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Haroldo
João Carvalho

A QUEDA DO METEORO

Blam! Slam! Blam! Slam! Blam! Slam!

O som invadiu a percepção de Haroldo, sentindo um tremor em seu corpo, como vibrações causadas pela queda de um grande meteoro próximo a seu quarto, derrubando as paredes e muros da casa vizinha, com escombros caindo sobre o chão de uma grande sala, ecoando o som da destruição. Sentiu-se dento de Final Fantasy V, jogo em que dedicara várias horas no dia anterior, mas que não garantiu seu término. Era ele o andarilho Bartz que, ao lado de Boco, seu fiel mascote e principal meio de locomoção pelas terras do Reino de Tycoon, perambula pelo vasto mapa em busca de sobrevivência, aventuras e riquezas?

Não sabia ao certo que horas eram, nem sequer se era dia ou noite, se acabara de acordar ou estava num sonho. Apesar do barulho que invadia todo o cômodo e as palpitações causadas por ele, Haroldo não conseguiu identificar sua origem. Continuou na cama, não exatamente acordado. Estava paralisado naquele estado de confusão, o que impediu qualquer reação ao que estava acontecendo, seja na realidade ou no Reino de Tycoon.

Dormir de portas fechadas era uma regra imposta por seu pai, por medida de segurança. A casa foi invadida por um assaltante anos atrás, e as portas dos quartos, naquela ocasião, estavam todas abertas. Felizmente o criminoso contentou-se com o tesouro encontrado no restante da casa, o que ia desde carne congelada a um DVD portátil, que achava ser um Notbook, sem adentrar nos cômodos onde os habitantes dormiam. Assim, apesar do calor causado pelas portas fechadas, decretou-se a obrigatoriedade de mantê-las assim todas as noites.

Haroldo sentia essa confusão frequentemente. As horas dedicadas aos livros, filmes e jogos eletrônicos, por vezes, o tirava a percepção do mundo. Confundia sua identidade e suas capacidades a medida que adentrava numa nova história. Por vezes estava convicto de sua habilidade em decifrar os significados nos pequenos comportamentos das pessoas, como uma personificação de Sherlock Holmes, por outras simplesmente desejava ser o Noturno, mesmo com sua aparência azulada e a calda preênsil, para assim sumir algumas vezes. As histórias de viagem no tempo eram particularmente fascinantes, imaginava-se superando os momentos ruins digitando uma data futura no painel de um DeLorean ou voltando por diversas vezes até conseguir beijar a garota mais bonita da festa do colégio. Assim não seria necessário enfrentar as provas difíceis ou seu ano de cursinho pré-vestibular e poderia moldar sua vida de acordo com sua cabeça, onde fervilhava as milhões de possibilidades que os mundos o oferecia.

A imaginação fértil de Haroldo o afastou da realidade, problemas simples, como reparar um balde rachado, engatava o pensamento acelerado e engenhoso do seu Eu MacGyver, buscando os mais desnecessários itens para concretização da tarefa. A questão, porém, é que quase sempre dava errado, obrigando o uso dos métodos comuns. A prática se arrastou por muito tempo na sua vida, projetando de forma fantasiosa e extremamente positiva as oportunidades que apareciam. Como da vez em que foi convocado para trabalhar na função de corretor de imóveis. Haroldo imaginou-se o mais bem-sucedido vendedor de propriedades de alto padrão, ganhando milhões e conquistando fãs em todas as redes sociais, assemelhando sua carreira futura com a de Jordan Belfort na sua implacável atuação na venda de ações.

As redes sociais não eram ferramentas usadas por Haroldo, suas características de introspecção e medo o impediam de ter sua vida acompanhada por outras pessoas ou de que fosse percebido. As atenções voltadas para ele geravam grande desconforto, tremendo como vara verde em qualquer apresentação para mais de quatro pessoas. Na verdade, qualquer conversação, num primeiro contato, causava pânico, despertando o desejo de por fim no diálogo o máximo rápido possível, ainda que parecesse esquisito ou ignorante. Ir ao shopping sempre foi um tabu, passava pelos corredores com velocidade, assim as chances de ser abordado por um conhecido ou vendedor de óculos e relógios eram reduzidas a quase zero. O julgamento de terceiros causava pânico. A vontade de agradar a todos o impedia de falar como ele mesmo, de agir como ele mesmo e de ser ele mesmo. Sua imagem era de um jovem paciente, calmo e sensível, mas nem mesmo Haroldo sabia quem ele era.

