idiomas. É comum entrar num setor que se fala espanhol, entrar num outro que os trabalhadores discutem um as-sunto em árabe.
    Outra coisa curiosa é andar nas ruas. Armando gosta de fazer isso. Quando já se imaginou, algum tempo atrás, um flanelinha falar diversas línguas, ou um desses vendedores em sinaleiros, oferecer um salgado em chinês? Ou um guarda de trânsito se dirigir ao motorista e conversar em russo, aqui no Brasil? É! É tudo graças à globalização.
    Na realidade tudo é muito mais parecido com uma babelização.
    Com a globalização generalizada como hoje, não se faz mais necessário possuir passaporte ou permissão para se transitar em ou-tro país. Tudo é muito simples e objetivo: você vai e, quando quiser, volta. Não existem embaixadas e tampouco consulados. Existe uma só moeda que é usada em todo o planeta terra ─ o G$ ─ que significa Global.
    Armando recebe a chave do novo carro das mãos do vendedor australiano e entra. Como já havia informado o seu superior ime-diato, um paquistanês lá na empresa, em seu aparelho de celular taiwanês, não pretende retornar nesta tarde à empresa. Seu objetivo principal é ir para casa, em cumprimento à promessa e mostrar o novo carro à mulher. Tudo bem que esteja indo mais cedo para o lar, mas com certeza ela se surpreenderá com a nova posse do casal.
    Armando se dirige a um posto de gasolina e abastece o carro. Quem o atende é um frentista boliviano que fala fluentemente dina-marquês, mas que prefere conversar com Armando em chinês.
    Assim que chega no portão de casa, Armando aciona a abertura do portão de tecnologia iraniana e entra na garagem. Quem o recepciona é o seu cão labrador, fertilizado em um laboratório de bioreprodução do Iêmem, nascido na inglaterra e treinado na Bul-gária. O cão entende o português, mas Armando prefere conversar com ele em alemão. Depois ele abre uma porta norueguesa com fechadura hondurenha e entra no corredor com tapetes persas. Tudo muito quieto. Chama por María, sua mulher mexicana, que conhe-cera numa viagem que fizera à suíça, mas nada de obter resposta. Com passos firmes, por causa de seu fino sapato italiano, ele vai até seu quarto e abre a porta. Ela não faz barulho algum, pois as dobradiças são portorriquenhas de qualidade superior.
    Armando se espanta, quando observa acontecer algo sobre o edredon francês. Espantado, o homem puxa-o e descobre sua linda mulher mexicana nua, deitada ao lado de um sujeito moreno, tam-bém nu. Rapidamente o rapaz se identifica como um moçambicano e num átimo apanha sua roupa e vaza na velocidade de um queniano, antes mesmo de Armando recobrar-se da surpresa.
    O que fazer?
    O homem apenas põe a mulher pra fora de casa. Senta-se no sofá germânico e se dirige ao aparelho telefônico chinês. Apanha um cartão. Vai contactar um bom advogado libanês que conhecera. Divorciar-se usando a justiça norte americana é bem mais rápida.
    É a globalização!


Biografia:
Escrevo. Sonho. Canto. Vivo. Escrevo. Amo escrever; sou apaixonado por letras, livros. Quando estou feliz, sou Cronista. Quando estou assustado, sou contista Quando sonho, escrevo um livro Quando estou triste escrevo poesia. --- Meu e-mail: valdirgomesescritor@gmail.com Twitter: @valdirgomes14 - Siga-me Blog: valdirgomes.wordpress.com
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