De acordo com a escritora feminista Simone de Beauvoir, não se nasce mulher, torna-se uma. De modo análogo, é perceptível na sociedade contemporânea o papel cada vez mais ativo de mulheres, cujas atividades ultrapassam o limite dos afazeres domésticos e se estendem ao mercado de trabalho. No entanto, ainda são frequentes as consequências relacionadas à desigualdade de gênero e o trabalho duplamente árduo que as mulheres enfrentam para se firmarem e alcançarem uma posição digna. Entre outros motivos, isso decorre de uma persistência de um modelo social e familiar patriarcal, responsável por intimidar as mulheres, rebaixá-las, o que pode levar a distúrbios físicos, psicológicos e inclusive a compreensão acerca da morte como um refúgio.
Em 2018, mais de 65% dos casos de feminicídio tiveram a residência como local do crime, sendo que mais de 88% deles, tiveram como agressor o companheiro, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o que denota que a maioria dos crimes ocorre em ambiente familiar, de modo silencioso e permeado por intimidações, o que dificulta a medida judicial baseada na Lei Maria da Penha. As estatísticas realçam ainda a relação entre a realidade das mulheres brasileiras com seu respectivo grau de escolaridade, sendo que mais de 70% das vítimas haviam cursado no máximo, o ensino fundamental completo. Ou seja, o baixo nível de informação e orientação torna as condições propícias para a prática de crimes contra a mulher sendo, uma importante variável envolvida.
Aprovada somente em 2006, após séculos de luta por seus direitos e pelo reconhecimento da integridade feminina perante a lei, a Lei Maria da Penha estipulou punições adequadas e surgiu como um método de coibir atos de violência doméstica contra a mulher. Contudo, a denúncia dos casos nem sempre ocorre, o próprio desconhecimento sobre órgãos e serviços protetores por parte das mulheres é comum. Percebe-se ainda os desafios encontrados não somente em áreas urbanas, mas também em regiões rurais e afastadas dos grandes centros, tanto em relação aos serviços de denúncia e proteção, quanto à infraestrutura, visto que em geral, as clínicas, hospitais e serviços de emergência nessas localidades são significativamente precários.
Além de uma grande mazela, o feminicídio é um importante indicador de desenvolvimento social. A violência presente em larga escala na sociedade brasileira contemporânea não é um fenômeno recente. Direitos já foram conquistados, entretanto há tantos outros à espera de reivindicação e consolidação. Feminicídio se trata de crime, violência, subordinação e é acima de tudo, uma questão de saúde pública.
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