Socorro! Blam! Slam! Abre a porta! Blam! Slam! Acorda por favor! Blam! Slam!

Por um instante Haroldo sentiu algo diferente, sabia que não era Bartz, sabia que não estava no Reino de Tycoon, porém não tinha certeza quanto ao dono daquela voz. Sabia que pertencia a uma mulher. Uma mulher que lhe rogava desesperadamente por socorro e ordenava que acordasse com uma voz engasgada e grave, como se o rapaz naquela cama fosse a única pessoa com a disponibilidade ou capacidade para salva-la, mas infelizmente não era.

Ocorre, porém, que Haroldo ainda não havia despertado de seu sono. Era conhecido por dormir pesadamente. Como da vez em que os bombeiros tiveram de arrombar a porta de entrada do apartamento, pois, apesar das batidas, gritos e telefonemas dos seus amigos, Haroldo não abriu a porta e nem emitiu qualquer sinal de vida, pois encontrava-se jazido em sua cama.

Assim, entre a realidade e o sonho, encheu seu peito, seu ego e seus membros, sentindo-se um dos sapos de Battletoads, com a missão de salvar a princesa Angélica das mãos Dark Queen, jogo que invadia seu imaginário por conta do programa de televisão, preparado para ultrapassar os obstáculos da fase número três, até que foi violentamente acordado pela repetição dos gritos e batidas na porta.

A vida não era ruim para Haroldo, muitos gostariam de estar em seu lugar. Não havia necessidade de arrumar a cama ou colocar sua toalha no varal, tinha um PlayStation, um computador com o incrível Pentium 4 de monitor já amarelado, suas revistas e privacidade. Gozava, também, de uma liberdade invejável, com sua bicicleta vermelha, que permitia perambular sem limite de horário nas suas aventuras de piloto pelas ruas pouco movimentadas. Tinha alguns irmãos, dos quais só teve oportunidade de conviver anos depois, sendo criado como filho único, numa casa relativamente grande, também ocupada por seus pais, mas infelizmente sem piscina.

As saídas de bicicleta serviam para reduzir o contato com seus pais, poderia chegar tarde, quando já estivessem recolhidos, para assim dormir sem as conversas sobre a escola ou qual a nova modalidade esportiva iria praticar, ou melhor fracassar. As noites eram esquisitas na casa de Haroldo, havia um clima de medo e insegurança, causado pelos numerosos cômodos inabitados ou, possivelmente, por aqueles que estavam ocupados. Em algumas o seu pai o chamava para conversar, assistir televisão, jogar poker ou intermediar uma divergência de opinião com a mãe, mas era mais atraente matar zumbis em Resident Evil.

— Haroldo, larga esse vídeo game, rapaz. Venha aqui, vamos assistir televisão juntos — dizia seu pai, as vezes em tom amável e paterno, porém noutras em tom de ordem.

Naquela noite Haroldo não saiu de casa para sua aventura noturna na bicicleta vermelha, nem continuou jogando Final Fantasy V, ainda que desejasse compulsivamente qual relação entre os cristais do poder com Exdeath, estava cansado e para evitar maiores interações resolveu cumprir o ritual de fechar a porta antes de dormir.

As batidas, a voz, os gritos repetiram-se por diversas vezes até que despertasse o salvador da pátria, o grande herói, o Capitão Cueca. Levantando-se com a mesma velocidade com que abriu os olhos, Haroldo despertou. Num primeiro momento, ainda tomado pelo desespero e pelo desconforto causado pelo salto abrupto de sua cama, não conseguiu identificar que horas eram, mas identificou a voz e as batidas, percebeu de onde vinham.

