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REENCONTRO COM O PASSADO
João Carlos de Oliveira

Resumo:
Este conto narra a história de uma família de pequenos agricultores do Norte de Minas, que movidos pelo sonho de riquezas, venderam as suas terras, seus animais, e se mudaram familia inteira, para o Estado do Paraná.

Tudo aconteceu num certo dia de festas, durante o transcorrer das festividades de Santo Antonio, padroeiro da comunidade rural da nossa região, oportunidade, quando se reuniam, centenas de pessoas em comemoração às festividades do padroeiro, inclusive, para o reencontro dos filhos ausentes da terra.
Como membro da comunidade, participava ativamente da organização das festividades, atuando especialmente, como uma espécie de embaixador, encarregado de receber os visitantes.
Sempre tive o privilégio e certa facilidade para construção de novas amizades. Durante o transcurso das festividades, que duravam três dias, tive o prazer de conhecer e receber muitas pessoas, e foi dessa forma, que acabei por conhecer um certo senhor, cujo nome, era Belchior, um filho da terra ausente, desde a década de 1951.
Fato interessante, embora o tenha conhecido a tão pouco, tornei-me, de certa forma, o seu novo amigo e até confidente, parecia nos, que éramos velhos amigos.
Lá pelo terceiro e ultimo dia das festividades, em dado momento, nos assentamos numa mesa de bar, de cuja varanda, poderíamos vislumbrar o intenso movimento da ida e vinda das pessoas, que andavam pela única rua do povoado.
Durante os intervalos de um causo e outro, e após mais alguns goles de cerveja, Belchior, já meio vinhado pelo álcool, em breves momentos de saudosismo, me disse: Pois é prezado amigo! Este velho aqui, têm histórias prá contar: – neste momento bateu com a sua mão direita no peito - Outrora, já vivi bonitos e bons momentos aqui neste lugar. Foi aqui, neste velho povoado mesmo, que muitos anos atrás, conheci a mulher que mais amei na vida, e é exatamente por este motivo, que voltei de tão longe, para rever estas terras. Voltei, ao reencontro do meu passado, que ficou perdido por aqui, em algum lugar.
Observei discretamente, não sei se pela ação das cervejas que já tínhamos tomado, ou se pelas lembranças tão vivas de um passado distante, que algumas lágrimas rolaram pelo rosto daquele homem.
Prosseguindo - já que eu lhe era todo ouvidos -, dizia-me, que lá pelos idos dos anos de 1948/50, numa época, que tudo lhe era muito mais bonito, quando ainda não tinha completado os seus 19 anos, exatamente, no decorrer daquelas mesmas festividades de Agosto, durante os bailes, abrilhantados pelos toques do acordeom e do pandeiro, que ele havia se apaixonado por uma garota mimosa da região, única filha mulher, de um casal de fazendeiros com quatro filhos - ela se chamava Arlete – e foi a sua primeira namorada .
Segundo ele, Arlete tinha uma pele morena clara, ligeiramente queimada pelo sol, cabelos negros caídos sobre ombros, seus olhos de um castanho claro, contrastava com a cor morena da sua pele, conferindo lhe, uma beleza ímpar e particular. Seu rosto bonito, chamava atenção de todos os rapazes da região – uma mulher encantadora aos seus olhos . Provavelmente, tinha a sua mesma idade.
A nossa conversa prosseguia, de vez em quando, sorvíamos mais alguns copos de cerveja, e eu, que lhe era todo ouvidos, permanecia na maior parte do tempo calado – o assunto estava interessante -, já que percebia, que havia um forte componente emocional na voz daquele homem.
Ainda segundo o seu relato, passados alguns meses de namoro com aquela moça, embora vivessem na mesma região, não se viam com tanta freqüência, já que não moravam perto um do outro, e também porque, até aquela certa altura do tempo, ainda não havia conquistado a confiança dos pais dela, para que pudesse permanecer   na fazenda deles por mais tempo, especialmente, aos finais de semana. Naquele tempo, os namoros aconteciam daquela forma mesmo, mais distantes, não haviam liberdades, o casal era muito vigiado. Assim, o normal, era que se encontrassem à cada quinze dias, ou mesmo, durante as festividades da comunidade.
