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Congo Esquecido
Jotha Santos

Resumo:
"Para que o mal vença, basta que o os homens de bem não façam nada".

Estava olhando a data da minha última postagem aqui no conceituado (não é pra rir) “Coluna Livre” e até eu me espantei: 08 de julho de 2014! Isso é o que eu chamo de preguiça de escrever nível profissional. Tenho certeza que os inúmeros leitores espalhados pelo mundo (isso aqui é nível mundial) estão felizes com a minha ressurreição. Prometo não abandoná-los mais por tanto tempo, mãe, pai, irmão e mais dois amigos... ...ôpa! Espera aí! Nem meu pai me lê...

Hoje eu estava navegando pelos principais portais de notícias do Brasil e do mundo e, claro, as principais manchetes eram sobre o atentado em Barcelona. Um maluco qualquer pegou uma van e saiu atropelando um monte de gente que estava em um tradicional “calçadão” da cidade. Quatorze mortes e dezenas de feridos. Mas não é sobre o atentado em si que eu quero refletir. Nem sobre Barcelona e muito menos sobre a Espanha. Até porque a imprensa mundial (mais séria e importante do que eu) já o fez a continuará fazendo por dias e dias.

Eu quero mesmo é falar sobre o Congo. Mais precisamente sobre a República Democrática do Congo. E sabe por que? Por que ninguém o faz. Aquele enorme país africano padece. Guerras civis intermináveis, fome, miséria, cólera, catástrofes naturais e não naturais, enfim, a lista de tribulações no Congo é tão dantesca que o próprio Dante (o Alighieri) colocaria outro adjetivo muito pior.

Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) revela que, apenas entre março e junho deste ano (sim, de 2017), mais de 250 pessoas, entre as quais, 62 crianças foram vítimas de execuções selvagens no Kasai, centro da República Democrática do Congo. Entre as 62 crianças executadas por agentes do Estado, milícias ou rebeldes, 30 delas tinham menos de oito anos de idade. Seis milhões de pessoas já morreram nas violentas guerras que surgiram nos últimos anos naquele país. Isso mesmo. Você não leu errado. São seis milhões de pessoas até o momento e este número só aumenta.

Outras sete milhões de pessoas passam fome por escassez de alimentos neste exato momento. Enquanto eu escrevo, enquanto você lê, enquanto a imprensa inunda as páginas dos jornais, sites informativos e o escambau com a notícia de mais um atentado na Europa. Segundo alerta da ONU, o número de pessoas que enfrentam a fome aguda no Congo subiu 30% em relação ao ano de 2016. Ainda segundo relatório das Nações Unidas, pelo menos 43% das crianças congolesas menores de cinco anos enfrentam um estado de desnutrição crônica.

Uma epidemia de cólera na parte oriental do país, que eclodiu no início do mês passado, já deixou 117 mortos. De acordo com relatório dos Médicos Sem Fronteiras, fatores como a falta de higiene e água potável agravam o surto.

Só nesta quinta-feira (17), a mesma quinta-feira do maluco da van em Barcelona, pelo menos 40 pessoas morreram em um deslizamento de terra no leste da República Democrática do Congo. A notícia mereceu míseras seis linhas no G1, portal de notícias da Globo. No JC Online, outras 10. No UOL, umas 15. Ah..! Mas deslizamento acontece mesmo! É uma catástrofe natural. Não no Congo onde tudo é mais complicado. Além das chuvas, atividades sísmicas e vulcânicas, o que mais mata lá (neste caso) são os deslizamentos causados por minas ilegais onde centenas de jovens e crianças se arriscam em troca de recompensas ridículas. Muitas vezes apenas por um pedaço de pão. O país ainda é muito rico em recursos naturais, como cobalto, cobre, zinco petróleo e ouro, mas o diamante é a jóia da cora. As reservas são as maiores do mundo. Assim, o que os europeus não saquearam após anos e anos de exploração, ficam em disputa entre os incontáveis grupos armados espalhados por aquele país.

Na última terça-feira, dia 15, mais de 33 mil refugiados congoleses em Angola foram transferidos para uma nova área localizada um pouco mais próxima das bases de apoio da ONU. Tudo isso para tentar melhorar as condições de vida de uma pequena parcela da população que tenta fugir das cruéis atrocidades cometidas por milicianos e grupos rebeldes. Você provavelmente não deve se lembrar de ter visto este ou qualquer dos fatos citados acima no Jornal Nacional, Globo News, Folha de S.Paulo. Até mesmo o assassinato de dois investigadores da ONU em março, na região central do Congo, foi pouco divulgado. Seus corpos foram encontrados em covas rasas duas semanas depois.

