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Ninjas da Flecha
Camila Pang

Capítulo I – Aldeia Cerejeira
Olhos atentos ao alvo situado numa das árvores à sua frente, aproximadamente oito metros e cinquenta centímetros.
Suas tentativas anteriores não obtiveram êxito, mas desistir não estava em seus planos. Sem técnicas, tentou mais uma vez, porém seus braços tremiam incessantemente no lançamento da próxima flecha que puxava contra a corda do arco. Após o disparo, a flecha fez uma parábola e caiu no chão numa distância de quase um metro.
— Argh! Errei de novo! — reclamou Atsuo, que estava quase o dia inteiro treinando arquearia ao lado de seus irmãos.
— Que pena! Eu consegui na segunda tentativa — gabou-se Mio, a irmã do meio de dezesseis anos.
— Precisamos retornar, em breve, chegará uma tempestade — disse Koetsu, irmão primogênito, olhando para as nuvens escuras, aglomeradas, que cobriam o céu.
Os três saíram correndo para não serem surpreendidos pela tormenta. Moravam próximos dali, logo avistaram mestre Hidetaka, um senhor calvo de noventa e um anos, à porta. Ele os aguardava com um semblante rígido.
— Olá, mestre! — Atsuo, o caçula da turma, acenava e corria ao seu encontro.
— Entrem! — disse mestre Hidetaka secamente.
Adentraram-se relutantes seguindo o mestre.
— Vou servir o chá — disse o mestre enquanto pegava o bule, contendo chá de azaleia, preparado há pouco tempo.
— Como foi o primeiro dia de treinamento? — Mestre Hidetaka servia cada chávena com o líquido. Trovões eram ouvidos e relâmpagos, vistos.
— Tentei várias vezes, mas não consegui acertar o alvo. — Atsuo olhava para a pintura da chávena tristemente, não se sentia preparado para encarar seu avô e responder firmemente sobre seu desempenho durante o treinamento.
— Eu acertei na segunda vez. — Mio enaltecia-se.
— E depois não tentou mais, vovô — acrescentou Atsuo. — Ela acertou uma vez de duas tentativas!
— Mio!!! — Mestre Hidetaka exclamou furiosamente.
— Sim, vovô? — Mio estava meio amedrontada com a fúria de seu avô.
— Por que não continuou praticando arquearia? Ficou parada esperando o tempo passar? — repreendeu mestre Hidetaka.
— Eu pensei que bastasse acertar uma vez, vovô — respondeu Mio, cabisbaixa.
Mestre Hidetaka ficou boquiaberto quase derrubando a xícara, não acreditava no que Mio tinha falado. — Mio, você só pode estar de brincadeira!
— O senhor disse que o objetivo era acertar o alvo e eu consegui, mas depois fiquei com medo de errar nas próximas vezes — justificou Mio, escondendo o rosto com as mãos.
— Apesar de Atsuo não ter acertado o alvo, está mais preparado que você. O que adianta acertar pela sorte? Se não treinar mais vezes, não se lembrará mais como conseguiu. — Hidetaka foi até onde Atsuo estava sentado e colocou uma de suas mãos sobre seu ombro e sorriu olhando para o neto que permanecia cabisbaixo.
— Prática, observação e paciência são elementos essenciais para se tornar um arqueiro, não se lamente pelo desempenho de hoje, pois até o fracasso tem seu valor.
— Desculpas, vovô — murmurou Mio.
— E você, Koetsu? — Hidetaka virou-se para Koetsu, que lia o livro de artes marciais.
— Eu não treinei, apenas continuei minha leitura. Como eu iria treinar, não havia mestre algum — provocou Koetsu.
— Eu não pude acompanhá-los por causa de minha saúde fraca — justificou mestre Hidetaka.
Koetsu cruzou os braços e encarou mestre Hidetaka, sem mexer as pálpebras.
— Sua saúde é de aço. Sou obrigado a dizer que esse argumento não convence, tratando-se do senhor.
— Não vê que eu não possuo mais vinte e um anos como você? — contestou Mestre Hidetaka.
— Sua idade ainda não consegue derrubá-lo. — Koetsu retorquiu.
— Saiba que os grandes mestres foram treinados pela natureza. — Mestre Hidetaka não cederia às provocações de seu neto.
— Saiba que os mestres sempre tiveram discípulos, pois um mestre que não tem quem ensinar não tem valor como mestre. — E essa foi a última rebatida de Koetsu.
Rapidamente, Hidetaka desvencilhou-se da conversa. Koetsu levantou-se e foi até a janela e viu que a tempestade, aos poucos, cessava sua aparição; restava apenas a garoa. Percebeu a aproximação da sombra de uma pessoa, chamou Hidetaka e apontou para a janela. De imediato, Hidetaka reconheceu a pessoa encapuzada.
— Deixem-me só. Receberei visita e não quero interferências, por favor — ordenou sem desviar os olhos da pessoa.
Nenhum dos três questionaram e se retiraram deixando mestre Hidetaka.
— Mestra Nyarah... — ele murmurou. — Entre.
— Obrigada. — Ela fez uma reverência ao mestre Hidetaka antes de entrar.
— Chá? — Hidetaka perguntou.
— Claro — respondia Nyarah enquanto retirava seus calçados antes de entrar definitivamente na residência.
— Tempo bom para visitas — brincou Hidetaka, ao passo que esquentava mais chá.
— Desculpe-me. Aguardei para que a tempestade cessasse — dizia ao se ajoelhar sobre a almofada, diante da mesa.
— Para você aparecer aqui, tinha de chover mesmo. — Mestre Hidetaka sorria e enchia a xícara de chá quente.
— Tenho um assunto sério para falar com o senhor. — Nyarah soprava o chá e o tomava em pequenos goles. — Hum...azaleia...nunca varia...
— Pode dizer. — Mestre Hidetaka sempre fazia o mesmo chá diariamente e não gostava que reclamassem do sabor imutável.
— Aldeia Pinheiros “atacará” nossa aldeia. — Nyarah sorriu para Hidetaka.
— Por que está sorrindo? — Hidetaka quase derrubou o chá sobre a mesa ao perceber um entusiasmo em Nyarah.
— Ele deseja uma competição e achei engraçado o jeito de se comunicar, não acha? O comunicado foi feito esta manhã através de um bilhete. Apenas vim avisar, pois a sua participação é indispensável. Porém, acredito que também tenha recebido o aviso.
— Indispensável? – Mestre Hidetaka adquiriu uma fisionomia preocupante, olhava para a xícara pensativo e seus globos oculares remexiam compulsivamente. Mestra Nyarah prosseguia:
— Veio uma flecha junto com o aviso. Arquearia. Ainda bem que a arquearia se oficializou no regulamento.
— ...
— Não dirá nada?
— Quer mais chá? — Mestre Hidetaka suspirou tentando se acalmar.
— Não terminei ainda, obrigada. — Nyarah levantou a xícara para indicar que ainda continha chá.
— ...
— Mestre Hidetaka, o senhor está bem? — Nyarah estava ficando preocupada com a reação estranha dele.
— Nyarah, por que fala de maneira tranquila com a situação? Acha mesmo que isso é brincadeira?
— Ah, eu estou confiante, pois meus alunos treinam diariamente arquearia e acredito que alcançaremos a média. A assembleia exigirá sua presença mesmo depois da aposentadoria, mestre Hidetaka.
— Ou você não entendeu, ou está com febre. — Mestre Hidetaka limpava as gotas de chá na mesa que havia derrubado.
— Por quê?
