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Juventude de Aço
Camila Pang

Resumo:
Vivian, Levi e Arsénio são três cientistas que decidem investir na criônica, prática para resfriar pessoas após seu falecimento. A princípio, os três estão confiantes que estudos avançados serão necessários para trazer seus pacientes de volta à vida, mas Arsénio acaba desistindo desse ramo e desconfia que Vivian e Levi escondem algo.

Capítulo 01
Uma conferência acontecia em São Paulo, palestra do físico-químico Levi, de quarenta anos, que levantava admirações e curiosidades acerca do assunto polêmico: criônica. Levi explanava sobre a conhecida "criogenia humana", a prática de resfriar corpos de pessoas consideradas legalmente mortas; a criônica nasceu com o físico Robert Ettinger e se expandiu para outras mentes com o mesmo anseio: ter condição técnico-científica para reviver após a morte. As atuais técnicas utilizadas ainda são limitadas, mas isso não impediu a inauguração do setor da clínica em que Levi é um dos fundadores. Todas as pessoas da plateia seguravam a revista americana chamada: "Biological Maintenance", na qual a clínica brasileira era citada como pioneira da criogenia humana no país.
— Acreditar é a base da existência de uma ideia. E, por mais polêmico e receoso que pareça ser, acredito plenamente que estamos perto de um feito surpreendente para as próximas gerações — disse, entusiasmado, para pessoas de diversas nações. — Atualmente, com as tecnologias médicas, conseguimos contornar a morte e nosso objetivo é adiá-la cada vez mais, afinal, é perceptível o progresso na atual expectativa de vida, porém a morte ainda não é inevitável.
A inauguração da primeira clínica latino-americana, destinada aos pacientes criopreservados para futuramente serem revividos, chamou atenção não somente da imprensa científica, mas também de todas as outras. Sua existência faria dois meses, após a equipe da ICEB – Instituto de Crioterapia Esportista Brasileira — decidir investir na criônica; hoje o mundo passou a tomar conhecimento. No telão, o físico-químico mostrava os protótipos das novas cápsulas substituintes de seus trinta pacientes.
— Com a implantação dessas novas cápsulas, conseguiremos refrigerar especificamente cada órgão e injetar substâncias apropriadas para diferentes tipos de células que possuímos. O custo é maior, mas válido e necessário. Temos de preservar os nossos órgãos, que sofrem com os danos durante o processo de resfriamento.
Cada imagem retratava a estrutura interna da cápsula refrigeradora mais complexa do que as atuais utilizadas e importadas.
Não somente o Brasil, mas EUA, Inglaterra e Rússia — os outros países que possuem centros criogênicos — aprovaram essa mudança. Finalizada a palestra, Levi desceu do palco coberto de aplausos. Vivian, fisioterapeuta e sua amiga, aproximou-se e colocou a mão no ombro dele, com um sorriso, parabenizando-o.
— Não consegui detectar seu nervosismo — disse Vivian, acompanhando-o até uma cafeteria.
— Eu tremia, mas participar de uma conferência mundial na própria casa não é uma oportunidade a dispensar. É um passo para a valorização da ciência em nosso país. — Levi não desfocava do palco onde agora era ministrada uma palestra do bioquímico Anacleto.
— O que tem Arsénio? Ele me deu carona, mas não quis ficar e participar. — Levi comentava.
— Eu ia lhe perguntar dele agora mesmo, eu o procurei por todos os lugares e ainda liguei, mas só dá caixa postal. Por que ele não ficou? — Vivian tentava ligar novamente para Arsénio, mas não obtinha respostas.
— Ele estava diferente. Acredito que tenha sido sobre as nossas reflexões durante a madrugada na clínica.
— Por quê? Quando eu liguei, ele disse que estava tudo bem, que só estava terminando de organizar o documento apresentado na palestra.
— Depois disso, ele começou a especular sobre imortalidade, seus resultados negativos para o futuro e eu o debatia, pois sou um futurólogo e quero ser responsável positivamente nesse processo. Ele disse que as pessoas precisarão de apoio, estrutura social no novo ambiente em que elas serão inseridas. E eu até concordei com ele, mas socialmente falando, não sei como será o futuro a ponto de deduzir os problemas que essas pessoas enfrentarão, além da possibilidade de estarem sujeitos a uma saúde frágil e passarem por tratamentos permanentes, entretanto até lá, poderá existir novas tecnologias capazes de isentar qualquer empecilho de doença que hoje existe. Por isso, eu sei que a criônica funcionará, mas não será hoje ou amanhã.  
Vivian guardou o seu celular no bolso de seu blazer branco e olhou desconfiada para Levi, que dizia seriamente.
— Imortalidade? Vocês estavam falando sobre imortalidade? Estamos distantes disso acontecer. — Ela não conteve e começou a gargalhar. — Vocês trabalharam a madrugada inteira e perderam a lucidez.
— Por que está rindo? Você sabe que é o nosso objetivo.
— Não. Nosso trabalho está focado na preservação e tratamento do indivíduo considerado falecido, aperfeiçoar os métodos de criopreservação, diminuindo os danos que as atuais tecnologias causam. Falar de imortalidade é redundante e distante até dos nossos estudos. — Vivian começou a perceber que Levi não estava brincando.
— Reviver alguém não garante que ela não morrerá novamente — ela continuava.
— Eu não vou descansar até alcançá-la. — Levi olhava seriamente para Vivian.
— Não estou sendo contra suas crenças, mas não entendo motivos desse desentendimento tão fútil e leigo.
Levi olhou seriamente para a Vivian e encostou a cabeça no ombro direito e franzia a testa, com os braços ainda cruzados.
— O que foi? — Vivian não compreendia seu gesto.
— Por que só agora você está descrente da imortalidade, Vivian? Já havíamos conversado sobre isso. Esqueceu da nova pauta para pesquisas futuras? Não participamos do último congresso científico em vão. O tema foi claro: falaram sobre a possibilidade da imortalidade. O assuntou tratou sobre os telômeros impedirem o envelhecimento. Se quisermos que a criônica seja válida, temos de investir em tudo que possibilite não só a volta à vida, mas a manutenção da sua juventude. Pessoas querem viver, mas também querem estar jovens, saudáveis e um dos pontos fundamentais é o estudo da telomerase.
— Eu sei disso, Levi. O problema não é a ciência, mas é a discussão filosófica entre vocês
— concluiu Vivian. — Não tem cabimento resolver um problema que ainda não existe.
Vivian encostou na parede ao lado da cafeteira e Levi pegou o primeiro café no copo descartável, entregou a ela e prosseguiu:
— E Arsénio sabe que isso não é responsabilidade nossa, afinal, estamos ocupados com a ciência e tecnologia, porém os impactos que causará são problemas dos antropólogos do futuro.
Irrevogavelmente, Vivian acalmaria os ânimos de Levi, preferiu afastar-se dele.
Levi relaxou os braços e voltou à sua posição normal, ajeitou os óculos e torceu a boca.
— Vivian, não quero ter motivos para me preocupar com Arsénio, a nossa conversa tomou um rumo imprevisível e se ele persistir, ficaremos sem saída. Pare e pense nisso. Tente fazê-lo ser positivo quanto ao nosso trabalho.
— Eu não disse nada a ele.
Os dois cessaram o assunto por um momento. Vivian e Arsénio namoravam há três anos.
Os dois se conheceram na empresa. Vivian, fisioterapeuta de trinta e oito anos, e Arsénio, também fisioterapeuta de trinta e dois anos.
— Vivian, vê se conversa com ele, não quero que ele insista em problemas que não existem.
— Se eu conseguir encontrá-lo.
Vivian deu um breve abraço em Levi e virou-se para jogar o copinho descartável no lixo.
Levi decidiu voltar para a palestra e sentou-se em uma das cadeiras vazias da primeira fileira.


À noite, Levi chegou em casa e cumprimentou sua esposa, Vicência, que era dentista. Não havia nada combinado, mas ela queria jantar fora e não cederia enquanto não o convencesse a sair.
— Sair para jantar? Acho que estou exausto. — Levi responde e seus olhos procuraram pela filha. — Onde está Marta?
— Em seu quarto, assistindo algum filme — respondeu Vicência, decidida a convencer a levar o marido para algum restaurante. — Vamos, eu dirijo e Marta está esperando amiga dela da escola que dormirá esta noite aqui em casa.
— Tenho opções? — Levi não estava animado para sair de casa.
— Levi, raramente saímos de casa!
Vicência puxou o marido pelo braço, levou-o até a porta e se virou para avisar à filha.
— Marta! Estamos saindo, cuide-se, filha! — Vicência gritou para Marta, que dentro do quarto conseguiu ouvir e responder de volta.
— Certo, mãe!
Dentro do carro, Levi não parava de balançar a cabeça sonolentamente, ele estava nitidamente cansado e não se entusiasmaria em conversar durante a viagem.
Vicência olhava de relance para o marido e se sentia desconfortável em forçá-lo a sair naquele estado, mas fazia tempo que os dois não ficavam juntos, porque ele dormia fora de casa; seu pretexto era a organização da palestra. Vicência confiava nele, mas nunca se interessou pelo seu trabalho e isso a fazia julgar como irrelevante.
O restaurante era de comida italiana, ela foi a primeira a sair do carro e bateu a porta de maneira que acordasse Levi com o barulho.
— Onde estamos?
— No restaurante que você me trouxe quando ainda namorávamos!!! Macarronada, lasanha! Antes era eu que dormia e hoje você parece um velho casado há trinta anos com a mesma mulher. Se com quinze anos de casamento está assim, não quero nem ver aos vinte.
Vicência falava alto e não se importava com quem estava próximo, Levi não quis sair do carro, estava envergonhado com o comportamento da esposa, mas aguardou alguns segundos para poder sair, sem se preocupar com os outros.
A mulher entrou no restaurante irritada e nem o esperou para que os dois pudessem entrar de mãos dadas e sorridentes como sempre faziam alguns anos atrás.
Os dois se sentaram à mesa em silêncio, Vicência estava mal-humorada.
— Se era para ficar com essa cara de porta, por que viemos para cá, então? — Levi limpava seus óculos enquanto Vicência olhava o menu.
— Cara de porta é a sua avó! — ela fechava o menu. — Espero que tenham salada caprichada, não posso comer massa — procurava o garçom.
— Então, para que viemos? Salada se come em casa! Fez eu perder meu sono.
Vicência suspirou e cruzou os braços, evitando olhar o marido. Levi não disse nada e se levantou, disse que iria ao banheiro.
— Se a sua cara continuar desse jeito, vai me causar disenteria. — E se afastou.
Aquela discussão não era comum para quem conhecia aquele casal há anos. Os dois compartilhavam uma vida de exemplo para quem tivesse alguma dúvida em relação ao casamento, mas o tempo trouxe a crise e fez com que os dois se distanciassem.
Levi foi até a porta do banheiro e olhou de volta para ter certeza que não fosse possível Vicência vê-lo usando o celular para fazer uma ligação.
Vivian já estava dormindo, mas o toque estridente que ela havia configurado em seu celular a despertou, ela atendeu sem olhar para o identificador.
— Alô. — Era audível a sua sonolência.
— Vivian, sou eu, Levi. Tudo bem? — Levi cochichava.
— Levi?! Pensei que estivesse dormindo depois de tantos dias sem descanso.
— Eu quero saber se você ligou para Arsénio — ele abafava o som com a boca, mas era desnecessário, Vicência já estava jantando sozinha e aborrecida.
— Eu liguei inúmeras vezes, mas ele não me atendeu, e eu nem fui visitá-lo por conta do cansaço.
Ele desligou o celular sem se despedir, deixando Vivian irritada. Sua ligação a deixou preocupada, pois Arsénio era o que mais ligava, não dormia sem falar com ela.
Vivian decidiu ligar para ele pela última vez naquela noite.
— Alô. – Arsénio atendeu.
— Arsénio? É você? Estou ligando, mas você não me atende, o que houve?
— Estou bem, Vivian. — Ele respondeu secamente.
— Está bem? — Vivian não entendia o motivo de Arsénio falar com ela, como se estivesse falando com um estranho, portanto desligou e decidiu aguardar até o dia seguinte.
— Vivian? — Arsénio ficou sem resposta. — Vivian?! — Naquela noite, ligou diversas vezes, mas, intencionalmente, ela não o atendia.
Quando Levi voltava para a mesa, a música "Não se vá, de Jane e Herondy" começava a tocar. Aquela música representava a união dos dois e Vicência estava se levantando, mas Levi pegou sua mão e a convidou para uma dança diante de todos.
— Nossa música — ele lembrou-se e abraçou sua esposa. — Por favor, Vicência, perdoe-me. Não quero que esta noite termine assim, nossa filha não merece nos ver separados, não quero que meu trabalho atrapalhe a nossa vida. Você foi muito paciente comigo nesses dias e eu quero ser com você também, porque eu a amo. — Ele estendeu a mão para ela e os dois foram até o centro do restaurante e dançaram a música que marcavam o relacionamento dos dois.


Capítulo 02
Arsénio não deixaria aquela conversa estranha para trás, ao contrário, continuaria em busca de mais informações que levassem ao que Levi escondia por debaixo do tapete. Naquela manhã, acordou resfriado sem vontade de aparecer na clínica. A última conversa que teve com Levi foi a gota da água para aumentar as suspeitas que estava tendo dias antes.
Olhou as ligações não atendidas de Vivian e sentiu um leve remorso, porém suspeitava que também estivesse envolvida.
Dois dias antes da palestra, ela esteve em seu apartamento; no momento em que Vivian foi ao banheiro lavar as mãos, deixou o celular na bolsa e quando tocou, Arsénio pegou e, sem querer, viu uma mensagem enviada por Levi. Na mensagem dizia: "A clínica nova está pronta e precisa de você."
Arsénio apagou a mensagem antes que fosse flagrado, na volta, Vivian percebeu a sua súbita mudança, mas logo ele conseguiu contornar a situação.
Às 9h e 30 min, a campainha tocou, Arsénio foi atender e se deparou com Vivian carregando sacolas.
— Arsénio. —Sua voz soava fracamente.
— Vivian, o que está fazendo aqui? — Arsénio deixou passagem livre, mas ela hesitava em entrar.
— Não sei se vou entrar, sinto que não sou bem-vinda.
Arsénio a abraçou.
— Entre, por favor.
Vivian consentiu.
— Não tem café, mas posso tomar banho rapidamente e comprar pão, você espera?
— Eu trouxe pães. — Vivian sorriu e ergueu a sacola. — Passei na padaria e poderei fazer café enquanto você se arruma, pode ser?
Arsénio confirmou com a cabeça e se retirou em direção ao banheiro; a diferença no tom das palavras, a rapidez de encaminhar a conversa; ela se sentiu ignorada, porém aguardaria que ele terminasse de se arrumar para conversar. Após ajeitar a mesa, colocar as xícaras e a garrafa térmica no centro da mesa, Vivian não suportava a demora. Suas mãos tremiam nervosamente.
— Vai enrolar por quanto tempo, Arsénio? — perguntou, impaciente.
— Acalme-se, Vivian. — Arsénio surgiu abotoando a camisa azul-claro. — Desculpe-me — sorriu e se sentou à mesa, colocou o café em uma das xícaras. Vivian sentou-se, em seguida, na cadeira em frente a ele. A tensão aumentou a cada minuto de silêncio incomum entre os dois.
A boca dela hesitava em falar, mas os seus olhares inquietos para Arsénio, fez com que ele iniciasse o diálogo.
— Pode falar, Vivian — despejava café em sua xícara pela segunda vez.
— Por que não ligou para mim?
— Estava cansado. Fiquei dois sem dormir direito, então é normal que eu tenha esquecido de ligar. — Seus olhos se fixaram aos de Vivian.
— Tem algo mais? Levi comentou sobre sua rispidez com ele, por quê? —Vivian foi direto ao assunto.
— De repente, eu achei tudo aquilo estranho e decidi voltar para a casa — ele respirou fundo e voltou a falar: — Eu atendi uma ligação sua e não recebi respostas.
— Claro. Eu fiquei com raiva de você. — Vivian deu um sorriso irônico. — Você viu a revista? — referia-se a reportagem que mostrava a foto da equipe ICEB e da palestra do cientista Levi e as novas instalações na clínica de criônica.
— Não. Pense comigo: "viver numa época e acordar noutra".
— Arsénio, deixe esse problema para os antropólogos, psicólogos, sociólogos, isso não é empecilho do presente, entende?
— Vivian, vamos contar com as suposições. Morrer e acordar num futuro distante, com que qualidade de vida? Sem a certeza de ter as pessoas conhecidas ao seu lado, sem seus costumes, seremos tratados como diferentes.
— Arsénio, pare de pensar nisso. — Vivian não tolerava mais aquele assunto.
— É fácil falar, escrever sobre o assunto, mas a utopia não passa de sonho e vivemos de realidade. Encontraremos problemas em vários aspectos, e essas pessoas serão diferentes, e estarão perdidas nesse futuro que demorará.
— Arsénio, as pessoas querem viver, usufruir dos melhores recursos que ainda inexistem. Entende? Não é o que você deseja? E não vai demorar tanto assim, acreditamos que dentro de cinquenta anos.
— Vivian, isso não é suficiente, não consigo ser atraído por isso, a única coisa que me faria fazer uma escolha dessas, seria proteger meus entes queridos, gostaria de vê-los sempre vivos.
— Isso também é um dos objetivos, rever as pessoas que tanto amamos.
— Você sabe que isso é impossível. — Arsénio apertou as mãos dela, ele estava esbaforido.
— As pessoas querem atrair a longevidade com a tecnologia e ciência futura, independentemente da idade que ainda possuam. Por que está assim, Arsénio? Suas mãos estão frias e suadas. — Vivian estranhou a reação dele, pensou que ele estivesse agindo daquela maneira não somente pelo que conversavam, mas por mais alguma coisa que o perturbava e preferia não revelar.
Arsénio afastou suas mãos das de Vivian e se desculpou.
— Vivian, você seria uma paciente?
Ela demorou responder, mas o encarou firmemente.
— Eu não sei, é um caso a pensar. E você?
— Não. Nunca aceitaria ser "congelado" para ser revivido no futuro, porque eu quero viver até quando a vida me disser que preciso partir, quero envelhecer ao lado da pessoa que eu amo, quero terminar minha vida sabendo que fui feliz.
Arsénio voltou a segurar suas mãos e com um sorriso, repetiu mais uma vez o quanto desejava estar ao lado de Vivian e o quanto a amava.
— Eu não tenho medo de envelhecer e depois morrer, Vivian. Tenho medo de morrer sem ter vivido com você.


