Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
FRAGMENTOS I
PROSA POETICA
Darwin Ferraretto


FRAGMENTOS I

Era uma manhã de pés descalços e ouvidos moucos. Era uma manhã de luzes incertas vagando pelas avenidas. Um resto de noite calado na boca, o pesar dos sapatos comprimindo o assoalho de madeira, o som dos automóveis passando, a verborragia quieta dos passantes. No caminhar apressado um quê de dúvida entre os postes e árvores velhas traçando linhas imaginárias. Os fios, estes em quase retas, sustentam pombos e pardais gritantes onde nada pode ficar. Era uma manhã de sol esmaecido e nuvens. O latido dos cães ecoando no silêncio dos pensamentos, o perfume de flores incertas bailando entre as cigarras dormentes. O caminhar quieto, engolindo palavras que seriam logo esquecidas. O riso contido entre quimeras, o alarido dos bêbados encostados em balcões, o vai e vem de formigas inquietas no silêncio das calçadas. O quedar-se em pequenas poças de ilusão onde o tempo se afunda e dança sem música. O leve rumor da brisa tagarelando entre as ramagens, o estalido das folhas e pensamentos secos pisados fortuitamente, num lance de dados arremessados nas esquinas. Era uma manhã de inquietas chuvas desmanchando as certezas. Na sonolência desbotada dos gatos pisando entre vácuos. O lusco-fusco dos incubos entrelaçados nos bueiros, clamando às ratazanas um pouco de luz e sonho, quando a morte é tão somente a única certeza. As antenas eriçadas buscando sinais de vida inteligente, mendigos arrastando carcaças mal arrumadas, o pisar leve das colegiais despreocupadas com as aulas e vertendo desejos nos olhares. O passar do tempo ecoando no vagar, o zumbido dos alarmes vestindo o silêncio insano dos passantes num canto inexplicável aos verdugos amedrontados. Era uma manhã de luares finitos, esvaindo-se em sangue nos becos e favelas. O clamor dos mortos ensandecidos, o grito surdo e desesperado das mães enegrecidas vertendo dores translúcidas. As paredes revelando espinhos, o asfalto espelhando almas esquecidas, o resto de luz beirando as sombras avermelhadas dos ganidos vadios. Era uma manhã como todas as outras.


Biografia:
Brasileiro, socialista. Solteiro. Poeta nas horas vagas e nas mais impróprias. Passado dos 40, dois filhos. BLOG. www.darwinf.wordpress.com
Número de vezes que este texto foi lido: 53073


Outros títulos do mesmo autor

Poesias "Mastigar silêncios abutres" Darwin Ferraretto

Páginas: Primeira Anterior

Publicações de número 11 até 11 de um total de 11.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
FRONTEIRAS - Alexsandre Soares de Lima 52811 Visitas
Selar - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas
Entreter - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas
DO QUERER MAIS VIVER - Alexsandre Soares de Lima 52811 Visitas
Sentido - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas
Ira - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas
Frase - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas
Medir - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas
Lápis - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas
Emoção - ANDERSON CARMONA DOMINGUES DE OLIVEIRA 52811 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última