— Quer mais chá? Eu aguardo ansiosamente a chegada da época do “hanami” para colher algumas flores de cerejeira e, então, mudar o sabor do meu costumeiro chá. Época da qual, admiramos a beleza das cerejeiras e comemoramos a chegada do florescimento dessa riqueza, que ilumina nossa aldeia. — Mestre Hidetaka olhava para o teto com um sorriso desconcertante, tentando definitivamente mudar de assunto e ter certeza de que as palavras de Nyarah eram delirantes.
— Pare de mudar de assunto! – Nyarah irritava-se a ponto de bater fortemente a xícara na mesa, fazendo com que o líquido escapasse.
— Acalme-se. — Mestre Hidetaka assustou-se com tal reação. E, rapidamente, limpou o chá derramado de Nyarah.
— Recebeu o aviso?
— Que aviso?
— Eu não ficarei mais aqui, com licença, tenho de partir. — Mestra Nyarah ameaçou a se levantar, contudo foi impedida por mestre Hidetaka.
— Espere! Eu não recebi nenhum aviso! Não percebe que se trata de uma invasão que quer destruir nossa aldeia?
— Entregaram para mim. — Koetsu interrompeu, saindo de trás da porta, estendeu o braço, entregando a carta com invólucro verde-claro. — Não abri e deixei a flecha no tronco da árvore.
Mestre Hidetaka retirou o envoltório e leu a carta.
— A batalha será na primavera — informou.
— Quem são eles? — Nyarah apontava para Koetsu, Mio e Atsuo; os três já estavam de volta à cozinha.
— São meus netos e discípulos.
Há cinco anos, mestre Hidetaka decidiu se aposentar, fechou sua academia, assim, a única academia em funcionamento da aldeia seria de mestra Nyarah, porém a chegada de seus netos, fez com que ele decidisse reabri-la novamente.
— Eles estão aptos? — perguntou mestra Nyarah, olhando fixamente para os três.
— Em quê?
— Em arquearia, claro.
— Hoje foi nosso primeiro dia de treinamento, eu não acertei nada, o outro nem quis iniciar por rebeldia, e aquela acertou somente na segunda vez, e depois disso desistiu, e para terminar: não havia mestre. — Atsuo resumiu tudo, mesmo que seu avô gesticulava para ele se calar.
— Há quanto tempo eles estão aqui? — Nyarah questionou mestre Hidetaka.
— Eles passam uma temporada comigo e depois retornam para a casa de seus pais. Começaram há dois anos — respondeu mestre Hidetaka prontamente.
— E só agora se lembrou de arquearia? E como assim não havia mestre? O senhor sabia que arquearia é uma das exigências na educação dos alunos de nossa aldeia há sete anos?
— Até parece que ele não sabe arco e flecha — disse Atsuo.
— E não sei. — Finalmente, mestre Hidetaka assumiu. — Querem chá?
— Mas o senhor é um mestre — disse Atsuo, perplexo com a resposta de seu avô.
— E o que isso tem a ver? — Mestre Hidetaka se assustou com aquela pergunta de seu neto.
— Mestre sabe de tudo — respondeu Atsuo.
— Não é verdade. A duração de nossas vidas é curta para aprendermos tudo, estou em constante aprendizado — concluiu mestre Hidetaka.
— Por que não me disse que não sabia arquearia? — questionou Nyarah. — Eu teria-lhes ensinado.
— Você está sem falar comigo há anos.
— Agora, a culpa é minha? — Nyarah arqueou uma de suas sobrancelhas.
— Sim. Quer mais chá?
— Passado mal resolvido... — suspeitava Koetsu.
— Quieto, Koetsu! — estrilou mestre Hidetaka.
— O importante é a participação deles. — Nyarah acreditava que conseguiria contornar tal situação.
— Nunca! Não percebe o perigo? — Mestre Hidetaka enchia a sua xícara com chá até transbordar ainda exasperado com a chegada iminente da Aldeia Pinheiros.
— Tranquilize-se, mestre. Até parece que está vivendo há mais de sessenta anos atrás. Será apenas uma competição e não uma guerra. Está no regulamento: “Serás uma batalha digna. Não prejudicarás a vida de ninguém. ”
— Mestre Izuo não respeita nenhum regulamento! Não foi para formar guerreiros que aceitei reabrir minha academia! Não esperarei para que algo terrível aconteça com meus netos.
— Eu quero participar! — Sorridente, Atsuo levantou o braço.
— Mas pensei que fosse uma competição entre aldeias como está escrito no regulamento. Então, precisamos avisar ao Minoru. — Nyarah começou a entender a gravidade nos olhos preocupados de mestre Hidetaka, que limpava incessantemente a mesa. — Não é possível que mestre Izuo arrisque sua aldeia desrespeitando as regras estabelecidas pela assembleia.
— Quando se trata de um encontro entre aldeias, Minoru é o intermediário, responsável para nos avisar pessoalmente, requerendo uma assinatura de cada mestre, não existe um aviso desse tipo sem a presença dele. — Mestre Hidetaka esclarecia.
— Eu não sabia disso — explicou mestra Nyarah. — Porque no último evento que teve entre a Aldeia Crisântemo Amarelo e a nossa aldeia, Minoru não pôde comparecer e enviou um bilhete como esses que recebemos.
Mestre Hidetaka se sentou cabisbaixo, com a mão na testa. Koetsu folheava algumas páginas de seu livro.
— Como está o seu avô? — Hidetaka perguntou.
— Faz tempo que não o visito.
— Por que não aproveita para levar meus netos para ele conhecer?
— Por que o senhor muda de assunto repentinamente?
— Porque o assunto anterior já terminou. Aceita levar meus netos para ele conhecer?
— Nós temos um problema e o senhor quer que eu faça uma viagem? — Nyarah olhava para os três que não compreendiam nada.
— Você levará os três, enquanto eu tentarei avisar ao Minoru.
— Tem certeza? — Nyarah suspirou.
Mestre Hidetaka concordava.
— Agradeço por não me perguntarem se eu quero ir — disse Koetsu com aspereza.
— Você vai — ordenou mestre Hidetaka.
— Amanhã não haverá treinamento, melhor embarcarmos no alvorecer do dia. – Mestra Nyarah olhava pela janela, o céu se tornava mais claro em comparação a tempestade de momentos atrás.
— Vocês não precisarão embarcar em navio algum. — Mestre Hidetaka foi até a uma cômoda e retirou da gaveta um caixote ornamentado e ao abri-lo, retirou um medalhão dourado com o emblema da Aldeia Cerejeira entalhado.
— Nosso desentendimento atrasou a entrega deste medalhão que todo mestre possui e com isso você ativará as placas sombrias que são portais para encurtar o caminho.
Mestre Hidetaka entregou o medalhão para mestra Nyarah que o segurou delicadamente.



Capítulo II – Aldeia Vitória-Régia
O céu escurecia aos poucos, deixando para trás os resquícios de raios solares alaranjados, marcando o crepúsculo vespertino. Viajariam destino à Aldeia Vitória-Régia. Mestra Nyarah ainda não havia chegado e Atsuo não sabia controlar a ansiedade.
— Comportem-se, crianças. Não quero queixas depois. — Mestre Hidetaka alertou.
— Não se preocupe, vovô. Atsuo se comportará — disse Mio.
— Eu? Ele disse “crianças”! — indignou-se Atsuo, cuspindo ao falar.
— A única criança aqui é você! — rebateu Mio.
— Estou me arrependendo de ter concedido esta viagem. — Mestre Hidetaka, desapontado, balançava a cabeça.
— Bom dia! — aparecia Mestra Nyarah, entusiasmada com a viagem.
— Você demorou! — gritou Atsuo.
— Não dê ouvidos, mestra Nyarah. — Mio fazia careta para o Atsuo
— Está ansioso, hein, Atsuo! — sorriu Mestra Nyarah ao se aproximar. — Vamos logo, despedem-se de mestre Hidetaka.
