Você acorda tonto, enxaguado de suor. Tenta se equilibrar (desde que nasceu). Apoiando-se nas paredes, vai ao banheiro. Na privada, vomita tudo que não presta e o encheu na noite passada. Boca azeda. Olhos lacrimejantes. Dor de cabeça. Seu espectro vomitado na privada é a imagem refletida da sua vida.
Ano novo, os mesmos problemas. Você não ganhou na mega da virada. Você envelhece, sua dívida cresce, sua esperança enfraquece. Nada mudou para melhor.
Quinta-feira a rotina continua. Você de novo no tronco com a alma nua pronta para os flagelos do seu orgulho, da sua arrogância, da sua vaidade, da sua inconsequente fantasia. A única verdade está na falsidade do que você quer aparentar para os outros.
Você tem vergonha do que é. Você tem preguiça de mudar, de mergulhar dentro de si, buscar a verdade.
É muito mais fácil fazer o que todo mundo faz. Beber o que todo mundo bebe. Cheirar o que todo mundo cheira. Fumar o que todo mundo fuma. Picar o que todo mundo pica. Comer o que todo mundo come. Vomitar o que todo mundo vomita. Buscar o que todo mundo busca. Ser como todo mundo é.
A justificativa é sempre a mesma: “não pedi pra nascer”.
Sua política do mínimo esforço e da máxima vantagem é a ideologia da maioria da sociedade.
Solidariedade, compaixão, caridade viraram shows de TV preocupados com os índices de audiência. Afinal, fazer o bem sem ganhar fama e dinheiro é para idiotas.
A sociedade humana está estruturada a partir do conceito de que dinheiro é o bem mais precioso da existência. E nós, que geramos essa riqueza para a minoria dominante, somos escória.
Tudo isso fica rodando, rodando na sua cabeça...
Você se volta para o espelho do banheiro, se olha e não vê nada. Lava o rosto. Enche a boca d’água e bochecha para cuspir as sobras do vômito. Arruma o cabelo. Abre um enorme sorriso. Fica parecendo o cara mais feliz do mundo. Tira uma self para as redes sociais com a legenda: “Feliz da vida. Ano novo, vida nova, galera!”. Agora, é só esperar pelos likes.
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