Como que numa espécie de transe fechei os olhos e viajei mais de cinqüenta anos atrás, à procura de mim mesmo.
E lá estava eu, tal como deixei: mais ou menos quatro anos de idade, malvestido, cabelos aloirados, chupeta na boca e pés no chão; olhar sereno e de sorriso acanhado rindo pra si mesmo. Aquele menino solitário parecia não me reconhecer e por um instante ficou desconfiado com minha inesperada presença.
Então lhe murmurei:
- Calma! Fique calmo, garoto. Nós somos um só. Eu sou você e você é eu. Somos a mesma pessoa. Vê se me reconhece.
Espantado, o garoto olhou dentro dos meus olhos e me fez abrir o semblante, e também sorri: já com um sorriso sexagenário.
As pessoas que passavam me olhavam achando-me esquisito, mas, como ninguém entende dos pensamentos humanos prossegui com minha visita ao passado. Passado que passa também nos meus sonhos, até mesmo acordado.
Sabe quanto tempo faz que não nos vemos? Sessenta anos. Você imaginava que ficaria assim? Veja como está hoje? Ouça-me, tenho idade para ser seu avô. Que acha você se fosse meu neto?
Olhei minucioso para todo seu corpo, que era lindo. Sua pele morena brilhava sob o Sol e suas mãozinhas gordas se mexiam agitadas. Seus cabelos caracolados tinham luz, e sua boca de lábios finos, se abria e se fechava envolvida num sorriso angelical.
Tive a impressão de ouvi-lo perguntar:
- Por onde você andou? Porque me deixou?
Mas, mesmo sem sua pergunta lhe respondi que andei no tempo: o tempo que transforma os vivos, que maltrata o corpo, que nos faz jovem e nos envelhece.
E num ato involuntário estendi-lhe a mão, achando que seria tocada, mas alguém apareceu chamando-me:
- Vô, que está pensando?
Recompondo o siso da consciência, respondi:
- Num menino que conheci, faz tempo, e que poderia ser meu neto, tal como você.
- Mas... quem era esse menino, vô? – indagou minha neta.
- Eu.
Respondi enchendo-a de dúvidas.
A menina balançou a cabeça como que dizendo nada entender. E não entendeu. Mas com o tempo saberá que também já fui criança tão bela e pura quanto as outras e, talvez, possa um dia fazer como eu: regredir na saudade e se encontrar com a criança que já foi.
Memórias do autor
São Paulo, 18 de jan/2008.
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Biografia: Nasceu no dia 5 de janeiro de 1948 na cidade de Sátiro Dias-BA, onde estudou o curso primário. Prosseguir com os estudos em Alagoinhas-BA, onde foi comerciário e petroleiro. Depois migrou para Duque de Caxias -RJ e lá concluiu o Curso Técnico de Contabilidade no Colégio Técnico Comercial "Ana Maria Gomes".
Em 1975, com esposa e filho, modou-se para São Paulo onde ingressou na indústria metalúrgica e nela adquiriu razoável conhecimento administrativo. Depois, concursado, empossou-se na Secretaria de Estado da Educação onde atua no serviço administrativo.
Faz da boa música e da boa leitura o seu melhor passatempo e tem o hábito salutar de tocar violão, compor canções, ler e escrever Poesias, Contos e Crônicas. Possui dezenas de textos publicados em Jornais e revistas literárias (on-line)e tem participação especial no livro “Junco – crônica de sua existência” de Ronaldo Torres, além de inúmeras colaborações no jornal “Gazeta Voz Ativa” da cidade de Sátiro Dias-Ba.
Vem neste espaço dedicar letra por letra de seus escritos a sua esposa Marly, a seus filhos e netos, amigos e admiradores.
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