Vivian chegou ao instituto, foi até o laboratório e se encontrou com Lourença.
— Bom dia, Lourença. Tudo bem? Onde está o Levi?
— Acho que está no laboratório de criopreservação de células estaminais.
— Está bem.
Vivian entrou no elevador e começou a relembrar da reflexão de Arsénio durante o café; ela temia comentar com Levi, não sabia quais seriam as consequências. Quando o elevador chegou ao seu andar desejado, ela hesitou em sair. Levi apareceu na sua frente.
— Oi, Vivian. — Ele cumprimentou e olhou para os lados. — Por que não compareceu à clínica nova? Eu havia esquecido de lhe perguntar ontem. — Ele sussurrou, tendo certeza de que ninguém se aproximava.
— Eu não sabia disso. —Vivian respondeu, franzindo a testa.
— Como não? — Levi se espantou. — Eu enviei uma mensagem ao seu celular dois dias antes da palestra.
Vivian tentou se lembrar, mas já havia averiguado seu celular, aquele que permanecia no escritório de seu apartamento, mas depois se espantou com a possibilidade de Levi ter enviado a mensagem ao seu aparelho que carregava sempre consigo. Ela tirou o celular da bolsa e procurou pela mensagem e antes que negasse de ter recebido, Levi mostrou a mensagem enviada com sucesso no dia dito por ele.
— Ah, eu me esqueci de ter lido. Olha, você sabe que eu tenho outro celular justamente para assuntos relacionados a essa clínica. Não vê que pode ser perigoso? Todo cuidado é pouco. – Vivian mentiu quando disse ter esquecido de ler a mensagem, na verdade, a mensagem não estava registrada em seu celular.
— Ah, desculpe-me, Vivian. Devo ter me confundido.
Os dois foram ao escritório de Levi. Ele pegou a revista "A Ciência da Vida" sobre sua mesa, e abriu na página cento e vinte e três, e entregou a ela. A revista mostrava a equipe do instituto reunida e sorridente, abaixo da foto, um artigo destacava o progresso da ciência no Brasil.
— O que achou? — Levi esperava um sorriso de admiração, satisfação e reconhecimento de um trabalho longo e árduo, mas Vivian balançava a cabeça negativamente, não estava feliz.
— Eu só vejo muita sujeira debaixo do tapete.
— Não entendi.
— Você sabe do que estou falando. Eu não posso continuar com isso, não me sinto bem, não sei por que continuamos mentindo.
Levi tomou a revista de suas mãos e, com um semblante rígido, pediu para que Vivian saísse, o que eles não suspeitavam é que Arsénio, atrás da porta, ouvia tudo.
— Não misture os assuntos, tem coisas que não devemos falar aqui ou você quer se prejudicar?
— Levi, a clínica está pronta, não podemos...
— Sai.
— Não podemos continuar com isso, Levi...
— Você não vai voltar atrás, Vivian.
Arsénio ouviu os passos de alguém se aproximando e saiu rapidamente de trás da porta. Levi, preocupado, não parava de olhar para a foto de todos seus companheiros reunidos na revista.
Arsénio se escondeu, esperou Vivian passar e chamá-la.
— Vivian!
— Arsénio?! O que foi? — exclamou Vivian, surpresa.
— Estava a sua procura.
— Eu fui falar com Levi.
— Vamos jantar esta noite?
— Não estou a fim de sair. — Vivian mostrava estar sem ânimo.
— Podemos pedir pizza.
— Só se for no meu apartamento, estou cansada.
— Por mim, está ótimo.
Arsénio disfarçou as mãos trêmulas atrás das costas; Vivian se lembrou do dia em que havia recebido a mensagem de Levi, naquele dia, Arsénio estava em seu apartamento. Antes de continuar a pensar sobre o assunto, o seu celular começou a tocar. Ela pediu licença e se afastou. No visor, ela viu o nome de "Levi" piscando.
— Alô.
— Vivian, sou eu, Levi. Preciso que vá até a clínica, receberemos uma paciente.
— Está bem. — Ela disse, sucinta. Não quis relutar, pois Arsénio ainda estava próximo.
Vivian criou uma desculpa para despistar Arsénio, que sentiu vontade de ir atrás dela e questionar o que estava acontecendo, mas preferiu esperar uma nova oportunidade.

Capítulo 03

Vivian desceu do táxi e subiu a longa escadaria, que levava ao consultório antigo em que ela havia atendido dois pacientes da criônica. Ela temia as pessoas que trabalhavam ao redor, elas poderiam suspeitar de suas raras aparições. Todos acreditavam que aquele consultório era odontológico.
Na verdade, era só para camuflar e Vivian sabia que precisava se mudar dali, temia a desconfiança de alguém. Assim que chegou às dezoito horas, subiu apressadamente e cumprimentou as pessoas sem delongas, seu contato com elas era mínimo o possível, não queria ser questionada. Abriu a porta e a fechou rapidamente, trancando-a; colocou seu jaleco e sentou-se à mesa, limpando-a com uma flanela, pois estava muito empoeirada.
Vivian teve certeza de que Arsénio havia lido a mensagem. Seu celular tocava e era a paciente indicada por Levi, e autorizou sua entrada.
A campainha tocou e Vivian se apressou em atendê-la.
— Boa noite, Dra. Vivian — cumprimentou a mulher de longos cabelos louros, olhos claros, trajando um vestido vermelho.
— Boa noite, entre, por favor. — Vivian convidou a mulher para se sentar, mas ela se negou ao ver a cadeira polvorosa. Era a terceira pessoa que Vivian recebia, os outros pacientes foram encaminhados para Levi.
— Consultório será transferido, aqui será provisório.
— Tudo bem.
— Senhora Ápia, tem certeza?
— Sim.
— Pela sua ficha, está tudo ótimo, você está autorizada para o procedimento.
— Não sei para que tantos exames, estarei morta mesmo.
— Eu preciso que você tenha consciência de que ainda não sabemos como trazer um falecido de volta à vida. O exame clínico é necessário para o seu histórico e retorno. Senhora Ápia, eu agradeço pela confiança em nosso trabalho, mas sinto em lhe dizer que ainda não conseguimos reviver ninguém.
— Eu sei. Quando for possível, estarei de volta.
— Não é porque existem coisas nesta atual geração que antigamente eram consideradas impossíveis, que o objetivo da criônica será possível. Você tem consciência que podemos falhar?
— Sim.
— E por que quer continuar com a incerteza?
— Porque eu não quero envelhecer.
— Desista dessa loucura, a senhora é jovem e poderá sustentar essa juventude com hábitos menos custosos.
— Dra. Vivian, eu tenho trinta e dois anos de idade e sei que manter a minha juventude é algo impossível. Garanta-me que respirar esse ar, terei meus trinta e dois anos para sempre? Dr. Levi não me disse que eu teria de passar por uma consulta psicológica antes.
— Eu não vejo vantagem nisso. A senhora não tem família?
— Dra. Vivian, eu conversei com Levi e o que eu mais quero é retornar num futuro distante e ter uma vida mais avançada e incrível que tantos deduzem.
— Você não quer envelhecer e quer retornar num futuro distante?
— Sim.
— Você acredita num mundo perfeito e diferente deste em que vivemos?
— Sim. Não quero fazer parte desta geração, mas da próxima, ou melhor, da geração mais distante que possa existir.
— E quem garante que as características idealizadas de um mundo distante, aproximadamente daqui a cinquenta ou cem anos será agradável?
— Dr. Levi.
Vivian cruzou os braços e fez trejeitos no rosto, em seguida, levantou-se da cadeira e exigiu a saída de Ápia.
— Mas... — Ápia se recusava.
Vivian entregou um cartão de um psicólogo.
— Levi só disse asneiras a você. O mundo idealizado pode não existir e o arrependimento sairá caro.
— Criatura, como é pessimista!
— E você é uma louca!
— Você deveria me encaminhar para ser congelada agora, já que fui autorizada de acordo com os exames!
— Não é congelar, é resfriar, senhora. Vá viver e ser feliz, o procedimento que você tanto aguarda será feito no momento certo, seu contrato já está conosco.
Ápia pegou o seu celular da bolsa e ameaçou a denunciar a clínica por clandestinidade.
— Eu vou denunciá-la. O que prefere? Eu conversei com o Dr. Levi e ele me garantiu! Se eu quero passar por eutanásia e finalmente ser resfriada, eu passarei!
Uma lágrima escorreu do olho direito de Vivian. É a terceira pessoa com as mesmas características psicológicas que a pressionava.
— Senhora Ápia, não precisa chegar a esse ponto, se não quer seguir meu conselho, aguarde por um instante, por favor.
— Está bem. — A mulher, impaciente, ficou de braços cruzados.
Tremendo, Vivian entrou na outra sala e trancou a porta desesperadamente, derrubando a chave no chão. Ela pegou o celular do bolso de seu jaleco e ligou para Levi.
— Alô. — Levi atendeu do outro lado da linha.
— Levi, sou eu, Vivian.
— Eu sei. Meu celular a identificou.
— Olha aqui, eu estou atendendo uma louca chamada Ápia e me recuso a passar o endereço da clínica para ela. Levi, vamos parar com essa loucura, não entende que é antiético?! Não vou continuar com essa barbaridade de criônica em pessoas vivas!!!
— Acalme-se, Vivian! Eu não estou entendendo nada.
Vivian respirou fundo.
— Ela ameaçou a nos denunciar, caso eu não autorizasse e entregasse o endereço da maldita clínica.
— Entregue logo o endereço! — Sua voz alteava do outro lado.
— Não!!!
Vivian desligou o celular e o jogou no chão. Não conteve o choro. Agarrada à prancheta junto ao peito, ela se recostou na porta e se deslizou até o chão.
Os pés inquietos de Ápia batucavam o solo, sua respiração profunda não tolerava mais a espera. O corpo balançava e a tensão a qualquer momento explodiria. Sentou-se na cadeira após retirar a poeira com a própria mão.
A porta se entreabriu e a mulher parou de manifestar o nervosismo, ergueu a cabeça e esperou a porta se abrir completamente e desvendar Vivian em estado de desolação. Sem delongas, Vivian entregou o cartão à mulher, que sorriu maliciosamente.
— Obrigada, Dra. Vivian.
Logo, ela abriu a porta para não ter de encarar por mais tempo aquela mulher de problema psíquico acelerando seu próprio fim. Fechou a porta e jogou a prancheta no chão, deixando escapar um grito de desespero e fraqueza.
À noite, em seu apartamento, Vivian não deixava de lembrar da mulher que havia atendido naquele dia, não era só ela que perturbava sua cabeça. Diante da tela de seu táblete, Vivian não acreditava nos nomes de pessoas enviados por Levi para o computador da clínica de odontologia falsa, que tinha sido o local responsável pelo seu desânimo e exaustão. Ouviu a campainha tocar e não se lembrou de esperar alguém. Apressou-se para esconder as pastas, bolsa dentro de seu escritório e deixou o táblete sobre a mesa. Pediu mais um pouco de paciência para quem estava à porta, mas logo ouviu Arsénio concordar e dizer que não havia pressa para ser atendido.
— Arsénio? O que está fazendo aqui? — Vivian andava mais assustada do que o normal.
— Esqueceu da pizza? — Arsénio perguntou meio constrangido, evidenciou estar sendo dispensado.
— Ah, verdade.
— O que houve?
— Estou cansada.
— Melhor eu ir embora.
— Não! Fique e peça a pizza.
— Já pedi.
Arsénio entrou meio desconcertado, desconfiava da indisposição de Vivian e sabia que Levi estava envolvido.
— Tem vinho na adega. Como você sabe, eu tomo raramente, só quando meus pais vêm me visitar. — Vivian se jogou no sofá e cochilou por alguns minutos. Sua mente pedia isso e ela a obedecia. Arsénio respeitou seu silêncio e ficou a observando.
O interfone tocou e Vivian sobressaltou-se do sofá, quase tropeçando para atender o porteiro e confirmar o pedido. Candidatou-se a buscar a pizza e já saiu do apartamento sem esperar Arsénio se pronunciar. Ele aproveitou para entrar no escritório dela e vasculhar o que fosse para descobrir essa súbita mudança e cumplicidade misteriosa com Levi. Encontrou uma ficha de uma mulher contendo seus dados pessoais, exame sanguíneo e, na outra folha, um teste de mapeamento genético.
Ele também encontrou um táblete ligado e viu um aplicativo aberto de acesso remoto a outra máquina. Viu uma planilha, com lista de pacientes com data marcada e estranhou, pois não era possível prever o dia em que um paciente fosse precisar de emergência para a suspensão criogênica. Não podia ficar mais tempo ali dentro como gostaria, então fechou a tela do aplicativo e desligou o tablete, deixando os papéis no mesmo lugar de antes e correu para a sala. A porta se abria e Vivian mostrava as duas pizzas sobre sua mão direita.
— Está quentinho e cheiroso — disse Vivian aparentando mais afetuosidade.
Os dois comeram as pizzas e nenhum se pronunciou, ficaram quietos até no momento de irem ao sofá e assistirem à televisão. Vivian temia que Arsénio fizesse perguntas desagradáveis. Os dois estavam lado a lado e nenhum olhava para o outro. Estava passando um filme, depois de um tempo, Arsénio estava cochilando; Vivian pegou o controle, desligou a televisão e o fez acordou repentinamente.
— Deve estar muito tarde, preciso ir.
— Fique. — Vivian colocou seu braço em volta ao seu pescoço.
E sem dizer nada, ela encostou a cabeça em seu ombro, e ele retribui, abraçando-a. Adormeceram e só despertaram no dia seguinte. Vivian foi a primeira a acordar e preparou o café no momento em que Arsénio ainda dormia. O celular de Arsénio apitou e ele acordou num súbito.
— O que houve? Que horas são? — ele ficou procurando seu celular nos bolsos da jaqueta.
— Serve cinco horas? — Vivian riu.
Arsénio começou a sentir dores no pescoço pela forma que havia dormido e se levantou para lavar o rosto no banheiro e se recordar da ligação que teve de sua mãe no dia anterior.
— Ela deseja muito conhecê-la — disse Arsénio, secando as mãos na toalha. — Ela quer que você experimente o acarajé carioca dela.
— Acarajé carioca? — Vivian se surpreendeu.
— Sim. Ela nasceu e cresceu na Bahia, mas hoje ela mora no Rio.
Arsénio apertou seus ombros delicadamente e sussurrou ao seu ouvido:
— Eu sei que está acontecendo algo. A única coisa que posso dizer, é que eu estarei sempre do seu lado.
Os dois se olharam e se beijaram. Vivian deixou as lágrimas escorrerem mais aliviada. 

