Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Curitiba — um convite à meditação
JULIANA CRISTINA VANSAN

Escrever um relato de viagem sempre foi uma coisa que me interessou fazer. A mim, hoje formada em letras, e antes, a menina dos diários, adolescente das imensas cartas, que se arriscava em poemas, e para a qual, agora, relatar uma viagem seria também uma forma de traduzir, fazer caber em uma folha de papel, sensações, imagens, sentimentos, e até mesmo cheiros e sabores. Minha aventura rumo à Curitiba seguiu esse mesmo curso, através do qual, entre lindos parques e construções arrojadas e inovadoras, encontrei pequenos e significativos indícios de literatura e arte, minhas grandes paixões desde muito cedo.
Esta viagem, em particular, me fez recordar que a realização de pequenos sonhos é possível. Eu sempre quis conhecer Curitiba. Queria conhecer o Sul e ver de perto a “cidade modelo”, enquanto todas as minhas amigas sonhavam com Porto Seguro, Bahia, sol e festas. Acho que muitas dessas dissimilaridades se dão comigo pelo fato de que, desde muito nova, eu não gostava de estar a favor da unanimidade. Quando, na faculdade, li a célebre frase de Nelson Rodrigues que diz que “toda unanimidade é burra”, cheguei à conclusão de que os questionamentos e os exercícios de raciocínio haviam sido realmente uma constante em minha vida. Logo, tinha que ser Curitiba. E embora eu gostasse das baixas temperaturas, não era o clima invernal o que me atraía lá, mas sim um inquietante interesse em saber como aquela cidade havia se tornado tão avançada em certos setores — por exemplo, no transporte público —, ou sobre o crescimento ordenado dos centros urbanos, e por aí afora.
Soma-se a isso o fato de que, sendo membro de um grupo de jovens católicos que faziam esta viagem uma vez ao ano, havia chegado a minha vez de ir. E então eu criei todas as expectativas possíveis, porque quando se é jovem, ainda que se vá à cidade ao lado, sendo na companhia de amigos, sempre há motivos para muita alegria. Curitiba então! Amigos antigos e novas pessoas para conhecer... Estava eufórica!
Partimos, enfim, para Curitiba no ensolarado mês de fevereiro, em um ônibus fretado, repleto de jovens amigos, coordenados pelo padre de nossa paróquia, que nos levava pelo prazer da companhia. A viagem não tinha nenhum objetivo que não estivesse relacionado à reunião de amigos para conhecer outra cidade e divertir-se. Curitiba havia sido o destino escolhido porque lá se encontra o seminário da ordem dos padres de nossa paróquia, o que nos proporcionaria estadia e alimentação com baixa contribuição financeira.
Ônibus apertado. Porém o calor humano compartilhado não era só pela proximidade física, mas também pela experiência vivida, pois para muitos de nós, aquela era a primeira viagem desacompanhados dos pais. Após os trâmites iniciais, como avisos, regras, horários, e uma oração, chegou a hora de começarmos a nos divertir. Foram, então, entoados todos os ritmos de música e contadas várias piadas, pois enquanto alguns queriam dormir para aproveitar o passeio do dia seguinte, outros já achavam que o proveito tinha começado ali!
A viagem foi longa, a pista era um tanto quanto perigosa, e eu, depois de brincar bastante e cantar músicas com o grupo, voltei a me sentar ao lado de minha companheira de viagem, amiga de longa data e uma parceira e tanto nesta aventura, Priscila. Conversamos um pouco e depois pegamos no sono, até chegar ao nosso destino.
Assim que desembarcamos, ainda muito cedo, por volta das 8 horas, já pude sentir a diferença de temperatura. Não que fizesse um frio que exigisse agasalhos, mas o clima era diferente daquele que deixamos em nossa terra natal. Além do clima, outra coisa que, imediatamente, chamou a minha atenção, foi a arquitetura local. Nosso hotel improvisado ficava ao lado de um campinho de futebol, em um bairro curitibano chamado Uberaba, bastante populoso e repleto de casas grandes, cujos muros baixos e telhados bastante íngremes, lembrando casas de estilo colonial, constituíam o traço arquitetônico comum à maioria. A acomodação, feita de maneira que cada quarto fosse ocupado por três ou quatro pessoas, foi bem tranquila, exceto pelo alerta que recebemos acerca de uma proliferação de escorpiões na região — todo cuidado era pouco, nada deveria ficar no chão, deveríamos olhar os sapatos antes de calçá-los, etc. —, e que causou uma apreensão excessiva em todos nós.