Sendo também, filho de pequenos produtores rurais da região, a saudade era suportada, porque se mantinha muito ocupado com os afazeres da fazenda, e não tinha muito tempo para ficar pensando.
Assim, segundo ele, o tempo foi passando. Seu pai, que já tinha outros irmãos e parentes no Estado do Paraná, que naquela época, era considerado como o novo eldorado do Brasil, sempre recebia cartas destes parentes, para que vendesse tudo, apurasse o que pudesse, e se mudasse de vez para o Paraná, pois lá no Estado do Paraná, era a nova terra de oportunidades, inclusive, para ficar rico.
Contou-me, que o Pai dele, era apenas um pequeno produtor, homem sem muita experiência e de poucos estudos, acostumado apenas, ao plantio de pequenas lavouras de subsistência, e a criação de alguns animais, e não tinha, a visão da grande agricultura. Mesmo assim, acabou por ceder ao convite dos irmãos e dos outros parentes, culminando, com a decisão de vender as terras dele, aqui do Norte de Minas.
Recordou ainda, que seu Pai, durante alguns meses que antecederam a venda das terras, pareceu-lhe, pelo seu comportamento, que ele não estava muito certo da cabeça não. Manifestava algumas atitudes que não lhes eram próprias, o que lhe preocupava sobremaneira, e lhe deixava com medo, más que ele, nada podia fazer naquele momento, já que seu pai, não aceitava palpites nas suas decisões.
Entretanto, próximo das terras dos seus pais, tinha um fazendeiro, a quem seu pai nutria muito respeito. Preocupado, numa manhã, tratou de levantar bem cedo, e sem falar nada com ninguém, rumou até a fazenda do vizinho, à quem relatou as suas preocupações, pedindo ao distinto amigo da família, para chamasse ao seu pai até a sua fazenda, para dar-lhe alguns conselhos, quanto ao risco de venda das suas terras.
Segundo ele, o nobre vizinho, conhecido pela alcunha de Dé, na verdade, era o padrinho de batismo de um dos seus irmãos, e era compadre do seus pais de longa data. Assim, que numa pequena noite, nalgum daqueles dias, que o vizinho apareceu na casa deles sem avisar. Ele sabia, que aquela visita não acontecia por acaso, a presença dele na casa dos seus pais, atendia ao seu pedido. Haveria ele, de convencer a cabeça dura do seu pai, quanto da besteira, que estava prestes a cometer.
Disse-me, que não quis permanecer na sala para não atrapalhar a conversa dos dois. Após os cumprimentos de praxe, retirou-se para o quarto da sala, de onde, mesmo não participando da conversa diretamente, podia ouvir a tudo. Durante o transcorrer da conversa entre os dois, ouvia com atenção, que entre um assunto e outro, que o senhor Dé, havia entrado no cerne do assunto.
Dizia ele para o meu pai: Prezado compadre Sabino! Soube ainda há poucos dias, por intermédio de familiares do senhor, que aliás, estão bastante preocupados, que o nobre amigo, está pretendendo a venda desta sua fazenda, e se rumar de mudança, com toda a sua família para o Estado do Paraná? E eu compadre, seu amigo de tantos e tantos anos, se pudesse e se o senhor aceitasse me ouvir, gostaria muito de dar um conselho ao senhor!
Neste instante, interveio meu pai: Pois não compadre. O senhor pode falar! Prosseguindo na fala, o senhor Dé, disse-lhe em alto e bom som: Pois é compadre! Terras, a gente não vende não! más sim, as compra. Vender terras, é uma decisão muito perigosa, que precisa ser muito bem refletida e pensada.
Prosseguindo na sua fala, o senhor Dé, ainda disse para o meu pai: Compadre sabino! Já vi muitos sitiantes e pequenos fazendeiros desta nossa região venderem tudo: suas terras, seus rebanhos, seus animais, e se rumarem, numa aventura sem precedentes, para o Estado de São Paulo. Anos depois, cansei de assistir, ao retorno de vários destes pequenos ex-fazendeiros e sitiantes, só que não conseguiram trazer em seus bolsos, o tão esperado dinheiro que foram ganhar. Vi muitos deles sim, retornarem, como simples agregados e trabalhadores braçais de fazendeiros da região. Assim portanto compadre, faça a sua viagem, más não venda as suas terras.
