Este texto não pretende ser kafkiano nem consolável, mas fiquei estarrecida ao ler a notícia de que um jovem baiano injetou em seu próprio corpo os restos de uma borboleta misturada com água. Para onde caminha essa juventude assustadoramente inconsequente? Poucos dias antes, soube do falecimento de um amigo de minha irmã de 15 anos, que se jogou no rio que corta minha cidade natal por causa de uma aposta de dez reais. Pergunto-me se essa nova geração tem alguma espécie de propensão autodestrutiva ou se isso não passa de ingenuidade sobre os perigos que nos rondam. Será que já se deram conta de que não vivem mais na barriga de suas mães?
Mas não posso falar demais, meus pais se criaram tomando banho de rio, e macerar uma borboleta, injetando-a com uma seringa na corrente sanguínea carrega uma poesia concreta, seria algo que eu ponderaria fazer no auge dos meus treze anos de idade. Eu, que já fiz um relógio de parede girar em sentido contrário só para me dar ao luxo de ver o tempo voltando, seria capaz de me sonhar lepidóptera por alguns instantes. Certamente é uma forma aérea e misteriosa de morrer, sem contar que a ida para o céu se torna facilitada com o bater das asas, já eternizadas no cadáver sedento por lágrimas tal qual uma mariposa, a bruxa das noites.
Apesar de ter sido encorajado por um desafio na internet, penso que também poderia ter sido o tipo de intento que um viajante lisérgico buscaria. Fico pensando se esse jovem chegou a ver o mundo como uma borboleta vê, em uma psicodelia de cores, formas e vibrações. Eu gosto das borboletas, elas transmitem um ar de leveza e graciosidade, mas um panapaná exagerado, repleto de borboletas silenciosas e frágeis me deixaria aflita. Se uma mariposa gigante entrasse agora pela janela que está suficientemente aberta, meu sobressalto seria tamanho, e eu chegaria a pensar que seria meu reflexo enlouquecido no vidro ou a forma de como a morte resolveu aparecer para mim.
Meus sentimentos pelo adolescente que faleceu, mas meus mais sinceros pêsames à borboleta que além de ter perdido a vida, acabou sendo incorporada a um ser humano. A fatalidade do destino transformou um inseto inofensivo em veneno mortal. É esse o preço de se manipular aquilo que é feito para ser apreciado: ferimo-nos. A morte do jovem parece ser a mais comovente, embora a da borboleta tenha sido mais crua e, quem sabe, até mais dolorosa, pela tortura de ser triturada viva, e como se não bastasse, de ter tido o resquício ressurreto de suas células tolhido pelo afogamento de seus resíduos, outrora viventes e em uma textura de combinações alegres.
Não adianta, não somos borboletas, ainda que a liberdade nos prenda quase tanto quanto a elas. Não é de nossa natureza viver um estágio larval ou tecermos casulos... temos tanto o que aprender com as quase estáticas crisálidas. Parece-me que são seres um pouco mais evoluídos, ao não viverem nossos dilemas atribulados, e por estarem mais próximas da redenção divina, no céu que se camufla com suas asas azuladas ou escuras. O fato ocorrido não deixa de abalar a cadeia alimentar, viraremos predadores de quem nada tem contra nós? Percebo que algumas existências que antes coexistiam harmonias já estão comprometidas por hábitos inconcebíveis de uma humanidade errante, que conduz sua juventude a caminhos sem retorno e sem metamorfoses. Falta apenas virarmos canibais, e o autoextermínio se consumará sem dó e em vão.
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