O desespero que antes parecia ser causado pela queda de um meteoro aumentou absurdamente, atingindo o maior nível de adrenalina já experimentado por Haroldo até então. Contudo, apesar de todo o sangue circulando por todas as veias e artérias, resultado do batimento acelerado de seu coração, o salvador ficou inerte. Em pé, ao lado de sua cama, a voz gritando repetidamente, as súplicas, os pedidos de socorro, os golpes que faziam tremer as paredes. Enfim, ao situar-se no espaço tempo, ficou completamente paralisado, empalideceu e pôs-se a chorar.

Não conseguiu abrir a porta de seu quarto, nem sequer abrir a boca para formular qualquer resposta, simplesmente ficou petrificado. Uma estátua de medo e fraqueza. Haroldo sabia o que acontecia, mas tinha medo de interferir, não sabia ao certo como interferir, temia as consequências. Estava impotente, o Capitão Cueca estava completamente despido, nu e desprovido de qualquer coragem, com os punhos amarrados ao rosto que chorava em silêncio.

Ele sabia o que estava acontecendo, já havia acontecido antes, sabia que iria se repetir por muitas vezes. Girava e repetia em sua cabeça, como um disco aranhado — de novo não, de novo não. Quando isso vai parar?

     *     

Choveu na noite anterior, impedindo a prática comum de Haroldo em acordar cedo. A temperatura agradável, o som da chuva atingindo sua janela e a barreira de nuvens negras obstando a passagem da luz solar, o faziam pensar que ainda era noite. Em geral levantava antes de ouvir seu despertador, mas naquele dia acordou sob o som alto e agudo de sirene, semelhante aos alarmes de incêndio. Não era confortável acordar nessas condições, levantava-se num sobressalto, sentia um verdadeiro empurrão ao erguer seu tronco, olhava ao redor de seu corpo em busca do responsável pelo som infernal que o acordara. Somente depois de alguns segundos era possível perceber que havia sido acordado pelo rádio relógio, e completamente atrasado, quando desligava o maldito despertador e iniciava mais um dia sem qualquer novidade ou excitação.
   
O Costume, porém, não se repetiu na manhã seguinte aquele ocorrido, apesar da insistência do despertador, Haroldo acordou com tranquilidade. Ergueu-se da cama localizando imediatamente a sirene do carro de bombeiro, fazendo-o parar de emitir aquele barulho ensurdecedor. Procurou seu par de chinelos, o que acontecia com extrema raridade. Não gostava de usá-lo, ou simplesmente esquecia da sua existência, mas dificilmente saia calçado, sofrendo com a repreensão constante de sua mãe — cadê teu chinelo? Volte agora pra buscar, senão tu vais pegar uma frieira — dizia. Pôs-se de pé, e foi em direção ao banheiro de seu quarto. O cômodo era grande para um só Haroldo, com armários na altura da cintura e alguns compartimentos suspensos. As paredes foram pintadas fazia pouco tempo, ainda era possível sentir o cheiro forte das marcas da moda, um arquiteto ou pintor diria ser de cor citrino, mas para Haroldo era cor de vômito. O tom horrível e deprimente daquelas paredes era quebrado pelos pôsteres de Homem Aranha e X-Man, comprados da locadora de DVDs.

Não havia porta-retratos e fotos coladas em móveis ou no espelho, Haroldo as odiava. Não tinha lembranças que merecessem ser fotografadas, eram na sua maioria negativas, e achava melhor mantê-las longe de seus olhos, pois era impossível tira-las da memória. No entanto o último Natal celebrado por todos os tios e primos, traziam boas lembranças. Ganhara de seus pais bonecos dos Power Rangers. Ao lado dos armários, sobre um móvel improvisado de madeira na cor preta, onde antes existia uma velha Panasonic de 14 polegadas, ostentava-se uma televisão de 20 polegadas de tela plana conectada ao seu PlayStation.

