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A segunda chance - Final
Aline Oliveira Ramos

Depois de ter se instalado e tomado um banho, ele apareceu na cozinha, aonde eu terminava o jantar. Comemos, tomamos um vinho, lembramos os velhos tempos. Me pareceu estar mais à vontade e relaxado. A tensão que toda aquela situação nos causou, estava aos poucos, dando lugar àquela velha intimidade tão conhecida. Aonde dizíamos tudo o que pensávamos, sem medo de sermos julgados um pelo outro. Talvez o vinho tivesse uma grande parcela de culpa, por todo esse desprendimento e leveza, mas a verdade era que, havíamos dito tudo o que nos pesava durante anos e a sensação, era de alívio. Então, Heitor começou a contar toda a sua aventura de vir para Provence:

— Você sabe que sempre fui pacato e gostava de uma vida tranquila no interior. — Disse ele, procurando o meu olhar de concordância. — Então, com o tempo passando, fui percebendo que sempre tive vontade de viver uma aventura! Eu nunca vivi algo grandioso na vida! Algo de que teria orgulho em ter feito. Então resolvi mudar de rumo e tentar fazer algo diferente, sabe, ser radical em minhas decisões. Esse sentimento de inquietação, foi crescendo à medida em que a frustração por ter perdido a chance da minha vida, de fazer a gente dar certo, também crescia. Me sentia como um leão enjaulado, preso por minha própria maneira de viver e minhas atitudes. Então resolvi arriscar, resolvi viver! Eu sempre guardei dinheiro no banco, para alguma emergência. Era pouco, mas tinha o suficiente para comprar uma passagem de avião. O meu pai ajudou com mais dinheiro, da venda de um gado que ele tinha lá na fazendinha dele. Esse ato de amor e carinho do meu velho, me deu mais força e coragem para vir te encontrar! Era tudo ou nada! Eu não tinha nada a perder, porque já tinha perdido você. Por isso vim. E mesmo agora, que você está firme na sua decisão, mantenho a esperança que com o tempo tudo se resolva. De qualquer forma, já ganhei pela aventura de vir até aqui te encontrar e saber que você continua linda como sempre foi, só que mais mulher do que aquela menina insegura que eu conhecia.

Heitor terminou de me dizer, com uma leve ousadia nos olhos, me encarando de um jeito sedutor. A sinceridade sempre foi um traço da sua personalidade. Ele nunca teve medo de dizer o que pensava e isso sempre me fascinou. A minha reação diante dessa atitude, era desviar meus olhos, sorrir e abaixar a cabeça. Mas dessa vez foi diferente, mantive o olhar de uma maneira impetuosa e firme. E assim ficamos, nos olhando por muito tempo. Dessa maneira, pude compreender que muita coisa que não dizemos, carregamos no olhar. Entendi que naquele momento, não precisava falar nada, nem mesmo retrucar. Apenas li o que os seus olhos diziam e o deixei ler os meus. Estava tudo ali. Os meus anseios, a minha dúvida e desconfiança em relação a ele e o meu desejo. Sim, o desejo imperava mais do que tudo. Com medo de toda aquela intensidade tomar conta e fazer tudo o que eu já tinha dito ir por água abaixo, interrompi aquela dança de almas e disse:

— Já está ficando tarde, é melhor cada um ir para a sua cama. Amanhã tenho bastante coisa para fazer e muito para te mostrar. Você vai entender, porque escolhi esse lugar. — Ele sorriu e concordou que já estava mesmo, muito tarde. Levantamos e fomos dormir.

No outro dia bem cedo, depois de servir o café, lhe mostrei toda a casa. O levei para o meu lugar favorito, meu jardim e aquela imensa variedade de plantas e flores. Ele me deu dicas de como devia plantar e cuidar melhor de cada uma. Fomos ao mercado livre no centro de Aix e pude ver os seus olhos de deslumbramento. Ele via tudo. As pessoas que por ali passavam, as casas charmosas perto do centro, as banquinhas que vendiam pinturas das famosas plantações de lavanda para os turistas, os enfeites para casa, as comidas diferentes e típicas da região, o comportamento blasé e despreocupado dos franceses e cada palavra que eles diziam aos vendedores das banquinhas. Heitor observava tudo como um menino curioso e encantado. Enquanto andávamos, eu lhe ensinava algumas palavras em francês e dicas de qual palavra específica usar para fazer compras, paramos em uma banquinha de sementes. Haviam todos os tipos de sementes para plantio e ele me deu a idéia de fazer uma pequena horta, no meio do meu jardim. Para eu ter a minha própria plantação de verduras e legumes.

