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Um Ponto de Luz
Darlan Fernandes Cussate da Silva



Eram quase duas da manhã quando ele acordou com um susto, sua filha o chamava aos prantos em seu quarto, quando correu para ver do que se tratava encontrou a menina debaixo do cobertor, chorando e com medo, ele se sentou ao seu lado na cama e disse:
- O que houve Patty? Teve outro pesadelo?
-Sim, papai – respondeu a menina com os olhos marejados, engoliu o choro e continuou: - Eu sonhei com aquele homem que disse que se chamava Deus de novo e ele falou que iria acabar com a gente, que nós não servimos mais, estou com muito medo, papai, nós vamos morrer?
-Claro que não filha, foi só um sonho. Esse cara não existe de verdade, tudo o que acontece na nossa vida é explicado pela ciência - Respondeu o pai, afanando os cabelos dourados de sua filha.
- Ciência, é tipo onde você trabalha, né? – Indagou a criança, agora mais calma, sem chorar.
- Sim, o papai é um cientista, eu procuro as respostas pra tudo e te digo: Não vamos morrer, vamos todos ficar juntos por muito tempo. Agora volte a dormir, amanhã você tem que ir à escola – Disse o pai que logo levantou da cama.
-Está bem papai, mas deixe a luz acesa por favor? - Pediu a filha.
-Tudo bem, agora durma.
-Eu te amo, papai.
-Eu também te amo, minha filha – Respondeu o pai que fechou a porta e voltou ao seu quarto.
Quando chegou a seu quarto, se deparou com a esposa que o esperava sentada na cama, então ele perguntou:
- O que aconteceu amor, está se sentindo bem? Está com alguma dor?
-Não, querido – ela respondeu, com um leve sorriso devido ao tom de preocupação do marido-Eu também acordei com a Patrícia chorando, com certeza foi outro pesadelo, não foi?
-Sim, disse que sonhou com deus de novo, sua mãe anda falando coisas religiosas para ela; tenho certeza, eu já te falei que não quero isso – respondeu com um tom seco.
-Eu não sei, mas vou conversar com minha mãe amanhã e vou pedir para que não conversem sobre isso, tudo bem? – Disse a esposa, voltando a deitar ao lado de seu marido.
-Tudo bem, eu te amo, você sabia? – Ele falou, olhando nos profundos olhos azuis de sua esposa, agora parecendo cansados, o que o entristecia muito.
-Eu sei , seu bobo, só sua casca é durona, por dentro você é um docinho – Ela deu uma risada.
Eles se entreolharam por uns segundos, depois se beijaram profunda e intensamente, até que fizeram amor e depois dormiram abraçados.