A passos lentos e arrastados, emitindo sons semelhantes ao caminhar de uma senhora de idade avançada, Haroldo chegou ao banheiro. Pôs as mãos sobre a pia a fim de equilibrar seu corpo, cabeça baixa, os membros ainda estavam insensíveis aos estímulos. Os olhos entreabertos na direção da cuba branca — dormi demais, preciso me apressar — se repetia em seu pensamento. Esticou seus braços acima da cabeça e finalmente abriu por completo seus olhos negros. Olhou-se no espelho, e pôde perceber, ao confrontar sua imagem refletida na superfície espelhada, que seus olhos estavam vermelhos e inchados. Constatou que de fato havia chorado na noite anterior. Diante da fisionomia refletida a sua frente, acendeu-se a dúvida sobre a veracidade do choro, dos gritos, das batidas, de todos os acontecimentos, que antes considerava parte de seu imaginário noturno. Da voz, porém, era impossível recordar. Não sabia a quem pertencia, embora lembrava-se das palavras. Socorro! Abre a porta! Acorda por favor! Os sons se repetiram na sua mente, como se ocorresse naquele momento.

Blam! Slam! Blam! Slam! Blam! Slam!

— Haroldo, acorda, vai se atrasar para o colégio, e ainda nem tomou café — falava sua mãe enquanto batia na porta — vou esperar na cozinha.

— Já estou quase pronto, ainda vou tomar banho, calma — respondeu após o susto causado pelas batidas repentinas. Haroldo saiu do seu quarto sem tomar banho, ainda não estava preparado para isso e estava muito atrasado, preferia tomar um bom café, era inaceitável ter que pegar uma maça e comer ás pressas, graças a um atraso causado por um banho demorado, embora achasse necessário para reconstituir sua feição.

*

A família de Haroldo não era adepta aos diálogos à mesa, utilizavam-na, em suma, para as alimentações, ouvir o noticiário local pelo rádio ou televisão, fazer perguntas genéricas como: dormiu bem, o que teremos para o almoço ou quem vai deixar Haroldo no colégio, e, com mais frequência, para discutir sobre a veracidade das fofocas espalhadas pelos vizinhos.

A vizinhança era agradável e solícita, formada, na sua maioria, por casais com filhos adultos, já casados ou não, e idosas viúvas ou separadas. Na casa ao lado morava a Sra. Nelsa. Uma senhora muito idosa, apesar de jamais ter revelado sua idade — é falta de educação inquirir uma dama sobre sua idade — respondia aos questionamentos de natureza invasiva, parecia ter uns 80 anos. Tinha grande apresso por Haroldo, gostava de ouvir suas histórias fantasiosas, talvez a fazia sentir mais jovem, como a criança que estudou no convento, onde deleitava-se com os conhecimentos de piano e canto. Haroldo a tratava como uma avó, pois a ele dedicava bastante cuidado, mimos, conselhos e boas histórias de seu tempo. Nos momentos difíceis, os problemas trazidos pelo jovem pupilo e as dúvidas causadas pela pouca idade, eram partilhadas com a Sra. Nelsa, dando-lhe resposta satisfatórias a todas, diante de sua vasta experiência de vida. Entre eles recebia o apelido de Oráculo, pois dotava de conhecimentos sobre-humanos e sobrenaturais, ganhando ainda mais semelhanças pelos longos vestidos e cabelos brancos.

Haroldo finalmente sentou à mesa. Seu lugar era predeterminado pelo guia definitivo da boa convivência familiar, com regras escritas por ele mesmo, para ele mesmo. O pai tinha sua cadeira localizada na cabeceira da mesa de jantar, como costume nas casas de seu tempo, a mãe ficava sentada à sua direita, em frente à televisão, despertando a inveja de Haroldo, que, por sua vez sentava de frente para sua mãe, ou seja, de costa para a TV. Seguia-se, refeição após refeição, a divisão de acordo com o mapa da mesa de jantar.
   
Naquela manhã ouvia-se no rádio a notícia da prisão do rapaz responsável por diversos roubos a residências, a empregada, que acabara de chegar, fazia perguntas sobre o almoço do dia, interrompendo, por diversas vezes, a deliberação de seus patrões sobre quem seria responsável por deixar Haroldo no colégio. Alheio aos acontecimentos da mesa, Haroldo acordou de súbito ao ser perguntado se havia dormido bem na noite passada, pois parecia estar cansado, rosto inchado e com olheiras visíveis ao mais rápido golpe de vista.