Os três abraçaram o mestre, quase o derrubando. Mio segurava suas mãos e sorria com olhos lacrimejados.
— Fique bem, vovô. — Mio soltava suas mãos.
Enfim, seguiram os passos de mestra Nyarah e se viraram mais uma vez para se despedirem de mestre Hidetaka.
— Boa viagem! — Mestre Hidetaka acenava de volta.
Mestra Nyarah apontou seu medalhão para todas as direções e portais foram ativados. O mais próximo estava do outro lado do rio; embarcaram em um pequeno barco e antes que atravessassem os portais, vislumbraram o monte Fuji distante dali.
Os portais, também conhecidos como placas sombrias, eram duas placas metálicas inclinadas e paralelas, que formavam ângulos agudos em relação ao solo. Elas eram iluminadas e em cada face havia o estandarte da respectiva aldeia.
Após passarem entre as placas e chegarem à floresta Amazônica, depararam-se com o dia amanhecendo. O nascer do sol ganhava força aos poucos, deslumbrando-se na imensidão do horizonte.
Mas não podiam parar a caminhada, precisavam chegar até a Aldeia Vitória-Régia. Mestra Nyarah não sabia o caminho que deveriam percorrer.
Antes de partirem, mestre Hidetaka entregou um mapa da localização da aldeia. A princípio, Nyarah riu acreditando que não precisaria daquilo, pois garantia que possuía uma boa memória geográfica, mas na prática percebeu que estava perdida, pois nunca havia chegado através dos portais antes. Desenrolou o mapa, duas folhas caíram no chão, Atsuo pegou uma e ela pegou a outra.
Uma das folhas era compreensível, com pontos e marcações simples, a outra folha carregava uma ilustração reduzida, porém detalhada.
— Você não sabe onde seu avô mora? — perguntou Koetsu, estressado.
— A última vez que estive aqui, não cheguei através de portais. — Nyarah respondeu com um sorriso. — Estamos longe da aldeia e muito.
— Estou com fome. — Atsuo reclamava. — Nem nos alimentamos.
— Não se preocupe, dê “moti” a ele, Mio. — Mestra Nyarah entregava a cesta de bambu para Mio.
— Toma! — falou Mio ao entregar o bolinho japonês que retirou da cesta. Atsuo devorava-o imediatamente.
— Quero outro.
— Cadê o que acabei de lhe entregar?
— O que você acha?! — Atsuo. — Me dê logo outro!!!
— Ah, moleque! — Mio ameaçou jogar a cesta em Atsuo.
Um Quati apareceu no caminho deles e carregava um medalhão com o emblema da Aldeia Vitória-Régia; mestra Nyarah recordou que aquele bicho era querido de seu avô.
— Escutem-me! Aquele Quati é do meu avô, não mexam com ele. É um pouco temperamental — disse Nyarah, apontando para o animal que se aproximava.
Seguiram o Quati. Durante a caminhada, Mio tinha dificuldades de encontrar flores pela mata.
— Finalmente, chegamos! — Mestra Nyarah parou abruptamente avistando a superfície do rio abastado por vitórias-régias. Se dependesse de Koetsu, ele ficaria ali, sentado na orla do rio Amazonas, admirando aquela vastidão serpenteada entre a mata densa.
— Nyarah! — Um senhor de cabelos brancos médios, pele morena, aproximava-se com um sorriso largo, trazendo em sua mão esquerda, uma pequena orquídea roxa. — Minha neta! — Sua vestimenta esverdeada, com o emblema da aldeia, tratava-se do mestre Xamã.
— Vovô! — Nyarah correu ao seu encontro, os dois se abraçaram e lágrimas escorreram dos olhos de ambos.
— O senhor está bem? — Mestra Nyarah analisava o seu avô.
— Muito melhor com sua visita. Quem são aqueles? — Olhava para os três atrás de Nyarah.
— São os netos de mestre Hidetaka.
— Sejam bem-vindos! — Mestre Xamã recebia-os de braços abertos. — Vejo que voltou a falar com aquele velho.
— Meu avô não é velho! Ele está no estágio mais avançado da juventude! – Atsuo exclamava!
— Há-há, como ele está? — indagava mestre Xamã para Nyarah.
— Está mais velho e sadio. — Nyarah dizia e percebia que provocava Atsuo.
Atsuo cruzava os braços e encarava enfurecido para Nyarah e Xamã.
— Há tempos que aguardava sua visita. — Mestre Xamã sempre dizia a mesma coisa para Nyarah, quando ela o visitava, pois ainda não aceitava a situação: sua neta pertencer a outra aldeia.
— Não exagere, vovô. — Nyarah também sentia falta de seu avô e de todos, mas tinha uma academia para administrar.
— Lembra? Sua flor favorita? – entregou-lhe a orquídea roxa. — Quando era pequena adorava enfeitar seus cabelos. Nyarah segurava a flor docemente e colocava atrás da orelha.
— Agora, dê o medalhão para mim, amiguinho. — Mestre Xamã retirava o medalhão do pescoço do Quati e apontou para as vitórias-régias, fazendo com que algumas adquirissem uma iluminação. — Iremos voar sobre elas. Escolham as que mais agradam.
— Tem certeza? Parecem frágeis. — Mio desconfiou.
— Errado! Elas são resistentes — afirmava mestre Xamã –, porém as iluminadas são mais.
Alçaram voo em direção à Aldeia Vitória-Régia. Durante o voo que demoraria algum tempo, mestre Xamã sempre carregava consigo uma flauta de bambu e tocava melodias alegres e melancólicas; mestra Nyarah relembrava cada ponto daquele lugar imenso que havia marcado sua infância, apesar de ter se esquecido momentaneamente quando pisou os pés após atravessar as placas sombrias; Atsuo agarrou-se às bordas da folha e não olhava para baixo, pois tinha medo de altura; Koetsu, infiltrado na leitura daquele livro interminável e Mio tentava pegar a flor acoplada à planta.
Aterrissaram sobre o centro de treinamento, campo rodeado por árvores densas, marcadas por alvos. Mestre Xamã habitava sozinho a oca principal. Seu comprimento atingia 20 metros e 3 metros de altura. As outras duas ocas destinadas aos seus alunos eram separadas em feminino e masculino. Diferente da oca principal, eram duas ocas maiores e sofisticadas — divisões de aposentos, dois andares — e com capacidade de mais de trinta pessoas, cada. Os uniformes verde-claros, com o símbolo ilustrado da Vitória-Régia.
Havia balcões com arco e flechas. Sem dizer nada, Nyarah foi até ele, pegou um arco e uma flecha, posicionou-se e mirou-a em direção à árvore tatajuba, acertou o alvo marcado e saiu comemorando aos pulos.
— Lembra quando eu comemorei o meu primeiro acerto, vovô? — Ela erguia o arco acima da cabeça sorrindo.
— Não me faça reviver o passado que eu começo a chorar. — Mestre Xamã contorcia o rosto para impedir que alguma lágrima caísse, pois sempre se lembrava da única neta.
— Crianças, vão treinando, tem arcos e flechas, fiquem à vontade — prosseguiu Nyarah. — Preciso falar com o senhor, vovô. — Nyarah adquiriu uma expressão apreensiva. Mestre Xamã aproximou-se do balcão onde estava.
— O que houve? — perguntava aflito.
— Recebi um aviso da Aldeia Pinheiros. A princípio pensei que era uma convocação para competição que há muito tempo não acontecia. O treinamento entre aldeias. Então, eu fui conversar com mestre Hidetaka, mas descobri que, na verdade, a convocação era para uma guerra que para mim já tinha sido extinta há anos.
