Vida de zelador
A vida de zelador era corrida, como se não bastasse acordar cedo, ainda tinha que lavar sete banheiros e deixá-los limpos o tempo todo, e isso não era tarefa fácil. Duas casas na Barão de Loreto, na Graça que se adaptaram e passaram a funcionar como salas para serviços diversos. Venda de café, salões, corte e costura, restaurante, agência de empregos, correios, loja de informática, loja de perfumes e até mesmo uma clínica psiquiátrica. Como não lembrar de doutor Gabriel Cedraz Nery Filho, psiquiatra, homem bom que sempre me dava gorjetas quando ia ao banco ou limpava seu consultório. Ficava a me perguntar como funcionava aquele consultório que não tinha maca, jaleco e estetoscópio, mas sempre funcionando até às 21 horas. O fluxo de pacientes era frequente. E quando o doutor terminava as consultas, ele saia um pouco transtornado, como se absorvesse as energias negativas dos seus pacientes. Fiquei até surpreso quando ele reclamou da poluição visual do mini shopping; ele que não era de reclamar de nada.
Tudo transcorria normalmente, até que um dia em mais uma jornada incansável de lavar e manter banheiros limpos, algo de inusitado, para não dizer bizarro, acontecera. E a rotina não parava: tirar lixo da lixeira, observar se havia papel higiênico, papel toalha e sabonete líquido. Tudo deveria ser observado com precisão. E eis que uma dia, em mais uma jornada de consultas de Doutor Gabriel, ele desce meio apreensivo e me cumprimenta, dizendo que algo de errado havia acontecido no banheiro. Disse ele que um dos seus pacientes fez uso do banheiro e acabou deixando-o sujo. Eu sempre prestativo disse não haver problemas, visto que no dia seguinte tudo estaria limpo. Ele insistiu que olhasse o banheiro. De imediato subi, e quando entrei deparei-me com algo surreal. Porta, teto, paredes, vaso sanitário, assento, pia e piso, tudo com fezes espalhadas, sem falar no cheiro insuportável que incendiava o ambiente. Tomei coragem e encarei aquela jornada extraordinária de um zelador que não foge ao serviço.
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