Capítulo 04

Com os dedos entrelaçados e cotovelos apoiados sobre a mesa em sua sala, Levi roçava os polegares e olhava pensativo para o canto da mesa, seu semblante rígido evidenciava a ansiedade que a futura palestra nos Estados Unidos causava.
Ele não se cansava de assistir à sua participação na última conferência, que recebia milhares de pessoas, queria avaliar o que poderia ser melhorado. Ele relia cada um dos papéis espalhados em sua mesa. Amenizar a ansiedade não era uma tarefa fácil, ainda mais quando Arsénio se tornou um problema.
Levi aguardava o término do atendimento dos atletas para conversar com Vivian, mas, com certeza, ela não queria retomar ao assunto.
São trinta brasileiros sendo resfriados no ICEB, o preço era mais que o triplo em comparação aos institutos fora do país.
Levi tomou conhecimento de que havia brasileiros que preferiram fechar contrato com os institutos há mais tempo no mercado e também por causa do preço baixo.
Foi discutida numa reunião sobre a possibilidade de baixar o preço até mais do que é cobrado em outros países, mas os custos da clínica ultrapassavam o que era arrecadado somente com a manutenção dos pacientes.
Com a inovação da implantação de novas cápsulas mais eficientes para preservação, o custo aumentará; e, em poucas semanas, elas estarão disponíveis para os futuros e atuais pacientes.
Pessoas legalmente mortas serão selecionadas para a criopreservação, pois ainda possuem alguma função cerebral, ou seja, o cérebro ainda se encontra em funcionamento em certo nível, pois não houve obstrução total do fluxo sanguíneo.
Na conferência, Levi ressaltou as experiências de pessoas as quais se encontraram em situações traumáticas: pessoas que foram congeladas acidentalmente e, mesmo com funções vitais comprometidas, conseguiram sobreviver. Mas são casos raros.
Dra. Lourença era bioquímica e estava conferindo no sistema se a troca do nitrogênio líquido tinha sido feita, depois verificou que existia um pouco mais de cinco pessoas na fila para serem resfriadas futuramente. O sistema, que controlava cada câmara, era atualizado de tempos em tempos.
A equipe de técnicos especializada recebe a emergência e iniciam o procedimento da suspensão criogênica; o aviso vem através de um dispositivo que a família poderá acionar, talvez, dependendo da saúde do paciente, ele pode estar carregando no corpo o dispositivo, que é acionado automaticamente quando os batimentos cardíacos cessam.
As novas cápsulas fariam com que os pacientes não precisassem mais ser colocados de cabeça para baixo, pois caso acontecesse um vazamento, com a gravidade, um tubo central de nitrogênio recobriria as cabeças, seu volume seria suficiente para a proteção cerebral durante duas horas.
Levi levantou-se de sua cadeira, empurrou-a para trás sutilmente e caminhou até a porta, pensativo. Girou a maçaneta e saiu, fechou a porta atrás de si, mas ficou parado por alguns instantes até decidir que caminho seguiria, não foi atrás de Vivian, pois ela ainda estaria ocupada, portanto foi conversar com Anacleto, que estava recebendo universitários de Biomedicina; atrás do pequeno vidro da porta, Levi olhou Anacleto apresentando seus trabalhos através de uma tela de projeção.
O biomédico Anacleto falava sobre terapia gênica.
— Como foi citado, a terapia gênica é algo promissor, mas já é realidade em nossas vidas.
Anacleto mostrava imagens de como era feito o isolamento de genes.
— Se um gene não for capaz de produzir uma proteína e, consequentemente, ocasionar uma doença genética, então a terapia gênica será o tratamento utilizado para corrigir o gene, inserindo outro saudável. Atualmente, os vírus são os mais usados para fazer essa transferência ao paciente, entretanto o futuro reservará o espaço para os nanorobôs, que serão os mais eficientes e inteligíveis, corrigindo inúmeros problemas celulares. Além do mais, a terapia gênica também terá sua aplicabilidade contra o câncer.
Após o término da apresentação de seus slides, Anacleto levaria seus alunos para excursão dentro da clínica.
Ao se aproximar da porta, Anacleto viu Levi e o convidou para entrar, mas este se negou e agradeceu com aceno de cabeça. Anacleto pediu licença e deixou passando um documentário chamado: "Ficção Cientifica virando realidade".
— Oi, Levi. — Anacleto fechava a porta enquanto seus alunos assistiam ao vídeo.
— Não se incomode, só estava assistindo sua palestra daqui de fora mesmo. Estava passeando pelo corredor — disse Levi, fazendo menção de recuar.
— Você está bem? — Anacleto desconfiava do semblante exausto de Levi.
— Estou sim, somente cansado. — Levi continuava a disfarçar sorrindo e batia levemente no ombro de Anacleto.
— Ainda não recompôs a energia gasta na última palestra? — Anacleto sorriu.
—Verdade. — Levi olhava em direção à clínica em que Vivian estava acompanhando junto com outros fisioterapeutas monitorando atletas.
Levi se desculpou com Anacleto e o aconselhou a voltar para sala.
— Se quiser entrar e falar com os alunos, eles vão gostar, aliás, todos estão com a revista da sua entrevista sobre a clínica.
Levi aceitou e entrou na sala, aguardou o término do documentário e conversou com os alunos, falou sobre a ICEB e as pesquisas, falou sobre sua profissão por alguns minutos e quando viu, através da porta aberta, Vivian passar pelo corredor, terminou rapidamente seu discurso e pediu licença a todos e saiu atrás dela.
— Vivian! — Ele fechava a porta. — Podemos conversar?
— Oi, Levi. — Ela não imaginava que Levi estava na sala de Anacleto, pois, com certeza, passaria engatinhando se fosse necessário sem que ele pudesse perceber sua passagem, porque ela não estava disposta a ouvi-lo. — Você precisa de alguma coisa?
— Preciso conversar com você. — Ele ajeitava os óculos e coçava a cabeça.
— Ok. – Ela confirmava, mas sua feição era de reprovação.
Os dois entraram no escritório de Levi e se sentaram, um olhando para o outro.
— Não quero que esta semana termine com desentendimentos entre nós ou que estejamos permitindo que uma novela se inicie em nossas vidas, não quero fugir da realidade e muito menos me sentir culpado por algo.
— Não quer se sentir culpado?
— Você! Não tem por que eu estar assim, mas você insiste em me culpar, você é o peso que puxa minha consciência para baixo. — Levi olhava o monitor do computador.
Os dois respiraram fundo, Vivian se levantou para se retirar, contudo a conversa para Levi ainda não havia terminado, ele esperava que ela pudesse amenizar o arrependimento que irradiava sua mente e refletia em seu corpo físico. Ele estava aflito, não se alimentava corretamente, a crise do seu casamento não chegava ao fim, não se sentia confortável em casa, continuava trancado em seu escritório; quando sua mulher exigia sua presença, ele voltava para casa, poucas palavras saíam de sua boca e dormir era o pretexto que o distava de Vicência.
— Levi, você só vai parar quando for descoberto e pagar pelas consequências, mas eu não vou continuar com isso, se você encaminhar algum paciente para mim, vou fazer de tudo para impedi-lo de prosseguir com a insensatez.
— Entreguei um cartão de acesso à Lourença.
Vivian ainda não havia girado a maçaneta para sair e se virou assustada para Levi.
— Por que ela tem um cartão de acesso? E por que ela sabe do endereço da clínica? O quanto você confia nela?
— Eu precisava da ajuda dela.
— E o que você disse a ela? — Vivian aproximou alguns passos.
— Que os pacientes seriam transferidos para lá.
— E você achou que isso seria uma boa ideia? Vai transferir e conseguir explicar sobre os outros pacientes não registrados?
— Não será necessário, ela não chegará tomar conhecimento disso. Ela ainda está com o cartão, porque esqueceu da bolsa. Se eu contasse com você, Arsénio iria colocá-la contra a parede.
Vivian suspirou.
Toda a conversa entre Vivian e Levi estavam sendo ouvida pelo Arsénio à porta. Ele se curvou para apoiar as mãos nas coxas, segurando-se para não desabar e por aquela porta abaixo. Vivian havia mentido para ele. Afastou-se e caminhou em direção ao elevador, enxergando as coisas se embaralhando e a vertigem amarrada à sua mente. As portas do elevador se abriram e Lourença surgiu, colocando o pé para fora e cumprimentando Arsénio.
— Olá, Arsénio, você está bem?
— Oi, Lourença.
— Está tão pálido.
Arsénio engoliu em seco e olhou para Lourença mais uma vez antes de cair em seus braços.
— Arsénio? Socorro!!! — Lourença quase cambaleou para trás tentando carregar Arsénio. Anacleto apareceu e colocou um dos braços de Arsénio em volta de seu pescoço e Lourença fez o mesmo com o outro braço. Levaram-no até a sala de Anacleto.
— Arsénio, fale comigo. O que está sentindo? — Lourença estava desesperada, ajudava Anacleto a ajeitar Arsénio, cabisbaixo, na cadeira. Enquanto isso, Anacleto foi buscar um copo de água.
Vivian entrou na sala após se encontrar com Anacleto no corredor e saber do mal súbito de Arsénio. Ela colocou a mão sobre o ombro dele e agachou-se para olhar melhor seu rosto ainda curvado. Em seguida, Anacleto trouxe um medidor de pressão e água com sal em um copo.
Anacleto mediu sua pressão e constatou uma leve hipotensão. Arsénio conseguiu levantar a cabeça e balbuciar: "estou bem"; Vivian não saiu do seu lado, mas ele tentava se esquivar dela, evitava até olhá-la ou respondê-la. À porta, Levi observava a cena e, sem expressão, Vivian se ergueu, desolada, e foi à porta.
— Por que ele passou mal de repente? —Levi sussurrou a Vivian.
— Por que você está perguntando para mim?
— Porque você sentiu o mesmo que eu.
— Eu acho que é impressão nossa, não tem motivo para se preocupar, ninguém sabe de nada.
— Está vendo? Você, realmente, sentiu o que eu senti. Ele deve ter ouvido nossa conversa e isso é um péssimo sinal.
— Mantenha a calma, não temos certeza de nada, eu conversarei com ele.
— Ele não quer falar com você.
Sem responder, Vivian foi em direção ao elevador; Levi quis acompanhá-la, mas ela se negou a tê-lo como companhia. Seus passos imprecisos e as lágrimas acompanharam-na. Jamais desejaria ver Arsénio naquele estado, evitando olhá-la nos olhos e aceitar sua ajuda. 




Capítulo 05

Uma palestra estava marcada às quatorze horas, o assunto seria sobre o novo departamento de pesquisa celular com o intuito de manipular células, ou seja, reprogramação celular para que no futuro fosse possível a formação de novos órgãos em pacientes de suspensão criônica.
Arsénio lia a lei sobre a criônica, vigente desde janeiro de 2009. A princípio, pensaram em incorporar a criônica na lei de biossegurança, entretanto a sua complexidade se fez necessária uma lei voltada para o assunto, abordando os mais diversos aspectos relacionados. Arsénio, por sua vez, deu ênfase ao artigo sobre a proibição de autorizar pacientes ainda vivos para a criopreservação, usando a eutanásia durante o processo.
Vivian temia os próximos passos de Levi.
— Eu quero falar com você depois. — Levi sentou-se ao seu lado, no entanto ela se levantou e o ignorou, preferiu trocar de lugar.
Levi cruzou os braços e fixou seu olhar em Vivian; Arsénio desceu do palco e o chamou. Levi parecia não ter ouvido, sua atenção não desviava de Vivian, estava indignado por ter sido ignorado. Nem se deu conta do rumorejo dos aplausos das pessoas olhando para ele. Arsénio chamou seu nome mais uma vez no microfone, e inesperadamente tomou consciência, e olhou para o palco, erguendo-se. Ao dar o primeiro passo, sentiu um mal-estar, o peito começou a doer e aqueles aplausos intermináveis incomodaram-no. Caiu próximo do palco, desmaiou diante de todos e Vivian correu para ajudá-lo. O socorro foi solicitado e felizmente havia um enfermeiro pronto para fazer as compressões no peito.
Levi foi levado às pressas e, felizmente, horas depois, saiu do hospital ao lado de sua esposa, foi para casa emburrado, mas ainda sentia uma leve dor no peito, o médico diagnosticou infarto.
— Foi o estresse, não foi? — Vicência dirigia o carro e o indagava, mas ele permanecia calado.
— O estresse ajuda a ocasionar o infarto, você viu o que o doutor disse — comentou Levi, olhando o mundo afora se movimentar pela janela.
—Seu pai também teve infarto aos vinte e cinco anos. E, por favor, não esqueça de consumir os remédios adequadamente — lembrou Vicência.
— Estou enfezado! — Levi reclamava.
— Sua filha está na escola, tente manter a calma. Ela está em semana de provas e não acho que seja aconselhável dizer o que aconteceu com você.
— Eu também acho, não quero mais falar disso — concordou Levi.
— Você precisa descansar, eu já desmarquei três consultas que eu teria essa tarde.
— Por minha culpa, desculpa, querida.
— Não seja bobo, apenas disse. O mais importante agora é você cuidar dessa saúde, pode diminuir o ritmo desse seu trabalho, porque você precisa cuidar do ritmo do coração, deixar de ser teimoso e me contar as suas aflições, não quero que guarde para si, acumulando estresse.
Vicência virou-se para Levi, repreendendo-o pelo olhar.
— Você deve agradecer a Deus pela facilidade de atendimento que você teve, Levi.
— Você tem razão.
A palestra continuou sem sua presença; agora o bioquímico Anacleto falava sobre sua tese de 2008, há seis anos, que falava sobre a preservação de órgãos a baixas temperaturas.
Bioquímico Anacleto dizia:
" Uma vez me perguntaram sobre uma suposição: — Ainda é escasso o número de doações de órgãos no Brasil, se a criogenia humana virar moda aqui, isso não prejudicará mais ainda a doação?
Eu respondi: O Brasil pode se tornar o país que aderirá à criônica, mas o custo será alto e a crença será pequena, e levará tempo para as pessoas terem consciência da importância de doação de órgãos. Mas respondendo a sua pergunta, no dia que isso acontecer, será no dia que a regeneração de órgãos será comum. "
Vivian ficou mais tranquila em saber que Levi foi atendido a tempo e agora estava em casa, mas ela procurava por Arsénio.
Ela pegou o celular de sua bolsa e enviou uma mensagem para ele:
" Onde você está? "
Depois de cinco minutos, o celular vibra e Vivian olhou para ver se era de Arsénio.
"Oi, filha.
Está tudo bem? Não liga mais para sua mãe?
Beijos."
Vivian respondeu a mensagem:
"Mãe, sinto saudades."
"Onde você está?", Vivian reenviou a mensagem para Arsénio.
Em instantes, o retorno da mensagem, Vivian pensa que é sua mãe novamente.
"Estava no banheiro, agora estou retornando para a sala.", respondeu Arsénio, que esteve na sala de Levi com a ajuda de Lourença, conseguiu abrir o escritório e revirar suas coisas.
Lourença falou sobre a nova clínica que Arsénio suspeitava ser ilegal, mas Levi foi mais esperto e não deixou rastros para que pudesse ser descoberto. Lourença entregou um pendrive com as fotos tiradas do lugar, mas nenhuma informação foi encontrada; os computadores não possuíam registro, pois ainda estavam encaixotados.
— Nenhum sistema ativo. Está tudo do zero — disse Lourença.
Agora os dois estavam no escritório de Levi à procura de algo.
— Ande depressa, Arsénio — alertou Lourença à porta, vigiando o corredor.
Vivian aguardou a mensagem de sua mãe e esperava Arsénio aparecer.
Arsénio entrava de cabeça baixa e Vivian torcia para que ele subisse e sentasse na cadeira ao seu lado que estava vazio a sua espera, mas ele entrou acompanhado por Lourença e os dois sentaram lado a lado na segunda fileira próxima à entrada.
Desanimada, Vivian olha para o celular e vê que sua mãe enviou outra mensagem:
"Ligue para sua mãe, sinto sua falta"
Terminada a palestra de duração de duas horas e meia, Vivian ligou para casa de Levi, sua esposa atendeu e disse que ele estava dormindo.
— Quer deixar algum recado a ele?
Vivian consentiu e aconselhou Levi a tirar férias para descansar mais tempo com a família, conselho o qual deixou Vicência totalmente a favor. Vicência agradeceu e desligou o telefone. Vivian lembrou-se de sua mãe e aguardou duas chamadas para que ela atendesse feliz aos gritos do outro lado da linha.
— Até que enfim! Não tem mãe, não?
— Desculpe-me, mãe. Estive em uma palestra e não pude retornar de imediato. — Vivian explicou ocultando sua preocupação. — Está tudo bem? E o papai?
— Sim. Estamos com saudades e aguardamos o antídoto da juventude.
— Anote aí: exercícios físicos diariamente, alimentação saudável com acompanhamento de profissionais da nutrição, tratamentos estéticos e consultar um gerontologista.
— Mas isso tudo já conhecemos, filha.
— Pois é, mãe. É para o que temos atualmente.
— Tenho de avisar ao seu pai que o segredo da juventude vai ficar caro. Bem, vou desligar para não atrapalhar seu trabalho, filha. Fique com Deus.
— Aguardo a visita de vocês. — Vivian desligou o celular e olhou para o lugar onde estava Arsénio, mas ele já tinha ido embora, somente Lourença continuava sentada no mesmo lugar, consultando o próprio celular. 

Capítulo 06

Vicência entrou em seu quarto e avistou Levi acordado, com os olhos estáticos, focados na tela do notebook sobre seu colo. Irritada, aproximou-se e baixou a tela. Levi ergueu a cabeça e a repreendeu com o olhar.
— Você teve infarto e sua primeira ação é trabalhar? — disse Vicência, pegando o notebook.
— Não posso deixar de lado a palestra que farei em breve nos Estados Unidos, querida.
Vicência sentou-se na cama ao lado do marido e segurou sua mão:
— Mas não precisa se preocupar com isso hoje. Vivian tem razão quando diz que precisa tirar férias e se preocupar menos com o trabalho.
— Ela ligou? — perguntou Levi, incomodado.
— Sim e desejou melhoras. Querido, nossa filha ainda não sabe do que ocorreu, mas acho que deveríamos ter cuidado com a maneira de noticiá-la.
— Concordo. Chame-a e vamos ser cautelosos. Não devemos assustá-la.
Vicência se levantou e foi à porta, gritou pela filha.
— O que houve, mamãe? — A menina assustada com os berros da mãe, não acreditou que seu pai estava em casa naquele horário e deitado na cama como se estivesse no hospital, então a menina deduziu que ele estaria doente.
— O que houve com o papai?
— Ele teve infarto e quase morreu — disse Vicência prontamente, esquecendo do combinado com Levi de minutos atrás.
— Vicência! — gritou Levi.
— Papai!
— Puxe a orelha de seu pai — ordenou Vicência num tom de brincadeira. — E diga a ele sobre a viagem que você quer fazer, Marta.
— Vamos aos Estados Unidos, então poderíamos passar em Orlando — sugeriu Marta.
— Boa ideia, filha. — Levi pareceu gostar da ideia. —Então, está combinado. Filha, pegue o notebook de seu pai e traga até aqui.
Vicência se negou a entregar o notebook e exigiu que Levi descansasse.