Na República Democrática do Congo, centenas de pessoas como eu e você, como espanhóis, italianos, franceses e americanos são mortas todos os dias a golpes de facões, flechas, paus e pedras. Mulheres são estupradas seguidamente por semanas. Quando imaginam que o tormento está chegando ao fim, ainda são cruelmente mutiladas, ficando então as marcas de um período de agonia que até o diabo gostaria de esquecer. Crianças nascem em meio à fome e a miséria total. Quando conseguem chegar aos oito, nove anos de idade, são obrigadas a lutar com armas nas mãos ou a trabalhar em minas exploratórias. As meninas tornam-se escravas sexuais. A expressão “infância perdida” é um eufemismo para aqueles que jamais souberam o que é ter infância. Dos cerca de 1,3 milhões de refugiados deslocados pelas Nações Unidas no último ano (apenas de Kasai, região central do país), mais da metade são jovens e crianças que foram separados de suas famílias e recrutados por milícias. A imagem da criança soldado na República Democrática do Congo é mais nítida do que em qualquer outro lugar.

Eu fico triste ao ver o terrorismo crescente na Europa, antes considerada segura. Fico, sim. Mas fico ainda mais triste quando aqueles que, historicamente mais sofrem no mundo, são simplesmente ignorados. É como se algumas regiões do planeta não estivessem mais no mapa. Há um povo esquecido lá fora. Um povo que sofre o terrorismo diário de não ter um pedaço de pão para comer ou um copo d'água para beber. Que sente o horror de atrocidades inimagináveis correndo em suas veias ano após ano. Imagine dormir e acordar todos os dias com uma fome tão intensa e violenta, capaz de fazer o estômago e cada pedaço do seu corpo doer a ponto de você clamar pela morte. Imagine a escuridão de uma aldeia remota, repleta de homens armados e prontos para sequestrar seus filhos, estuprar suas mulheres e destruir suas casas, ou o pouco que resta delas. Imagine ver dezenas de corpos pútridos espalhados pelas ruas, exalando o cheiro da morte como um sinal de que, naquele lugar, nem o próprio Deus se permite mais estar. Imagine ter uma expectativa de vida de apenas 48 anos.

A realidade mundial é muito mais cruel do que aquilo que podemos ver. A história de que todos somos iguais nunca foi tão mentirosa. Um espanhol é mais importante que um congolês. Um italiano é mais importante que um nigeriano. Um francês é mais importante que um queniano. É assim que o mundo é. É assim que a imprensa e os poderosos de uma classe elitista mundial querem que seja. Alguns tentam ajudar. Alguns tentam mudar esta realidade, mas sem apoio, desistem ou deixam o trabalho incompleto. Assim como aqueles que pretendem ajudar, também são ignorados e esquecidos.

Grupos terroristas como o Estado Islâmico, Hamas, Talibã e IRA ocupam constantemente as manchetes de jornais. Crianças retiradas de forma violenta e cruel de suas famílias, não. Todos sabem o que acontece na Europa, mas ninguém sabe – ou melhor – ninguém quer saber o que acontece no continente africano, onde pessoas exatamente iguais às européias vivem e também têm sonhos, esperanças, pais, mães, filhos e filhas. Lá também existem pessoas que não podem ser ignoradas. Que merecem dias melhores. Que merecem uma ação ostensiva de autoridades mundiais para que a escalada da miséria, da fome e da violência um dia termine ou seja pelo menos minimizada. No Congo, na Nigéria, Quênia ou Sudão, nas menores e mais remotas regiões do planeta, as pessoas merecem atenção. Merecem visibilidade, compaixão e ajuda. Merecem misericórdia e merecem que alguém olhe por elas. Merecem amor.

Segundo o relato bíblico, Deus enviou o dilúvio para apagar o mal que o homem havia espalhado pela terra. Faltava amor ao próximo, exatamente como hoje. É conveniente escolher a quem amar. Parece que fizemos nossa escolha. Pagaremos todos por ela.

"Para que o mal vença, basta que o os homens de bem não façam nada".


Biografia:
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Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Rodrigo Hilbert, um comediante, eu... Jotha Santos
Artigos Congo Esquecido Jotha Santos


Publicações de número 1 até 2 de um total de 2.


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