Feitas as devidas apresentações aos moradores e funcionários do seminário, relembradas as regras e guardadas as malas, saímos todos a passeio. Havia um cronograma a ser seguido para que pudéssemos aproveitar melhor o tempo e conhecer o maior número de lugares possíveis. Partindo, então, rumo ao primeiro local do planejamento, já pude contemplar algumas das atrações que tanto ansiava ver: as ruas, efetivamente largas, e, logo depois, a Rede Integrada de Transportes (RIT), que consiste, basicamente, em vias exclusivas para o trafego de ônibus expressos. Fui falando aos amigos o que sabia sobre o assunto, e combinamos de pedir para que fizéssemos um passeio via “RIT”, no dia seguinte. Afinal, ir à Curitiba e não andar naqueles ônibus não teria a mínima graça! Os ônibus são longos, divididos em três seções, ligadas por conexões sanfonadas, e param em estações especiais, as estações tubo, que contam com acesso para deficientes. O sistema é utilizado por 85% da população curitibana.
Seguindo o roteiro, chegamos ao nosso primeiro objetivo, o Bosque do Alemão, localizado no belo bairro Jardim Schaffer. Ocupando uma área de 38 mil m², o bosque, que foi inaugurado em 1996, em homenagem à contribuição cultural e de tradições que os imigrantes alemães trouxeram à cidade, me impressionou pela imponência. Não há portões ou bilheteria, é um parque aberto à visitação pública. Logo ao descer do ônibus, avistei o primeiro monumento que fora construído ali, a Torre dos Filósofos — nada mais inspirador! —, uma ponte sobre uma cascata, que adentra à mata nativa e possui um belo mirante, cuja vista é espetacular, e de onde ainda se pode ouvir o som das águas escorrendo tranquilamente por escadas construídas pelo homem. Um convite à meditação, à valorização daquilo que recebemos gratuitamente e que tantas vezes nos passa despercebido frente às rotinas diárias.
Extasiada com a beleza do parque, descendo a Torre dos Filósofos, continuei a visita, seguindo, com meus animados amigos, uma trilha, curiosamente denominada “Trilha de João e Maria”, onde se reproduz o conto dos Irmãos Grimm. Os versos desse conto popular estão pintados em azulejos ao longo da trilha que cruza o bosque.
Ao final da trilha — como não poderia deixar de ser —, avistamos a Casa Encantada, uma reprodução da casa da bruxa do conto, onde há, instalada, uma biblioteca de contos infantis, aberta ao público. Aliás, outra característica que me chamou muito a atenção nesta cidade, e que eu também já havia lido a respeito, foi essa valorização e preocupação com a educação. O incentivo à leitura desde a primeira idade faz com que a cidade tenha crianças com bons índices de aproveitamento nas avaliações do Ministério da Educação. O passeio, neste momento, transformou-se em um deleite para mim. A experiência de conhecer lugares tão bonitos, do contato com a natureza e com a história daquele povo, escrita de maneira tão poética quanto as construções arquitetônicas curitibanas, e tudo aliado à literatura, não pode ser expressa por outra palavra que não... Deleite!
Após vasculhar muitos livros de contos de fadas na biblioteca, interessando-me por diversos deles, partimos para o Oratório de Bach, sala construída especialmente para receber concertos musicais, e ficamos muito encantados com a preocupação da cidade em favorecer a cultura e as expressões da arte, bem como com os detalhes da arquitetura, que seguia os padrões alemães.
Por fim, chegamos à última atração do parque, um monumento também muito interessante e que consistia em uma réplica da fachada de um castelo alemão. A exemplo dos demais, também levamos fotos desse monumento. Aliás, tivemos muita sorte por ter sido um incrível dia ensolarado, com céu azul, o que nos proporcionou belas fotos, além da experiência em si, realmente marcante.