Capítulo 07
Vivian não conseguiu dormir direito pensando em Arsénio, acordou cansada e foi ao banheiro, olhou-se no espelho e viu um semblante abatido e as olheiras acentuadas. Pensou em dormir novamente, mas o horário a chamava para o trabalho. Tocaram a campainha de seu apartamento e descalças, assustou-se e procurou pelos chinelos, mas a insistência da campainha atraiu-a.
— Arsênio? — Ela se assustou ao vê-lo. — Vou fazer um café para nós, entre. — Puxou-o pelo braço.
— Eu atrapalhei? Não avisei, mas posso ir. — Arsénio não demonstrou estar confortável, atitude da qual fez Vivian suspeitar.
— O que você está tramando? — questionou Vivian.
— Nada, Vi. — Arsénio tentou beijá-la, entretanto Vivian recusou e o encararia até que ele dissesse a verdade.
Arsénio não se intimidaria, Vivian insistiu para saber o verdadeiro motivo. Ele recuou e sentou-se no sofá cabisbaixo.
— Desculpas por ter sido rude com você no dia em que eu desmaiei. Vivian ajoelhou-se perto dele e segurou seu rosto entre suas mãos.
— Isso não tem importância. — Eles se abraçaram. A vontade de Arsénio era chorar e brigar com Vivian, porém não conseguia. Não estava disposto a esquecer do que se tornaria verdade. Arriscaria perder Vivian para salvar vidas desconhecidas.
— Eu amo você, Arsénio — declarou-se Vivian, tentando reconfortá-lo e ampará-lo. Arsénio não disfarçou a dor, e Vivian não conseguiu disfarçar a insegurança.
— Quer beber alguma coisa? — perguntou Vivian.
— Não — respondeu Arsénio, levantado-se do sofá.
— Tomou café? — Vivian abria o armário e pegava duas xícaras. — Farei café para nós.
— Faça o que quiser, Vivian — disse Arsénio secamente.
O celular de Vivian apitou e ela foi ler a mensagem e repentinamente mudou de ideia.
— Bem, vou tomar banho. Preciso sair mais cedo de casa.
— Por quê? — questionou Arsénio, suspeitando.
— Eu quero fazer café e você não quer, e eu preciso pegar o resultado de um exame.

— Agora? O resultado não pode ser retirado pelo site do laboratório?
— Tem razão. Mas vou buscar pessoalmente. Tem outra consulta médica para ir.
Arsénio se levantou e se despediu de Vivian, dizendo que também teria um compromisso antes de ir ao instituto, e Vivian não teve interesse de saber.

Capítulo 08

Abriu a porta, fechou-a, deixou a bolsa de lado, retirou os calçados e jogou-se no sofá da sala. Pensou em ligar a televisão, mas o controle estava longe e o cansaço afundava a sua cabeça. Fechou os olhos e tentou limpar a mente de toda a sujeira de seus problemas. Esticou as pernas e prestou atenção na sua própria respiração.
A campainha tocou e Vivian quase não foi atender, mas lembrou-se de estar esperando Arsénio.
— Arsénio — ela animou-se um pouco mais ao vê-lo. — O que é isso?
— Comida japonesa — respondeu Arsénio, entrando no apartamento, com sacolas.
— Ainda não arrumei a mesa — disse Vivian, pegando as sacolas de suas mãos.
— Não se incomode em colocar mais de um prato, pois irei embora, a comida é para você. Hoje você jantará sozinha — informou Arsénio, retornando à porta.
— Arsénio! — Vivian vociferou. — Nós vamos conversar. Você precisa escutar tudo que eu tive de esconder.
— Vivian, não quero ouvi-la. Amanhã pedirei minha demissão. — Arsénio tirou a aliança de seu dedo anelar e jogou-a no chão. — Você me decepcionou.
— Não seja precipitado, Arsénio. Não pode deduzir as coisas sem ouvir o meu lado. – Vivian implorava, mas Arsénio, inflexível, não a perdoaria.
— Eu voltarei para o Rio de Janeiro. Visitarei minha mãe sem você. Eu vou reconstruir minha vida.
— Arsénio, eu sei que é errado, mas eu não pude impedir. Quando eu descobri, já era tarde demais, nunca participei de nenhum dos procedimentos de eutanásia. Eu nunca consenti com isso.
— Por quê? Porque temos poucos pacientes no Brasil? E, então, ele quer fazer da maneira errada?
— Arsénio, a autorização partiu do consenso das pessoas.
— Entenda que é crime! Não importa se foi consentido, trata-se de um crime! São pessoas iludidas com a incerteza e agora estão mortas. Quem é o louco que deseja ser cobaia de um experimento incerto desses? As pessoas estão brincando com a vida dessa maneira? Não posso acreditar — indignou-se Arsénio.
— São pacientes, que devemos acreditar, que estão em um sono profundo.
— E quantas vezes teremos de ler a lei? E perceber que ela entrou em vigência. O que você e Levi estão fazendo está indo contra a bioética. A criônica, conhecida popularmente de criogenia humana, é algo sem resultado algum.
— Arsénio, por favor, fique calmo, eu tenho medo de Levi.
— Ele me ameaçou, não foi?
Vivian não respondeu, pegou a aliança do chão e tentou colocar a aliança de volta no dedo dele.
— Não insista, Vivian. — Arsénio se afastou e, mais uma vez, a aliança caiu no chão.
— Arsénio, eu respeito sua decisão, mas eu quero você de volta. Não vá para o Rio de Janeiro.
Sem dizer nada, Arsénio beijou a testa de Vivian e saiu, deixando-a desolada, sozinha em seu apartamento. Ela pegou a aliança e a jogou pela sacada, porém ninguém imaginaria que a força do amor fosse difícil de ser rompida; Arsénio encontrou a aliança no jardim da entrada. Ele pegou-a e a colocou no dedo.


Capítulo 09
No Rio de Janeiro, fazia duas semanas que Arsénio havia chegado na casa de sua mãe, Corina. Evitou falar de Vivian na sua presença, mas Corina não deixou de perguntar:
— Seu namoro terminou, por quê?
— É porque não deu certo, mãe.
— Quem terminou primeiro?
— Os dois decidiram entrar em acordo, somos bons amigos. — Arsénio preferiu não preocupar Corina contando a verdade.
— E essa aliança? Terminaram mesmo? — Corina apontou para o objeto.
— Esqueci de tirar. — Arsénio guardou a aliança no bolso da sua calça.
— Não me engane, não. — Corina sorriu. — Eu não nasci ontem.
— Mãe, o verdadeiro motivo do nosso término é que nada é eterno. A vida não é eterna, imagine um relacionamento.
— Ah! Mas o que você está me dizendo? Trabalha naquele lugar que acredita na volta após a morte, como vem me falar isso?
— Mãe, a criônica, talvez, seja a coisa mais incerta nesta vida.
— Eu não acredito nisso, mas quem sabe, né? O mundo nos surpreende a cada dia.
— Mãe, estou com vontade de comer aquele acarajé que você sabe fazer.
— Ah, meu filho, daqui a pouco irei ao cabeleireiro, marquei para fazer uma escova. Vamos deixar esse acarajé para quando eu chegar.
— Tudo bem.
Corina se despediu de seu filho e saiu de casa, dizendo para ele comer o que tivesse na geladeira.
O celular de Arsénio tocou e ele atendeu imediatamente ao ver o nome de Lourença.
— Oi, Lourença — disse Arsénio, apreensivo.
— Liguei para falar sobre Vivian. Você quer saber dela? — No corredor do instituto, Lourença tomava cuidado para não ser ouvida por Levi.
— O que aconteceu? —Arsénio não se aguentava de ansiedade, sentia algo ruim.
— Ela está bem. Vivian teve apendicite aguda.
— Irei imediatamente para São Paulo. Cuide dela, por favor.
— Ela está bem, Arsénio. O apêndice já foi retirado.
Arsénio desligou o celular e antecipou sua viagem.
Vivian mudou de comportamento dois dias depois da viagem de Arsénio. Trancou-se em seu quarto e evitou ter contato com as pessoas, faltou no trabalho a semana inteira. Lourença foi visitá-la e a encontrou desconsolada, olhos inchados. E Vivian só saiu de casa para ir direto ao hospital por causa da dor no abdômen, febre, além da falta de apetite. Foi diagnosticada com apendicite aguda e se demorasse mais tempo, com certeza teria peritonite.
— Por quanto tempo você ainda ficará aqui? — perguntou Levi, entregando a cartinha escrita por Marta.
— O médico disse que amanhã terei alta.
— Então, boa leitura.
Vivian agradeceu a Levi pela cartinha de Marta.
" Vivian,
Fiquei preocupada quando meu pai disse que você fez uma cirurgia, mas ele me acalmou dizendo que era para seu bem.
Eu queria muito visitá-la, mas hoje é dia de prova de Matemática. Você vai ficar bem, te adoro.
De: Marta ”
Levi saiu do quarto e Lourença entrou no mesmo instante.
— E Arsénio? Como será que ele está?
— Muito bem — respondeu Lourença com a feição serena.
— Por que diz isso?
— Eu liguei para ele e disse sobre o que aconteceu com você. Talvez, isso faça ele retornar.
— Não era para ter feito isso, Lourença! — vociferou Vivian, amassando a cartinha de Marta entre seus dedos.
— Eu tinha o direito de saber — disse Arsénio, entrando no quarto, carregando um buquê de rosas brancas. — Como se sente, Vivian?
— Arsênio? — Os olhos de Vivian brilharam ao vê-lo se aproximar.
Arsénio não aguentou e abraçou-a fortemente até ela reclamar da dor na região do abdômen.
— Desculpe-me. —Arsénio riu e se desculpou pela afobação. — Vivian, não pensei que minha ausência fizesse tão mal a você.
— Não era para estar aqui — disse Vivian, repreendendo Lourença pelo olhar.
— Você não parava de falar nele — Lourença comentou.
— Já retirei o apêndice. Amanhã eu recebo alta. Fiz por via laparoscópica, a recuperação é mais rápida.
— Você precisará seguir uma dieta e, por enquanto, eu vou cuidar de você. – Arsénio alisava suas mãos.
— Não, Arsénio. Eu vou ficar bem sozinha. — Vivian afastou suas mãos.
Os dias sem vê-lo fez com que Vivian adoecesse emocionalmente.
— Quer que eu ligue para Arsénio? — Algumas horas antes da apendicectomia, Lourença conversou com Vivian, que reclamava de dor.
— Não faça isso. Não tem sentido ligar para ele, por favor.
No dia seguinte, no horário marcado, Arsénio levou Vivian para casa; Lourença recebeu uma mensagem de Levi, durante o caminho, perguntando se ela poderia levar Marta para visitar Vivian quando recebesse alta. Vivian consentiu com a cabeça. A visita de Marta foi tensa, e Arsénio ficou escondido no escritório. Lourença aproveitou para fazer companhia para Arsénio, que revirava o escritório atrás de provas.
Quando a menina foi embora, Arsénio saiu do escritório e voltou para a cozinha, sem dizer nada. Lamentou pela menina ser filha de uma pessoa desprezível como Levi.
— Arsénio, o que você vai fazer? — Vivian perguntava com insistência, mas a resposta era a mesma: "não sei ainda".
— Isso está me fazendo mal.
— E a mim, não? Não tenho provas contra vocês, mas isso não impedirá de eu denunciá-los. Você pode ter parado, mas Levi é louco e vai continuar sem você. Você viu os pacientes?
— Nunca. Levi faz o procedimento sozinho. Mas eu não procuro saber, tenho receio de ter a certeza.
Arsénio sentou-se ao lado de Vivian.
— Eu a odiei, não aceitei a ideia de me relacionar com alguém fria como você. Quando eu perdi meu pai, foi a dor mais terrível que alguém poderia sentir. Eu seria a primeira pessoa a buscar alternativa para trazê-lo de volta, mas quando conheci a criônica, me deu medo. Achei aquilo invasivo, estranho. Preferi aceitar a morte do que combatê-la. O que fizeram com pessoas saudáveis que poderiam estar com suas famílias, eu não vou perdoar. A vida não pode ser jogada fora dessa maneira, quantas pessoas querem viver e por diversas ocasiões não conseguem. Não há vida neste amor que você tenta sustentar. Quem garante que o futuro será melhor? Quem garante que a tecnologia ou ciência trará suas vidas de volta? Por que antecipar? Se elas não conseguem viver nesta vida, elas não são dignas de outra. Acreditar num mundo melhor à custa de quem? Da boa vontade das pessoas? Eu não sou contra a criônica, mas não sou favor da loucura, imbecilidade. Eu a amo, Vivian. A minha luta é em prol das vidas das pessoas e não vou deixar que você coloque ninguém em risco. Vou sofrer tentando esquecê-la, mas sofreria mais, se eu continuasse compactuando com isso.
Arsénio levantou-se.
— A comida está pronta, fiz as compras de acordo com o médico e vou embora, conversei com Lourença, ela ficará com você, apesar de sua recuperação ser tranquila. — Arsénio arrumava suas coisas na mochila.
— Eu não preciso de ninguém, o médico já disse que eu posso voltar a trabalhar em poucos dias, portanto pode voltar a viver sua vida.
Arsénio foi embora levando suas coisas. Saiu sem se despedir, Vivian correu até a sua adega. Quebrava sucessivamente cada uma das garrafas, machucava suas mãos, mas deu tempo de Arsénio escutar e impedi-la. Foram cinco garrafas quebradas.
— Pare com isso!!! — ele a mobilizava, mas ela esperneava.
— Parei! — Vivian desistiu e foi levada por ele até o banheiro, teve as mãos lavadas e enfaixadas; depois Arsénio voltou à sala para limpar o chão.
Vivian foi ajudá-lo, mas ele não deixou.
— Você está com a mão machucada. Quando eu terminar de limpar o chão, você vai cuidar da sua vida e vai parar com escândalo, porque eu não vou voltar, independentemente do que você faça, eu vou sair por aquela porta e vou esquecer da sua existência.
Vivian ouviu quieta e, desta vez, suportou vê-lo sair de seu apartamento para sempre. Assim que Arsénio fechou a porta e entrou no elevador, ligou para Lourença.
— Oi, Arsénio.
— Lourença, quando puder, tente visitar Vivian, ela está cada vez mais pior.
— Oi? Ela está sentindo dor?
— Não, mas por favor, converse com ela. Eu decidi que não posso ficar perto dela. Eu só peço que não a deixe só. Tenho medo.

Capítulo 10
Arsénio enviou uma mensagem para Lourença:
“Ela está se arrumando para se encontrar com Levi, tenho certeza” — enviou Arsénio.
Lourença recebeu a mensagem e adiantou-se para chegar mais cedo em frente ao prédio da clínica suspeita de praticar eutanásia. Dentro do carro, aguardou Vivian chegar acompanhada de Levi; os dois entraram e, em pouco tempo, Arsénio também chegou. Lourença o reconheceu e enviou uma mensagem a ele:
“Eles já chegaram.”
Arsénio recebeu a mensagem e desceu do carro, parou diante da fachada e olhou para trás. Lourença saiu de seu carro e aproximou-se.
— Não tem seguranças. Isso é um bom sinal — disse Arsénio.

Lourença pegou o cartão de acesso e passou pela catraca, em seguida, passou novamente o cartão para o sistema reconhecer a saída, desta forma, Arsénio pôde entrar usando o mesmo cartão. Os dois entraram no elevador.

Finalmente, os dois chegaram no quarto andar, onde estaria Levi e Vivian. Lourença saiu do elevador e aguardou por Arsénio, que não se mexia. Lourença segurava o elevador e insistia para que ele saísse logo.

De repente, uma voz advinda da câmera de segurança começou a falar:

— Arsénio? Seja bem-vindo — A voz era de Levi. Lourença se assustou.
— Levi? — Lourença reconheceu a voz.

— Estamos no primeiro andar.

Na sala de monitoramento, Levi e Vivian estavam sentados em frente a um enorme painel com acesso a todas as câmeras de segurança.

— O que ele está fazendo aqui? — Vivian estava transtornada.

— É você que deve me responder essa pergunta. — Levi encarou Vivian. — Vocês ficarão parados?

Arsénio permaneceu estático, seu rosto estava esbranquiçado. Mais uma vez, Lourença entrou em desespero ao vê-lo desmaiar novamente.

Vivian e Levi correram para chamar o mesmo elevador em que Lourença, sentada no chão, e Arsénio, apoiado em seu ombro, estavam. Nenhum botão foi acionado, portanto os dois foram levados para o primeiro andar, onde se depararam com Levi e Vivian.

— Ele está bem? — Vivian perguntou.

— Eu estou bem   — disse Arsénio, olhando Vivian, decepcionado.   — Eu descobri tudo! Vocês são mentirosos, asquerosos! Como podem? Vivian! — Arsénio avançou em cima de Levi com punho cerrado para agredi-lo, mas Vivian e Lourença conseguiram impedi-lo

— Acalme-se, Arsénio! — gritou Vivian.

