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O homem de Havana
Ítalo Grimaldi

Resumo:
Em uma Cuba que ainda se adapta ao seu novo governante, Fidel Castro, um misterioso homem se arrsca na noite molhada de Havana para se encontrar com o líder cubano. Se seus objetivos a princípio são incertos, os eventos em que se verá inserido são ainda mais tenebrosos.

Cuba, 1960.

Um homem deixou a casa de shows no subúrbio de Havana, caminhando calmamente até o centro da rua. Já não chovia, mas o asfalto continuava molhado. A péssima iluminação dos postes, o chapéu que usava e o sobretudo preto impediam que qualquer traço de sua aparência física fosse notado. Acendeu um cigarro e voltou-se para um carro estacionado à distância, com os faróis desligados.

A fumaça do cigarro lentamente se levantava acima de sua cabeça. Um, dois, três minutos... O cigarro havia terminado e o sujeito, um tanto confuso, acendeu mais um, fingiu contemplar a fachada da casa de shows e, em seguida, voltou a encarar o mesmo carro de antes. Dentro do Ford Fairlane 1958 marrom, nenhum sinal de vida.

O segundo cigarro terminara. Acendeu mais um, sem jamais parar de fitar o carro estacionado. Antes de terminar a primeira tragada, jogou o cigarro no chão, apagou-o com o pé e, sabendo que não deveria fazer isso, caminhou em direção ao Fairlane, tentando não chamar a atenção.

- Vocês são cegos, por acaso? Não viram meu sinal? Ele está lá e Quinn está esperando vocês. – Disse, em inglês com indisfarçável sotaque hispânico, inclinando-se até a altura da janela do motorista, mas sem poder ver se de fato havia alguém no carro.

Afastou-se como se nada tivesse acontecido.     Após alguns poucos segundos, um sujeito alto e de rosto magro, vestindo um terno marrom, saiu pela porta do motorista e começou a caminhar a passos largos até a casa de shows no final da esquina, o único estabelecimento aberto em toda a vizinhança. Após poucos metros de caminhada, uma voz o chamou:

- Americano!

Assustado e confuso com a maneira com que foi abordado, voltou-se para trás em uma fração de segundo.

- Deixei ela te esperando no bar. – continuou o sujeito que o abordara no carro.

Hesitante e confuso quanto àquela misteriosa figura, deu as costas a ela e, ignorando-a, continuou a caminhar e direção à casa de shows.

O Finn’s foi uma casa de shows fundada por um casal de americanos em 1935. Embora distante do badalado centro de Havana, o estabelecimento conseguiu atrair uma fiel clientela, sendo frequentado pelas personalidades mais influentes da capital cubana. Contudo, com a crise no governo de Fulgêncio Batista, seus donos voltaram para os EUA e abandonaram o prédio. Com 2 andares, sendo o primeiro reservado a um pequeno bar e ao palco, enquanto que o superior era destinado à administração, o local se converteu em um depósito de munição para os revolucionários liderados por Fidel Castro e, após a queda do governo Batista, foi reformado para se tornar novamente uma casa de shows, adquirindo um status importante, embora sem o investimento americano.

Ao se aproximar das duas grandes portas do estabelecimento, o homem de terno se deparou com um enorme cartaz que anunciava Guanita Alves como a grande estrela a se apresentar naquela noite.

- Ingresso, señor? – perguntou, com ar grave, o sujeito alto e bigodudo do caixa.

O homem mostrou que queria um, com o dedo indicador.

Atrás das pesadas portas do Finn’s, o ambiente estava escuro e podia-se apenas ver, a cerca de 30m de distância e 10m abaixo do nível da rua, o palco todo iluminado, onde se apresentava a jovem Guanita Alves para um público de cerca de 200 pessoas. À direita, um pequeno e luxuoso espaço era reservado ao bar, onde um homem servia algumas poucas pessoas ali sentadas, sob uma discreta iluminação azul. O homem silenciosamente desceu as escadas em direção ao palco e se sentou na primeira poltrona vazia que conseguiu encontrar. Uma névoa de fumaça de charutos e cigarros preenchia o local e tornava o ambiente sufocante. Na parede lateral e acima das poltronas, o camarote todo iluminado chamava a atenção do homem de terno. Seria ali onde Castro estaria.

Com ar sério, o homem não se atinha ao show à sua frente, mas fitava o camarote e procurava uma forma de acessá-lo, enquanto a melancólica voz de Guanita lamentava a perda de um amado que jamais existira fora dos palcos. Mais 15 minutos de show e o homem ainda observava, por entre a fumaça, um meio de acessar o camarote. Uma escada deveria estar escondida em algum lugar e muito bem guardada. Consultou o relógio, mas, sem conseguir enxergar as horas, levantou-se e subiu as escadas de volta à porta de entrada, na esperança de encontrar ali por perto algum acesso à ala onde Fidel estava. No meio do caminho, um vulto pesado e largo que vinha no sentido oposto o abordou:

- Señor Adamastor?

Não houve resposta do homem de terno marrom.

- Señorita Quinn pediu que lhe entregasse este bilhete. – Continuou, em espanhol, estendendo um pedaço de papel ao homem de terno.
     
O homem de terno pegou o papel e leu a mensagem “pela porta atrás do bar”, em francês. Olhando fixamente para o bilhete, disse a si mesmo:

- Señorita Quinn...

- Conhece a señorita Quinn, señor?
     
Após um breve período de silêncio, respondeu, ainda fitando o bilhete:
     
- Si.
     
Passou pelo homem que lhe entregara a mensagem e continuou subindo em direção à porta.
     