A argumentação dos nossos parentes do Paraná, acabou sendo mais forte. Meu Pai, não ouviu aos conselhos do fazendeiro vizinho. Mesmo sabendo do meu namoro com Arlete, e da possibilidade do encaminhamento do meu casamento para o próximo ano, tomou a decisão, de que fôssemos todos embora. Argumentava meu pai, que mesmo morando no Estado do Paraná, procurasse manter o meu namoro com Arlete, e que se caso gostasse de verdade da moça, tratasse de combinar com ela, que voltaria para as festividades do próximo ano, para tratar o meu casamento com ela. Enquanto isso, que eu tratasse de trabalhar mais e ganhar dinheiro.
Meu pai então, vendeu as nossas terras, e o pequeno rebanho que possuíamos, e apurou considerável valor em dinheiro, suficiente, para um bom recomeço no Paraná.
Lembro-me bem - como é que poderia me esquecer -, o ano era de 1951, segundo semestre. Despedi-me de Arlete, prometendo a ela, que voltaria no próximo ano para as festas de Agosto e para o nosso noivado.
Embarcamos para a longa viagem no chamado Trem Baiano, da rede ferroviária federal, lá na estação ferroviária do antigo povoado de Burarama, hoje, cidade de Capitão Enéas.
Naquela época, havia um grande movimento migratório do Nordeste em direção aos Estados do Sul, para trabalhar na lavoura cafeeira, e o conhecido, “ trem Baiano “, era o elo de ligação entre o Nordeste e o Sul - único meio de transporte desta população migratória.
A viagem era lenta, fria, cansativa, e longa, e no transcurso da viagem, já entre as cidades de Corinto e Curvelo, ainda no Estado de Minas gerais, ocorreu-nos, algo de inesperado: como os baianos não paravam de se movimentarem dentro dos vagões de passageiros, muitos deles, dominados pela cachaça, acabou por pisar no pé da minha irmã mais nova, acabando por machucá-la.
Como meu pai reagiu, solicitando ao transeunte, que tomasse mais cuidado quando das suas andanças dentro do trem, acabou por gerar uma séria e grosseira discussão entre meu pai e um passageiro baiano, que apresentava-se, com ares de embriagado.
A discussão acabou por ficar calorosa, e tomando outros rumos. Como o trem conduzia na sua grande maioria, passageiros de origem baiana, e por conseguinte, compatriotas do agressor, eles acabaram por tomar o partido dele, gerando à partir de então, um certo tom de agressão, com sérias ameaças ao meu pai.
À partir daquele momento, passamos a ouvir diversas ameaças dirigidas ao meu Pai. Lembro-me até hoje, que uma dessas ameaças, tinha o seguinte conteúdo: “ Logo ao anoitecer, vamos beber o sangue deste boi mineiro “. O trem prosseguia em sua viagem. A nossa viagem se transformou num verdadeiro inferno. Meu pai, embora um homem alto e forte, com quase seus dois metros de altura, era um homem simples e pacato, jamais havia medido forças com alguém, entretanto, ouvindo a este tipo de ameaça, e como já não estava muito bem da cabeça, acabou ficando deveras impressionado, e as coisas caminhavam para um rumo desastroso.
A noite já se aproximava, o tempo estava meio turvo, e as ameaças dos Baianos, estavam cada vez mais freqüentes. Meu pai, num misto de medo e apavoramento, disse para minha mãe e para mim que era seu filho mais velho, que nos cuidássemos, e também, que cuidássemos dos meus irmãos mais novos, e que ao final da viagem, lá na estação ferroviária do Estado de São Paulo, quando da chegada do Trem Mineiro, um dos seus irmãos, lá estaria esperando por nós, e que ele, mesmo não sabendo onde se encontrava, ia pular do Trem. Que pressentia o pior, que Deus tomasse conta dele e de nós, e que rezássemos por ele, já que não sabia, se sobreviveria à queda do trem em movimento.
Foi assim, no anoitecer, que num lugar incerto qualquer, depois da cidade de Curvelo, ao longo da ferrovia, que meu Pai pulou para o esmo do vagão do trem de ferro em pleno movimento, acabando por se machucar todo, sendo posteriormente, encontrado desacordado, por moradores das redondezas.