— Vocês cometem assassinato!

— Cale-se! Esse cara deve estar louco, o que aconteceu com você?! — Levi se defendia.

— Vivian, por quê? — Arsénio não continhas as lágrimas de decepção. Vivian não conseguia encará-lo e aquele silêncio já era a resposta de todas as dúvidas dele.— Eu não quis acreditar até vê-la aqui — continuou Arsénio, abatido.
— Não me julgue, Arsénio — contestou Vivian. — Por favor, vamos conversar em meu apartamento. Tente se acalmar para me ouvir.

— Será a nossa última conversa, Vivian — terminou Arsénio, entrando novamente no elevador em companhia de Lourença.

Vivian não conseguia sair do lugar, estava abismada com toda aquela situação e, indecisa, ela só conseguia ver o desprezo de Arsénio enquanto as portas do elevador se fechavam.

— Vivian, não me traga problemas. Ou você resolve isso, ou eu resolverei! — ameaçou Levi.

Segunda Fase
Capítulo 11

Corpo prostrado em um leito ao lado de outros; alguns vazios e outros ocupados, aguardando a luz da vida, assim como aquele o qual ela sempre olhava e clamava por algum movimento. A vida, um sopro. Palavras as quais faziam sentido na mente de Vivian, uma mulher que esperou até quando suas forças exterminassem e deixassem a vida se encarregar de amenizar sua dor algum dia. Retornou contra sua vontade, por um instante, arrependeu-se de ter confiado em seu amigo, entretanto não pôde deixar de agradecer por estar ali, ao lado de quem tanto ama. Todos os dias, ela visitava Arsénio na esperança de vê-lo respirar, abrir os olhos e pronunciar seu nome.
Atualmente, nitrogênio não era mais usado para criopreservar os corpos, pois com o avanço da tecnologia, as câmaras foram dispensadas e outras máquinas vieram para manter os órgãos em funcionamento, evitando qualquer lesão irrecuperável. E com essa nova técnica, os falecidos eram facilmente revividos; os pacientes que estavam em suspensão criogênica eram retirados aos poucos com bastante cuidado.
Com os sinais vitais se recuperando, Arsénio era aquecido gradualmente. Passaram-se quarenta e oito anos desde 2014.
Seu coração foi substituído por outro impresso na terceira dimensão, além do uso da regeneração celular para os tecidos lesionados.
Exames periódicos foram registrados em relatórios para pesquisas e monitoramento do paciente. Os nanorobôs inseridos em Arsénio, evitavam de que ele tivesse sequelas irrecuperáveis. Trilhões de nanopartículas eram inseridas e monitoradas, cada célula se regenerava e os genes acabavam ganhando mais funções do que o normal com a terapia gênica.
Muitos corpos não puderam ser reanimados; foram descartados mais de trinta e cinco por cento. Grande parte dos mais antigos não conseguiram ser revividos pelas condições rudimentares da tecnologia da época.
A ansiedade de Vivian ultrapassava todos os limites, sua vida estava voltada para o paciente número 31. Ela deixava de viver para esperar a vida dele. Sua dedicação não passava despercebida aos olhos das outras pessoas. Muitas vezes questionada se ele era seu parente, Vivian encontrava subterfúgios para não ter de responder. E as respostas pareciam não ser convincentes.
— Eu vejo a senhora tão atenciosa com esse homem, algum parente seu? — questionou Hortência, uma de suas ex-alunas na matéria de Criobiologia.
— Não. Eu só estava verificando se o relatório dele estava atualizado, mas vamos para o próximo. — Vivian tentou disfarçar.
— Ele é bonito — disse Hortência, olhando atenciosamente para o homem ainda coberto pela aparelhagem hospitalar.
— Hortência, vamos para o próximo paciente? — insistiu Vivian, puxando-a pelo braço.
Aquela breve justificava não havia convencido Hortência, ela já observava Vivian há muito tempo ao lado daquele paciente, segurando sua mão como se estivesse rezando.
No refeitório, Hortência aproximou-se da mesa em que Igor, neurocientista e seu professor de Nanotecnologia, estava sentado, olhando a tela de seu computador portátil, maleável, com material capaz de dobrá-lo e redobrá-lo.
Hortência sentou-se sem permissão de Igor; ele olhou-a de soslaio e voltou a sua atenção para o dispositivo. Olhava as notícias e não estava se importando com a presença dela.
— Professor, o que o senhor acha da Dra. Vivian? — perguntou Hortência, brincando com a mesa digital e interativa.
— O que tem ela? — perguntou Igor, empurrando com o dedo mínimo a ponte de seus óculos em direção ao intercílio.
— Ela não desgruda do paciente 31, é como se ela tivesse alguma ligação com ele e, francamente, não pode ser outra coisa. Ela trata aquele paciente com preferência.
Igor não queria admitir que o pressuposto de Hortência estava certo, pois não iria colocar em exposição o passado de Vivian.
— Não sei. Pergunte isso a ela — disse Igor, dobrando seu computador transparente para guardá-lo no bolso de sua calça.
Sem respostas, Hortência continuou brincando com o jogo de basquetebol na mesa interativa.
Em seguida, surgiram João e Tília sorridentes, conversando animadamente sobre a apresentação de robôs no setor da robótica.
— O que houve, Hortência? — João percebeu o desânimo de sua amiga.
— Nada. Vocês acreditam que quanto eu menos sei, mais eu deduzo as coisas? Eu estava na clínica, visitando os pacientes que foram retirados da câmara de nitrogênio e me deparo com a professora Vivian ao lado de um deles, com os olhos molhados, segurando sua mão com tanta força e essa é a cena que eu vejo todos os dias.
— É parente dela? — indagou Tília.
— Ela negou que seja parente dela, mas ela o trata como se eles tivessem sido unidos no passado.
— Vou fazer meu pedido, licença, Hortência.
O jogo de basquetebol foi interrompido por João, que acessou o menu e escolheu o cardápio, selecionando os pratos disponíveis, depois foi a vez de Tília.
— Só sei que estou com fome e pouco me importa se a professora Vivian tem algum parente na suspensão criônica.
— O cara é bonito e jovem — acrescentou Hortência.
— Eu também sou bonito, jovem e estou aqui vivo, pode dar sua atenção para mim, Hortência? — brincou João.
Em seguida, um robô surgiu trazendo o lanche de João e de Tília.
Igor deparou-se no corredor com Vivian aos prantos, inquieta. Ele tentou acalmá-la e questionou sobre a euforia que a fazia sorrir e chorar mutuamente. Arsénio havia acordado e agora seria transferido para a outra sala, teria acompanhamento de outros profissionais da medicina. Vivian explicou que evitou olhá-lo nos olhos e chamou por médicos e enfermeiros para auxiliá-lo. Ela correu de lá sem conseguir controlar a si mesma. Arsénio balbuciava pouco, mas seus olhos abertos já era mais do que processo concluído.
Igor mostrou a carta para Vivian.
— Lembra desta carta que seguro? — disse Igor. — Ainda não é tempo para falar sobre ela, mas perceba que nem tudo saiu como planejado, saiu melhor e você está aqui, viva. Vocês terão a chance de se verem.
Vivian pegou a carta; seus olhos vermelhos, marejados, cintilaram ao abri-la e a releu em seus pensamentos. Depois ela olhou para Igor com uma expressão mais rígida.
—Talvez não saiu como eu previa, ele nunca vai ler esta carta, porque eu não deixarei...
— Claro, Vivian. Você terá a oportunidade de dizer pessoalmente a ele — interrompeu Igor.
— Você não me entendeu, Igor. Eu não vou dizer a Arsénio sobre a minha verdadeira identidade, não deixarei que ele saiba sequer do meu nome verdadeiro.
Igor, perplexo, arregalou os olhos e tirou seus óculos para encarar Vivian.
— Por que está fazendo isso, Vivian? Não pode deixar essa chance passar, foram tantas décadas de estudo e trabalho para você me dizer que não quer conversar com o responsável por tudo isso?
— Igor, eu envelheci, não dá para aparecer na frente dele com este aspecto. Eu sequer faço tratamento de rejuvenescimento. Deixei a natureza atuar sobre mim. E mesmo se eu pudesse, não conseguiria alcançar sua juventude.
—Vivian, pare de agir assim, não percebe que sua história com Arsénio foi real e verdadeira? Arsénio saberá que você viveu por ele.
— Lamento, estou decidida e não quero ser traída novamente por você. Meu nome será Apolinária e você cuidará dele a partir de hoje, por favor.
Contrariado, Igor se calou; a vontade de Vivian era outra, mas sentia vergonha e no seu peito, doía a dura realidade de saber que nunca seria feliz ao lado de Arsénio.
— Não chore, Vivian, não quero vê-la sofrer depois de conseguir realizar o seu grande objetivo — disse Igor, enxugando as suas lágrimas.
— Meu nome é Apolinária — sentenciou Vivian.
Apolinária se despediu de Igor e se afastou em direção ao elevador; Arsénio estava amparado por uma equipe multidisciplinar; Apolinária evitaria de se encontrar com ele; a sua recuperação era a finalidade a ser alcançada.
Indisposta para comparecer aos laboratórios, Apolinária desmarcou sua palestra que teria naquela semana e retornou para seu quarto. Deitou-se em sua cama e não reteve as lágrimas amargas. Ela fechou os olhos, apertando-os até o limite de não suportar e não enxergar mais nada em sua frente. A sua vida estava presa ao passado; as imagens de uma juventude que parecia não romper, sorrisos compartilhados, as mãos unidas. Tudo passou como um filme em sua mente, mas agora nada disso existia e simplesmente tornou-se fragmentos abstratos de uma vida passada.
Apolinária se levantou e foi até o espelho, encarou seu rosto modificado pelo tempo.
O seu reflexo foi cruel e ela ajoelhou-se até o chão; a carta escrita com a mesma intensidade que possuía, agora amassada entre seus dedos. Rapidamente, ela a guardou, tentando conservá-la por mais tempo.
Ajoelhou-se e se deitou vagarosamente até sua visão fitar o teto vazio.

Capítulo 12

Ainda com dificuldades de falar e de se locomover, Arsénio era auxiliado por enfermeiros para caminhar e passar por exames clínicos. Todos os dias, uma psicóloga dialogava com ele.
Por meio do vídeo, Apolinária assistia às sessões de terapia de Arsénio. Sua emoção apontou para o ápice quando ele pronunciou seu nome, ele não havia esquecido dela. Mesmo gaguejando, seu nome era agradável quando pronunciado por ele. Mais uma vez, seu âmago se estremeceu. Ela acariciava a tela de seu computador como se estivesse tocando-o.
Contrariada por Igor, Apolinária aceitou comparecer e vê-lo distante em uma de suas aulas de hidroginástica. E nesse dia, Arsénio conheceu Louise, uma mulher que havia sido revivida há bastante tempo.
— Oi. — Foi o suficiente para trazer a lembrança de Vivian aos seus pensamentos. Fisicamente, ela era diferente, com cabelos loiros e olhos claros, mas a sua feição lembrava a de Vivian.
Arsénio só foi capaz de sorrir e cumprimentá-la com um aperto de mãos, há muito tempo que ele não sentia alguém e, por momentos atrás, ele sentiu-se perdido e estranho em meio àquelas pessoas muito à frente de seu tempo.
Ele viu em Louise uma pessoa amável e disposta a ensiná-lo a encarar a nova realidade sem decair psicologicamente.
Louise era a representação viva de Vivian, pois quando ele perguntou onde estaria Vivian, a resposta certeira e destruidora, veio com a notícia de que ela havia morrido há muito tempo.
Todos os dias, Louise e Arsénio compareciam aos mesmos lugares e a amizade dos dois cresceu em pouco tempo.
Louise tornou-se atleta e sempre comparecia às aulas de recuperação de Arsénio, mas também Apolinária estava presente, no seu canto sem dirigir uma palavra a ele.
Quando Apolinária o viu beijar o rosto de Louise, o chão pareceu ceder sob seus pés. Sentia-se afundando diante da repentina mudança de Arsénio ter encontrado outra pessoa para substituí-la.
Transtornada, Apolinária saiu correndo quase tropeçando pelos próprios pés. Sua visão embaralhava as imagens de Arsénio e Louise juntos.
Debateu-se com Igor, e este percebeu seu sofrimento.
— Vivian, eu nunca a vi se comportar assim. O que está acontecendo com você?
— Esqueci de crescer, Igor. Esqueci que a vida não parou e que ela continua a andar sem olhar para trás. E é uma dor tão forte que dilacera por dentro sem existir remédio. A minha vida inteira foi dedicada a Arsénio e hoje eu o vi forte, andando e conversando como se nunca tivesse partido. As suas sequelas são tão imperceptíveis.
— Onde está a carta, Vivian? — indagou Igor, estendendo a mão. — Deixe-a comigo.
— Igor, você não vai fazer nada. A vida é minha e eu não quero sofrer mais ainda.
— Eu prometo que tolerarei o seu sofrimento, por favor, entregue a carta para mim. Quero evitar que você a destrua por impulsividade.
— Deixe isso para depois. A carta está em meu quarto.
Arsénio, Louise e enfermeiros passaram pelos dois; Apolinária se calou ao presenciar Arsénio passar por ela, olhando-a nos olhos. Igor os cumprimentou, mas ela não, disfarçou até vê-los distantes.
—É isso que quer? — perguntou Igor. —Viver dessa maneira? — continuou.
Apolinária não respondeu.
— Sua história me trouxe a responsabilidade de fazê-la ver Arsénio novamente e você está descartando todos os seus esforços.
— Não quero que Arsénio seja obrigado a ser grato pelos meus esforços.
— Peço licença, mas não há mais tempo para aguardar — interrompeu Hortência. — Professor, está na hora de irmos. E a Dra. Vivian não pode faltar.
— Hortência, por que não me chama de Apolinária? Eu disse sobre a mudança do meu nome, esqueceu-se?
Hortência ignorou a repreensão. Igor lembrou-se do aniversário surpresa de Vivian e se apressou, tampou os olhos de Apolinária e a conduziu para a sala que estava esperando por eles. Na frente, Hortência abriu a porta vagarosamente, alertando aos outros para esperarem até a venda ser retirada dos olhos de Apolinária. Esta se assustou com os gritos de todos, que a rodeavam e a abraçavam. Havia uma vela com o formato de sua idade sobre o imenso bolo de camadas.
— Por um ano resfriada, decidimos permanecer com a idade de oitenta e cinco anos — disse Igor.
Apolinária recebia congratulações, mas não deixou de se sentir acuada e assustada. Cortou o bolo e distribuiu os pedaços, mas sem muito discurso. Pensou em levar um pedaço de bolo a Arsénio.
— Pretende levar esse pedaço a ele? — perguntou Igor.
— Arsênio e eu somos estranhos um para o outro, se eu levasse este pedaço a ele, teria de pensar naquela moça. Mas acho que ele não pode comer isto, eu nem sei como está a dieta dele.   
Igor, então tomou o pratinho com o pedaço de bolo das mãos de Apolinária e comeu na frente dela sem cerimônia.
Quando Apolinária saiu da sala, deparou-se com Arsénio sozinho. Ela tentou desviar dele, mas sem querer os dois se debateram.
— Perdoe-me — desculpou-se Arsênio.
— Não foi nada — disse Apolinária.
Arsênio continuou caminhando em frente enquanto Apolinária ficou parada por alguns segundos até decidir e ir atrás dele.
— Espere, rapaz. — Apolinária o chamou. — Eu me lembro de você. Estive acompanhando seu tratamento.
Apolinária disse pelo ímpeto, pois desejava se aproximar dele.
— Prazer em conhecê-la. Meu nome é Arsênio.
— Eu me chamo Apolinária.
— Eu trabalhava aqui antigamente. E, depois de tantos anos, tudo mudou e muitos se foram... — comentou Arsénio, sentindo-se à vontade para conversar com aquela mulher familiar.
Apolinária interrompeu-o e voltou a ter consciência que terminaria falando a verdade, então preferiu não prosseguir com a conversa. Despediu-se e deixou Arsênio entrar no elevador.
—Tudo mudou, menos você — pensou ela.

