Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Tudo começou na Rua 13...
Caliel Alves dos Santos

Resumo:
Ótima introdução as obras afrofuturistas.

Considero que cada século deveria produzir os seus próprios clássicos. Infelizmente, às vezes, para grupos minoritários, é necessário que se passe um milênio para que possam adquirir espaços, produzir e alcançar o grosso do público, se tornando os clássicos de que necessitamos. E só assim, em pleno século XXI que posso ler um livro que me fez mergulhar em uma experiência de leitura, sendo possível encontrar pertencimento e se sentir representado em meus dilemas.
     O caçador cibernético da Rua 13 é escrito pelo carioca Fábio Kabral. Publicado pela Malê. A obra faz o papel de inserir leitores nacionais no afrofuturismo. Mais que um dos troçentos subgêneros de ficção especulativa, é um movimento artístico, estético e cultural que visa quebrar paradigmas, trazer novas experiências, discursos e projeções de futuro, sem intermediação de pessoas brancas ou depender da visão europeísmo.
     Em suas mais de 200 páginas, o romance nos leva a Ketu Três, megalópole ultra tecnológica; cidade de conflitos e contradições. Nosso protagonista é o caçador ciborgue João Arolê. Na infância, ele desejou ser um astronauta. Mas ao descobrir os seus poderes espirituais, acabou sendo recrutado pelas forças de segurança coorporativas da urbe. A partir daí seu maior sonho se distancia e seus questionamentos se aprofundam.
     O autor utiliza sua experiência de iniciado no candomblé, através do terreiro Ilê Obá Axé Ogodô, e se apropria muito bem dos conceitos e das imagens míticas da sua religião. São várias referências direta ou indiretas, a maioria de possível origem iorubá. O orixá patrono de Ketu Três é mais conhecido entre o público não candomblecista como Oxóssi, por isso, a temática do caçador é tão ressaltada na trama.
     O texto foge totalmente do processo narrativo e das representações tradicionais, que segregam e discriminam negros e povos africanos. Tanto o autor quanto João Arolê protagonizam suas histórias. No Novo Mundo, só há o povo melaninado, forma poética e menos óbvia de dizer que são negros. São muitas as metáforas de conflito étnico-racial, como os “alienígenas” e sua “religião estranha”, falar demais é estragar a surpresa do leitor.
     A sociedade é matriarcal e matrilinear. Não existe regulação ou pressão moralista acerca da sexualidade alheia. Bissexuais, lésbicas e homossexuais podem apenas ser, sem correr o risco de pretensos julgamentos sociais. Religião, economia e política não são distantes, ao contrário, possuem uma relação orgânica e menos formalista. O Estado é coorporativo, quase oligárquico.
     A urbanização evita a geometrização através da racionalização espacial do quadrado, única forma geométrica criada pelo ser humano. A cidade é formada por círculos, ligados em seu interior pela Rua 13. A tecnologia não é baseada na extração predatória dos recursos naturais, mas sim da força dos espíritos. Ao invés da técnica, recorrem a tradição e usam a espiritualidade como força motriz das máquinas. Magia e tecnologia, fé e razão, esses falsos binômios são extintos aqui.
     Apesar de todo o avanço tecnológico e da homogeneidade étnico-racial dos nativos de Ketu Três, aspectos como corrupção, necropolítica e desigualdade social continuam uma constante nessa sociedade de nova composição. O Isote, um movimento mais transgressor que revolucionário, parece não ter fixado raízes ideológicas muito profundas. Espero ver seu retorno em obras futuras.
     A trama ou melhor, as tramas se unem ao longo do livro. Uma narrativa cíclica, com vários eventos simultâneos. O mote é a sincronicidade, onde o que se repete com constância é o trauma. É só no fim da obra que as histórias se unificam numa espécie de catarse, onde a redenção do protagonista se inicia, abrindo sua trajetória a novas possibilidades.
     A ancestralidade aqui não é um fardo, mas uma base sólida de conhecimento e sabedoria viva e acessível. Um motivo de orgulho, criando redes de sociabilidade. Uma compreensão da realidade baseada na relação entre presente e passado. Joao Arolê também não pode ser identificado apenas como uma continuação de forças anteriores, ele é a sua superação.
     O livro tem uma narrativa enxuta, com períodos curtos. Todos os personagens e subtramas possuem desfecho satisfatórios. Uma das mais destacadas é a Jamila Olabamiji, que por sua vez, terá um livro próprio descrevendo sua história e A cientista guerreira do facão furioso.
     Senti falta de alguns conectivos durante a leitura. Houve confusão em alguns parágrafos, por exemplo: o personagem falava, mas não começava com travessão; em alguns parágrafos onde o narrador descrevia as acenas, havia travessão como se fosse diálogo de personagem. Não atrapalhou a leitura, mas precisa de nova revisão. Na capa, o nome do autor aparece sem acento agudo no a, fica Fabio, mas é Fábio.
     O livro possui orelha de capa com análise do Vagner Amaro, editor da Malê, e orelha de contracapa com biografia do autor. A ilustração de capa e miolo ficam a cargo do ilustrador Rodrigo Candido. A fonte do corpo do texto é African Serif, o que possibilitou a acentuação de muitos termos estrangeiros. O papel é o Pólen 80g. Edição com boa encadernação, edição e preço acessível.