Chamou-me realmente muito a atenção, não somente nesse, mas em todos os outros parques que visitamos, a certeza de que eles foram pensados, de que o espaço foi valorizado, e de que há sempre, por parte das instituições, um intuito muito grande em favorecer a visitação sem destruir o ambiente. Em todos eles era possível perceber certa energia, como se fosse um convite para adentrar à mata, sentir o clima úmido, os cheiros, entrar em contato com os animais nativos.
Deixando o Bosque do Alemão, partimos novamente para as ruas movimentadas de Curitiba, rumo a outro ponto turístico. A sensação era a de que viajávamos de um mundo a outro, apenas virando uma esquina. Em um momento, deixávamos um parque enorme, com ávores, espaço livre e sons de pássaros, para, no momento seguinte, nos deparar com largas ruas, trânsito intenso e os ruídos da metrópole. A mesma metrópole que reserva verdadeiros santuários de tranquilidade em diversos e estratégicos pontos.
A sensação de “retorno ao mundo da tranquilidade” repetiu-se quando chegamos ao Parque João Paulo II, mais conhecido na cidade como Parque do Papa, planejado após a visita do Sumo Potífice ao Brasil, em 1980, em uma área de 48 mil m², onde existia uma antiga fábrica de velas. É cortado pelo Rio Belém e inclui uma reserva de mata atlântica com mais de 300 araucárias, árvores nativas da região sul do Brasil. Foi nesse bosque também que percebemos outra grande característica da cidade de Curitiba: a valorização dos imigrantes que ajudaram a construir a cidade. Assim como no Bosque do Alemão, no Parque do Papa há um memorial em homenagem aos imigrantes poloneses que, vindos de seu país pelos mais diversos motivos — entre eles, fuga da fome e da guerra —, fixaram moradia na cidade e ajudaram a transformá-la na referência que hoje representa. O João Paulo II é mais que um parque, trata-se de um museu ao ar livre, reconstituindo o ambiente em que viveram os pioneiros imigrantes poloneses, que chegaram a Curitiba por volta de 1871.
Pausa para o almoço, voltamos ao Seminário. Momento de descontração total, e garantia de alteração da rotina dos moradores. Acostumados ao silêncio, meditação e oração, os seminaristas, padres e funcionários tiveram contato com os sons de uma turma de jovens eufóricos, conversaram conosco, deram dicas de lugares que deveríamos conhecer, e nos ofertaram uma simples, mas deliciosa, refeição regada a boa conversa, troca de experiências e partilha.
Terminado o almoço, após pequeno descanso, partimos para uma tarde de novos passeios, com a promessa de um jantar especial para a noite. Nosso destino agora era conhecer um dos mais famosos parques de Curitiba, presente na maioria dos cartões postais da cidade, o Jardim Botânico. Trata-se de um complexo parque, com jardins contendo inúmeros exemplares vegetais do Brasil e de outros países, espalhados por alamedas e estufas de ferro e vidro, a principal delas inspirada no Palácio de Cristal de Londres. Entrar neste “palácio” foi mágico! O clima úmido, o barulho da água correndo pelas pedras, e uma imensidão de tons verdes compõem o cenário. Seguimos então para o Museu Botânico, que, também no interior do parque, abriga exposições temporárias e permanentes, além de um centro de pesquisas, biblioteca e auditório.
Mas o que realmente mais me encantou foi o jardim externo. Ver toda aquela imensidão, que efetivamente lembrava os labirínticos jardins ingleses, era uma realização. Por diversas vezes eu sonhara com aquele lugar, e estar ali, “ao vivo e em cores”, na companhia de pessoas que partilhavam da mesma emoção, da mesma alegria, foi muito especial.
Seguimos então para a próxima parada: a Universidade Livre do Meio Ambiente (UNILIVRE), situada no bairro Pilarzinho, local onde existiu, na década de 1940, uma das maiores pedreiras da cidade, e onde, atualmente, se encontra o Bosque Zaninelli. Ficamos sabendo que a Universidade é uma ONG sem fins lucrativos, criada em 1991, que tem por objetivo efetuar ações relacionadas à preservação ambiental. O imponente prédio de 874m² foi edificado com toras de eucalipto. Uma rampa em forma de espiral, com vinte e dois metros de extensão, liga as salas principais do prédio — às quais não tivemos acesso — ao jardim, que fica em um nível mais baixo, proporcionando uma bela vista de grande parte da mata nativa do Bosque Zaninelli. Como o vento era muito intenso, tivemos dificuldades para fazer fotos com os cabelos no lugar e, sinceramente, tive medo de subir até o final, mas a vista foi recompensadora. Foi lá que descobrimos que o projeto da UNILIVRE foi feito pelo arquiteto Domingos Bongestabs, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná, mesmo autor do projeto que conheceríamos em nossa próxima visita, a Ópera de Arame, para onde seguimos sem perda de tempo, de maneira que pudéssemos conhecê-la ainda no sábado e, assim, não comprometer os passeios do domingo.
