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Os olhos da serpente.
Dudu Oliveira

__ São os olhos da serpente
                                                      que atraem a presa.
                                                                       Ditado hindu.__


Era uma daquelas noites de verão, ambiente abafado e atmosfera sufocante. Lençóis, travesseiros tudo somava em desconforto. Apesar da fadiga do dia estava difícil conciliar o sono. Um velho ventilador espalhava o ar quente no quarto e o calor se acumulava no colchão, só um retrato de Flavinha aos cinco anos não acusavam os efeitos da estação.    
Procurei o relógio no criado-mudo, distração de insone para enganar a ansiedade. A linha sinuosa de um corpo de mulher, amistoso e profundamente sonado me bloqueava a visão.
Percebi certo estranhamento entre a relação cotidiana e a fantasia do desejo. “Sei lá, transa com hora marcada, cumplicidade diluída na formalidade, responsabilidade versus encantamento... Ih, deixa isso pra lá...”
Constrangido e revelado levantei e segui direção à cozinha, disposto a tomar um copo d’água para não pensar mais no assunto.
Cautelosamente saí do meu quarto. Já no corredor percebi o ambiente mais arejado, mais fresco. A porta entreaberta do quarto de Flávinha denunciou a origem do providencial alívio.
Um misto de curiosidade e zelo me empurrou para dentro do quarto e a moldura quadrada de luz revelou a origem do vento. Entrei e fechei a janela, então vi Flávia, numa camisola curta e transparente que revelava em curvas e pele que a menininha era de fato uma mulher.
Num breve instante a atmosfera e mesmo o tempo se congelaram. Os volumes redondos, a cintura, a respiração entredentes, os cabelos em desalinho. Tudo preciso e intensamente registrado neste torvelinho emocional e cruel.
Sobrancelhas, lábios caprichosamente riscados e esculpidos, um pé delicado e pequeno, as mãos livres de tensões, uma pele dourada, brilhante e recoberta por finíssimos pelos, que se agrupavam no centro do abdome, seguindo em direção a uma diminuta calcinha branca. Um estonteante perfume, inicialmente pouco perceptível, predominava como um halo, envolvendo esta visão, sagrada e perturbadora.
Repentinamente, o tempo despertou na minha desconcertada surpresa. Tenso e silencioso abandonei o quarto.
Uma fera urrava no meu peito e seu barulho era capaz de acordar a cidade inteira. Em busca de refúgio, voltei para minha cama. Já não sabia onde andava o sono; minha agitação, minha inquietude, tudo me denunciava...
Despertei num susto com os ruídos da casa, e tudo o que era familiar me ameaçava. Mecanicamente me lavei e me vesti. O barulho e o cheiro do café me convidavam à cozinha, mas os poucos passos que nos separavam demoraram uma eternidade.
Confesso e condenado me rendi e entrei na cozinha.
Flávinha estava de camisola, no contra luz da geladeira, falou sem se virar.
__ Bom dia, pai, mamãe já foi...
__ Bom dia, filha. Olha ontem você dormiu com a janela aberta. Uma hora destas chove, entra um bicho ou sei lá o que?
__ Se entrar eu grito, que é pra você me socorrer. Olha à hora dorminhoco, você está atrasado.
Ela se curvou às minhas costas me abraçou, me beijou estalado e sorridente; seu seio roçou no meu ombro e ela se perdeu no corredor.

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