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DIFICULDADE DE ESCREVER
Sobre as horas e horas com papel e caneta na mão
ALINE CORDEIRO SANTANA

Resumo:
Esse texto reflete as angústias de um escritor, que já no fim da carreira, perde aquilo que sempre o cativou a escrever: o entusiasmo. A dificuldade em encontrar palavras novas que inovassem sua escrita ou que abalassem a estrutura de quem lê-se fez com ele se sentisse frustrado em sempre escrever da mesma forma, e não encontrar sentido em continuar desenhando sempre as mesmas palavras...

Passava da meia noite. O silêncio do quarto não combinava com o barulho dos pensamentos. Insistiam em percorrer apenas metade do caminho. Não se formavam por completo, deixando uma sensação de inquietude.
Era preciso escrever. Mais que isso, era necessário realinhar as palavras, e colocar os acentos e vírgulas nas emoções que vinham a todo o momento. Se não soubesse traduzir o que estava dentro dele, jamais conseguiria explicar.
É como um quebra cabeça, onde as palavras que se combinam geralmente estão em lados opostos. E ao tentar juntá-las, esbarramos em algumas que dificultam o percurso. Enquanto umas dizem solidão, outras lembram comemoração.
E ao encontrar palavras tão opostas a mente logo tenta uni-las como se já nascessem juntas. Lembro de uma festa onde me senti sozinho. Eram 100 pessoas e não conseguia me ver em nenhuma delas. A vontade de não conversar gritava dentro de mim. E por mais que tentassem me animar, a sensação de não querer fazer parte do ambiente me dominava ainda mais.
Será que há mesmo sentido nos opostos? Tentar encontrar algo parecido era, na verdade, o que dificultava a escrita. A confusão da mente pode ser linda. E decifrada, revelada, até onde o ponto final for.
Quando passei a escrever, vi que na verdade ao invés do português, teria que usar a matemática. Calcular a distância entre as palavras e tentar uni-las por meio de outras. Tracei um plano. O que viesse a mente anotaria.
E veio paixão, dor, timidez, alegria, cansaço, e realização. Até que não seria má ideia para uma música desses cantores sertanejos, em que tudo começa mal e termina bem, ou vice e versa.
Mas o objetivo era outro. Era escrever um conto. Um simples conto. Poderia falar sobre algo cotidiano, como a eterna discussão entre “bolacha” e “biscoito”, até algo mais profundo, ou melhor, que pudesse interferir, bagunçar, desajeitar a mente de quem lê-se.
E como interferir nas emoções de alguém se nem as minhas estavam sobre controle? Tentava não pensar mais, para não formar mais palavras no quebra-cabeça. Já me decidi por dez. Dez palavras que não fazem sentido, sem um conectivo que talvez fizesse a junção perfeita.
Com isso, o problema era outro. Tentar unir palavras opostas, poderia levar a criação de muitas letras no meio do caminho. Ou poderia encontrar aquelas que se encaixariam perfeitamente, unindo os pares como alma gêmeas.
Comecei pensando ser possível juntar árvore com timidez. Franzi a sobrancelha com desgosto. Quem imaginaria isso? Mas ao abaixar os olhos outros pensamentos vieram a mente. Poderia ser uma pessoa tímida refletindo debaixo de uma sombra de um pé de laranja.
A pergunta era: refletindo sobre sua condição tímida? E porque embaixo de uma árvore? Não poderia ser no quarto, ou na cozinha enquanto prepara o café?
Mas a sensação de estar perto da natureza era algo que o tímido apreciava. O frescor e o cheiro da terra poderiam causar sentimentos que ele talvez queira explorar. A completa sensação de paz, com os pés descalços enquanto caminha, sabendo que não haveria julgamentos por ali, levaria o tímido a outra condição: a de um ser humano comum, tentando encontrar o sentido da vida.
E que eu poderia dar. Ao escrever algumas linhas. Pensava sobre sua situação. Teria pai, mãe, primos? Moraria em uma cidade agitada ou tranquila? Qual idade esse personagem teria? Será que um bisavô combinaria com os dilemas de uma pessoa tímida?
Acho que não. Pelas minhas contas as palavras que dariam coerência à estória poderiam preencher folhas e folhas, e talvez deixariam a sensação de perda de sentido. Ou de estarem forçadas a preencherem a lacuna do abismo entre as duas palavras.