No outro dia dentro do carro a caminho do trabalho, vinha pensando no que a filha dissera. Ele não gostava que a sogra falasse sobre sua religião com a menina, já havia conversado com a esposa e os dois prometeram que a filha não teria contado com esse assunto até que crescesse e pudesse tomar suas próprias decisões. Para ele a religião é totalmente arcaica, é um pensamento limitador de potencial num mundo onde apenas 10% das pessoas seguem alguma religião ou é espiritualizada. Todos acreditam na ciência, se é pra ter fé em alguma coisa, eles tem fé na ciência, uma vez que a mesma promoveu avanços significativos em várias áreas, principalmente na saúde, onde houve a cura de praticamente todas as grandes doenças vindas de vírus, bactérias e até doenças raras relacionadas aos genes.
Agora o mundo não acredita em milagres e sim no poder do conhecimento, é por isso que ele se esforçava muito para resolver os problemas em sua mais recente pesquisa na qual descobriu-se através de combinações entre genes de animais, plantas e fungos um novo organismo, porém ele só sobrevive sob condições muito específicas, com uma quantidade exata de fluidos e substrato e a distância correta da luz da estufa, só que ele não se prolifera, o organismo está ali, mas não evolui. Se evoluísse, ele talvez conseguisse extrair de seu DNA um código exato, para alterar a carga genética das células errôneas da chamada “doença do eu interior”, que até hoje é a única doença que a ciência não consegue prever com exatidão. Em alguns casos, quando descoberta nos estágios iniciais, ela até pode ser revertida, o problema é que na maioria dos quadros quando os sintomas aparecem são indicativos de que o indivíduo está em um estado avançado e em quase todos as vezes a cura é inviável.
Chegando em seu trabalho, ele é surpreendido por seu assistente, um jovem ruivo, desajeitado, sempre com óculos de grandes lentes e tortos, mas com um grande intelecto e futuro promissor.
-Senhor! Senhor! A cepa do organismo 2627 da estufa G1 está se multiplicando!
-Como assim? – Ele indagou. Assustado com a notícia e a afobação do rapaz-
-Isso mesmo! Depois de tanto tempo, finalmente deu resultado, já está se multiplicando a quase 4 horas.
Ele ficou maravilhado quando olhou pelo microscópio e viu que aquele belíssimo organismo não estava sozinho, pela contagem já passava dos bilhões, apesar de que nessas 4 horas em pouquíssimo tempo além de ter evoluído pra um organismo pluricelular muito mais complexo, que vivia na água e na terra, houvera dois eventos em que uma grande quantidade deles morreu, mas depois se reestabeleceram. Era fascinante, ele só queria ver o organismo crescer, havia vários laboratórios com cerca de 100 estufas cada, mas naquela ali, na terceira placa dentre nove disposta ao redor do Globo de luz no centro da estufa a vida floresceu. Estava determinado, hoje ele não iria para casa enquanto não visse até onde esse ser poderia chegar, ligou para a esposa avisando para não esperá-lo acordada e que desse um beijo de boa noite na filha por ele.
Depois de horas a fio, viu o organismo perder mais uma grande quantidade de seus indivíduos, logo depois, houvera um momento de queda na proliferação e em contrapartida aumento das mortes, e assim o organismo foi acabando com seus recursos líquidos e de substrato e definhou, até que ao final de 10 horas de vida, sobrara apenas um, ele não pensou duas vezes e o recolheu da placa, coletou uma amostra do DNA e analisou ao microscópio, era lindo, com uma dupla hélice e uma sequência de bases nitrogenadas que ele nunca havia visto, com certeza evoluiu, essa era a grande chance de curar seu povo da única grande doença que ainda os assolava.
Mas após algumas horas de análise, uma surpresa: as células do organismo apresentavam o mesmo comportamento das células da doença do eu interior, era praticamente a mesma coisa. Ficou perplexo: como isso poderia acontecer? Como ele gerou uma vida com o intuito de salvar seu povo da doença, salvar sua esposa dessa doença e esse ser possui a mesma condição? Ele não aguentou a frustração, abaixou a cabeça na mesa, e sozinho no laboratório, tarde da noite, chorou feito um bebê.
No outro dia, ele é acordado por seu assistente, tomou um café, foi até o banheiro lavar o rosto, se olhou no espelho e falou a si mesmo:
-Você é o criador, se esse não deu certo, faça outro e mais outro, até que alcance o que deseja.
Então voltou determinado ao laboratório, manteve a estufa na mesma ordem, e colocou o organismo agora evoluído numa nova placa, na terceira posição no entorno do Globo de luz. Enquanto se preparava para acender o Globo, seu assistente lhe pergunta:
-Senhor, já pensou se esses seres tivessem alguma noção de sua própria vida, alguma consciência, o que será que eles pensariam de nós ? Como eles nos veriam?
-Agora você tá vindo com esse papinho existencialista, tá achando o que, que eles me chamam de Deus? – Retrucou com ironia.
-Mas o senhor foi o criador deles... –Responde o jovem cientista, com a mente cheia de dúvidas quanto inteligência.
-Rafael, se esses seres possuíssem consciência, não teriam morrido em tão pouco tempo, eles teriam cuidado de seus recursos e com certeza não matariam uns aos outros por uma causa que eu até agora não entendi.
-O senhor tem razão, é que eu gosto bastante desse assunto de outros mundos e realidades alternativas, por exemplo, o senhor sabia que os seres de dimensões inferiores não podem notar os que estão acima? Eles não podem compreender o que um ser de dimensão acima é, mas às vezes podem senti-los, por isso fiquei pensando nesse pequeno organismo, se ele teria consciência de quem o criou e pra que ele serve, o que o senhor acha? –Pergunta novamente o rapaz, cheio de esperança.
Ele para o que está fazendo, olha para o rapaz e responde:
-Eu acho que você está falando demais e trabalhando de menos, vamos me ajude aqui!
Depois de tudo pronto, eles se preparam para ir embora, e enquanto fazer os ajustes finais no laboratório, ele vira para seu assistente e fala:
-Sabe Rafael, só existe o aqui e o agora, nós temos que fazer a mudança agora, almejando o bem de todos, não fique pensando esse tipo de coisa que beira a estupidez, você é um rapaz brilhante e deve saber que a resposta de tudo está na ciência, ela revela a verdade das coisas.
-É acho que o senhor tem razão, me desculpe - Diz o rapaz, cabisbaixo e envergonhado.
-Não fique assim, você está aqui para aprender e é isso que estou fazendo, te ensinando, agora vamos, estou com saudade da minha família - Conclui o cientista.
Eles pegam suas coisas e se dirigem á saída, mas ao chegar à porta ele percebe que se esqueceu de fazer uma coisa, então volta para a estufa, encara a placa com o organismo que pode salvar a vida de sua esposa e de milhões do seu povo, desejando que dessa vez ele obtenha o resultado desejado, coloca o dedo no interruptor que liga a luz do Globo no centro da estufa e, esperançoso diz:
-Que haja luz.









Biografia:
Novo Escritor. Sou fã de ficção científica e terror.
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