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A cozinha de minha outra casa
Fatos reais por volta de 1976
katia cristina krzesik

Resumo:
Trata-se de um texto a respeito de recordações da infância, onde a cozinha é o tema principal.


É bastante comum, em determinado momento de nossa vida sentirmos saudade de alguma coisa, de algum acontecimento ou de alguém. Essas coisas geralmente acontecem quando temos uma idade maior, quando o saudosismo nos contagia. Eu, sofro de saudosismo crônico.
Pensando nessas coisas, me deparei com coisas que tenho saudade, uma delas; a cozinha da minha outra casa. Era simples, numa casa de madeira, duas águas de telhado estilo polonês e uma pequena varanda em seu lado esquerdo. Mas o que mais gostava, era a cozinha, tinha uma janela de madeira com um trinco batido a prego, uma porta que dava ao que hoje chamamos de lavabo, mas que naquela época era um simples lavatório, assoalho de madeira encerado com cera canário amarela. Aprofundando ainda mais o imaginário, refaço o cenário como se olhasse de frente entrando pela sala; ao lado esquerdo havia um armário de madeira na cor verde claro (bem polaco), embaixo eram duas portas de madeira e em cima duas portinhas de vidro onde guardávamos as louças, xícaras e pratos que eram todos diferentes, nada combinava e algumas peças estavam “desbeiçadas” como minha mãe costumava dizer, os copos eram de cristal “cica” e tínhamos de todos os tamanhos. Havia uma mesa de madeira com as pernas verdes da cor do armário, com uma gaveta onde eram guardados os talheres, da mesma forma, todos sem par. Quase não usávamos garfo e faca, usávamos colher. Sobre a mesa, minha mãe colocava uma toalha xadrez que combinava com a cortina bem simples na pequena janela.
Ao lado direito uma pia, com o tampo em pedra, desgastada pelo uso. A pia que eu costumava lavar as louças com uma canequinha num balde d´água, pois ainda, não tínhamos água encanada, que somente após algum tempo meu pai inventou um sistema pra encher uma velha caixa d´água, que quando enchia tínhamos que correr para desligar o registro ou transbordaria, molhando assim, o terreiro varrido com vassoura de mato. Naquela pia, eu passava um produto, que hoje conhecemos por sapólio em pó, deixando as pequenas pedrinhas brancas daquele tampo ainda mais brilhantes, era tudo muito simples, mas muito limpo.
Ao lado da pia, um fogão de abas esmaltado vermelho e a geladeira Frigidaire de mesma cor, à sua frente o fogão a lenha, que deixava a casa cheirando fumaça. Isso sem contar, que quando chovia, a mãe colocava nossas roupas num varal improvisado em cima do fogão para que secassem mais rápido, até porque, tínhamos no máximo umas três trocas de roupa. Quando saímos de casa, mais parecíamos os toucinhos defumados do fogão, pois nosso perfume era o cheiro daquela fumaça.
Era no fogão a lenha que eram feitas as comidas mais cheirosas e saborosas que já saboreei. Se fechar os olhos, consigo imaginar o cheirinho do alho e da cebola dourados na banha de porco para preparar o arroz. E aqui, é preciso falar das panelas, eram amassadas, haviam tampas vermelhas, azuis, de alumínio, os cabos eram diferentes, mas nenhuma panela com três camadas de inox é capaz de produzir aquele sabor.
Também, era na cozinha que celebrávamos os nossos aniversários, onde a mãe fazia um bolo recheado com calda de pêssego em conserva, coberto com claras em neve e decorado com chumbinho prata e pequenas rosas de glacê. Refrigerante? Somente no natal. Nos aniversários era bolo com café, expressão que até hoje se mantém, quando minha mãe diz: “Venham tomar um cafezinho em meu aniversário” e a casa se enche de parentada.
No final da tarde, quando meu pai chegava do trabalho, a água já estava quente em cima do fogão, ele se sentava numa cadeira ao lado e com uma bacia de alumínio fazia-nos lavar seus pés. Isso mesmo, as filhas lavavam os pés do pai, e pasmem, tinha um chulé que quase nos derrubava, mas fazíamos em sinal de respeito e reconhecimento pelo dia árduo de trabalho que ele havia tido. Para ele também, era o melhor pedaço do frango, que aliás, minha mãe criava no quintal de casa. Consigo me lembrar de todo processo, desde o abate, limpeza com aquele cheiro de pena queimada, que só de pensar me embrulha o estomago. Até guardar o ossinho por nós chamado de “jogador” que em duas puxávamos para quebrar, quem ficasse com o lado maior venceria o jogo. Eu sempre perdia.
Quando eu chegava do colégio, a primeira coisa que fazia, era limpar a cozinha para minha mãe, lavava a louça, enxugava, guardava e depois, passava escovão todos os dias no chão e as sextas feiras, de joelhos passava cera no chão, dava lustro e descia as cadeiras da mesa, estendia novamente a toalha e arrematava com um pequeno vaso de cerâmica com algumas flores de plástico, por sinal, bem feias.
Era tudo que tínhamos!
Hoje, nem a cozinha mais top de linha é capaz de reproduzir aqueles cheiros, aqueles sabores e aquelas histórias.
Concordo que a vida muda, evoluímos, nos modernizamos e que tudo isso é processo de evolução, porém, eu queria aquela cozinha por apenas uma hora, tempo suficiente para minha mãe, com aquele avental xadrez miudinho, verde e branco pudesse preparar aquele arroz, feijão e frango ao molho.
Você deve estar se perguntando, por que contar tudo isso? Lhe respondo: Porque o que há de mais simples em mim, quer confraternizar com o que há de mais simples em ti. E isso, nos trará doces recordações, nos aproximará de nossas verdades e nos resgatará da auto flagelação.
Faça sua viagem voltando no tempo, lá na cozinha de sua outra casa...desenhe as situações que você adoraria reviver, traga à memória tudo aquilo que hoje lhe faria bem: um cheiro, um sabor, uma roupa ou até mesmo, um sorriso de quem já partiu.
Gratidão ao passado e reconhecimento de nossa história pessoal, nos transforma em pessoas únicas, capazes de transformar a vida de alguém com simples gestos.
Obrigada, boa viagem e me conte suas experiências quando voltar.

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Contos A cozinha de minha outra casa katia cristina krzesik


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