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O tempo é meu inimigo?
Maria Vitoria

Eu mesma já não sei de mim. Tenho vagado pelas ruas do centro olhando os relógios digitais espalhados pela cidade só esperando o tempo me dizer que está na hora. E eu fico a imaginar, que hora é essa? Hora de quê? Pra quê?

Sigo trilhas de bitucas de cigarros e isso me faz lembrar que pessoas morrem de câncer, mas mesmo assim o câncer não é tão deprimente quanto morrer pela falta de tempo.

Eu vejo pés descalços. Eu vejo pés confortáveis. Eu vejo pés rachados. Eu vejo pessoas sem pés. Todos juntos caminhando a esmo por ruas sem placa, todos correndo para alcançar um norte.

Tento me camuflar entre as sombras dos prédios, atrás dos cantis de flores, por entre as prateleiras empoeiradas ou em baixo de pontes abandonadas... Mas em nenhum lugar é possível estar só. Não porque o mundo está tão cheio de gente, mas sim aonde quer que estejamos o tempo sempre está lá, em silêncio, nos observando.

No centro faz um frio que nenhum outro lugar da cidade faz. Faz um calor que nenhum outro lugar da cidade faz. No centro é sempre um misto de corpos quentes sustentando almas tão vazias. E quando eu digo vazias, é porque os olhos tristes das pessoas pingam gotas cristalinas de gelo em pleno sol do meio-dia, e isso dá um puta mal-estar na gente.

Penso comigo, será que meus olhos também pingam gotas cristalinas quando alguém me encara tão diretamente?

Só nos últimos três meses eu me peguei parada na mesma rua, nos mesmos horários, encostada nos mesmos muros, observando cada detalhe, sentindo cada cheiro, ouvindo cada som, esperando a mesma coisa... Tempo.

Os minutos correm diferentes entre o meu relógio e o relógio do centro, especialmente no relógio digital que contém nos entornos da rua sete de abril. Eu olho pra ele, olho para as horas do meu celular e mesmo os ponteiros sendo exatos e os segundos serem iguais, o tempo passa diferente entre os dois.

Às vezes eu estou só esperando alguém sair às ruas pra poder caminhar comigo desviando das outras pessoas e fazendo uma pequena pausa no viaduto do chá pra observar os carros e acenar para os pássaros.

Às vezes eu estou só andando com uma cerveja morna pela vinte e quatro de maio, fazendo uma pausa no terceiro andar da galeria do rock pra observar as pessoas lá em baixo fugindo de seu próprio tempo ou correndo para abraçá-lo e dizer que estava com saudades. Mas é engraçado, eu vejo tanto arrependimento nessas andanças de encontro ao tempo, mas ninguém se quer até hoje soube pedir perdão.

Tempo, me desculpe. Eu fui um completo idiota, eu pisei na bola com você diversas vezes e você sempre esteve ali para me perdoar... Você pode segurar minha mão agora que estou tão próximo da morte? Eu prometo, essa é minha última falha.

É tudo muito peculiar. Cada cheiro podre, cada perfume doce, cada entra e sai da estação, cada sobe e desce dos ônibus, cada saco de lixo revirado, cada programa sexual a luz do dia, cada criança sem pai, cada sorriso amarelo, cada sacola de compra, cada barriga cheia de comida americanizada, cada cobertor velho, cada droga consumida, cada bar vazio, cada balada cheia de esperança, cada mulher amedrontada, cada homem inseguro, cada búzio jogado, cada farda perdida, cada panfleto amassado, cada roubo bem sucedido, cada buzina, cada arma, cada vitrine, cada grafite, cada show, cada feira, cada momento de solidão nos corações partidos pelo tempo...

Pensando bem, já faz exatamente nove anos que eu caminho pelas mesmas ruas esperando algo novo acontecer, almejando me perder, esperançosa para encontrar alguém na hora marcada.

Nove anos atrás eu era só uma adolescente cheia de tempo e sonhos pequenos, toda destemida e louca pra encontrar alguém que fosse metade do que eu era, ou do que eu achava que fosse.

Hoje eu ainda continuo louca pra encontrar alguém, mas que seja totalmente o oposto de mim e que ao invés de pingar dos olhos cristais congelados, olhe para o céu junto comigo durante a tarde e derreta o cronômetro do tempo transformando as horas apressadas em flores e sonhos.


Biografia:
Fazendo da escrita minha válvula de escape desde, 1998 e bolinha...
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Crônicas O tempo é meu inimigo? Maria Vitoria

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