— Mestre Izuo é um pouco inconsequente, tem alguns desentendimentos com mestre Hidetaka e até comigo. A última vez que conversamos, éramos jovens e depois os encontros eram apenas para algumas competições, apresentações, enfim, reuniões que acontecem entre as aldeias como você mesma disse.
— Então, ele ainda guarda rancor de vocês?
— Eu não sei. Lamento muito se for isso. — Mestre Xamã balançava a cabeça negativamente, angustiado.
— Mestre Hidetaka disse que avisaria ao Minoru. E o que podemos fazer enquanto isso?
— Aguardar.
— Acredito que eles devam aprender arquearia, não só pelo possível ataque, mas porque o regulamento exige e, em breve, ocorrerá a avaliação da assembleia. Fiquei surpresa em saber que mestre Hidetaka não sabe arco e flecha.
— Ele nunca lhe falou? — prosseguiu mestre Xamã. — Ele guarda esse trauma até hoje. Então, ele nunca mais tentou...
— Não estou entendendo...
— Mestre Hidetaka se esforçou poucas vezes na arquearia. — Mestre Xamã observava Mio, Atsuo e Koetsu lançando flechas. Mio estava errando na postura, Koetsu não errava nenhum alvo, Atsuo não sabia qual arco escolher.
— Então, mestre Hidetaka desistiu nas primeiras tentativas em sua vida. — Mestre Xamã continuava.
Nyarah que ordenou Mio, Atsuo e Koetsu descansassem. Atsuo não conseguiu acertar nada; Mio acertou algumas; Koetsu acertou todas.
— Aquele menino aprendeu arquearia em algum lugar. — Xamã estava impressionado com a habilidade de Koetsu.
— Com mestre Hidetaka que não foi. — Nyarah riu.
Começaram a chegar os alunos de mestre Xamã. Dez pessoas se posicionaram e dispararam flechas simultaneamente, todos acertaram em um único alvo, o que era fantástico e surpreendente aos olhos de Nyarah. Nenhuma flecha bateu na outra, cada qual seguiu um trajeto que acertou em um ponto no espaço do centro do alvo sem cortar as outras flechas.
— Que apresentação incrível! — Nyarah sorria, admirada.
— Ahá! — Uma voz vinha escondida pelos arbustos. Tratava-se de Azibo, um arqueiro hábil que era considerado um ninja da flecha. — Onde está a minha refeição?
— Você demorou! — respondeu mestre Xamã.
— Mestra Nyarah? Há quanto tempo não a vejo? — Azibo perguntava enquanto a avaliava com os olhos.
— Uns cinco anos...
— E Hitomi não veio hoje? — Mestre Xamâ perguntava de seus companheiros.
De repente, uma flecha voou e cravou no alvo que há pouco tempo havia sido alvejada pelas outras flechas sincronizadas.
— Olha eu aqui!!!— Hitomi estava sobre um dos galos grossos de uma árvore, ela havia disparado a flecha naquele alvo já preenchido por dezenas de flechas. — E aí, mestre?
Hitomi treinava na Aldeia Cerejeira, Japão, na época de Nyarah, mas depois se tornou ninja da flecha e continuou seu treinamento na Aldeia Protea, África do Sul. Seus cabelos eram longos e lisos, estatura baixa e tinha trinta e oito anos de idade.
— Muito bom! — Nyarah elogiou.
— Que pessoas animadas. — Atsuo cochichou para Mio.
— Só vieram vocês dois? — questionou mestre Xamã.
— O que houve? — Azibo preocupou-se ao perceber preocupação em mestre Xamã.
Mestre Xamã e Nyara se entreolharam.
— A Aldeia Pinheiros enviou um aviso sobre um futuro ataque contra a Aldeia Cerejeira, esses três são netos de mestre Hidetaka e precisam aprender arco e flecha. — Mestre Xamã explicou de forma objetiva.
— Entendi — compreendeu Azibo. — E por que não comunicam à Assembleia?
— Mestre Hidetaka disse que faria isso — explicou Nyarah.
Azibo levou os três para o local onde ficava armazenado arcos e flechas.
— Nossa!
— Acredito que este arco é adequado ao seu tamanho. — Azibo entregava o arco para Atsuo. — Tente!
— Mas...o senhor não vai me ensinar antes?
— Tente!
— Era para estarmos descansando, mas tudo bem.
Perdido, Atsuo obedeceu, pegou o arco e a flecha, o nervoso era nítido em sua face, seus braços começaram a tremer, mas continuou à sua maneira, colocou a flecha na corda, a puxou e disparou, mas a flecha caiu no chão.
— Atsuo, observe-me. — Azibo posicionou-se de lado, encaixou a flecha na corda, estendeu o arco para frente, mirou e lançou, acertando o alvo da terceira árvore da esquerda para a direita.
Azibo dava instruções, mostrando-lhe as técnicas necessárias, Atsuo não perdia a atenção em nenhum movimento, enquanto isso, Koetsu divertia-se disparando flechas passando por várias árvores e lançando como se havia praticado há muito tempo em sua vida. Mio também demonstrava uma grande habilidade, mas se ocupava em arrancar algumas florezinhas que encontrava nas árvores.
— Sai da frente, Mio! — Koetsu gritava. — Vou acabar acertando você!
Mio saiu de perto, assustando-se com os vultos das flechas, foi até onde estava a cestinha e colocou as flores de pequeno porte dentro.
— Tente, Atsuo — insistia Azibo.
Descrente de sua capacidade, Atsuo tentou mais uma vez, porém não obteve êxito, conforme pensava, a flecha acertou a base da árvore.
— Não consegui!!! — Atsuo jogou furiosamente o arco no chão e saiu.
Aborrecido, foi se sentar ao lado de mestre Xamã, bufava de raiva e seus braços cruzados mostrava a clara decepção. Mestre Xamã riu e disse:
— Terminou o treinamento tão rápido assim?
— Não consegui, não quero saber de arquearia!
— Oras! Espere mais dois anos para desistir, pois foi com quatorze anos que seu avô desistiu da arte da arquearia.
— Meu avô?     
— Sim. Ele nunca lhe disse que desistiu do arco e flecha?
— Não. Apenas disse que não sabia, pensei que nunca tivesse tentado.
— Ele também esteve frente a frente com arco e flecha, e não se tornaram amigos.
Atsuo permanecia emburrado.
— Atsuo, você vai desistir?
— Eu não consigo!
— E você acha que o treinamento serve para quê? Atsuo, você está mais preocupado em acertar o alvo do que analisar seu progresso. Acertar o alvo é o objetivo da arquearia, mas não se restringe a isso. Atualmente, o ensino da arquearia tornou-se obrigatório pelo seu papel na educação marcial dos alunos, que dedicam seus dias enfrentando obstáculos. O que eu quero lhe dizer é que errar aquele alvo naquela árvore não é para fazê-lo desistir, mas é fazer com que você queira continuar e aprender com seus erros. Se você conseguisse acertar aquele alvo, não seria o fim, apenas o começo.
— Arquearia não é para mim. Tenho outras habilidades.
— Bem, eu respeito sua escolha. Agora pegue uma flecha e aquele arco que você jogou grosseiramente.
Atsuo foi até o local onde estava treinando ao lado de Azibo, pegou uma flecha e o arco do chão, levou até mestre Xamã que sem se levantar, pegou a flecha, colocou-a na corda, puxou-a para trás e mirou-a de olhos fechados numa das árvores que continha o alvo, lançou a flecha de uma distância superior a trinta metros e acertou o centro do alvo.
— Uau! — Atsuo se impressionava com a cena.