Quando chegamos em casa, Heitor montou a pequena horta no quintal dos fundos. E desde aquele dia, não parava de me ajudar, consertando alguns defeitos que a casa tinha desde quando comprei. Fixou algumas telhas que estavam soltas no telhado, colocou óleo em todas as portas que rangiam, arrumou o assoalho solto e consertou toda a parte elétrica. Ele se sentia útil em me ajudar e a cada dia, parecia mais à vontade na casa. Em troca de tantos favores, lhe oferecia um prato diferente por dia, comidas típicas da culinária francesa, misturadas ao tempero brasileiro. Convivência, foi algo que nunca tivemos. Por anos tudo o que tínhamos, eram sempre encontros e desencontros. E eu pude perceber, que à medida em que convivíamos nesses poucos dias, o companheirismo e a amizade foram se fortalecendo cada vez mais.

Uma noite antes da sua ida para o Brasil, preparei um jantar e chamei todos os meus amigos da vizinhança, inclusive Vineyard, minha grande amiga. Com a ajuda dela, fizemos um banquete especial, com entrada, prato principal e sobremesa, além de petiscos variados, tudo regado ao melhor vinho francês e muita música popular brasileira. Eu era a sua intérprete. Mas como um bom observador, aprendeu várias frases em francês e tentava conversar com eles por conta própria. Foi uma noite especial e estava me sentindo bonita. Usava um vestido provocante, azul escuro, com amarrações douradas na cintura e as costas nua. A noite estava agradável e as conversas descontraídas. Estava sentada em sua frente e ele me encarava. As vezes sorrindo, as vezes sério. Deixei transparecer, mais de uma vez o quanto o queria, era algo além do meu controle. Por volta das onze horas da noite, os convidados foram se despedindo, restando apenas nós dois. Tocava Chanson d'amour de Godá ao fundo e isso criou um clima inebriante no ar. Fazendo com que ele me chamasse para dançar. Me surpreendi com o pedido e aceitei. Então, Heitor pegou as minhas mãos e as levou até os seus ombros. Respirei fundo, o vinho já estava fazendo efeito e me posicionei firme, para não cair. Ele envolveu os seus braços em minha cintura e me puxou para mais perto. Com os olhos firmes nos meus, me disse:

— Lívia eu te amo! — no mesmo instante parei de dançar e estava pronta para dizer que aquilo tudo estava errado e que era um grande equívoco, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele me beijou. Naquele instante, o mundo parou. Me sentia aquela garota novamente, perdidamente apaixonada. Sentia o seu cheiro, que continuava exatamente o mesmo e quanto mais nos beijávamos, mais o queria. Era como se o mundo todo perdesse a graça, ele havia estragado todo o encantamento de Provence. Aquele lugar que era o meu refúgio, o meu esconderijo particular, perdera todo o sentido. Agora, tudo iria me fazer lembra-lo, cada cantinho da casa. Estava tudo perdido, eu estava novamente, completamente enfeitiçada por ele. Pelo seu jeito simples de levar a vida sem complicações, pela sua maneira de pensar e agir e de como me olhava e cuidava de mim. Eu estava sem controle e tinha que parar por ali, antes que fosse tarde demais:

— Heitor, eu não posso continuar! Se formos além, quem me garante que amanhã, você não irá pegar o primeiro trem do dia e me deixar?

— Você tem que confiar em mim, eu mudei! Não sou mais aquele cara aproveitador, eu quero você do meu lado todos os dias. Não vou te abandonar!

— Me desculpe, mas não posso acreditar que alguém mude tanto assim em poucos anos. Não vou me entregar a você e correr o risco de te ver partir. A dor que passei por tanto tempo, me ensinou a nunca mais me deixar levar por esses momentos. Você tem que entender, que não posso passar por tudo isso novamente! Porque não serei tão forte como da primeira vez. Uma segunda decepção, pode me destruir!