— Dormi feito pedra — Respondeu Haroldo sem dar maiores detalhes. Gostaria de conversar sobre o que havia ocorrido durante a noite, mas evitou entrar em detalhes, era incapaz de formular qualquer pergunta a respeito. Ainda não estava plenamente convicto de que os gritos partiram da porta de seu quarto. Haroldo sentia-se desconfortável em falar de seus devaneios, já havia sofrido muitas represarias por seu comportamento desleixado e relapso. Costumava perder o foco nas conversas e esquecer as ordens dadas por seus pais. Haroldo sofria com isso, mas não conseguia adequar seu comportamento ao padrão exigido. — Já acabei, quem vai me levar ao colégio? — questionou erguendo-se rapidamente da mesa.

*

A mãe tirou o palito menor e foi escalada para a missão. Quase sempre cabia a ela a tarefa. O pai entrava no trabalho às 08h00, enquanto Haroldo deveria estar pronto para a cerimônia diária, onde cantava-se o Hino Nacional, às 07h15. Determinar à esposa que deixasse o garoto dava-lhe preciosos minutos para suas atividades matinais. Gostava de exercícios físicos, levantando alguns alteres pela manhã, e dedicava poucos minutos para o cuidado dos animais da casa. Era um homem saudável e ativo apesar da idade. Sua mãe sempre foi afeita às atividades domésticas, coordenando com maestria o trabalho da empregada no cuidado das plantas, comida, limpeza e da arrumação. Sua mãe também gostava do ócio garantido pelas horas de trabalho de seu marido, passando as tardes no seu sono de beleza ao som de novelas mexicanas, emitidos pela TV sem qualquer expectador.

Ao entrar no carro, Haroldo notou o algo incomum em sua mãe. Parecia cansada, com ombros arqueados e respiração lenta e descompassada. Desconfiava do que poderia ter acontecido, ainda que as lembranças estivessem turvas em seu pensamento. O rosto estava coberto pelo longo cabelo negro ondulado, penteado de forma incomum. Era uma mulher muito bonita. Ele não a amava, assim como não amava seu pai, não recebia deles o carinho dado pela Sra. Nelsa. Sentia remorso por isso, envergonhava-se por pensar assim, sabia que estava errado, por isso jamais revelou seus sentimentos a ninguém. Nem mesmo para o Oráculo. Mas Haroldo os honrava e respeitava, embora inexistia amor de sua parte.

O caminho até a escola se arrastou lentamente sem nenhum diálogo. A mãe não puxou assunto e nem interferiu na escolha da música tocada pelo rádio do carro. Ela estava diferente, invasiva, parecia fora de si, distante daquele momento, dobrando ruas no modo automático. Olhava para frente sem vacilar um segundo sequer, ainda que estivesse de olhos semiabertos. Não virou o rosto sequer para estrar na avenida de acesso ao colégio. Não xingou o motoqueiro que passou a poucos centímetro do carro. Não buzinou, nem disse olhando para Haroldo com cara de mau — devia ter derrubado aquele barbeiro — Eram engraçados os acessos de raiva no trânsito ou em casa. Naquele dia não houve nada disso. Sem conversa, sem o CD dos The Fevers, com seus dois riscos causados pelas inúmeras repetições, sem xingamentos, sem risadas. Foi uma viagem que pareceu durar a eternidade da aula de matemática, até chegarem em frente ao portão de acesso à escola.

Haroldo já estava de costas para o carro, caminhando em direção ao portão de entrada quando foi surpreendido pela voz de sua mãe.

— Haroldo, realmente você dormiu feito pedra ontem a noite — disse sem olhar para o filho, mas com um pequeno e discreto sorriso forçado em seu rosto, um belíssimo sorriso forçado. Ela arrancou o carro antes que ouvisse qualquer resposta, contentando-se com o cantar de pneus.




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