— Resumindo: dentre os arqueiros, um bom arqueiro: não desisti, ele persiste e insiste; um ótimo arqueiro: analisa seus próprios erros, em vez de se preocupar em acertar alvos. E, o último, é o arqueiro excelente: é aquele que é bom e ótimo ao mesmo tempo.
Azibo instruía as técnicas no lançamento da flecha para Koetsu e Mio. Hitomi aproximou-se, e, com o olhar, Azibo percebeu que algo estava acontecendo. Os dois se deslocaram do centro de treinamento e se encontraram detrás de uma árvore. Hitomi verificou ao redor, confirmando se somente Azibo a ouviria e, em voz baixa, disse que viu o portal da Aldeia Pinheiros ativada, significava que eles estavam ali. Cada portal podia ser identificado e visto por qualquer pessoa; mestre Izuo sempre esquecia de desativar o portal, por isso, sabiam quando ele estava presente.
Não demorou muito para que uma flecha passasse entre os dois, cravando no caule de uma árvore. Hitomi retirou a flecha e leu o que estava escrito na haste.
— Olha, está escrito: “Aldeia Pinheiros” — disse Hitomi, surpresa.    
Outras flechas surgiram em seguida, os dois correram em sentidos opostos, esconderam-se atrás de outras árvores.
— Se escondam naquelas árvores! — Mestre Xamã indicava as árvores que possuíam entradas secretas.
Koetsu decidiu sair do esconderijo para ajudar, achava um dilema ter que se esconder, sendo que em breve um ataque ocorreria em sua aldeia.
— Não! — Nyarah gritava da árvore oposta para que Koetsu não saísse.
Koetsu subiu na própria árvore que servia de esconderijo até sua copa para testemunhar toda aquela floresta fechada, que facilitava os inimigos se esconderem. Desviava de flechas e pegava as que conseguia.
Um menino trajado de uniforme verde-escuro e carregando no lado esquerdo do peito, um símbolo da Aldeia Pinheiros encarou Koetsu, mas não estava em posição de ataque, seus braços estavam ao lado do corpo, uma das mãos segurava o arco e sem nenhuma flecha à vista, pois estavam todas em sua aljava atrás das costas, sem delongas, Koetsu lançou uma das flechas e conseguiu ferir o braço do adversário de raspão.
— Uau! — surpreendeu-se Hitomi.
— Admito que ele me assustou. — Azibo arregalou os olhos.
— Koetsu!!! — Nyarah gritava ao pé da árvore.
Koetsu desceu da árvore e foi obrigado a ouvir os sermões de mestra Nyarah.
— Você poderia ter se machucado, esqueceu que você é minha responsabilidade?!
— Estou bem.     
— Não brigue com o garoto, Nyarah. Ele foi hábil no lançamento daquela flecha. — Azibo descia da árvore com um salto e aproximava-se impressionado.
— Azibo, eu sou responsável pelos três. Mas de que lançamento você está falando?
— A habilidade deste menino com arco e flecha é incrível. Ele atingiu um dos membros da Aldeia Pinheiros. — Azibo explicava extasiado com a cena. — E ele não quis machucar o menino, lançou a flecha para assustá-lo.
Arrependida, Nyarah tentou se desculpar com Koetsu, mas ele permaneceu orgulhoso, sentia-se injustiçado, por isso resistiria a ceder o perdão. Depois da invasão da Aldeia Pinheiros, todos se reuniram no centro de treinamento, Mio, cansada da inércia, insistiu para colher algumas flores da floresta, a princípio, Nyarah negou, pois temia que alguém da Aldeia Pinheiros estivesse próximo. Mas a insistência da garota acabou ganhando a autorização. Mio garantiu não se distanciar tanto da aldeia. Começou a caminhar pela floresta, mas não encontrava flores facilmente. A beleza florífera se concentrava próximo das copas de algumas árvores.
Quando encontrou orquídeas epífitas em uma árvore caída no chão, tentou pegar, encontrou uma onça que andava lentamente em sua direção com uma expressão assustadora, seus dentes à mostra e ronronando deixava Mio paralisada. De repente, uma flecha cortou o ar assustando a onça, e ela se virou para trás; Mio aproveitou para correr e subir numa árvore do lado oposto da onça. Nunca tinha subido numa árvore antes, mas o medo deu a ela a coragem de tentar sem pensar muito. Ela continuava subindo, agarrando-se aos galhos até chegar no topo e visualizar um garoto, aquele que havia acabado de disparar a fecha. O garoto usava uma vestimenta verde escuro idêntica aos membros da Aldeia Pinheiros, e o símbolo da aldeia deixou de lado qualquer dúvida.
— Está bem? — gritou o menino, acenando para ela sorridente.
— É comigo? Você é da Aldeia Pinheiros! — Mio apontava para o menino. — Você lançou as flechas!!!
—Foi para assustar a onça, então, está bem? — O menino perguntou de cima de um galho.
—Estou. Seu braço está ferido.
— Está doendo muito.
— Desculpem, ela não queria machucar ninguém.
Mio e o menino olharam para baixo seguindo a voz desconhecida.
— Meu nome é Zaila. Sou da Aldeia Protea. Vim da África do Sul. Desculpem pelo susto que ela causou. Vocês estão bem? Desçam! Ela não fará nada, estou aqui.
Mio e o menino se entreolharam desconfiados, mas desceram. Zaila acariciava a onça que tinha um colar com uma imagem da flor protea.
— Ela adora flores. Ela é enciumada, ninguém pode se aproximar de flor alguma.
— Eu também adoro flores. — Mio com medo, tentava colher as suas flores caídas antes que a onça percebesse.
— Então, foi por isso que ela a atacou, você estava colhendo as flores dela.
— Não são delas. É da floresta. — Mio se escondia atrás do menino.
— Mas ela acredita que sejam... — Zaila continuava acariciando seu animal.
— Não é justo ela ficar com as flores...
— Eu não acredito que você vai discutir com uma onça por causa de flores, tem certeza? — Nobuko ria.
Mio fez uma careta mostrando a língua para Nobuko.
— Eu preciso ir. Foi um prazer conhecê-los. Até mais. — Zaila saiu correndo, acompanhada de seu felino.
Mio continuava olhando para a ferida no braço de Nobuko e aconselhou que ele a seguisse até a Aldeia Vitória-Régia.
—Eu não sei se me receberão bem... — Nobuko temia.
—Não se preocupe, você precisa de cuidados e tenho certeza que não faltam plantas e flores medicinais aqui, apesar de eu não conhecer nenhuma. Vamos! Siga-me! — Mio saiu correndo e Nobuko a seguiu.
Não demorou muito para que os dois alcançassem a Aldeia Vitória-Régia. Mio contou toda a história de que Nobuko a tinha salvo de uma onça.
Koetsu fitou Nobuko desconfiadamente e uma vaga lembrança dele surgiu em sua mente, o que lhe deu a certeza foi a ferida em seu braço esquerdo. Ele o reconheceu.
— Você! — Koetsu apontou para Nobuko.     
— Qual é o seu nome, garoto? — Nyarah dirigia-se ao Nobuko.
— Nobuko — respondeu o menino, envergonhado.
— Você!!! Você é o garoto que eu atingi com aquela flecha, você é um dos membros da Aldeia Pinheiros.
Todos encararam Nobuko, tentando identificar com o que Koetsu falava.
— Tem certeza, Koetsu? — Nyarah perguntou.
— É verdade, eu também me lembrei dele e agora vendo a ferida no braço... — Azibo também reconhecia. — Também tem o símbolo que carrega no peito.
— Nosso inimigo!!!
Koetsu atacou-o com um chute, mas Nobuko desviou, Azibo o impediu de continuar com a agressão.
