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IV - Aquarius
Europa Sanzio

[ESSE TEXTO FAZ PARTE DE UMA NOVELA, COM ESSA SENDO A QUARTA PARTE]

Segunda-feira, 14 de Agosto

Hoje escrevo de um local diferente. Não estou no escritório, nem mesmo em casa e, para soar como um ousado aventureiro, nem mesmo em Vila Doracy! Mas não se enganem. Não fui para tão longe assim. Quem me dera!

Ah, é um verdadeira lástima quando penso o quão perto ainda estou de tudo aquilo lá! Vim em Ouro Branco, tão pertinho de Doracy que eu poderia ter ousado vir a pé. Mas um homem como eu não gasta suas galochas. Tomei o trem para cá, como às vezes costumo fazer, não para tomar novos ares, pois os daqui são tão iguais quanto os do de lá, do outro lado da serra. Venho aqui muito pela biblioteca. Não sei nem se posso chamar essas poucas estantes tão nuas de livros de biblioteca. Um modesto acervo, coloquemos assim, que há aqui, bem atrás da matriz principal. Coisa maior do que há em Vila Doracy, que nem livros parece existir por lá. Deve haver alguma lei que proíba aqueles infelizes de que instruírem de algum modo. Aqui nessa cidade as coisas não são tão assim diferentes, mas ainda há uns poucos que exigem esse acervo para fins de existência e, portanto, de nada.

Esse lugarzinho alterna entra a calmaria sem fim e os pequenos rangeres de tirar a atenção de qualquer um. Não é a serenidade que procuro, esta eu poderia encontrar indo até uma cachoeira ou somente pegando qualquer rua de Doracy e descendo até o seu fim. Aqui, nesse reflexo de biblioteca, respiro a poeira dos poucos livros! Essa madeira escura, essas mesas dispostas e até a antipatia dos cidadãos que aqui frequentam me lembram os tempos de cidade grande. Sou um velho besta de me agarrar a essa ilusão, mas o que posso fazer? Virou costume! Tão quanto visitar o túmulo de minha amada mãe a cada dia 2 de Agosto. Sinto-me estranhamente em paz por aqui, principalmente quando olho os nuances que me são tão familiares! Ah, o cheirinho de café ao longe que vem as quatro e meia da tarde! O rangido de uma janela as cinco, tão pontual! E, claro, cada badalar de sino, a cada nova hora. As chamadas da missa, tão calorosas! Minha alma poderia repousar pelo eterno nessa tentativa de biblioteca. Poderia eu almejar algo melhor? Mas é claro! Ambicioso como sou? Claro que sim! Mas sou também muito justo. Mereço um lugar desprezível para passar a eternidade. Esse infernozinho é bem assim e ainda poderia me proporcionar esses pequenos prazeres, que, admito, não tardariam para começar a me entediar. Talvez com uma centena de anos eu já estivesse cansado de tudo isso.

O lugar, senhores, não é o mais perfeito para fazer uma leitura, mesmo com todo essa ociosidade à volta. A cadeira é dura, a mesa alta demais, a luz que entra pelas janelas são deveras oblíquas, o assoalho range cada vez que alguma alma põe seus pés ou se ajeita na cadeira...! Maldição. Retiro o que disse, não há alternância alguma por aqui! Não há calma. Não quando me foco nesses detalhes que vez por outra me arranca a atenção das palavras. Mas esse infernozinho se tem provado, até esse instante, um bom lugar para se pôr besteiras no papel. Fico tão em estase escrevendo, usando dessa letra tão ilegível e inclinada, que mal noto a dureza da madeira que sento, muito menos me importo do incômodo que a linha da mesa faz em tocar a minha pele! O ranger do piso consegue até se fazer um bom fundo musical.

Mas por que estou falando do chão e dessas cadeiras? Eu não deveria nem tocar no assunto Ouro Branco. Eu bem que poderia jogar no lixo essas páginas que acabei de transcorrer. Nada disso tem real importância, a não ser para alentar o meu coração. Há coisas se passando, se vê pela quantidade de besteiras que acabei de expor. Tendo ao ridículo na aflição! Como sou imbecil nessas circunstâncias! Mas nada me faz tão tolo do que as próprias causas. Sou um idiota não apenas pela aflição, pois, de início, eu nem deveria estar aflito! Eu poderia contar o causo, tintim por tintim. Mas não farei isso, pois seria como pisar na merda; não ia dar em nada, só acordar odores imundos. Por isso, nego-me a tentar explicar o porquê de tanta aflição nesse momento, oh, o porquê de tantas besteiras! Sempre fui ridículo, sempre soube disso, talvez desde que nasci!

Meus senhores, se eu pudesse lhes dizer tudo, juro, concordariam comigo de que sou tolo por me preocupar com o que estou me preocupando agora. Se eu lhes contasse, suspeitariam por que vim para esse reflexo de biblioteca! Mas há uma desonra nessa história, extraordinária demais para confessar a um papel. Há quem saiba dela, mas só gente que já morreu ou que não tem o que ganhar contando a mais alguém.

Sei que, se bem eu quiser, morrerei e carregarei esse espetáculo trágico comigo para debaixo da terra, sem que o fruto da história toda sequer sonhe com o acontecido. Eu poderia fazer isso! Pragmático como sou, não deveria sequer cogitar em me aproximar da causa lá! Mas acho que restou um fio de humanidade em mim. E esse maldito não quer me deixar ter paz.

Essas páginas foram confusas e, palavra de honra, tratarei de coloca-las em ordem se algo de pior acontecer.

[CONTINUA]


Biografia:
Leio desde criança, quando comecei a achar o mundo enfadonho em demasia. Escrevo desde a adolescência, quando senti a necessidade de dissertar sobre aquele mundo tão tedioso. Prazer, sou Europa!
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