Capítulo 13
Apolinária não gostou de ter se encontrado com Arsénio e ainda não ter sido reconhecida. Ela olhava para a imagem da peça teatral de um clássico, que aconteceria naquele dia. Romeu e Julieta eram projetados ao longo do corredor. Um amor proibido separado pela morte. Às dezoito horas, a peça era direcionada aos funcionários da ICEB e pacientes reanimados.
No seu relógio faltava meia hora para a apresentação e pensou se Arsênio chegaria ao teatro acompanhado de Louise.
Apolinária desceu para o segundo andar, onde ficava o teatro e se encontrou com Marta, beirando seus setenta e dois com uma forma física impressionante, fisiculturista há mais de dez anos, competidora assídua e campeã cinco vezes. Ao seu lado, Levi amparado pela sua bengala robótica.
Levi havia acordado antes de Arsénio fazia um ano e andava com muita dificuldade. Sua esposa, Vicência, infelizmente não quis ser suspensa.
— Olá, Dra. Vivian — cumprimentou Levi. — Soube de Arsénio. Ele está bem?
Marta pediu licença e se desculpou por não poder comparecer à peça, pois haveria uma competição de fisiculturismo. Apolinária e Levi, a sós, puderam conversar.
— Levi, a partir de agora, não me chame de Vivian. Peço que respeite minha decisão — avisou olhando para os lados. — Meu nome é Apolinária e não desejo que Arsénio saiba sobre mim. É melhor acreditar que não estou entre vocês.
— Por que faz isso? — indagou Levi, estupefato. Levi já a viu dormir na cadeira ao lado do leito de Arsénio, lutando para que ele vivesse.
— Porque a vida me fez assim. Levi, nós fomos revividos no mesmo ano e pudermos durante horas conversar sobre aquele infeliz dia. Você suplicou perdão e eu lhe concedi. Mas nada é como antes, não paramos no tempo. E eu quero que Arsénio reconstrua sua vida sem sentir preso ao passado, por mais que ele se lembre de todos os episódios. Se você quiser se aproximar dele, não impedirei, mas não permitirei que fale sobre minha situação atual.
— Eu vou deixar o tempo se encarregar do dia certo para que eu possa conversar com ele — disse Levi, compreendendo Apolinária.
Os dois sentaram-se lado a lado e Apolinária olhava para a entrada do teatro para esperar Arsénio entrar. E faltando poucos minutos para o início do espetáculo, Arsénio entrou acompanhado de Louise. Os dois estavam
e alegres. Apolinária acabou sendo encarada por Hortência, sentada atrás dela e observando a direção de seus olhares.
Hortência inclinou a cabeça para o lado onde estava João sentado, jogando em seu computador. Para ela, não havia dúvida da ligação entre Apolinária e Arsénio.
— A Dra. Vivian sente algo por aquele paciente, o último a acordar, lembra? Ela não para de olhar para trás.
— E daí? Eu não quero saber disso. Estou irritado com a complexidade desta fase de jogo.
— Por que não me ajuda a decifrar o passado deles? Nunca presenciei aquele moço reconhecer a doutora, mas também ele está fora do mundo há mais de quarenta anos. Os dois deviam ter idades próximas.
— E daí, Hortência? — resmungou João.
— Será que eles eram casados? Namorados? — continuou Hortência, mas ao perceber a falta de interesse de João em escutá-la, pegou o seu dispositivo e, além de ultrapassar a fase do jogo de segundo nível ao sexto nível direto, enrolou o aparelho como se fosse papel e entregou de volta para João.
— Como você fez isso? Precisa ser muito experiente para sair do segundo nível e ir ao sexto nível direto — disse João, boquiaberto.
— Agora você vai me dá atenção?
De repente, inicia a música de fundo e as cortinas se abrem, revelando os atores em suas posições. Hortência e João não se calaram e instantaneamente incomodou Apolinária, que se virou para trás com sua fisionomia carregada de mau humor; os dois disfarçaram, mas não demorou dez segundos e voltaram a causar ruído no momento do baile das máscaras em que Julieta conhece Romeu. Apolinária, irritada, levantou-se e apontou para os dois; sua chamada de atenção foi tão alta que os atores pararam para assisti-la. Todo mundo olhou para ela.
Apolinária desculpou-se e se aquietou na cena em que Romeu pula o muro e cai dentro do jardim dos Capuletos, parando debaixo da varanda do quarto de Julieta.
Neste intervalo de tempo, Apolinária virava a cabeça e observava Arsénio focado na peça com o sorriso largo, transparecendo suas marcas de expressão ao redor da boca. Louise, ao seu lado, só se importava em olhá-lo e foi quando sua mão pousou sobre a mão de Arsénio que Apolinária deu um pulo para fora de seu assento e urrou mais uma vez, como se direcionasse à Hortência e João.
Dois seguranças emergiram e a conduziram cordialmente para fora do teatro. Os atores respiraram aliviados e se voltaram para a cena.
Igor seguiu os seguranças e Apolinária.
— Não acredito que a vi se comportar daquela maneira diante de todos, até de seus antigos alunos.
— Eu vi com esses olhos que um dia foram resfriados a cena mais triste da minha vida. Louise, aquela jovem tocou a mão de Arsénio como se fossem íntimos — reclamou Apolinária.
— E se eles forem? Você não fez nada para impedir.
— Eu não esperava tão rápido assim.
— Arsénio está sozinho nesse ambiente tão novo para ele e Louise se tornou mais do que sua guia, tornou-se alguém especial. E você está deixando-a preencher qualquer espaço.
Levi foi o próximo a sair do teatro.
— Está melhor, Vivian?
— Pare de me chamar assim! — Apolinária berrou, irritada.
— Não sei se terei condições de me acostumar com isso — retratou Levi. — Mas você está melhor? Conversei com aqueles jovens os quais você perdeu a paciência.
— Aqueles petulantes foram meus alunos.
— Eu soube do seu doutorado em Fisioterapia.
— Vou deixá-los à vontade, com licença — disse Igor, afastando-se.
Levi lembrou Apolinária do passeio combinado que ela havia prometido a ele.
— Minha saúde está melhor, consegui conhecer alguns lugares e não posso negar a minha admiração e surpresa.
Apolinária conduziu Levi para conhecer todos os novos setores da ICEB; Levi com dificuldade de se locomover, contava com uma bengala eletrônica capaz de registrar o seu desempenho, por meio da pressão sobre o aparelho. Na empunhadura, havia um controle para ajudar Levi a se localizar, além de possuir acesso à internet. O controle projetava a imagem da tela para cima, ampliando o visor.
Entraram no elevador e Apolinária comentou sobre as novas tecnologias implantadas nos elevadores multidirecionais. Dentro da cabine, a pessoa pode acessar ao painel digital e dar comando de voz ou deslizar as telas e escolher as ações em um menu. O painel dava localização de outras pessoas e acesso às câmeras dos locais. Existia um frigobar acoplado em uma das paredes metálicas.
Apolinária ofereceu uma garrafa de água para Levi, que aceitou e bebeu um gole antes de subirem no oitavo andar. O elevador parou quando ultrapassou o chão do andar e os dois saíram; Apolinária continuou falando sobre os laboratórios. Mostrou-lhe o setor de Engenharia Genética.
— Você já deve ter tido conhecimento sobre o segundo instituto, a ICEBII, correto? — questionou Apolinária, olhando para Levi.
— Não. Eu não soube que havia outro instituto — respondeu Levi, sorrindo, olhando de relance as salas laboratoriais, vendo estudantes e cientistas trabalhando.
— Pois é — disse Apolinária —Então, muitas pessoas as quais foram revividas, seguiram seu caminho para a ICEBII com novas oportunidades de empregos. Ela é a expansão daqui e quem diria que iríamos caminhar em direção à ciência e tecnologia nessas proporções? Lá é mais focado em aplicação da computação e robótica na área da saúde, e principalmente em esportes.
— Aqui ocorre a clonagem de várias espécies extintas, mas não são todos os animais que foram autorizados a seres clonados. Os mais antigos estão tendo seu genoma sequenciado. Houve uma grande discussão acerca desse assunto, pelo que eu soube. Mas, por enquanto, somente aqueles em que o habitat é favorável, serão inseridos no ecossistema. E não pense que dinossauros estão nesta lista, não estão.
— E por que não? — ironizou Levi.
— Porque é mais difícil, demorado e não tem vantagens suficientes para desejar isso. Talvez, alguma espécie de dinossauro seja mais acessível de sequenciar, mas ela seria trazida com tamanho inferior ao original.
Apolinária e Levi subiram até o topo do prédio e uma aeronave circular com um designer distinto e futurístico os aguardava. Plataforma transparente na frente da aeronave possibilitava passageiros viajarem, olhando para o mundo ao redor e sentindo os ares frios nas elevadas alturas. Apoiados no parapeito, Apolinária e Levi não desgrudaram os olhos dos "drones", alguns para entregas e outros para propagandas.
— Tem certeza que esconder sua identidade fará melhor a si mesma? — perguntou Levi.
— Eu só penso em fazer Arsénio se sentir confortável e não pressionado pelo passado. Se ele for se lembrar de mim, será apenas como uma lembrança — disse Apolinária. — Não desejo tê-lo de volta como se eu fosse a mesma pessoa de antes. Prefiro seguir minha vida — continuou.
— Seguir uma vida sofrendo? — retrucou Levi.
— Vejo que teve conversas longas com Igor. — Apolinária contorceu o rosto. — Peço para que encare a sua nova vida, Levi. E eu viverei a minha do meu jeito — pediu.
— É tão difícil, sinto-me tão culpado e dói saber que não há nada que possa fazer.
— Acabe com sua culpa, corrigindo seu presente — aconselhou Apolinária, apoiando sua mão no ombro de Levi.
A aeronave esverdeada tornou-se avermelhada avisando sobre seu pouso no outro prédio, a ICEBII. Os dois desceram e esperaram a chegada do elevador, adentraram, e a cabine cedeu, percorrendo até chegar ao trigésimo andar. Encontraram robôs seguranças, o que não era comum no outro instituto. Os robôs reconheceram Apolinária.
— Meu Deus! São robôs quase humanos — Levi se impressionou. — Eles são tão variáveis.
— Ah, você diz sobre existir robô baixo e alto? Você precisa ver os mais salientes e longínquos — riu Apolinaria. — É importante manter as diferenças. Ninguém é igual a ninguém.
— Eles são robôs, para que dar essa importância? Cuidado, eles poderão se tornar preconceituosos — brincou Levi.
— Que tal assistir a um filme de forma diferente? — convidou Apolinária, enquanto os dois atravessavam uma enorme sala escura.
Apolinária não demorou para dar o comando de voz e as luzes se acenderem. Logo, a imagem do filme revestiu as paredes, chão e o teto.
— Espero que não seja um filme de terror, pois não haveria como fugir — disse Levi, preocupado e perdido com as imagens e o som alto.
Delicadamente, Apolinária puxou Levi pelo braço até as poltronas e ao se sentarem, cintos automáticos foram acionados e as poltronas subiram e giraram para que os dois pudessem focar no filme passando no chão, enquanto as paredes e os tetos foram desligados.
Após algumas horas, os dois foram almoçar no restaurante e as informações do chip sob o pulso de Levi foram lidos na tela por um dos funcionários. Levi recebeu seu prato de acordo com a avaliação genômica nutricional.
Os dois comeram silenciosos e saborearam a comida sem intervenção de quaisquer assuntos naquele momento.
— Vamos retornar? Acredito que esteja com saudades de ver Arsénio — comentou Levi, limpando a boca com guardanapo e se levantando com dificuldade.
— Deixe de ser zombador, Levi — repreendeu Apolinária.
— Vivian, eu sou a pessoa mais culpada pela sua falta de felicidade e me sinto obrigado a fazer alguma coisa por vocês dois. Eu quero vê-la sorrir novamente e se apaixonar por Arsénio tantas vezes possíveis nesta vida ou em outra.
— Levi, eu estou com mais de oitenta anos de vida e Arsénio nasceu de novo. Eu não quero tirar o tempo dele. O tempo separa as pessoas. Nós estamos separados há muito tempo. As células dele estacionaram, mas as minhas continuaram envelhecendo.
Apolinária se levantou e Levi preferiu não prolongar o assunto, respeitou seu silêncio e os dois retornaram para a ICEB, o instituto sede.

Capítulo 14

Apolinária admirava o pequeno objeto brilhante em seu dedo anelar. Marcado na pele, ela nunca o tirou, exceto quando faleceu e Igor teve o cuidado de guardá-lo. Saiu de seu quarto mais confiante e pronta para trocar nem que fosse poucas palavras com Arsénio, mas o suficiente para se sentir tranquila e saber que a vida dele estava caminhando, conforme ela desejava, pois, suportaria vê-lo ao lado de Louise.
Ela entrou no elevador vazio e acessou o painel para averiguar os locais e as pessoas que estavam neles, então escolheu o seu escritório no décimo primeiro andar. O elevador subiu e parou no sétimo andar, logo uma pessoa entrou. Apolinária permaneceu distraída e cabisbaixa. Cruzou os braços e ergueu a cabeça para olhar de esguelha para a pessoa com quem dividia o elevador. Arsénio sorria e olhava para ela.
— Bom dia — disse Arsénio, envergonhado.
— Bom dia, Arsénio. — Ela retribuiu.
Arsénio sorriu.
— Eu trabalhei aqui em 2014. E a senhora, infelizmente, pelo nome, não me recordo, mas sou um dos primórdios daqui, por assim dizer. Não conseguimos conversar mais depois daquele dia, eu gostaria de saber mais sobre a senhora. O ano em que veio para cá. A senhora chegou a conhecer Vivian?
—Não. — respondeu Apolinária prontamente.
Arsénio percebeu que incomodava a senhora, abaixou os olhos até parar diante das mãos da mulher e visualizar com clareza o seu dedo anelar da mão direita. A aliança de Vivian. Preferiu não questionar sobre algo tão antigo. A aliança era idêntica, mas talvez, não era única.
O elevador parou no décimo primeiro andar e Apolinária se virou para se despedir de Arsénio, mas as portas do elevador não se abriram, o painel desligou e as luzes se apagaram.
— Nossa, faltou energia. Mas em casos assim, existe um sistema capaz de acionar o gerador e estaremos a salvos — riu Apolinária.
O tempo passava e Apolinária não deixava de fitar as portas do elevador. Arsénio parecia despreocupado e não dizia nada.
Apolinária estranhou e abaixo do painel principal, havia outro, portanto Apolinária apertou o botão para ligá-lo, mas ele também estava desligado. Ela resmungou e deu um soco na parede, entretanto disfarçou ao se lembrar da presença de Arsénio.
— Não era para acontecer isso, mas e agora? — Apolinária entregou os pontos. — Já sei! — Pegou seu computador e acionou a emergência. — Por um instante, havia esquecido. – Ela riu e voltou para o canto do elevador sem encarar Arsénio, que permanecia calado.
Arsénio começou a passar mal e se apoiou em Apolinária.
— O que sente, rapaz?
— Elevadores me trazem lembranças e eu acho não estar condicionado a lugares fechados. — explicou.
Apolinária pegou seu braço e colocou em volta de seu pescoço e tentou acalmá-lo com uma massagem em seu peito, além de abaná-lo em vão. Lembrou-se da geladeira acoplada no elevador e abriu a portinhola, retirando uma garrafa de água para ajudar Arsénio a beber.
— Obrigado. — Ele agradeceu, bebendo aos goles.
Aquela aliança brilhante e aquele ambiente trouxeram à mente de Arsénio, as cenas em que ele havia desmaiado ao descobrir sobre a mentira de Vivian. Sentia ser transportado para aquela época. Apolinária não o soltava, porque ele não permitia que ela se afastasse dele. Pedia para abraçá-lo enquanto o mal-estar dirimisse.
Arsénio enxergou a pessoa que trazia a lembrança de Vivian intensamente em Apolinária.
Arsénio apertou sua mão e perscrutou minuciosamente seus dedos longos e finos com as unhas transparentes. Ele trouxe a mão de Apolinária para mais perto e tentou tirar sua aliança, mas Apolinária evitou, puxando sua mão de volta, porém a aliança saiu de seu dedo.
— Devolve-me, rapaz — pediu Apolinária.
Arsénio olhou para o interior do aro e encontrou o seu nome e o nome de Vivian gravados.
— Por que a senhora carrega a aliança de Vivian? — Arsénio franziu a testa.
— Ela me presenteou antes de morrer, Arsénio. Tornamo-nos amigas e ela sentiu pena de desfazer de um anel tão bonito e simbólico, portanto ele esteve no meu dedo como lembrança dela.
— A senhora se incomoda desta aliança ficar comigo? Ela pertenceu à Vivian e eu quero estar com algo que esteve com ela, por favor. Ela não foi importante para você o tanto que ela ainda é para mim.
Apolinária assentiu com a cabeça e sentiu-se amada naquele instante ao ver Arsénio chorando e falando daquela maneira dela mesma.
— Perdoe-me por fazer esse pedido à senhora, mas é que Vivian foi uma das pessoas que mais amei na vida. E hoje estou sozinho, sem minha mãe e sem ela.
A energia voltou a circular pelo elevador e Apolinária suspirou aliviada.
— Voltou a funcionar. Venha comigo até a enfermaria.
As portas do elevador se abriram e Apolinária conduziu Arsénio para fora.
— Ainda bem que fica neste andar — disse Apolinária, aliviada.
— Não se preocupe. Estou melhor — disse Arsénio, colocando o anel em seu dedo. —Depois que a senhora me presenteou com isto, só tenho de agradecê-la eternamente. Obrigado por tudo.
As mãos dadas e os encontros dos olhos fizeram os dois pararem e ficarem como estátuas, mergulhados em diversos sentimentos misturados. A familiaridade era recíproca entre ambos. Arsénio encontrava naquela mulher de mais de oitenta anos, o conforto de estar com alguém conhecido e amável. Enquanto isso, Apolinária só agradecia a Deus por estar diante de alguém tão amada e tão viva.
Os dois se afastaram um do outro lentamente, eles não queriam sair dali. Arsénio beijou as duas mãos da mulher, e sorriu, e agradeceu pelo amparo e o presente que agora habitava seu dedo anelar.
— Serei grato por me receberem com tanta afeição. Vivian era para estar aqui, mas ela não quis, fez com que eu estivesse e esse é o paradoxo da vida. Este anel me lembrará ela e também a senhora. Fique com Deus e eu estarei com ele também.
Arsénio continuou sua caminhada em direção à sala de fisioterapia. Em seguida, Igor saiu do elevador ao lado e se encontrou com Apolinária absorta em sua ilusória.
— Vivi para ver a senhora abraçá-lo. Eu me emocionei tanto que estou vermelho — disse Igor, abraçando Apolinária.
— Você assistiu tudo? — Apolinária franziu o cenho.
— Aconteceu mais do que eu esperava e não me arrependo de ter feito o que eu fiz.
Apolinária arquejou uma de suas sobrancelhas e encarou decepcionada para Igor.
— Quer dizer que o elevador teve problemas tão raros por causa de sua vontade? Igor, por que fez isso? Não lhe dei o direito de monitorar minha vida! — Ela exclamou.
— Pare de ser uma velha marrenta e assume sua identidade. Não vê que o rapaz a ama tanto que pouco importa se sua idade está avançada. A declaração dele foi tão profunda e inspirada que me trouxe lágrimas e eu não nasci para chorar. Sou amargo feito pedra.
— Dane-se! Não quero voltar a ter de encará-lo dessa maneira. Nossa amizade foi construída há tanto tempo, não tente destruí-la de um dia para o outro! — vociferou Apolinária.
Igor se desculpou, mas Apolinária saiu em direção ao seu escritório, ignorando Igor.
— Vá entender essa mulher! — Igor reclamou consigo mesmo.