— Pare, Koetsu!!! — gritava Mio.
— Pare! — Nyarah segurava Koetsu pelo braço e Azibo pelo outro tentando acalmar a fúria de Koetsu.
— Ele me salvou!!! — Mio defendeu Nobuko.
— Mas ele é da...
— Chega! Você não tem certeza de nada. — Nyarah o repreendia.
Mestre Xamã saiu de sua meditação e se aproximou de Nobuko. Analisou minuciosamente a ferida.
— Precisamos cuidar desse ferimento, venha, entre.
— Obrigado. — O menino fez uma breve reverência agradecendo e acompanhou mestre Xamã.
— O quê?! — indignava-se Koetsu.
— Koetsu, a Aldeia Pinheiros nunca foi nossa inimiga, eu não concordo com as atitudes de mestre Izuo, mas se ele quer nós como inimigos, eu não quero. Tenho certeza de que seu avô lhe ensinou o autocontrole, pois comece a praticá-lo e não usar o que você aprendeu como forma de agredir o próximo. Se quiser atacar alguém, ataque sua própria fúria — concluiu mestre Xamã.
— Koetsu, ele não é nosso inimigo, então pare de acusá-lo. — Nyarah frisava.
— Ele nos atacou.
— E o nosso erro é concordar com ele e atacar de volta. — Nyarah retrucou.
Indignado, Koetsu não entrou, levantou-se de uma pedra usada para assento e se distanciou de qualquer pessoa, apenas seguiu caminho contra a brisa que passava pelo seu rosto. Foi perambular pela floresta, mestra Nyarah o viu sair e pediu a Rudá e Jacirema que o seguissem para garantir sua sanidade. Não decepcionaria mestre Hidetaka, cuidaria de seus netos.
— Não fique assim, mestra Nyarah — consolou Jacirema.
— Koetsu é o primogênito e rebelde, não me ouvirá, eu fico preocupada com ele, pois acredito que a Aldeia Pinheiros esteja atrás de Nobuko.
— Ficaremos atentos a isso. — Rudá tranquilizou Nyarah.
— Obrigada.
Mestre Xamã cuidou do ferimento de Nobuko com e ofereceu-lhe comida.
O menino com idade próxima de quinze anos, agradeceu educadamente mestre Xamã pelos cuidados.
— Nobuko, você veio nos espionar? – perguntou Xamã, com um sorriso amigável.
O garoto deixou a cumbuca de lado e olhou para o mestre e respondeu:
— Não, senhor. — respondeu o garoto. — Eu vim junto com a minha aldeia, mas na realidade, não concordo com as atitudes de meu mestre, vim por obrigação, mas me escondi para não ser atingido.
Mestre Xamã sorriu novamente e fez um cafuné no garoto que se sentiu acolhido. Levantou-se do chão com a ajuda de Azibo e os dois saíram da oca.
— Ele ficará aqui? — perguntou mestra Nyarah.
— Ele não concorda com o ensino de mestre Izuo, portanto acredito que a pessoa certa para lhe dar instruções é o senhor. — disse Azibo, motivando mestre Xamã.
— E ele não é o primeiro, não é, Azibo? — indagou ironicamente mestre Xamã, encarando Azibo, fazendo-o se lembrar da época que havia sido discípulo de mestre Izuo.
Koetsu andava pela floresta, subia em árvores para se localizar conforme a ilustração do mapa, mestra Nyarah havia deixado o mapa com ele, aproveitando para explorar a floresta.
O rio era o lugar mais agradável, pois estivera ali quando o sol anunciava a sua chegada. Rudá, Jacirema e Hitomi ficaram na surdina seguindo o garoto.
Koetsu aproveitou para lavar as mãos no rio e sentir a água fresca. Descansou ali por algum tempo, observando o conteúdo do mapa. Rudá, Jacirema e Hitomi já estavam cansados de esperar. Rudá tirou uma soneca ali mesmo, Jacirema ficou atenta e Hitomi pegou uma flecha de sua aljava; Koetsu levantou-se e continuou sua caminhada. Jacirema acordou Rudá, chacoalhando-o.
Koetsu levantou-se e começou a praticar o “kata” do caratê, uma sequência de golpes feitos individualmente, simulando uma luta real com ataques e defesas.
Rudá, Jacirema e Hitomi assistiam à habilidade do garoto e começaram a imitá-lo. A Aldeia Vitória-Régia não ensinava caratê, mas permitia que alguns de seus alunos se mudassem para outras aldeias e aprendessem artes marciais.
Impaciente, Hitomi disparou uma flecha no mapa caído no chão, Koetsu parou seus movimentos abruptamente.
— Hitomi!!! — Rudá e Jacirema gritaram em uníssono.
— O que estão fazendo aqui? — questionou Koetsu, virando-se para trás.
— Oi, Koetsu — disse Rudá envergonhado.
— Vocês me assustaram. – Koetsu – Eu nem preciso adivinhar...mestra Nyarah.
— Ela ficou preocupada, você saiu irritado sem avisar. — Rudá argumentou.
— Ela não é minha mestra! — Koetsu urrou.
— Mas você veio acompanhado dela, com certeza, mestre Hidetaka pediu para que ela cuidasse de você. — Jacirema retorquiu.
Koetsu abaixou-se para pegar o mapa atingido pela flecha de Hitomi, ele retirou a flecha e o minúsculo furo estava localizado justamente onde eles estavam.
— Hitomi, você sabia exatamente onde mirar a flecha? Veja, você acertou o ponto em que estamos.
Hitomi pegou o mapa e não deu muita importância.
— Eu conheço cada detalhe deste mapa.
— Por quê? — Koetsu estava surpreso com a precisão de sua pontaria.
— Porque o estudei por muito tempo.
— Naquela distância, você conseguiu visualizar exatamente o ponto? — Koetsu surpreendia-se.
— Eu disse que conheço cada detalhe do mapa. — Hitomi esnobava-o.

A preocupação era nítida em mestra Nyarah; ela assistia aos treinamentos dos alunos de seu avô, mas sua mente estava voltada para mestre Hidetaka. Ela se questionava como estaria o mestre, se ele já havia se encontrado com Minoru, o mensageiro das aldeias, se ele levou o recado até a Assembleia, pois temia das próximas ações de mestre Izuo, sendo que ele atacou a aldeia de seu avô sem aviso algum, sabia que ele era imprevisível. Mestre Xamã, seu avô paterno, despertou-a, pousando a mão em seu ombro.
— Como você voltou a falar com mestre Hidetaka?
— Assim que recebi o aviso. Como eu disse, pensei que era uma competição pacífica entre aldeias. Decidi me reunir com mestre Hidetaka.
A chegada de Rudá, Jacirema, Koetsu e Hitomi interrompeu a conversa de ambos.
— Obrigado pela companhia — agradecia Koetsu que sequer olhava para mestra Nyarah, ignorava-a.
Koetsu pediu desculpas pelo comportamento, em seguida, não falou mais nada.
— Ele disse que não nos atacou em momento algum. Por isso, eu peço que dê uma chance a ele. — Azibo sussurrou a Koetsu, garantindo que vigiaria Nobuko.
— Hoje, eu percebi que estava errado. Desde o primeiro dia que cheguei na Aldeia Cerejeira, o meu avô estava tentando me dizer o motivo pelo qual eu estava ali e não era para guerrear, e sim entender o verdadeiro significado da arte marcial — desculpou-se Koetsu.
— Não se preocupe, o mestre da Aldeia Pinheiros tem mais de oitenta anos e ainda não entendeu. — Azibo riu.
Anoiteceu e mestre Xamã custava deixar sua neta partir de volta para a Aldeia da Cerejeira. Com lágrimas nos olhos, mestra Nyarah ainda tinha dificuldades de se despedir de seu avô.