A partir daquele momento, em que os Baianos assistiram ao nosso Pai saltar do Trem, as ameaças deles, felizmente cessaram. Houve um certo respeito para com a nossa família, que reunidos, num canto das arquibancadas de madeira de um trem de segunda, prosseguíamos na viagem, agora em choro, nos sentindo órfãos.
Respirando fundo, Belchior prosseguia: Pois é prezado! A viajem foi longa, cansativa, frienta, e de certa forma, desesperadora. Nos parecia interminável, chegamos à pensar, que nunca chegaríamos até a cidade São Paulo.
E, foi numa madrugada de terça feira, que finalmente chegamos na estação ferroviária da cidade de São Paulo. Lá de fato, estava nosso Tio, Manoel José, que nos esperava, para nos conduzir ao novo destino.
Informado quanto aos fatos ocorridos com o meu pai, ele tratou de denunciar na Polícia local, registrando uma queixa. A gerência da central do Brasil, passou um telegrama para todas as suas estações em Minas, comunicando os fatos acontecidos.
O Certo é, que não podíamos permanecer parados na estação ferroviária de São Paulo, e tratamos, agora sim, de seguirmos de ônibus, desta feita para a cidade de Londrina, no Estado do Paraná – nosso destino final.
Ficamos mais de um mês sem ter notícias do meu Pai. Acreditávamos, que ele havia morrido ao saltar do Trem em velocidade. Entretanto, Deus foi muito generoso com ele, após ser encontrado por transeuntes, muito machucado, ralado, e desacordado, foi embarcado de volta por trabalhadores da manutenção da própria linha de ferro, para a cidade de Curvelo, onde permaneceu internado em tratamento, por quase um mês.
Uma vez mais recuperado, ele foi atrás da gente, o certo é, que numa tarde qualquer de uma quarta feira, sem nos avisar, após passados mais de um mês, lá estava ele novamente, deprimido e machucado, mas já bastante recuperado.
Escolhemos como moradia, a zona rural do Município de Londrina, onde nossos parentes, lá moravam e trabalhavam desde muito tempo, na lavoura do café.
Foi assim, que o tempo foi passando. Como era um rapaz bem vistoso, e que havia herdado, os quase dois metros de altura do meu pai, além de bom tocador de cavaquinho, logo acabei por chamar atenção de algumas moças de língua enrolada que existiam por lá. Elas eram de nacionalidade italiana, e haviam acabado de chegar ao Brasil.
Não demorou muito, para que uma delas me chamasse muita atenção. Aquela mulher de pele clara, de cabelos loiros, olhos azuis, fazia o meu coração disparar, e não demorou muito, para que me enamorasse dela.
Embevecido pela beleza da Italiana, fui aos poucos me esquecendo da Arlete, que deixei lá em Minas Gerais. No início, e durante alguns meses, ainda escrevia para ela e respondia às suas cartas.
Com o Passar do tempo, cada vez mais envolvido com a Italiana, já não mais escrevia para Arlete com regularidade, e também, ao aproximar das festividades de Santo Antonio, lá na nossa região, arranjei a uma desculpa qualquer, e escrevi para ela, que não poderia ir até lá, e que o nosso noivado, deveria ficar para outra ocasião.
O Namoro, que nos últimos tempos só acontecia por cartas, foi esfriando cada vez mais, até que as cartas cessaram.
Como estava muito entusiasmado com a Italiana, não me demorei muito a ficar noivo dela, e o nosso casamento também, não demorou acontecer.
Nos primeiros anos de casamento, tudo bem. Quase nem mesmo lembrava da existência de Arlete, e do papelão que fiz com ela. Entretanto, na medida em que os anos de casamento passavam, começava a lembrar de Arlete cada vez mais, e muito embora, vivesse bem com a minha esposa, com quem tive uma leva de seis filhos, não tirava as lembranças de Arlete da minha cabeça.
O tempo passou, e quase não percebi. O certo é, que se passaram cinqüenta anos, e eu nunca mais voltei à minha terra. Cinqüenta anos é muito tempo, é quase o tempo de uma vida, e muito embora, todo esse tempo tenha passado, não esqueci Arlete - era como se fosse, uma verdadeira obsessão.