Ao deixarmos a UNILIVRE rumamos para o Parque das Pedreiras, onde uma grata surpresa nos aguardava. Soubemos que o parque foi construído especialmente para ser um espaço cultural, em que a arte humana convivesse em harmonia com a natureza. Entramos na mata por uma trilha, como que caminhando em busca de um tesouro, e defrontamo-nos com uma imensa ponte de estrutura tubular sobre um lago de águas bem verdes. Era possível ouvir o barulho de uma cachoeira ao fundo, e no final da ponte, escondida em meio à mata, onde também, no passado, havia funcionado uma pedreira, apresentava-se o tesouro: a Ópera de Arame, um audacioso teatro, construído a partir de estruturas tubulares e vidro, com capacidade para 2400 espectadores, e inaugurado em 1992. Fiquei emocionada. A ponte apresentou-se para mim como uma espécie de travessia necessária. Jean Chevalier, em seu Dicionário de símbolos, diz que a ponte significa passagem de um estágio a outro — da infância para a maturidade, por exemplo —, e a transposição daquela ponte, naquele ambiente, me parecia a metáfora da transposição que fazemos quando adquirimos conhecimento, quando entramos em contato com obras de arte. É uma passagem, uma alteração de pensamento, ou, como diz o mito de Platão, é um “sair da caverna e ir ao encontro da luz”, que é o conhecimento, a beleza em sua mais pura significação. E foi exatamente essa a minha sensação, enquanto atravessava a ponte rumo a um local onde respira-se a arte em todas as suas instâncias. A mesma arte que convive harmonicamente com o meio ambiente, utilizando-o a seu favor, em uma prova clara de que é possível conciliar progresso e preservação.
Ao deixarmos o teatro, ainda uma última e agradável surpresa. Tratava-se da placa de inauguração do teatro, na qual se podia ler a seguinte inscrição: “a peça de inauguração foi Sonho de uma noite de verão, de Willian Shakespeare!”, e que constituía uma bela referência à fusão entre teatro e literatura, por um dos autores que mais tarde eu estudaria com tanto empenho na graduação em Letras.
Deixamos o teatro, mas não o Parque da Pedreira. Permanecemos durante muito tempo neste, que era o nosso último passeio antes do jantar, conhecendo cada sala de divulgação de projetos culturais e sociais, tirando fotos, e conversando com os funcionários da Ópera — que, infelizmente, não receberia nenhuma apresentação teatral naquele dia. Voltamos ao seminário e, como sempre ocorria durante os preparativos para o banho, formou-se um grande alvoroço, com mulheres transitando com os braços cheios de roupas, shampoos e perfumes para todos os gostos. Nos preparávamos para ir à celebração da missa na igreja do bairro onde estávamos, a Paróquia de São Paulo Apóstolo, na qual trabalham os padres e seminaristas que conhecemos. Alvoroço à parte, ficamos todos prontos, a tempo de seguirmos a pé até a igreja. E lá chegando... Novo encantamento! Uma bela construção em formato triangular, tendo imponentes araucárias constituindo o portão da entrada e o convite a conhecer o belo interior, todo revestido em madeira. Uma construção arquitetônica moderna, diferente das igrejas tradicionais.
A celebração foi muito alegre. Todos nos receberam com entusiasmo, fomos apresentados à comunidade presente, nosso pároco disse algumas palavras a respeito de nosso passeio, do grupo que levara, e nós cantamos juntos uma música, como agradecimento pela hospitalidade — emocionante ocasião, dessas que são boas de guardar na memória. Ao voltarmos ao seminário para o jantar, promessa cumprida, aguardava-nos uma surpresa: um jantar bacana. Todas as mesas arrumadas com as melhores toalhas disponíveis, os guardanapos dobrados em forma elegante e tudo à luz de velas. A comida caprichada, simples e deliciosa, somada à excelente companhia dos amigos, de cá e de lá, me permite afirmar que nem o melhor hotel de Curitiba nos proporcionaria uma estadia tão agradável quanto a que tivemos ali no seminário.