Não seria mais fácil pensar em obviedades e encontrar letras que desse um tom de inovação? Como amor e conforto. Conforto de estar amando. Ou de ser amado por alguém. Seria interessante pensar sobre isso.
Uma coisa confortável, necessariamente não necessita ser boa. As vezes o conforto é angustiante. Muito mais sofrível que estar constantemente em estado de ansiedade.
O romance entre duas pessoas, apesar de trazer sensação de bem-estar, poderia causar sintomas de depressão. De constante angústia por medo de perder a pessoa amada, ou da eterna busca pela plenitude, que só o amor próprio trás.
Será que os escritores podem interferir nos ramos que só Freud explica? Teria mesmo o aval de adentrar em cada labirinto da mente, e tentar encontrar as a linguagem perfeita para decifrar cada sentimento?
Mas, o que seria de um escritor sem o desafio de ir cada vez mais profundo nas suas entrelinhas? Escrever sobre o que todos já sabem não era divertido. Tudo bem que cada indivíduo pode ter uma visão diferente sobre um mesmo tema. Mas a discussão maçante não me agrada. Gosto de desvendar espaços que foram deixados abertos intencionalmente, para alguém com audácia e coragem, trancá-los e não deixar a chave para outras indagações.
Me sentiria contente se soubesse sobre o que escrever. Talvez já existissem livros demais. E palavras de menos. A pressa também atrapalha nesses momentos. Sabe aquela frase que te faz refletir por horas? E que você pensa em ter um filho apenas para contar a ele? São essas que gostaria de encontrar.
Será que minha mente está com defeito? Não teria mais nexo os meus pensamentos? Até onde pensar sobre isso poderia dificultar ainda mais a elaboração do texto perfeito?
Não seria mais fácil apenas escrever? Sem nem ler o que está sendo escrito?
Lembrava de quando comecei, a cinco anos atrás... Como era fácil sentar e escrever. Não havia momento certo. E era muito prazeroso interpretar o que minha mente dizia. Faltava espaço para tantas palavras. Em menos de 10 minutos havia 7 páginas de texto.
E poderia ficar por horas e dias. Sem nem lembrar que existia algo além disso. Hoje minha mente se assemelha a um emaranhado com poucas pontas. Se puxar um lado, outros nós se formam de outro.
Não sei se por tanto escrever acabei com o estoque de palavras. Talvez devesse ler outros gêneros, e ir mudando os pensamentos a cada nova estória. Estava acostumado com os mesmos autores, que amava por sinal, mas que já tinham me dado coleções de livros que expunha na estante da sala, coroados por estátuas de reconhecimento, de escritor que naufraga na mente de outros, e que por fim, acaba reinterpretando aquilo que foi dito no século XIX por Machado de Assis.
Não sabia mais o motivo de escrever. Se já havia escrito tanto, porque colocar ainda mais palavras no mundo? Porque colocar nos papéis algo que poucos ainda apreciavam? Será que teria repertório por quanto tempo?
E de repente sentiu a sensação de escrever sobre isso. Talvez uma autobiografia mostrando as glórias do passado, os vários títulos conquistados na academia de letras, e por fim, a perda do direito de usar as palavras para criar outras combinações.
Terminaria assim sua carreira?
Não. Antes deveria escrever sobre a dificuldade. A eterna e gradual dificuldade de escrever. De encontrar versos na mente confusa. E fazer poesia com algumas letras que rimavam.
Era isso ou mais um papel amassado no lixo. Já não haviam estórias que sua mente gostaria de revelar.
Ou escrevia sobre não saber escrever, ou desistia.
Preferiu a segunda opção.


Biografia:
Escritoras nas horas vagas. Amo escrever. Sempre amei. Paixão de criança que floresceu na fase adulta. Mesmo trabalhando com os números (formada em contabilidade e matemática) sempre fui apaixonada pelas inúmeras reflexos que só um bom texto trás. Escrevo o que vem do coração (baita clichê). Das minhas observações no dia-a-dia. De tudo que eu queria ser e não sou. E sobre tudo que imagino que seja e talvez não seja. Mas daquilo que eu sou escrevo apenas o que eu quero que você saiba.
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