Ao acessar a área do bar, sentou-se no balcão e pediu um copo de gim que foi prontamente servido. Dois homens à sua esquerda conversavam alegremente sobre política. Levou o copo à boca e, quando ia dar o primeiro gole, notou que o barman o observava fixamente à distância. Fingiu dar um gole na bebida e colocou o copo sobre o balcão.
     
O barman deu as costas ao homem de terno, recolheu alguns copos e os levou para uma área atrás do bar, atravessando uma pequena porta de madeira e deixando-a entreaberta. O homem de terno encarou fixamente a passagem e pacientemente esperou a oportunidade de pular o balcão e adentrar aquele local. Não demorou muito e os dois homens que ali estavam se levantaram e foram em direção ao palco, apreciar o show.
     
Completamente sozinho no bar, o homem calmamente pôs a mão por dentro de seu terno e, encurvado sobre si mesmo, retirou de um bolso interno uma pistola 9mm. Checou o pente, reinseriu-o na arma e a destravou, devolvendo-a para dentro do terno. Em uma fração de segundos, pulou o balcão e, sem chamar a menor atenção, atravessou a porta para os fundos do bar.
     
A sala estava completamente escura, a não ser por uma escada iluminada por uma fraca luz emergência. Caminhou calma e silenciosamente até o pé da escada e, antes de começar a subi-la, notou que à sua direita havia uma porta fechada com um pequeno feixe de luz atravessando-a por baixo. Tomado por uma estranha e indescritível sensação de dever investigar o que havia por trás daquela porta, começou a empurrá-la. Um pé, calçando um tamanco verde, começava a se revelar no chão.
     
A mulher caída de costas para o chão tinha os braços estirados e vestia um longo vestido verde. Os olhos arregalados e a boca entreaberta denunciavam que ela não tivera tempo de reagir. Parte do crânio estava aberta e massa encefálica se espalhava por todo aquele pequeno depósito. Uma cápsula de 9mm estava no chão, próximo à perna esquerda da moça. Sua carteira estava sobre uma bancada com documentos e dinheiro espalhados junto a uma folha de papel. Nesta, podia-se ler:
     
“Andresa Quinn = Michele Postdailey, 34a (Americana)                  CIA???”
“¿Estaba esperando otro posible colega estadounidense esta noche?”
"Confirmar con Martel llegada de possible americano en la isla. Teléfono: 9-98-456"

Com o coração acelerando, o homem de terno contemplava o destino da misteriosa Quinn. Tomado de receio e arrependimento pelo que decidira fazer, ouviu atrás de si, junto à porta do depósito, algo se mexendo, voltou-se subitamente e se atirou contra o homem que ali estava, antes que este pudesse fazer mira. Ambos caíram no chão e o homem de terno, em um salto, partiu correndo de volta para o bar, tentando livrar a pistola de dentro de seu terno. Pulou o balcão e arremessou-se contra as pesadas portas do Finn’s que se abriram com um estouro. Na rua, a chuva pesada voltava cair enquanto o homem de terno, quase perdendo o equilíbrio, corria em direção ao seu carro. Em algum lugar entre o bar e a porta do Finn’s, a pistola fugiu-lhe por entre as mãos e se perdeu.
     
O Fairlane marrom nunca parecera tão distante. Os pesados passos do homem de terno no asfalto molhado e sua respiração ofegante eram as únicas coisas que ele parecia ouvir. Sentiu que seus algozes já o tinham em mira e tentou acelerar ainda mais os seus passos. Quis chorar, quis parar e quem sabe se desculpar. O pesado estouro do disparo de uma pistola se ouviu e a bala passou a centímetros de sua cabeça. Outro disparo e um forte impacto foi sentido em sua coluna. Mais um e outro forte impacto na altura de um dos pulmões o fez perder o fôlego de imediato. Outro disparo, outro e ainda outro, todos certeiros em seu alvo. O homem de terno se desequilibrou e se estatelou no chão, com o ventre para baixo. Sentia os braços formigarem e estava com as pernas amortecidas. A cada inspiração, era pior sua sensação de falta de ar e de dor. Com o rosto de lado no chão, percebeu a visão distorcer e a mão que jazia próxima aos seus olhos ficar distante. Percebeu que ia desmaiar.
     
Os três homens que saíram de dentro da casa de shows e efetuaram os disparos caminharam calmamente até o sujeito caído. Com o pé, um deles o desvirou. O homem de terno, já inconsciente, gaspeava e dava os que pareciam ser seus últimos sinais de vida.
     
- Eu conheço este homem! – disse um dos que haviam atirado – É Hector Dias! É um jornalista do “Mañana Havana”.
     
- Não é da CIA?! – Questionou um outro.
     
- Ele é um imbecil jornalista pró-Batista. Saiu declarando que faria justiça a Fulgêncio usando as próprias mãos. Ele é cubano, não é americano.
     
- Então quem a americana esperava?
     
- Era ele! Só pode ser! – Replicou o terceiro - O caixa disse que viu o homem que trouxe a americana ir falar com ele ali naquele carro!
     
- Mas ele não é americano, Carlos!
     
Os três discutiam, tentando entender o que estava acontecendo ali. Enquanto falavam e berravam, um Ford Fairlane marrom, idêntico ao usado por Hector, arrancou do lado oposto da rua ao que haviam corrido e, em alta velocidade, tentou acertar os três homens que saíram da casa de shows. De dentro do carro, dois homens atiravam usando pistolas automáticas. Um dos assassinos acabou abatido, mas os outros dois devolveram fogo contra o carro.
     
Em poucos instantes, o Fairlane marrom desapareceu em alta velocidade pela rua escura e úmida do pequeno bairro de Havana, para nunca mais ser visto.


Biografia:
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Contos Um último clichê Ítalo Grimaldi
Contos Index Librorum Prohibitorum Ítalo Grimaldi
Contos O homem de Havana Ítalo Grimaldi


Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


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