Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
São Bernardo - Resumo e crítica
Pedro Melo

Resumo:
Este texto, foi escrito para aula de Português do Seminário São José na Diocese de Franca.


Publicado em 1934, São Bernardo está entre o que há de melhor que romance brasileiro produziu. Num primeiro instante pode até parecer uma história de vitória de seu narrador-protagonista, Paulo Honório, que foi de guia de cego na infância até se tornar um dos maiores latifundiários do interior de Alagoas. No entanto, a questão principal é muito mais aguda e amarga. O livro nos mostra que ele sente uma estranha necessidade de escrever, numa tentativa de compreender, pelas palavras, não só os fatos de sua vida como também a esposa, suas atitudes e seu modo de ver o mundo. A linguagem é seca e reduzida ao essencial. Paulo Honório narra a difícil infância, da qual pouco se lembra, no começo do livro ele chegou a ser preso por “três anos, nove meses e quinze dias na cadeia” por esfaquear João Fagundes por causa de uma antiga amante chamada Germana.
     Paulo Honório, filho de pais incógnitos, guia de cego que se elevou a grande fazendeiro, respeitado e temido, graças à tenacidade infatigável com que manobrou a vida, pisando escrúpulos e sentimentos e visando por todos os meios o alvo que declara desde o início: 'O meu fito na vida foi apossar-me das terras de São Bernardo, construir esta casa...'. A fazenda São Bernardo tinha sido seu antigo serviço onde Paulo Honório nos conta como vivia: “foi lá onde trabalhei, no eito, com salário de cinco tostões”. Como pano de fundo, temos o coronelismo, a sociedade patriarcal do Nordeste e a Revolução de 1930 e seus desdobramentos, que ecoam também no sertão e golpeiam o combalido.
     Para alcançar sua ascensão social, Paulo paga um preço altíssimo, que é a destruição do seu caráter afetivo. Na verdade, a perda de sua humanidade pode ser entendida como fruto do meio em que vivia. Massacrado por seu mundo, acaba tornando-se um herói problemático, defeituoso (parece haver aqui um certo determinismo, na medida em que o homem seria apresentado como fruto e prisioneiro das condições mesológicas).
     Há um aspecto que atenta contra a sua verossimilhança, que é um célebre problema de incoerência: como um romance tão bem escrito como pôde ter sido produzido por um semianalfabeto como Paulo Honório. É uma narrativa muito sofisticada para um narrador de caráter tão tosco, como podemos ver neste trecho:
“Continuemos. Tenciono contar a minha história. Difícil. Talvez deixe de mencionar particularidades
úteis, que me pareçam acessórias e dispensáveis. Também pode ser que, habituado a tratar com matutos,
não confie suficientemente na compreensão dos leitores e repita passagens insignificantes. De resto isto vai
arranjado sem nenhuma ordem, como se vê. Não importa. Na opinião dos caboclos que me servem, todo o
caminho dá na venda.”

     Quando se menciona que a narrativa é sofisticada, não se quer dizer que haja rebuscamento. A linguagem do romance, seguindo o estilo de Graciliano Ramos, é extremamente econômica, enxuta, mas com grande beleza.
Paulo Honório, homem dotado de vontade férrea e da ambição de se tornar fazendeiro, depois de atingir seu objetivo, propõe-se a escrever um livro, contando a se vida, de guia de cego a senhor da Fazenda São Bernardo.
     Possuidor de fino tato para negócios, viveu de pequenos trabalhos pelo sertão até se aproveitar das fraquezas de Luís Padilha - jogador compulsivo. Comprou-lhe a fazenda São Bernardo onde trabalhara anos antes. Astucioso, desonesto, não hesitando em amedrontar ou corromper para conseguir o que deseja, vê tudo e todos como objetos, cujo único valor é o lucro que deles possa obter. Trava um embate com o vizinho Mendonça, antigo inimigo dos Padilhas , por demarcação de terra. Mendonça estava avançando suas terras em cima de São Bernardo. Logo depois, Mendonça é morto enquanto Honório está na cidade conversando com Padre Silveira sobre a construção de uma capela na sua fazenda. São Bernardo vive um período de progresso. Diversificam-se as criações, invade terras vizinhas, constrói açude e a capela.
     Movido mais por uma imposição psicológica, Paulo Honório procura uma justificativa para o desmoronamento da sua vida e do seu fracassado casamento com Madalena, que se suicida.      No livro, ao mesmo tempo em que faz o levantamento existencial de uma vida dedicada à construção da Fazenda São Bernardo, Graciliano Ramos apresenta o complexo destrutivo que Paulo Honório representa:

“Cinqüenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber por quê! Comer e dormir como um porco! Como um pomo! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo?”