Infelizmente, logo após o aniversário de bodas de ouro do meu casamento, por obras do destino, minha esposa veio a falecer logo em seguida. Guardo em mim, a consciência em paz, enquanto ela foi viva e ao meu lado, procurei respeitá-la sempre, inclusive, nunca mais voltei às minhas terras de origem, por medo de fraquejar.
Agora, viúvo e já aos meus 72 anos de idade, meus seis filhos, já todos criados, alguns casados, cada um a seu jeito, tocavam seus próprios meios de vida
Como nunca mais havia voltado a Minas, e como também, jamais havia esquecido Arlete, após algum tempo de viuvez, lembrei-me, que agora, viúvo e solteiro, poderia dar um pulo lá em Minas, para rever a Arlete, e também, para rever os muitos parentes que lá deixei.
Ansioso, programei a viagem de retorno, e na medida em que os dias passavam, nem mesmo conseguia dormir direito. Pensava em Arlete, más a imagem dela, que vinha até a minha mente, era a de uma mulher jovem e muito bonita, conforme a conheci. Para não me decepcionar – pois sabia que o tempo havia passado também para ela -, tentava imaginá-la da minha idade, próximo dos setenta e dois anos. Tentava projetá-la na tela da minha Imaginação. Como poderia ela estar: conservada! muito velha ! bonita ! Feia!
Chegado o dia da viajem, embarquei de ônibus. Desta vez, não mais existia o velho Trem Baiano que passava pelo Norte de Minas gerais. Foi assim, descendo de um ônibus e entrando noutro, que cheguei até a cidade de Montes Claros.
Entretanto, precisava seguir viagem até um velho povoado distrito do município de Montes Claros - região dos meus pais, dos meus parentes, e da família de Arlete.
Não foi difícil. Nos dias de hoje, existem carros de aluguel, que fazem corridas para todos os distritos desta grande região, que diga se de passagem, desenvolveu muito, desde que me fui daqui, 50 anos atrás.
Como tinha parentes no velho povoado, fiz contatos com eles, anunciando a minha chegada.
Na verdade, tinha um objetivo maior – queria ver Arlete -, nunca mais soube o que aconteceu de fato com ela. Acreditava, que ela havia se casado, pois era uma mulher muito bonita, e mulheres bonitas , não ficam sozinhas – gostaria de vê-la, mesmo de longe.
Foi assim, que me rumei para o meu velho povoado de origem, de onde tinha partido para não mais voltar.
Interessante, o velho povoado não mudou muito, o que mudou mesmo, foram as pessoas. A maioria das pessoas que conhecia, já haviam morrido, restando alguns, que resistiram ao tempo.
Como fiquei hospedado na casa de um primo, não foi difícil, saber o paradeiro de Arlete. Ele me informou, que Arlete, logo após a minha partida, ficou muito triste, e que durante uns dois anos me esperou e não namorou com ninguém. Entretanto, com o passar do tempo, sendo uma mulher bonita, não lhe faltaram candidatos, e que ela, acabou se casando com o filho de um fazendeiro abastado da região.
Continuando o seu relato, meu primo me disse, que Arlete embora se casando com o filho de rico fazendeiro, ela não foi feliz. Viveu com ele uma vida difícil, o esposo, exagerava no vício da cachaça. Após muito anos de bebida, ele acabou arranjando uma cirrose hepática, que o levou para a sepultura.
A dona Arlete, que somente tinha dois filhos já crescidos, cansada da luta, logo após a morte do Marido, acabou por vender as suas terras, indo embora de vez para a cidade de Montes Claros, onde talvez, eu pudesse encontrá-la.
Mesmo ouvindo a estes relatos, mantinha dentro de mim, o desejo e a saudade de vê-la, afinal, uma beleza daquela, nem mesmo o tempo, seria capaz apagá-la.
Permaneci no povoado por um final de semana, reencontrei velhos amigos e parentes ( pelo menos os que estavam vivos ), foi muito bom.
Andei perguntando pelo endereço de Arlete em Montes Claros. Como ela era muito bem conhecida na região, não foi difícil conseguir o seu endereço.
Na medida em que as horas passavam, diante da expectativa de revê-la – agora nós dois estávamos viúvos -, meu velho coração saltitava, parecia querer saltar do meu peito, tal a emoção e expectativa.