— Eu não aceito me despedir de você, minha neta. — Mestre Xamã disfarçou as lágrimas.
— Eu voltarei, vovô. O senhor sabe que tenho outros alunos e que amanhã o treinamento continuará.
— Promete que não demorará?
— Prometo.
— E diga àquele velho que venha nos visitar.
Mestra Nyarah sorriu e abraçou mestre Xamã que não aguentou suportar a tristeza e ficou em prantos ao ver a neta partir, em sua mente, veio o mesmo dia que Nyarah tinha quatorze anos e foi para a Aldeia da Cerejeira. Nyarah virou-se para olhar seu avô mais uma vez.
— O senhor tem certeza que não deseja reencontrar seu amigo?
Mestre Xamã silenciou-se e pensou sobre a proposta.
— Rudá e Jacirema, vocês podem ficar responsáveis pela academia enquanto eu estiver fora?
Os dois balançaram a cabeça afirmando.
— Nyarah, eu irei com vocês. — Mestre Xamã confirmou, correndo ao encontro deles, que já se aproximavam do portal ativado por mestra Nyarah.
Durante a despedida, Azibo e Hitomi confidenciaram algo que intrigou Nyarah, deixando-a pensativa. Koetsu conseguiu escutar a conversa, mas logo disfarçou.


Capítulo III – Academia Ninjas da Flecha
A lareira acesa aquecia o ambiente tranquilo e silencioso, mestre Hidetaka esperava que o chá ficasse pronto, enquanto isso foi até a janela assistir ao nascer do sol. Ficou estático observando o albor, momentos depois, lembrou-se do chá e voltou para retirar a chaleira.
Ajoelhou-se, pousou cuidadosamente a chaleira sobre a mesa e colocou o chá em sua xícara, ergueu sua xícara e soprou por alguns instantes, aproveitou para inalar a fragrância.
Dois goles foram tomados para alguém bater à porta. Rosnou por alguns instantes e levantou-se para atender quem o incomodava.
—Bom dia, vovô! — Atsuo pulou em seus braços, abraçando-o fortemente — Sentiu nossa falta?
Em seguida, Mio, com a cesta cheia de flores; Koetsu, com expressão séria, e mestra Nyarah sorridente.
— Bom dia, mestre Hidetaka. — Nyarah sorria sem sair do lugar.
— Como foi a viagem? — Hidetaka indagou.
— Eu gostei! — Atsuo respondeu animado.
— Eu não preparei nada, somente chá. Não estava esperando vocês. — Mestre Hidetaka olhou desconfiável para Nyarah. — Por que não entra?
Nyarah não respondeu, apenas o fitava com um sorriso que mestre Hidetaka não entendia, Nyrah virou-se para o lado e chamou alguém.
— Quem está aí? — Hidetaka indagou e hesitou em sair, mas mestre Xamã chegou antes.
— Xamã? — Mestre Hidetaka não acreditava.
— Como vai, mestre Hidetaka?
— Eu continuo aqui, não vê?
— Sua simpatia é muito agradável, seu velho! — Mestre Xamã gargalhava.
— E você? Está se achando mais novo do que eu? Por causa de míseros oito anos?
Mestra Nyarah sentiu-se meio desconcertante em meio àquele diálogo ofensivo, queria acreditar que os dois estavam apenas brincando.
— Há quanto tempo que a gente não se vê? — Mestre Hidetaka indagou, mas sabia exatamente que fazia dez anos que não se encontrava com o mestre Xamã.
— Desde que você levou minha neta.
— Errado!!! A última vez que nos vimos foi exatamente há dez anos e mestra Nyarah está conosco há vinte e seis anos.
— Vocês não vão discutir por minha causa!!! — berrou mestra Nyarah.
— Depois somos crianças! — Atsuo alarmou.
— Venham tomar chá — convidou mestre Hidetaka.
— Deixe-me adivinhar...chá de azaleia? — zombou mestre Xamã.
— Se não quiser, problema seu! — Hidetaka se enfureceu.
Reuniram-se todos em volta da mesa, os dois velhos risonhos conversavam animadamente, embaralhavam-se nos assuntos. As duas vozes altas predominavam naquele ambiente.
— O que significa “Academia Ninjas da Flecha”? — Nyarah, enfim, conseguiu quebrar a harmonia daquela conversa.
Mestre Hidetaka e mestre Xamã se entreolharam em silêncio.
— Quem lhe falou sobre isso? — Hidetaka perguntou sem erguer os olhos, sua mão tremia e, consequentemente, a xícara também espirrava algumas gotas de chá. Aquela pergunta foi uma pisada em sua ferida.
— Não fui eu. — Mestre Xamã respondeu perplexo.
Hidetaka se levantou em silêncio sem olhar para ninguém e foi até a varanda.
— Vovô, o que eu disse que o ofendeu? – Nyarah perguntou em voz baixa para Xamã.
— Quem falou sobre a academia? — Hidetaka disse em voz alta do outro lado.
Antes que Nyarah pudesse responder, um vulto ultrapassou a janela e era uma flecha que havia acabado de cravar num quadro de pintura. Nyarah puxou a flecha, mestre Hidetaka resmungou porque a flecha havia perfurando o quadro que retratava imagens de pássaros ilustrados pelo seu irmão-gêmeo.
— É um convite de Azibo para irmos até a Academia Ninjas da Flecha. Vão dizer para mim ou terei de aguardar até chegarmos lá? — disse Nyarah após ler o bilhete.
— Azibo? — Hidetaka estava assustado. — Ele sabe? — Hidetaka encarou para mestre Xamã.
— Ele é sobrinho de mestre Phomello — respondeu Xamã.
— Por que tanto mistério? Respondam! — Mestra Nyara insistia impaciente.
— Não!!! – Exaltou mestre Hidetaka. — Esse assunto não lhe interessa!
— Eu irei até essa academia misteriosa e descobrirei o que vocês me escondem.
— Não, Nyarah — disse Xamã.
— Vamos logo! Não deixarei de ir. Fomos convidados e mestre Hidetaka, pelo nome desta academia, o senhor sabe que será fundamental na formação de seus netos.
— Eu não irei — negou-se mestre Hidetaka.
— ...
Hidetaka não sabia o que responder mais, aquela academia trazia lembranças desagradáveis.
— Eu quero ir! — disse Atsuo.
— Seus netos precisam aprender arco e flecha, o senhor não pode impedi-los. — Disse Nyarah. — Nós iremos e sei que será bom para eles.
— Vô, o senhor deixa? — perguntou Atsuo.
— Nyara está certa. Vocês não precisam de minha autorização. — Mestre Hidetaka se sentiu obrigado a concordar e cabisbaixo, ficou em silêncio.
— Mestre Hidetaka, eu apenas quero que eles possam aprender arquearia. O que o senhor nos esconde, só aumenta nossa vontade de descobrir, portanto, diga alguma coisa. — Nyarah insistiu.
Hidetaka ficou de costas, braços cruzados e um olhar direcionado ao vazio, ele concordou com a viagem para a Aldeia Ninjas da Flecha, entretanto não revelou o que aquela academia significava para sua vida, aliás, calou-se.
— Se essa academia sobreviveu, é porque vocês devem ir até lá.
Depois de mestre Hidetaka dizer isso, respirou fundo e foi para a varanda, apoiou-se no parapeito de madeira. Nyarah e mestre Xamã se entreolharam decidindo qual dos dois tentaria apaziguar a tensão causada.
Nyarah se aproximou da entrada da varanda e olhou mais uma vez para Hidetaka, porém ele permanecia calado, cabisbaixo, inclinado sobre o parapeito.