— Lívia, eu não vim até outro país, para me aproveitar de você! O meu amor é sincero, não estou aqui para brincar. Tudo o que eu mais quero, é que você confie em mim de novo. Quanto mais o tempo passa, mais eu tenho certeza que é você quem eu quero! E eu sei que é isso que você quer também, porque eu vejo em seus olhos. Mas você tem que abrir mão de toda essa raiva e ressentimento, por tudo que eu fiz e se abrir para esse amor. Se me pedir, nunca mais irei embora.

— Me desculpa Heitor, mas não é tão simples assim! Eu vivia bem aqui e feliz, até você chegar! O que você está me pedindo, é abrir mão de tudo o que já conquistei na vida! Eu construí a minha felicidade independente de você e não irei arriscar tudo por um sentimento tão forte que pode colocar tudo a perder! Eu quero que você vá embora amanhã, tudo o que está sentindo é passageiro e com o tempo, você achará alguém especial. E tenho certeza, de que essa pessoa não sou eu.

— Eu sei o que sinto, e não passará. Pelo contrário, meu amor por você, fica forte a cada dia. Mas se você quer assim, amanhã iriei embora no primeiro trem e te deixarei em paz. — Dizendo isso, Heitor entrou na casa e subiu para o quarto de hóspedes.

Eu corri para o meu quarto e quando fechei a porta, toda aquela vontade incontrolável de chorar veio à tona. Eu não conseguia entender, se estava fazendo o certo, porque sentia aquele aperto no coração? Todo o meu senso de justiça, no calor da discussão, perdera completamente o sentido. E só o que sentia, era arrependimento por tudo o que eu disse. E se ele estava dizendo a verdade? E se realmente me amava? Com esses questionamentos e emocionalmente cansada, adormeci.

Quando amanheceu, antes dele se levantar, fui até a casa de Vineyard, ela saberia me ajudar. Chegando lá, contei a ela sobre o beijo e tudo o que dissemos um para o outro. Perguntei a ela o que eu deveria fazer naquela situação, então Vineyard me disse:

— Lívia, acho que ele foi sincero com você! Enquanto jantávamos ontem, eu percebi o quanto ele te admira, te olha com amor. Não acho que um homem assim tão apaixonado, esteja apenas procurando diversão por alguns dias. O que ele quer, é que você confie nele novamente, que ele mudou e mudou por você. O amor dele parece ser verdadeiro.

— Então você acha que tenho que esquecer todo o passado e dar a ele uma segunda chance?

— Mas minha querida, a segunda chance não é para ele, é para você! Se permita amar novamente e ser amada! Você merece essa segunda chance! E acho que no fundo do seu coração, você sabe o que fazer!

Enquanto Vineyard dizia essas palavras, era como se eu me despertasse de todo o rancor que ainda existia e me deixava cega. Não valia a pena perder a chance de nos amarmos e de sermos felizes, por causa de um ressentimento.

Mas que depressa, me despedi da minha sábia amiga e corri para casa. Quando cheguei totalmente sem fôlego, o encontrei no meu jardim, com a mochila que trouxe no dia em que chegou. Pronto para se despedir, pegar o trem e depois o avião, de volta para o Brasil. Ele estava em pé, parado sem dizer nada. Novamente me olhava de uma maneira desesperançosa e suplicante. Aquele mesmo olhar que vi, no dia em que chegou. Então respirando fundo, corri até ele , o abracei fortemente e disse:

— Eu te amo, Heitor. Sempre te amei! Fica aqui comigo, essa casa pertence a você, eu pertenço a você! Não quero que vá embora nunca mais. Aqui é o seu lugar, do meu lado para sempre! — Enquanto dizia essas palavras, lágrimas caíam no meu rosto. E não pude disfarçar, não queria mais sufocar o que sentia. Então, Heitor me abraçando emocionado, com os olhos cheios d´água, me disse sorrindo:

— Eu não tenho mais para aonde ir, o meu lar é você!

Então nos beijamos, demoradamente, como se quiséssemos pertencer definitivamente um ao outro. E ali, no meio do jardim, selamos o nosso amor.

              

Aline O. Ramos

                                                              


                                                                         

                                                                     
           

























Biografia:
Libriana, eternamente dividida entre a razão de uma vida equilibrada e a emoção do desejo de ser impulsiva.
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