Capítulo 15

Louise convidou Arsénio para jantar em um dos restaurantes no vigésimo segundo andar. O restaurante, naquela noite, serviria frutos do mar, além de música ao vivo. Era só deslizar com os dedos as imagens digitais de praias turísticas do mundo na mesa, além ser possível acessar ao menu do cardápio.
— É um lugar agradável, não acha, Arsénio? — elogiou Louise.
— Eu precisava disso. Obrigado pelo convite, estou me sentindo mais inserido nessa nova sociedade.
Arsénio olhava ao seu redor, admirando os lustres, as pessoas, os robôs servindo e dançarinos seguindo o ritmo da música no palco.
— Eu demorei para me acostumar, mas sobrevivi a todas as diversidades de um mundo futurista. — Louise aproximou sua mão para perto da mão de Arsénio. Louise se assustou ao ver a aliança no dedo de Arsénio e o questionou.
— Trata-se do anel que dei à Vivian.
— Eu nunca tinha visto em seu dedo antes — comentou Louise.
— Alguém que a conhecia deu para mim como forma de lembrar dela — explicou Arsénio, sem muitos detalhes.
Louise pegou a mão de Arsénio e declarou seus sentimentos a ele.
— Durante esse pouco tempo que retornei à vida, pensei que não encontraria alguém incrível e compreensível e, em você, enxerguei todas as qualidades de que precisava.
Arsénio, a princípio, sentiu-se confuso, mas logo percebeu que poderia corresponder à Louise. Encontrou nela a esperança de viver novamente sem ter medo de ser feliz ou de ser visto com diferença por outras pessoas.
Quando se preparou para dizer, Arsénio foi interrompido pela chegada de Apolinária, acompanhada de Igor.
Apolinária passou pela mesa de Arsénio, ignorando-o. Mas ele não disfarçava o quanto aquela mulher tomava sua atenção.
— Arsénio? — Louise o chamava, mas parecia não ser ouvida. — Arsénio!
— Desculpe-me, eu estou aqui. — Ele voltou a sua atenção de volta para Louise.
— Vamos fazer nosso pedido.
Arsénio concordou e olhou para o menu junto com Louise.
Do outro lado, separados por algumas mesas, Apolinária olhava fixamente para a mesa de Arsénio e tamborilava a mesa com os dedos nervosamente.
— Pare de agir assim. Contenha-se — aconselhou Igor, observando-a.
— Estou ótima. Não estou anormal, Igor.
— Você criou essa situação, então pare de reclamar. Se você acha que Arsénio tem o direito de reconstruir a vida, portanto suporte a ideia de vê-los juntos.
— Eles estão juntos? — Apolinária se espantou.
— Mais cedo ou mais tarde, a aproximação e o tempo farão os dois se apaixonarem.
— Terei de concordar com sua observação.
O robô passou pela mesa deles, levando a bandeja para a mesa de Louise e Arsénio.
— Sou atleta, já falei disso para você, não é, Arsénio?
— Sim.
—Em breve, receberei minha tão sonhada autorização.
— De quê?
— Minha vida era dividida entre a ICEB e a ICEBII, o segundo prédio inaugurado em 2034. Lá tem o setor de esportes e fui selecionada para treinar e prosseguir meus estudos de Educação Física. Eu gostaria de levá-lo até lá. Mas é recomendado a sua permanência aqui.
Arsénio preferiu ouvir ao longo da noite do que falar, sua cabeça não saía da aliança em seu dedo.
Após a sobremesa, Louise aproveitou a música para se levantar e chamar Arsénio para dançar.
— Ainda tenho dificuldades de locomoção, Louise — justificou Arsénio.
— Prometo não o fazer se esforçar muito, afinal, parado você não poderá ficar.
Arsénio ouviu seu pedido e se levantou. Os dois foram para a pista de dança, o primeiro casal e único a dançar.
— Gosto muito de você, Arsénio.
— Eu também gosto de você, Vivian. — Arsénio mordeu os lábios, procurando se esconder, pediu desculpas por ter errado seu nome.
— Vivian é um nome bonito, não ficarei chateada. — Louise sorriu e beijou seus lábios.
Transtornada, Apolinária pegou um enorme tentáculo de polvo grelhado e jogou na direção de Louise, acertando-lhe a cabeça.
— O que é isso?! — Louise se assustou e tirou o tentáculo enroscado em seus cabelos. — A senhora é louca? — Ela se virou para trás e viu Apolinária a poucos passos de distância, abafando um riso.
— Oh, minha jovem, lamento fazê-la passar por isso, mas o pedaço do bicho escapou. Perdoe essa pobre senhora.
Louise viu Arsénio rir e saiu enfezada do restaurante.
Arsénio parou defronte à Apolinária.
— Não se preocupe, irei conversar com ela — disse Arsénio cordialmente.
— Por mim, vocês nunca se falariam — murmurou Apolinária.
— O que disse?
— Nada, meu jovem.
Arsénio se despediu e saiu do restaurante. Igor saiu da mesa e sussurrou à Apolinária:
— Você é louca.
— Preciso do meu polvo, aquela mulher desagradável o tomou de mim. —E os dois riram.
Arsénio seguiu Louise e a viu no terraço, admirada com as estrelas cintilantes e destacadas naquele céu escuro; ela sentou-se numa longa poltrona azul-escuro e ligou o televisor de projeção.
Arsénio sentou-se ao seu lado.
— Desculpe-me por ter rido de você. Aquela senhora tem um bom coração.
— Não defenda aquela velha. Olha como é confortável assistir televisão em frente à lua. — Louise deitou sobre seu peito e fechou os olhos. Arsénio a abraçou. Nada seria capaz de mudá-lo, ele sabia que se ficasse preso ao passado, não viveria bem, pois acabaria sofrendo. Se ele estivesse vivendo normalmente desde seus trinta e dois anos, hoje estaria com oitenta anos, talvez, abraçado à Vivian.
Ele almejava poder corresponder Louise sem ter de viver com outra mulher em seu coração. Ele precisava passar por algum procedimento neurológico capaz de anular suas memórias associadas a alguém, episódios passados.
No restaurante, ainda à mesa sem tocar na sobremesa, Apolinária assistia ao casal descansando sob o luar. Apolinária insistia em monitorar Arsénio e não admitia esse erro.
— Não vai comer a sobremesa, Apolinária? — perguntou Igor.
— Não.
— Ótimo.
Igor pegou a sobremesa de Apolinária e em poucos minutos já havia esvaziado a taça de sorvete.
— Eu tenho de esquecer Arsénio.
— A terapia é demorada, dependendo do método que você irá escolher. Não vale a pena fazer isso agora.
— Não é esquecê-lo definitivamente, mas eu quero amenizar a ligação de sentimentos que sinto por ele. Amenizar a relevância do nosso passado.
— Bem, por esse lado, eu posso pensar no caso, apesar de querer muito que os sentimentos vençam as barreiras. Apareça amanhã no laboratório e lá tentarei convencê-la do contrário.
No dia seguinte, Apolinária compareceu ao laboratório de neurociência. Igor a recebeu, contrafeito.
— Olá, Vi...A...Apolinária. Eu ainda não me acostumei a chamá-la assim.
— Está bem.
— Não poderei fazer nada para convencê-la do contrário? — indagou Igor, com esperanças.
Nesse meio tempo, Apolinária, ainda no corredor, olhou para o lado e viu Arsénio se aproximando.
— Espere um momento. Ele está vindo.
— Ok — concordou Igor, entrando de volta para o laboratório.
— Oi, Arsénio. — Apolinária cumprimentou Arsénio, demonstrando um sorriso e uma tranquilidade que não existia.
—Olá, Dra. Apolinária.
— Posso ajudá-lo?
— Eu soube que é aqui que faz um tal procedimento neurológico capaz de eliminar certas memórias.
— Por quê? Algum trauma?
— Eu quero esquecer do meu passado. Eu quero esquecer de Vivian. — Ele disse enquanto alisava a aliança.
— Espere um momento, irei avisar sobre você. Aguarde alguns instantes.
Arsénio agradeceu e se sentou na poltrona em frente ao laboratório; Apolinária clicou no botão na tela digital da porta e, com a autorização, a porta destrancou-se e ela pôde entrar, mas não deixou de olhar para trás e ver Arsénio com os cotovelos apoiados em suas coxas e os dedos entrelaçados. Ele balançava as pernas nervosamente.
— E então? — Igor quis saber. — Falou com ele?
— Preciso de sua ajuda. Eu prometo que não desejarei novamente esquecer das minhas memórias. — Apolinária se apoiou na mesa—, mas não deixe que Arsénio queira me esquecer. Ele quer fazer o tratamento para anular o passado em relação a mim.
— Não negarei a vontade dele, entretanto juro que conversarei com ele. O tratamento não dá resultado imediato, consiste em psicoterapias periódicas.
Apolinária saiu e chamou Arsénio, que se levantou abruptamente e entrou no laboratório. Apolinária estaria esperando-o até ele retornar com a decisão de se negar a esquecer dela, a quem ele tanto amou.
Trinta minutos foram os mais longos da vida de Apolinária. Ela viu Arsénio sair e se ergueu, com longos suspiros.
— Conseguiu? — Apolinária perguntou sem rodeios.
— Terei de passar por uma avaliação, serei acompanhado por profissionais e depois é que vão me aconselhar se devo ou não passar pelo método; ele disse que eu poderia continuar com as lembranças passadas em minha mente, porém eu lembraria de Vivian sem a mesma emoção de antes. No caso, ela seria uma pessoa sem muita importância na minha vida atual; ele disse que assim o tratamento seria menos estressante. Se eu não me engano, eu começaria a me recordar e descrever o que Vivian significa para mim, eles iriam localizar as regiões ativadas durante a entrevista e depois eu receberia injeções de substâncias para inibir certas proteínas. Mas eu estou convicto que desejo isso mais que tudo, preciso de uma vida nova e esquecer do passado é tirar um trauma de mim.