     Tudo o que ele faz visa favores, ao ponto de construir uma escola apenas para obter favores do governador e uma capela para ter o padre Silvestre ao seu lado.      Em suma podemos ver que Paulo Honório é um homem que supervaloriza a propriedade, tipo de gente para quem o mundo se divide em dois grupos: os eleitos, que têm e respeitam os bens materiais, e os réprobos, que não os têm ou não os respeitam.

     O próximo lhe interessa na medida em que está ligado aos seus negócios, e na ética dos números não há lugar para o luxo do desinteresse.

(...) esperneei nas unhas do Pereira, que me levou músculo e nervo, aquele malvado. Depois, vinguei-me: hipotecou-me a propriedade e tomei-lhe tudo, deixei-o de tanga.

(...) levei Padilha para a cidade, vigiei-o durante a noite. No outro dia cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a escritura. Deduzi a dívida, os juros, o preço da casa, e entreguei-lhe sete contos quinhentos e cinqüenta mil-réis. Não tive remorsos.

     Somente uma vez ele agiu em obediência ao sentimento de gratidão, recolhendo a negra e velha Margarida de mais de cem anos, que o alimentou na infância e que ama com uma espécie de ternura de que é capaz. Ainda assim, porém, as relações afetivas só se concretizam numericamente:

“A velha Margarida mora aqui em São Bernardo, numa casinha limpa, e ninguém a incomoda. Custa-me dez mil-réis por semana, quantia suficiente para compensar o bocado que me deu.”

     Com o mesmo utilitarismo estreito analisa a sua conduta: “A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que me deram lucro.”

     Até quando escreve, a sua estética é a da poupança:
É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço.     A aquisição e a transformação da Fazenda São Bernardo levam, todavia, o instinto de posse de Paulo Honório a arraigar-se num sentimento patriarcal, naturalmente desenvolvido - tanto é verdade que o seu modo de agir depende em boa parte das relações com as coisas.

“Amanheci um dia pensando em casar Não me ocupo com amores, devem ter notado, e sempre me pareceu que mulher é um bicho esquisito, difícil de governar (...) O que sentia era desejo de preparar um herdeiro para as terras de São Bernardo.”

     A partir desse momento, instalam-se na sua vida os fermentos de negação do instinto de propriedade, cujo desenvolvimento constitui o drama do livro.      Com efeito, ele vai à busca de herdeiro e termina apaixonado, casando-se por amor; e o amor em vez de dar a cena final na luta pelos bens, revela-se, de início, incompatível com eles. Procura uma mulher da mesma forma que trata as outras pessoas: como objetos. Idealiza uma mulher morena, perto dos trinta anos, e a mais perto da sua vontade é Marcela, filha do juiz. Não obstante conhece uma moça loura, da qual já haviam falado dela. Decide por escolher essa. A moça é Madalena, professora da escola normal. Paulo Honório mostra as vantagens do negócio, o casamento, e ela aceita. Não muito tempo depois de casado, começam os desentendimentos. Paulo Honório, no início, acredita que ela com o tempo se acostumaria a sua vida. Madalena, mulher humanitária e de opinião própria, para ela o amor unifica e totaliza. Ela não concebe a vida como uma relação de possuidor e coisa possuída. Daí o horror com que Paulo Honório vai percebendo a sua fraternidade, o sentimento, para ele incompreensível, de participar na vida dos desvalidos.
ela começa a não concordar com o modo como o marido trata os empregados, explorando-os.
     Ela torna-se a única pessoa que Paulo Honório não consegue transformar em objeto. Dotada de leve ideal socialista, Madalena representa um entrave na dominação de Honório. O fazendeiro, sentindo que a mulher foge de suas mãos, passa a ter ciúmes mórbidos dela, encerrando-a num círculo de repressões, ofensas e humilhações. O casal tem um filho mas a situação não se altera. Paulo Honório não sente nada pela sua criança, e irrita-se com seus choros.
     Para adaptar-se, teria sido necessário a Paulo Honório uma reeducação afetiva impossível à sua mentalidade, formada e deformada. O sentimento de propriedade, acarretando o de segregação dos homens, o distancia das pessoas, porque origina o medo de perder o que já conquistou, e o seu convívio com outros resume-se em relações de mera concorrência
Nessa luta, porém, não há vencedores. Acuada, vencida, Madalena suicida-se. Paulo Honório, vitorioso, de uma maneira que não esperava e não queria, sente, no admirável capítulo36, a inutilidade do violento esforço da sua vida:

“Sou um homem arrasado (...) Nada disso me traria satisfação (...) Quanto às vantagens restantes — casas, terras, móveis, semoventes, consideração de políticos, etc. - é preciso convir em que tudo está fora de mim. Julgo que me desnorteei numa errada (...) Estraguei minha vida estupidamente (...) Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo.”

