Hoje pela manhã ao acordar prontamente para trabalhar, lembrei de um sonho, ou talvez um pesadelo, que tive na noite passada. Pensei: como nosso cérebro é criativo: Imagina, forma figuras e estabelece diálogos, desenvolve e cria cenários com uma velocidade capaz de causar inveja ao som e à luz. A rapidez da imaginação é algo que fascina, quando não, às vezes, assusta. Fiquei sentado à beira da cama por alguns instantes, ainda escuro no interior do dormitório, pois madrugada e a janela ainda estava fechada. Ouvia-se somente o som das pessoas apressadas passando no corredor e os burburinhos das crianças, apressadas para irem ao colégio. Era mês de junho e o frio invadia o quarto pelas frestas da veneziana da janela. Minha mente parecia divagar em borbulhas, insistindo permanecer em sonho, mesmo que o converseiro no corredor, que agora soava tão distante, quebrasse o silêncio matinal.
A turbulência das conversações externas não conseguiu retirar meu corpo daquela viagem cerebral, tão extensa e profunda que, mesmo sentado ao lado do leito, não me permitia levantar e caminhar rumo a mais um dia de labuta.
Ainda eram cinco horas e os primeiros raios de sol começavam a quebrar o breu que existia no quarto, o galo gastava suas forças ao cantar, tal como o pródigo o faz com seus pertences. Os murmúrios externos aumentavam, pois além das crianças que se dirigiam ao grupo escolar em algazarra e alegrias, tão distante de suas casas, os homens transitavam com suas carroças que ao girar as rodas de madeira rangiam, como o choro triste das confissões na igreja e os cavalos, forçados a galopar, aspiravam pelas ventas um ar que se assemelhava a uma nuvem de neblina. Era o frio que fazia naquele tempo. Os semoventes tinham porte da cavalaria real, mas havia uma dupla de cavalos, árabes, brancos, muito grandes e fortes, os quais sempre estavam presos às carroças que puxavam. Diziam que os cavalos foram trazidos de uma terra distante, desconhecida, onde a pureza dos animais e o trato que lhes era dispensado a mando dos reis, os tornavam animais sagrados. Percebi que os cavalos haviam se soltado das amarras e saído em disparada pelas estreitas alamedas do povoado, nada os parava, passavam derrubando bancas e pessoas, ninguém os conseguia segurar. Suas respirações estavam tão ofegantes que era possível ouvir a distância, como se estivessem dentro de meu quarto. Tentava eu, assustado, abrir os olhos e me proteger, mas meu corpo não respondia, não era possível levantar, estava paralisado. Lutei até conseguir abrir os olhos e percebi que ao lado da cama estava um dos cavalos, com a cabeça baixa, como em sinal de respeito; em um impulso repentino, sentei-me na sela que estava sobre ele, uma cela não em couro, mas confeccionada em tecido, um tapete oriental. Não havia onde segurar, mas parecia que eu era um exímio cavaleiro. Quando dei por mim o animal já corria em disparada, por meio das veredas, até alcançar um campo de relva, onde não haviam árvores, somente a grama baixa. Não conhecia o lugar, mas o animal não obedecia a meus comandos. Foi galopando com rapidez, seguido pelo parceiro, e me levou para um lugar árido, muito seco, onde a areia fina e fofa não o parava, mas somente o fazia trotar. Ao longe viam-se cidadelas, pessoas que não era possível identificar, mas ninguém próximo a mim. Depois de mais de dia naquele galope frenético, cheguei a um lugarejo desconhecido, onde foi possível desmontar. Os cavalos ficaram parados próximos a uma construção. As pessoas do lugar conversavam em uma língua estranha, que eu jamais ouvira, andei por todo o lugar, onde encontrei uma pessoa, que me abraçou como se fossemos velhos amigos, mas eu não a conhecia, jamais a havia visto. Esta pessoa me entregou um envelope e pediu que o guardasse e protegesse com minha vida se fosse necessário. Perguntei o que havia no envelope e não obtive resposta. Falava uma língua estranha, mas eu o compreendia. Ouvi o respirar forte e ofegante dos animais e ao desviar o olhar para vê-los, a pessoa desapareceu, tentei ir atrás dela, mas somente uma brisa fria entrou pela porta da estranha construção.
Retornei para casa e ainda sentado na cama, a claridade do novo dia mais intensa me emprestou coragem e disposição para levantar, eram 0505h; levantei-me e fui ao lavabo, fechando a porta. Ouvi do lado de fora do lavabo a respiração ofegante dos cavalos, receei em sair, mas ao abrir a porta, somente o quarto vazio. Sai pouco depois e fui trabalhar, mas durante o dia não pude esquecer ou parar de pensar em tudo o que aconteceu.
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