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Meu lado da história. -Policial
Lucas Diniz Vaz

Meu Lado da história. –Policial.
     Me pergunto se realmente conseguirei sair daqui. A essa altura meu corpo dói de tanto correr, agachar e deitar, minha mente está cansada de tantos pensamentos múltiplos, um liquidificador de emoções que me fazem sentir ódio, amor e medo, meus pés doem e minha farda pesa tanto quanto a minha consciência. Uma vez me perguntaram o porquê da polícia usar uma veste Preta e não branca, ouvi muito isso em Protestos e em morros. Ouvi comentários de que era porque somos os anjos da morte e carrascos, mas na verdade meu parceiro, não usamos o branco porque mancharia toda a roupa de sangue e sujeira, estaríamos na Sarjeta.
    Bom...A parte da Sarjeta cai bem pelo momento, estou deitado num córrego da favela todo molhado de lama e fedendo a carniça. Subir no morro não é uma tarefa fácil, os alemão tem artilharia pesada, vai saber como conseguiram isso, do governo talvez? Vai saber... além disso a população apoia, em maioria não porque apoiam a bandidagem e sim porque são pobres desafortunados que recebem apoio financeiro do tráfico, não os culpo mas também não lhes tenho nenhum apreço.
    Me separei do meu grupo quando o fogo começou, a princípio seria apenas uma visita de rotina no morro, pegar alguns aviões e quem sabe algumas armas. Mas a merda foi jogada no ventilador; tiros rasgavam o ar, pessoas corriam e pessoas caiam, a favela parecia um labirinto e não conhecíamos o local tão bem quanto o inimigo, foi quando achei o córrego e me escondi, Isso fora a umas oito horas atrás. Os tiros ainda não cessaram, bem provável que tenha vindo reforços para a guerra, mais gados para o abatedouro.
    Não faço isso por dinheiro, até porque é muito pouco e nem pelo respeito já que o que recebo é medo, faço isso pelo meu filho Rafael de dois anos. Ele tem um ano de idade e eu perdi seu nascimento e seu primeiro aniversário, mas faço isso para que ele não adentre nesse mundo cruel da droga e da violência, a parte da violência pode parecer hipocrisia mas como meu finado pai me disse uma vez: as vezes a violência é necessária.
    Eu luto e eu vou a guerra porque ainda acredito que posso fazer a diferença, posso deixar um lugar melhor para o meu filho viver e para que cada criança, homem e mulher honesto possa viver em paz num país tão deturbado. Já vi crianças mortas de várias maneiras, vi rapazes que poderiam estar numa faculdade ou jogando bola com os amigos com o corpo se decompondo em uma vala, e em vez ou outra as circunstâncias me levaram a tirar a existências de alguns, não por ódio mas por sobrevivência, alguns são casos perdidos e sempre que se vão levam um pedaço da minha pureza.
    Estou aos poucos morrendo por dentro e rapidamente por fora, sei que escolhi a morte junto a profissão, sei que não terei um enterro digno, sei que não serei lembrado nos jornais, sei que minha família sentirá as dores, sei que meu filho crescerá sem um pai presente e sei que eles não terão apoio dos direitos humanos, eu não sou humano? Gosto de pensar que sou. Então se quero evitar tudo isso devo agir.
    Minha coluna luta comigo, eu a enfrento e sinto os golpes dos dois lados do ringue cujo prêmio é se levantar, quando finalmente consigo início uma nova batalha com as pernas, eu corro e sinto dor mas tento relevar, a noite está chuvosa de água e bala e o chão está encharcado de água e sangue. Eu corro e escuto os tiros em todos os lados, minha visão está turva, e minha mão está tremula com uma arma de fogo pronta para algo, as vielas da favela são labirintos dentro de outros labirintos de casa feitas de tijolo e madeira, Paro e tento pensar o lado que devo seguir, talvez...
-Calminho, Garoto!!!    
O rapaz negro deve ter uns dezessete anos.
-Que Merda! –Bravejou o garoto apontando uma arma para mim.
-Abaixa a arma e põe as mãos na cabeça.
    O garoto estava com os olhos nervosos e se tremia todo, o Navio símbolo do Vasco nadava em sangue ao invés de branco na blusa suja. O garoto Atirou e se afastou, eu atirei e me afastei, são nesses momentos que não temos nenhuma noção de mira ou alvo, a viela era curta e sem local de abrigo, o garoto atirou e se afastou, eu atirei e me afastei, eu choramingava de cansaço, e ele de raiva, o Garoto atirou e se afastou, eu atirei e me afastei, balas vinham e iam até cessarem... ele caiu sangrando sem esboçar reação, foi tudo que vi quando também cai.
    Minha visão tá escura, meu corpo não reage mais a nada, o céu está bonito, a água cai e isso é um paraíso, depois que você conhece o inferno são os pequenos detalhes que lhe agradam, isso é morrer? Meu filho tem um sorriso tão lindo, nunca mais verei, minha esposa tem os olhos mais azuis que o próprio mar, não verei ambos, o que acontecerá depois da minha morte? quem será lembrado? Quem será velado? Melhor perguntar aos direitos Humanos, e também... é... Arr... e... u...


“Teremos uma conclusão certa e profunda de algo ao conhecermos os dois lados da história” –Bruno Régis.    
Um texto de Lucas Diniz Vaz.


Biografia:
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Ensaios Ensaio sobre o narrador machadiano Lucas Diniz Vaz
Contos Meu lado da história. -Policial Lucas Diniz Vaz


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