Capítulo 16

Louise e Arsénio foram para o subterrâneo, o local onde os carros ficavam estacionados, conhecer as vias e os carros autônomos, e Louise partiria destino à ICEBII. O ambiente era fechado, porém, iluminado e estruturado com alta segurança.
— O futuro está literalmente em nossas mãos, Louise — disse Arsénio, impressionado.
Ela riu e o abraçou, deixou escapar lágrimas que fizeram Arsénio tomar conhecimento de que realmente era amado por ela, mas ele não conseguia expressar na mesma proporção. Louise entrou no carro, e Arsénio acenou, e o carro deu partida.
Sentiu vontade de acompanhá-la, mas respirou sossegado por saber que alguns dias sem Louise seria uma forma de avaliar sua vida e o verdadeiro papel dela em seu coração.
Três jovens emergiram atrás dele discutindo, eles pretendiam entrar no próximo automóvel que surgiu substituindo o lugar deixado pelo carro que levava Louise.
Hortência reconheceu Arsénio parado, olhando os carros que partiam e chegavam. Aproveitou para conversar com ele, parou ao seu lado e, educadamente, abordou-o.
— Posso falar brevemente com você? — perguntou Hortência.
— Claro.
— Meu nome é Hortência e sou uma das alunas de Criotecnologia, estive acompanhando o seu caso como paciente criopreservado. E é tão impressionante vê-lo em pé, saudável.
— É estranho encarar essa nova realidade, é como se eu estivesse adormecido durante tantas décadas e perdido tantos acontecimentos — disse Arsénio, sentindo-se à vontade para conversar.
Hortência considerou Arsénio uma pessoa simpática, pensou em falar de Apolinária e sua dedicação com ele, porém não seria prudente falar disso no mesmo dia em que estava se apresentando.
— Já chegou, Hortência! Vamos! — João gritou alertando sobre a chegada do carro.
— Ah, necessito ir. Vamos até o outro prédio para uma palestra, deseja ir conosco? Aproveita para conhecer o outro instituto.
Arsénio sentiu-se tentado a aceitar, mas teve de negar por não conter autorização de saída.
— Venha, é só uma viagem breve e tenho certeza de que gostarão de rever um dos antigos funcionários da ICEB. Quem sabe, você não reconhece alguém.
Arsénio pensou por alguns instantes e aceitou. Entraram no carro, e Arsénio cumprimentou Tília e João.
— Esse cara deve ter o chip e vai ser monitorado. Prepare-se, porque vão perceber que ele está ultrapassando o limite geográfico autorizado.
João encarou Hortência, estupefato.
— Hortência, o que está aprontando?
— Nada. — Ela respondeu rindo.
— Só espero que o sistema de validação de passageiro seja falho.
E, para o alívio de João, o carro passou direto sem a parada obrigatória. O sistema de validação de passageiro fazia reconhecimento facial, além de receber informações do chip de cada um.
Durante a viagem, Arsénio sentiu uma tontura ao tentar olhar para o local afora através da janela. João acionou o botão para as janelas digitais aparecerem. Arsénio tentou se entreter, acessando a internet em uma delas, porém a vertigem o fazia se sentir mal.
João curtia música, Tília assistia a um filme e Hortência lia um livro digital. Arsénio tentou acalmar a tontura inclinando a cabeça até o encosto do assento.
Tília olhou para trás e percebeu Arsénio fechar os olhos e acionou o botão para desligar todos os sistemas.
— O que houve? — perguntou João, perturbado.
— O rapaz está passando mal — constatou Tília.
— Arsénio! — Hortência sacolejava Arsénio, que havia desmaiado. — Temos de voltar!
— Hortência, você só atrapalha! O cara passa mal, porque não pode sair do instituto!
Hortência mostrou a língua para João e acionou os comandos de retorno e emergência.
— Mas quem é esse homem? — perguntou Joao, furioso.
— É o mistério do passado da Dra. Vivian.
— Você é problemática — retratou João, balançando a cabeça negativamente.
— Ele está acordando — avisou Tília.
— Arsénio está se sentindo melhor? Assustou-nos com seu desmaio repentino.
— Senti uma tontura e me lembrei do remédio que esqueci de tomar.
— Estamos voltando, tenha calma. — Hortência tentou acalmá-lo e o ajudou a se ajeitar no banco.
— Desculpem-me por causar transtorno a vocês.
— Não se preocupe, meu caro, perderemos somente uma palestra, além de perder vários pontos em nossas notas — ironizou João.
— Não é para tanto, João. Iremos assistir à palestra online — confessou Tília.
Os enfermeiros auxiliados por robôs ajudaram Arsénio a sair do carro e o colocaram sobre uma maca.
— E se aproveitássemos para voltar ao carro? — sugeriu João.
— Melhor ficarmos, quero ter certeza de que Arsénio ficará bem — retorquiu Hortência.
— Não entende que vamos sofrer repreensões ao descobrirem que um dos passageiros entraram no carro sem permissão? — João se desesperou.
Apolinária, depois de tantos adiamentos de sua palestra"Juventude de Aço", agora ela estava subindo os degraus da lateral do palco e olhou de relance para o telão com a imagem de um homem ciborgue inclinado, apoiado com as duas mãos no chão em que um dos braços era biônico.
— Sejam bem-vindos! — Apolinária anunciou.
O significado da imagem, segundo Apolinária, doutora em Fisioterapia e mestra em Biologia Molecular e Genética, demonstra os avanços da tecnologia e ciência, utilizando a robótica a seu favor. – Ninguém quer envelhecer e isso não é pecado. Muitos dizem que deveríamos aceitar a vida nos conduzir de forma natural, para aceitarmos o envelhecimento, mas é uma tolice esse argumento, porque estamos nessa vida para modificarmos a natureza a nosso favor, senão não teria o porquê viver. O Homem transforma a natureza desde sempre e se o nosso pensamento não for progredir, então estaríamos morrendo com doenças até mais simples e combatíveis hoje em dia. Queremos a juventude para vivermos saudáveis, fortes, isentos de dependência, podemos e queremos ser velhos fortes, jovens, por que não? Alguém gosta de sofrer? Alguém gosta de ir ao médico com inúmeros problemas de saúde? Ninguém tem um fio de vaidade na plateia? Por que conseguimos viver? Porque na vida existem motivações, e a minha motivação é essa. Olhar para a pessoa independente de sua idade e falar: "Como você está jovem, como você está saudável! Graças a Deus, não há problema algum em seu exame clínico. Está cuidando direitinho dessa máquina, hein! ", algumas pessoas da plateia riram.
Vamos brindar à vida, vamos brindar à saúde. O que eu mais temia não era a possibilidade de remédios curáveis não existir, mas que estes não fossem acessíveis a todas às pessoas. O problema não é descobrir a cura, é torná-la acessível a quem merece.
Apolinária avistou através da porta aberta a maca carregando Arsénio de olhos fechados pelo corredor e sua reação assustou a todos. Ela deu um grito e desceu do palco quase tropeçando.
Igor a ajudou a se recompor e os dois saíram do auditório. Alcançaram a maca e um dos enfermeiros informou que a pressão de Arsénio estava se estabilizando. Apolinária descobriu sobre o passeio e esbravejou na frente de todos à procura de Hortência, Tília e João.
— Apolinária, não se precipite. Arsénio desejou experimentar uma viagem subterrânea e Hortência, João e Tília o levaram para conhecer o segundo instituto. — Igor tentou justificar.
— Aquela menina e seus amigos passaram dos limites. Serão punidos! — vociferou Apolinária.
— Não, Apolinária. Pare de se estressar com o desnecessário, agora fique ao lado de Arsénio. Aproveite que Louise está ausente.
Apolinária crispou as duas bochechas sorrindo com satisfação ao saber da ausência de Louise.
Apolinária não foi a primeira a entrar no quarto em que Arsénio descansava, Levi estava sentado ao seu lado e Marta também estava presente.
— Por que está aqui? — Apolinária se incomodou. — Não é o momento para Arsénio relembrar de determinados tempos.
— Estou aqui preocupado com ele. E não sei se é o momento, mas sei de que eu não fugirei dele.
— Permita que meu pai fique aqui, Vivian — pediu Marta.
— Marta, você sabe exatamente o que aconteceu naquele dia e, francamente, não permitirei que Arsénio passe nervoso.
Arsénio acordou e correu os olhos para cada uma das pessoas presentes em seu quarto. Seus olhos pararam em Levi, reconheceu-o imediatamente.
— Levi — balbuciou Arsénio.
Levi ajoelhou-se e deixou sua bengala de lado, pegou a mão de Arsénio e, emocionado, falou sem desviar dele.
— Sim. Sou eu, Levi. Morremos juntos e estamos aqui, vivos. A vida deu uma segunda oportunidade para eu implorar o seu perdão. Perdoe-me, sinto-me tão destruído e envergonhado por ter me descontrolado e causado tanta dor.
— Nós erramos, Levi.
— Meu erro poderia ter sido corrigido, se eu tivesse mais compaixão naquele momento. Deixei minha família para me entregar à loucura. Eu peço perdão, meu amigo. A nossa amizade era tão bonita, mas fui covarde.
Levi beijou a mão de Arsénio, suplicando-lhe perdão. Arsénio apertou sua mão e os dois se abraçaram. Apolinária não aguentou ver os dois e começou a chorar, ela se juntou a eles e os abraçou.
Ela segurava a mão de cada um.
— Como eu queria que Vivian estivesse aqui — disse Arsénio.
— Se ela estivesse, tenho certeza de que se emocionaria — disse Apolinária, apertando as mãos de ambos.
Arsénio ergueu a cabeça e olhou para Marta.
— Você?
— Sou a Marta.
— Meu Deus, quanto tempo dormi?
Todos riram, Marta o abraçou e o agradeceu por ter perdoado seu pai.
— Eu sei que falta muita gente que amamos, mas não podemos fazer muita coisa — disse Arsénio, encarando Apolinária.
— Deixarei vocês à vontade. —Apolinária se retirou, puxando Igor.
— Parabéns! Você é irascível e isso me encoleriza de tal forma que sinto a necessidade de dizer a verdade a todos. Tire logo essa máscara, Vivian! — Igor disse alto.
— Igor, por favor, não me pressione — insistiu Apolinária.
— Eu sei que não faço parte de seu passado e não tenho esse direito, mas porque pressionar o sofrimento contra seu peito, minha amiga?
— Porque você não está na minha pele para sentir certos medos.
— Vivian, a mentira só piorará a sua dor. Eu vejo que você não se sente feliz somente em ver Arsénio vivo. Isso é pouco para realizar seu sonho.
— Igor, você ainda é muito jovem, mas a experiência da vida ao passar dos anos em vez de nos trazer coragem, traz a cautela.
— Vivian, às vezes, a experiência é a própria observação e eu vejo que você se perde no dilema de esconder e revelar a sua identidade. Se você não deseja interferir ou revelar a Arsénio, então pare de se mutilar e viver atrás dele.
— Você tem razão. Só vou sentir a paz e a tranquilidade quando eu disser a verdade a ele. E poderemos ser grandes amigos.
— Isso, Vivian. — Igor abraçou Apolinária.
A saúde estável de Arsénio não fez Apolinária se esquecer da irresponsabilidade de Hortência; as duas acabaram se encontrando num longo corredor do quinto andar, onde as salas dos cursos de Engenharia Genética, Biologia Molecular e Biotecnologia situavam. Em lados extremidades opostas, as duas se encaravam, respectivamente. Hortência olhou rapidamente para seu lado esquerdo em que outro corredor cruzava, não esperou raciocinar para correr. Apolinária foi em seu encalço e, para facilitar, abriu um compartimento ao lado do elevador. Puxou um levitador magnético, um veículo portátil que consiste em uma plataforma retangular, onde o condutor encaixa os dois pés para maior estabilidade e um parapeito para se apoiar enquanto levita. Apolinária gritou sem se importar com as salas de aula. Os alunos colocaram suas cabeças para fora e Apolinária pulou em cima de Hortência, derrubando-a no chão.
— Professora, saia de cima de mim!
Todos os alunos riram, e dois professores foram ajudá-las.
— Você passou de todos os limites! Eu disse para que não intrometesse no que não era devido, mas você é rebelde.
— Está falando do quê?
De repente, Igor apareceu e fez com que todos entrassem em suas respectivas salas. Alguns até tiraram fotos e filmaram para compartilhar com todos.
— O que está acontecendo? — perguntou Igor, suspeitando do assunto da discussão.
— Eu vim para dizer a essa garota se conter, estou impaciente com ela faz tempo e não deixarei de registrar as advertências dela.
— Eu não fiz nada — rebateu Hortência. — Peço desculpas se foi por causa de Arsénio. Ele necessitava conhecer lugares diferentes, não pensei que fosse prejudicá-lo.
— Você sabe que ele não tinha autorização. Chega de perder tempo com você! Está avisada. Se eu tiver mais algum motivo de perder a calmaria por sua causa, não vou descansar enquanto você for punida e até expulsa daqui.
— Não brigue com ela. — Aquela voz foi reconhecida por Apolinária sem ela precisar virar para trás.
— Arsénio? — Ela se assustou ao vê-lo sadio e em pé novamente — Já recebeu alta?
— Sim. E ainda bem que cheguei neste momento, quero evitar que cometa alguma injustiça. Tomar remédio e aceitar as proibições cabe a mim. Peço desculpas por tudo e prometo ser mais obediente e cauteloso com minha saúde.
Apolinária se calou e passou por Arsénio; Hortência agradeceu Arsénio por defendê-la e Igor foi atrás de Apolinária. O elevador foi impedido de ser fechado pelo comando de Igor. Ele adentrou e ficou ao lado dela, sorrindo.
—Você se jogou em cima da menina? — Igor já havia recebido o vídeo do momento em que Apolinária pulou em cima de Hortência. — Está me surpreendendo.
— Estou precisando de descanso, não posso passar nervoso. E agora estou sendo alvo de risadas.
— Eu já disse para você parar de tentar se esconder ou se irritar com tudo. Tenho certeza de que está jogando em Hortência uma raiva incomum só porque sente vontade de dizer a verdade sobre você para Arsénio, mas não possui coragem para isso. Enfrente esse medo que carrega dentro de si. Se você sabe que jamais ficará com ele, então diga a verdade, pelo menos, você se liberta desta agonia de fingir ser outra pessoa.
Igor apertou sua mão fortemente e, sem se virar, Apolinária, calada, deixou as lágrimas fluírem em sua face novamente. Ela concordava com Igor e consideraria seu conselho. Seu amigo era capaz de dizer as mais sábias palavras. Os dois se separaram quando Igor desceu no terceiro andar e Apolinária permaneceu. Ela se despediu dele e acessou ao painel, escolhendo voltar para seu escritório do décimo primeiro andar.
Louise voltou da ICEBII três dias depois; quando desceu do carro, Louise encontrou-se com Apolinária.
— Bom dia — cumprimentou Louise.
Apolinária quase não a respondeu, mas evitou qualquer tensão entre as duas.
— Bom dia. — Apolinária respondeu de maneira amarga.
— A senhora não para de ser compartilhada na internet.
Apolinária mordeu os lábios e respirou fundo, olhou para Louise e, ironicamente, respondeu:
— Grande coisa.
Louise e Apolinária caminharam em direção ao elevador. Louise desceu no primeiro andar e Apolinária esperou as portas se fecharam para lançar caretas de cólera ao vê-la.
Entretanto, sua raiva se intensificaria ao ver Hortência, de braços cruzados olhando para o baixo parada próxima ao seu escritório.
— O que faz aqui? — perguntou Apolinária, irritada. — Não quero conversar com você.
— Dra. Vivian, perdoe-me. Estou aqui para uma reconciliação. Eu errei e fui intrometida em sua vida, por isso, eu peço para que me entenda e perdoe-me.
— Está bem. Serei mais tolerável. E para que você não me traga mais problemas, eu direi a verdade.
Apolinária iniciou a história de seu passado com Arsénio, mas foi interrompida por Igor. Ele ofegava e pedia desculpas pela intromissão.
— Preciso falar com você — disse Igor.
Hortência se afastou para deixar os dois conversarem, sem existir possibilidade de serem ouvidos.
— Arsénio viu o vídeo na internet e lá na descrição e título colocaram seu nome.
— E agora? Louise está aqui e ela também saberá meu nome e, de certa forma, Arsénio vai se convencer a me reconhecer.
— Ele veio até mim e conversamos. Eu tentei e acredito que tenho tido êxito. Eu justifiquei dizendo que você preferiu mudar seu nome e era uma adaptação difícil para as pessoas daqui. Eu mostrei até seu atestado de óbito e, pelo ano, ele acreditou, ou seja, você tem o mesmo nome da falecida namorada dele.
— Devo respirar aliviada?
— Eu fiz a minha parte, mas, francamente, eu quero que tudo isso se dane e você também. — Igor disse.
— Vou conceder a indulgência de Hortência e espero que Arsénio conceda a minha futuramente — disse Apolinária, olhando para Hortência.
Igor chamou Hortência com um gesto para se aproximar e deixou que ela conversasse com Apolinária. Igor pediu licença e foi em direção ao elevador. Hortência fitou o chão, mas Apolinária amenizou a voz, deixando-a suave para a menina não ter receio. O que Hortência quis saber há tanto tempo, Apolinária revelou.
— Seja comedida ao falar com Arsénio, não diga a verdade a ele — implorou Apolinária, de mãos unidas. — Não revele a minha verdadeira identidade. Esse papel é meu.
Hortência concordou e pediu um abraço a Apolinária, que permitiu.


Capítulo 17

E, mais uma vez, Louise esteve presente nas sessões de fisioterapia de Arsénio. Filmava o progresso de seu desempenho. Ela sorria e acenava para ele. Arsénio conseguia retribuir, era uma pessoa de poucas palavras, mas expressivo.
Após Arsénio terminar a sessão, aproximou-se de Louise, que assistia um vídeo dando altas gargalhadas.
— Olha isso, a renomada Dra. Apolinária é uma piada. Ela não gosta de mim, e não me importo. O nome verdadeiro dela é Vivian — comentou Louise —, não era o nome de sua namorada? Engraçado, eu não sabia que ela se chamava Vivian, por que será que ela trocou de nome?
Arsénio franziu a testa.
— Meu Deus. — ele entabulou todas as peças do quebra-cabeça e não podia deixar de compreender o porquê daquela senhora lembrar alguém. — Não existe coincidência desse jeito.
Ele sentiu uma pontada forte no peito.
— Mentiram para mim. Então, ela está viva. — Arsénio não conseguiu se controlar, pediu licença a Louise e se adiantou para ir atrás de Apolinária, ou melhor, Vivian.
No caminho, encontrou-se com Levi e o abraçou; assustado, Levi não compreendia o comportamento dele.
— Só você poderá dizer a verdade.
— O que houve, Arsénio?
— A Dra. Apolinária é a Vivian? É a minha Vivian? Eu soube que ela foi uma das primeiras pessoas a trabalhar aqui e é da área de fisioterapia.
Levi mordeu os lábios e, vendo a ansiedade de Arsénio, não suportou mentir mais e concordou com a cabeça.
— Ela teve medo de assumir, pois sentia-se tão distante de você. Ela havia envelhecido e não queria ser rejeitada.
Emocionado, Arsénio agradeceu.
— Ela está viva. Aquela senhora é a mulher a qual eu sonhava em me casar, Levi? — repetia Arsénio.
Enternecido, Levi consentiu com a cabeça.
— Onde ela está?
— Vivian está internada. Ela não está bem.
Perturbado, Arsénio correu sentindo dores e quase caiu. Dentro do elevador, perguntou ao sistema sobre Vivian, mas não foi compreendido, portanto lembrou-se do novo nome dela.
Suas mãos suavam e a ansiedade o deixava apreensivo. O elevador o deixou no andar da ala hospitalar.
Colocou os pés firmemente para fora do elevador e se irritava por ter dificuldades de apressar seus passos. Foram minutos dolorosos até Arsénio conseguir chegar perto de Vivian.
Ele parou diante da porta, o sistema reconheceu sua face e sua entrada foi autorizada.
No quarto estavam Igor, enfermeiros e um cardiologista. De braços cruzados, olhos encharcados e um soluço baixinho, mas capaz de agoniar qualquer um que visse seu sofrimento, Marta chorava no canto do quarto.
Igor lamentava aos presentes que Vivian não se cuidava devidamente, ela deixava de tomar os remédios — nanopartículas, capazes de regenerar o miocárdio e limpar as artérias —, sua alimentação não era adequada, enfim, Vivian evitava respeitar a sua saúde, que já estava frágil e sujeita a qualquer enfermidade. Sem condições de continuar, Igor preferiu se calar e ao ver Arsénio, chamou-o para se aproximar e se despedir dela.
Arsénio a encontrou deitada de olhos fechados, ele beijou sua testa e sentou-se ao seu lado.
— Por quê? Por que tantas perguntas sem respostas, Vivian? Era para o mundo ser desconhecido, não você. Tantos desencontros para nos reencontrarmos neste estado. —Ele alisava seu rosto inerte. — Tão linda, sua fisionomia tão madura, mas não era assim que planejávamos viver: morrer tantas vezes durante a vida. Disseram a mim o seu medo, mas como você foi tola, eu jamais a rejeitaria, porque me apaixonei por você e não pela sua idade. Agora é tarde, mas é tão cedo para perdê-la. Um dia, eu a abandonei, mas agora é você que se vinga de mim, meu amor, minha vida.
Levi entrou no quarto e presenciou sua filha chorando.
— Filha, não me diga que...
Marta confirmou sem dizer. E os dois se abraçaram.
Arsénio implorou para que Igor levasse Vivian para a suspensão criogênica.
— Arsénio, você sabe que eu seria o primeiro a fazer isso, mas eu preciso respeitá-la. Ela assinou um contrato sem eu saber, ela se nega a querer passar por esse procedimento novamente. A justiça não vai permitir.
Igor entregou uma carta dobrada a Arsénio, que a pegou, tremendo, abriu-a e leu silenciosamente:
"Os meus passos durante seu sono foram instáveis.
Quando despertar, não tente se lembrar, apenas descanse a mente com sua nova vida, não sofra a pressão de voltar e engatinhar, sua formação estará consolidada, e você voltará a enxergar um mundo novo, e saberá se adaptar sem medo de errar.
Não tenha medo de sua juventude, continue vivendo; você não está velho, pois não envelheceu, não conheceu e desfrutou dos anos de sua época; verá que o futuro se encarregou de evitar seus fios de cabelos brancos, suas rugas não serão perceptivas. Não chore se relembrar de sua família passada. Se lembrar de meus olhos, feche-os, se lembrar de minha voz, cale-a, mas não deixe que o passado o atrapalhe de continuar sua caminhada. Sua saúde não será a mesma de alguém da mesma idade que você, e sabe disso, lutará para permanecer vivo, mas espero que possa ser remediado com as melhores soluções.
Uma vida pode dar inúmeras oportunidades, quem dirá em duas. Se eu pudesse estar diante de ti, eu não deixaria a oportunidade de amá-lo novamente. Agora eu escrevo com lágrimas nos olhos, porém espero que você leia com eles secos e um sorriso esplêndido. Estou sendo uma sobrevivente em suportar esta dor, mas sei que Deus está ao meu lado, segurando minha mão e me dando coragem para seguir. Perdoe-me, Arsénio, infelizmente, nem sempre as pessoas podem consertar seus erros. Minha luta é por você.
Arsénio, eu sempre o amarei, não importa onde eu esteja; esqueça de mim, mas eu não esquecerei de ti, não tenho o que perder, mas você tem o que viver."


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