Na segunda feira seguinte, voltei para Montes Claros. Tratei de tomar as iniciativas para localização da rua e do bairro onde residia Arlete, e não foi nada difícil.
Voltei para o hotel, tomei um bom banho, fiz a barba, vesti uma roupa bonita e vistosa, iria chegar na casa de dela de surpresa.
Como já havia localizado a casa dela, tudo ficava mais fácil. Peguei um táxi, e desci a uma quadra da casa dela. Não gostaria de fazer alarde, nem chamar atenção, por este motivo, pretendia chegar até a casa dela à pé.
Assim, executei os meus planos minuciosamente. Me aproximei da casa dela. Meu coração batia em alta. Será que o coração deste velho de setenta e dois anos vai suportar a tamanha emoção? Como vai ser a reação dela ao me ver? Eram perguntas que fazia à mim mesmo.
Tomado pela coragem, toquei a campainha da casa dela, era a casa de número 366 da rua. Apareceu uma empregada, a quem solicitei, se a senhora Arlete se encontrava em casa. A empregada – que me pareceu curiosa -, vendo aquele velho bem vestido, acabou por perguntar: o que deseja o senhor com a Dona Arlete ? Ao que lhe respondi, que eu era um velho parente, e que gostaria de vê-la.
Ela ouvindo a minha resposta, sem me falar nada, deu meia volta, e não me disse se ia chamá-la ou não, más permaneci na expectativa.
Como esperava de pé lá no meio da rua mesmo - pois não fui convidado para entrar -, permanecia à uma certa distância da porta de acesso da casa.
A expectativa era grande, a distância que me separou por muitos anos daquela mulher, estava finalmente, para ser vencida.
Não demorou muito, ouvi que alguém com andar trôpego, arrastava suas sandálias pelos corredores do assoalho da casa, aproximando-se, de uma das janelas da sala de fora, que dava acesso para a rua.
Logo a seguir, apareceu numa das janelas, uma senhora de aparência bastante envelhecida, cabelos ligeiramente desarrumados e embranquecidos pelo tempo. Sua voz, me soava ligeiramente trêmula - não havia brilhos no seu olhar.
Ao se aproximar da Janela, ela debruçou-se sobre o batente de madeira. Declinando um pouco o seu corpo e a sua cabeça para fora, com ares de quem enxergava pouco, me perguntou: O senhor gostaria de me ver? Quem é o senhor? O que é que o senhor deseja mesmo?
Nesta hora, mesmo ligeiramente afastado, reconheci Arlete pelos seus Olhos, más ela não me reconheceu. Mesmo que passassem mil anos, ainda reconheceria aquele par de olhos castanhos claros, contrastando com a pele morena dela. Confesso entretanto, que mesmo naquele pouco instante, a imagem dela me frustou – não podia acreditar!
Naquele curto espaço de tempo, observando a imagem dela na minha frente, quase entrei em choque - tive vontade de chorar -, desabrochou imediatamente no meu coração, um sentimento misto, de decepção, pena, e culpa, daquela mulher, que outrora, tão bonita, não soube envelhecer.
Como ela insistia, que dissesse quem eu era e o que desejava, acabei por dar-lhe uma desculpa qualquer, dizendo a ela, que me desculpasse, que na verdade, eu havia me enganado, não era ela a quem eu procurava – sei que me acovardei - más não tive forças......
Naquele mesmo instante, meio perdido, procurei me afastar da casa dela o mais rápido que pude. Entretanto, lembrei-me, que precisava de um espelho urgentemente. Precisa ver a minha própria imagem refletida. Precisava ver para acreditar, que o tempo havia mesmo passado, inclusive prá mim, só que talvez até então, por mera ilusão, ainda não tivesse dado conta.
Ao final do relato do prezado amigo, me senti muito honrado pelo privilégio e pela confiança de poder ouvi-lo num relato tão pessoal. Observei, que ele cochilava, e que precisava urgentemente de uma cama.
Montes Claros, MG, 10 de Abril de 2011.
                   
João Carlos de Oliveira
E-mail: zoo.animais@hotmail.com









Biografia:
Nem mesmo cairá uma unica folha de uma árvore, se caso não exista uma razão para tal!

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