Nesta noite, soubemos da Rua 24 horas — “a rua que nunca dorme”, segundo a definição dos curitibanos — e ainda não tínhamos desistido de conhecer os ônibus da cidade. Então, lá fomos nós! Tomamos o ônibus no bairro, fizemos conexão nas estações tubo e chegamos à famosa rua, que pareceu-me na verdade um boulevard, com pequenos e charmosos bares, além de lojas de papelaria e informática, e preços nada convidativos. Concordamos em escolher outro lugar para comprar os souvernirs para os amigos que ficaram.
De volta ao seminário, nossa noite foi de longas conversas e risinhos silenciosos, para não atrapalhar quem já estava dormindo, até que todos dormiram. Eu, porém, estava muito ansiosa pelos passeios do dia seguinte e demorei um pouco mais a pegar no sono, refazendo os caminhos do dia e pensando em todas as pessoas que eu gostaria que estivessem ali também.
O domingo brindou-nos com uma bela manhã ensolarada e, logo cedo, deixamos o seminário rumo à Feira do Largo da Ordem, no centro da cidade. Ali encontramos os presentes, com preços menores e com uma diversidade muito maior. Para este passeio, tivemos a companhia de um amigo que morou em Jundiaí e voltou à Curitiba, e que nos apresentou a um grupo de artistas. Eles apresentariam, em frente à Igreja, um show no estilo circense, que obviamente fizemos questão de assistir, constituído por pequenos números de mágica, palhaços e malabaristas, apresentando-se ali na praça, sob os olhares atentos de uma animada platéia, naquele dia, contando também com a nossa animação.
Nesta mesma praça, havia um relógio todo feito de flores. Uma atração à parte, um trabalho minucioso de jardinagem, com flores das mais diversas cores marcando o tempo na praça pública. Hoje, olhando novamente as fotos para escrever este texto, penso que esta deve ser a maneira mais suave de aprisionar o tempo: entre flores!
Foi também na Feira do Largo da Ordem que pude perceber o quanto o trabalho e preocupação da administração da cidade, em relação à preservação de sua infraestrutura, havia envolvido os habitantes. Não havia ali resquícios de sujeira, papéis pelo chão ou qualquer tipo de desorganização. E olha que estamos falando de uma feira! Toda a cidade é muito limpa, mas a feira me chamou mais atenção, por conta do que, infelizmente, estamos acostumados a ver nas feiras de São Paulo, por exemplo.
Deixando a feira, fomos conhecer a Torre da Telepar, construída por essa estatal, mas que, devido à privatização do setor, pertence hoje à Brasil Telecom, sendo a única torre de telefonia do Brasil com mirante aberto à visitação. E nós, portanto, não poderíamos ter perdido mais essa oportunidade. E o que encontramos lá foi novamente uma construção imponente, cercada de alta tecnologia, utilizada a favor da comunicação e da segurança da cidade. Visitamos as salas abertas ao público e depois subimos de elevador até o mirante, de onde podíamos ver grande parte da cidade, num giro de 360 graus.
Os passeios do domingo priorizaram a parte mais urbana da cidade, que não deixava de ser arborizada e muito bem estruturada, mas tínhamos ainda um último parque para visitar, o Parque Tingui. O nome do parque é uma homenagem aos índios que habitavam a região na época de sua colonização pelos portugueses. Há inclusive, na entrada do parque, uma estátua representando o índio Tindiqüera, cacique da tribo Tingui. E há ainda, no interior desse mesmo parque, provando a diversidade cultural do povo brasileiro e a forma como foi possível construir uma nação respeitando essa diversidade, um espaço para homenagear os imigrantes ucranianos que vivem na cidade e que também contribuíram com sua construção. Esse espaço conta com uma réplica da Igreja de São Miguel Arcanjo, construída no final do século XIX, pela comunidade de imigrantes ucranianos da Serra do Tigre, no município de Mallet, Paraná, sendo uma das construções ucranianas mais antigas do Brasil, na qual predomina um estilo arquitetônico bizantino, tradicionalmente usado nas igrejas ortodoxas eslavas, com cúpula octogonal de bronze e um campanário externo. A réplica da igreja não tem função religiosa. No seu interior são expostos ícones religiosos, uma coleção de pessankas, termo ucraniano que pode corresponder, em português, a escrever. As pessankas são ovos inteiros e crus, decorados à mão com motivos místicos e arte ucraniana. Li, nos informativos, que, tradicionalmente, as pessankas são feitas na última semana da quaresma e levadas à igreja, no domingo de Páscoa, para serem abençoadas e, então, presenteadas às pessoas amigas. Eram muitas as pessankas expostas ali, e das mais variadas cores. Obras de arte, estampadas em cascas de ovos.