     Vencendo a vida, porém, foi de certo modo vencido por ela; imprimindo-lhe a sua marca, ela o inabilitou para as aventuras da afetividade e do lazer. Nesse estudo patológico de um sentimento, Graciliano Ramos - juntando mais um dado à psicologia materialista esposada em Caetés - parte do pressuposto de que a maneira de viver condiciona o modo de ter e de pensar:

“Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte! A desconfiança é também uma consequência da profissão.”

“Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.”

     O seu caso é dramático, porque há fissuras de sensibilidade que a vida não conseguiu tapar, e por elas penetra uma ternura engasgada e insuficiente, incompatível com a dureza em que se encouraçou. Daí a angústia desse homem, cujos sentimentos eram relativamente bons, quando escapavam à sua tirania, ao descobrir em si mesmo estranhas sementes de moleza e lirismo, que é preciso abafar a todo custo.
Sua imagem o persegue. As lembranças persistem em seus pensamentos. Então, pouco a pouco, os empregados abandonam São Bernardo. Os amigos já não frequentam mais a casa. Uma queda nos negócios leva a fazenda a ruína. Sozinho, Paulo Honório vê tudo destruído e, na solidão, procura escrever a história da sua vida. Considera-se aleijado, por ter destruído a vida de todos ao seu redor. Reflete a influência do meio quando afirma: "A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste."
Analisando friamente podemos dizer que a história retratou um crescimento de um burguês de modo muitíssimo chulo. O que aconteceu para pensar assim? Diversificam-se as criações, invade-se terras vizinhas, se constrói açude e a capela. Ergue uma escola em vista de obter favores do Governador (reminiscência da política café com leite x política dos governadores) Chama Padilha (escritor e militante) para ser professor. Estando a fazenda prosperando, Paulo Honório procura uma esposa a fim de garantir um herdeiro. Procura uma mulher da mesma forma que trata as outras pessoas - como objetos. Idealiza uma mulher morena, perto dos trinta anos, e a mais perto da sua vontade é Marcela, filha do juiz (Dr. Magalhães). Não obstante conhece uma: Madalena que depois passa a não concordar com o modo como o marido trata os empregados, como já citei acima, explorando-os. (embate capitalista x socialista). Este é o maravilhoso, complexo e estapafúrdio romance que Graciliano Ramos nos apresenta: São Bernardo.


Biografia:
Graduado em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia - IAF, Formado em Técnico de Administração pela Escola Doutor Júlio Cardoso, e Técnico em Publicidade e Propaganda - Uni Facef.
Número de vezes que este texto foi lido: 52818


Outros títulos do mesmo autor

Artigos MINORIAS SOCIAIS Pedro Melo
Artigos A SOCIEDADE E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Pedro Melo
Ensaios A Escolha por Deus Pedro Melo
Resenhas QUANDO O SER DIVINIZADO ESTÁ LOUCO Pedro Melo
Artigos A Sociedade do Aquário Pedro Melo
Poesias Fé, a livre resposta a Deus Pedro Melo
Artigos Concílio Vaticano II Pedro Melo
Artigos São Bernardo - Resumo e crítica Pedro Melo
Artigos A Porta da Fé e o testemunho de nossa própria caridade Pedro Melo
Artigos Mito da Caverna, o que é? Pedro Melo


Publicações de número 1 até 10 de um total de 10.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
JASMIM - evandro baptista de araujo 68971 Visitas
ANOITECIMENTOS - Edmir Carvalho 57894 Visitas
Contraportada de la novela Obscuro sueño de Jesús - udonge 56713 Visitas
Camden: O Avivamento Que Mudou O Movimento Evangélico - Eliel dos santos silva 55790 Visitas
URBE - Darwin Ferraretto 55036 Visitas
Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls - Caliel Alves dos Santos 54931 Visitas
Sobrenatural: A Vida de William Branham - Owen Jorgensen 54838 Visitas
Caçando demónios por aí - Caliel Alves dos Santos 54810 Visitas
ENCONTRO DE ALMAS GENTIS - Eliana da Silva 54718 Visitas
O TEMPO QUE MOVE A ALMA - Leonardo de Souza Dutra 54711 Visitas

Páginas: Próxima Última