Link 1 – https://www.editoramale.com.br/product-page/o-ca%C3%A7ador-cibern%C3%A9tico-da-rua-treza


Biografia:
Caliel Alves nasceu em Araçás/BA. Desde jovem se aventurou no mundo dos quadrinhos e mangás. Adora animes e coleciona quadrinhos nacionais de autores independentes. Começou escrevendo poemas e crônicas no Ensino Médio. Já escreveu contos, noveletas, resenhas e artigos publicados em plataformas na internet e em algumas revistas literárias. Desde 2019 vem participando de várias antologias como Leyendas mexicanas (Dark Books) e Insólito (Cavalo Café). Publicou o livro de poemas Poesias crocantes em e-book na Amazon.
Número de vezes que este texto foi lido: 52967


Outros títulos do mesmo autor

Resenhas Poetize a vida Caliel Alves dos Santos
Artigos O Brasil não é hexa, mas Lula é tri! Caliel Alves dos Santos
Artigos O romper das cordas Caliel Alves dos Santos
Resenhas Mirar na lua acima das estrelas Caliel Alves dos Santos
Artigos Representação política como parâmetro da divisão do Brasil Caliel Alves dos Santos
Artigos O que é dívida histórica? Caliel Alves dos Santos
Resenhas Iraci Gama: intérprete de Alagoinhas Caliel Alves dos Santos
Ensaios Militares como fator de risco a democracia Caliel Alves dos Santos
Resenhas A cidade em palavrório Caliel Alves dos Santos
Resenhas A poética feminina Caliel Alves dos Santos

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 139.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
JASMIM - evandro baptista de araujo 68968 Visitas
ANOITECIMENTOS - Edmir Carvalho 57889 Visitas
Contraportada de la novela Obscuro sueño de Jesús - udonge 56707 Visitas
Camden: O Avivamento Que Mudou O Movimento Evangélico - Eliel dos santos silva 55781 Visitas
URBE - Darwin Ferraretto 55019 Visitas
Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls - Caliel Alves dos Santos 54896 Visitas
Sobrenatural: A Vida de William Branham - Owen Jorgensen 54828 Visitas
Caçando demónios por aí - Caliel Alves dos Santos 54795 Visitas
O TEMPO QUE MOVE A ALMA - Leonardo de Souza Dutra 54706 Visitas
ENCONTRO DE ALMAS GENTIS - Eliana da Silva 54694 Visitas

Páginas: Próxima Última