E foi bem ali, em frente àquela réplica da Igreja de São Miguel Arcanjo, que tiramos a foto oficial do passeio, sentados na escadaria de pedra que dá acesso à igreja. Uma verdadeira festa para registrar aquele momento em fotografia, buscando uma maneira de “eternizar” não somente aquela visita ao parque, mas toda a nossa viagem, que havia sido tão agradável.
Era hora de voltar!
No caminho de volta ao seminário, passamos ainda por outra igreja do bairro vizinho, a Igreja da Imaculada Conceição. Mas essa, devido ao fato de não haver tempo para paradas, só pudemos ver por fora, o que não deixou de ser também muito gratificante, uma vez que se tratava de uma bela construção, como se fossem três imensos triângulos encaixados um no outro.
Nosso almoço foi tão bom quanto todas as outras refeições, mas já trazia um sabor de saudade. Nos preparávamos para a despedida, era hora de refazer as malas e pensar no caminho de volta. Preparamos uma pequena homenagem para nossos anfitriões, em forma de música, para agradecer pela hospitalidade e pelo carinho com os quais fomos recebidos. Sabíamos que estávamos trazendo muitas saudades e ótimas recordações em nossa bagagem, e que deixávamos um pouco de nossa alegria por lá também.
Nos despedimos calorosamente, com promessas de voltarmos — quem sabe com a mesma turma. Mas esses planos nunca se concretizaram. De qualquer modo, sou feliz por ter me permitido pertencer àquele grupo e conhecer tantas pessoas e lugares interessantes. Acredito que a vida valha a pena, justamente quando nos permitimos esses rompimentos com a rotina para respirar outros ares, principalmente se esses ares exalam odores que nos são caros à alma. E foi assim que me senti na ocasião de minha viagem à Curitiba, porque foi a realização de um sonho antigo, na companhia de pessoas queridas, e adquirindo conhecimento. E isso, como diz a famosa propaganda, “não tem preço!”
É interessante agora, frente a este texto de memórias, por meio de meus próprios relatos, hoje já tão emaranhados em minha vida, perceber as coisas que aprimorei com a prática e o estudo, os contos de fada — que descobri não serem tão ingênuos quanto eu imaginava —, a valorização à educação — herança da atenciosa dedicação de meus pais —, o gosto pela arte, em todas as suas manifestações — adquirido dia a dia, por meio da sensibilidade e do estudo. Além da grande experiência da partilha, de encontrar no discurso do outro a ressonância da vida.

***
Texto publicado no livro “Lugares, viagens e aventuras” www.revistagriffe.blogspot.com


Biografia:
Juliana Cristina Vansan Graduada em Letras pela Universidade Paulista (UNIP). Atua como professora de Língua Portuguesa e Redação na cidade de Jundiaí. É membro da Escola Crítica de Cinema, em São Paulo, reconhecida pelo CNPq. Cursa disciplinas acerca dos diálogos entre literatura e cinema nos Programas de Pós-Graduação da USP, e cursos de extensão, referentes ao mesmo tema.
Número de vezes que este texto foi lido: 61632


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Curitiba — um convite à meditação JULIANA CRISTINA VANSAN


Publicações de número 1 até 1 de um total de 1.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Frase sobre em você ter foco - Anderson Davidye 107 Visitas
Ensinar com todas as dificuldades dos dias atuais. - Kaline Soares Ferreira do Nascimento 76 Visitas
Grande Asdrúbal! - Rodrigo Nascimento 19 Visitas

Páginas: Primeira Anterior