— Eu autorizo, Nyarah. Tem meu apoio — disse mestre Hidetaka sem olhar para ela.
Nyarah agradeceu com uma reverência.
— Quem desejar seguir caminho comigo, venham! — Ela os chamou deliberadamente.
Mestre Xamã se levantou e foi fazer companhia ao velho amigo que não via há anos.
— Você tem certeza? Eu convencerei Nyarah a não ir — disse Xamã com a mão no ombro do amigo.
— Ela deve ir. Eu apoio, meu amigo. Eu fiquei surpreso e lembranças passadas trouxeram episódios desagradáveis à minha cabeça, mas agora estou me recompondo, é bom saber da academia — disse mestre Hidetaka, amenizando a expressão de preocupação.
— Então, vamos — incentivou mestre Xamã.
— Eu não volto para lá. — Mestre Hidetaka estava decidido.
Atsuo e Koetsu concordaram e acompanharam mestre Xamã e mestra Nyarah à Academia Ninjas da Flecha, mas Mio sentia que não deveria deixar seu avô sozinho.
— Vou ficar com o senhor. — Mio anunciou.
— Não, Mio. Eu quero que acompanhe seus irmãos. Eu ficarei bem, não se preocupe — disse mestre Hidetaka. — Eu quero que você vá. Você precisa aprender arco e flecha. Por isso, chama-se Academia Ninjas da Flecha —aconselhou mestre Hidetaka.

Academia Ninjas da Flecha era situada próxima ao monte Kiliminjaro, Tanzânia, na África. A sua entrada era um portão duplo metálico. No centro havia um encaixe de uma flecha, Koetsu deduziu que a flecha carregada por mestra Nyarah seria a chave de abertura daquele portão.
Koetsu deu alguns passos e encaixou a flecha, em instantes, uma iluminação percorreu o contorno da entrada que se abriu abruptamente, Koetsu recuou assustado.
Surgiram placas retangulares rotativas, cada uma tinha estampado o símbolo de cada aldeia e a placa central era da própria academia, uma flecha em um arco.
Através das placas, havia uma enorme escada, para chegarem até ela, precisariam passar entre as placas.
Koetsu foi o primeiro a passar entre elas; uma girava em anti-horário e a outra, horário; a distância entre elas era de um metro, com um pouco de receio conseguiu ultrapassar sem problemas.
Os outros vieram em seguida. Subiram os degraus e, de repente, tudo escureceu, as lamparinas haviam se apagado, Koetsu não percebeu que tinha atingindo o último degrau e ao dar o próximo passo, caiu.
Assustada, Nyarah ouviu os gritos de Koetsu.
— Koetsu!
Uma espécie de rede o segurou, velas acenderam, Koetsu tentou se equilibrar e uma voz ordenou que a rede descesse; Koetsu pôde ouvir os passos de algo se aproximando.
Koetsu ergueu-se rapidamente.
Ele pode ver toda a sala em que estava, havia somente um tapete que praticamente forrava o chão da sala e velas em cada canto do aposento.
— Koetsu. — Finalmente, a voz retornou a soar e Koetsu reconheceu o dono daquela voz: Azibo.
— Está bem?
— Um pouco — respondeu meio atordoado.
Em seguida, surgiram Nyarah, Xamã, Mio e Atsuo.
— Como vocês vieram para cá?
— Era somente se identificar com o medalhão na placa correspondente — disse mestre Xamã, levantando o seu medalhão.
— Obrigado por me avisar antes. — Koetsu ironizou.
— Não tenho culpa se você é precipitado — retrucou mestre Xamã.
— Sinto muito pelo que aconteceu, Koetsu. Eu demorei para recepcioná-los — disse Azibo.
— Não se incomode, Azibo. — Koetsu entendia.
Azibo guiou-os até o quinto andar, onde ficava o escritório da academia. Nesse instante, mestre Phomello meditava em postura de lótus. Responsável pela Aldeia da Protea, mestre Phomello também administrava a Academia Ninjas da Flecha, fundada pelo seu pai, mestre Zaci.
A mesa da cor preta continha desenhos de símbolos variados que mestre Zaci tentava criar até que terminou ao preencher todo o espaço disponível. Os desenhos de tinta branca retratavam arcos e flechas combinadas até atingir o símbolo estético mais aceito. Entretanto, o símbolo mais simples e representativo foi a imagem de uma flecha e um arco.
Azibo entrou no escritório e viu seu tio meditando sobre o tapete circular com a imagem do símbolo da academia.
— Olha o velho cochilando. — Atsuo sussurrou para si mesmo.
De repente, algo bateu na cabeça de Atsuo quando se virou para o lado.
— Aí! — Atsuo alisava a região dolorida, deixada pelo objeto desconhecido, caído ao seu lado.
Azibo riu e pegou a caixinha que seu tio havia atirado em Atsuo. Dentro da caixinha, mestre Phomello guardava seu medalhão dourado com o símbolo da Aldeia da Protea.
Mestre Phomello abriu os olhos e sorriu ao ver mestre Xamã, seu amigo de infância, olhou para o sobrinho e o chamou para ajudá-lo a se levantar.
— Mestre Xamã, seja bem-vindo.
— Obrigado, amigo — sorriu mestre Xamã. — Essa é minha neta Nyarah. Mestre Xamã apontou para Nyarah, que retribuiu com um singelo sorriso.
— Meu deus! Há quanto tempo eu não a vejo?
— Faz trinta anos. Na última vez, eu tinha dez — respondeu Nyarah.
— E esses são netos de mestre Hidetaka. — Mestre Xamã acrescentou em seguida.
— Esses eu não conhecia. Sejam bem-vindos! — Mestre Phomello os recepcionava com um grande sorriso. — E o mestre Hidetaka?
— Ele não veio, imagine a reação dele.
— Eu não quero imaginar a reação de mestre Izuo. — Mestre Phomello arquejou as sobrancelhas.
Azibo decidiu deixar os dois velhos amigos a sós.
— Espere! Por que mestre Hidetaka reagiu negativamente em saber que esta academia estava funcionando? O que tudo isso significa? — quis saber mestra Nyarah.
— Eu levarei os netos de Hidetaka para praticarem arco e flecha. – Azibo interrompeu chamando Mio, Atsuo e Koetsu para segui-lo.
— Minha neta, eu contarei. — Mestre Xamã esperou os netos de Hidetaka saírem. – Foi aqui que me formei em arquearia. Éramos uma equipe, amigos inseparáveis, irmãos de terras diferentes. Eu tinha vinte e um anos; mestre Izuo, quatorze anos; mestre Phomello, dezoito anos e mestre Hidetaka, vinte e nove anos.
Nessa época, formamo-nos na maior e conceituada academia do mundo.
Tornamo-nos Ninjas da Flecha: Mestre Izuo, Mestre Hidetaka, Mestre Phomello e eu. Foi aqui que aprendi a arte do arco e flecha. Quando o pai de Phomello, mestre Zaci, morreu por causas naturais, a aldeia foi herdada por nós.
— Mas eu soube que mestre Hidetaka não sabe arquearia — relembrou mestra Nyarah.
— É verdade, mas foi ele que introduziu as artes marciais na academia. Ele preferiu optar por outro segmento, mas não deixou de ser um ninja da flecha, afinal, ele consegue desviar delas; teve uma vez que várias flechas foram disparadas simultaneamente em sua direção e ele conseguiu desviar de cada uma com olhos vendados. Ele não sabe lidar com elas, mas sabe se livrar delas. — Mestre Xamã riu.
— E por que mestre Izuo se comporta como inimigo? — Nyarah continuava a questionar.
— O pior inimigo é aquele que já foi seu amigo. E, infelizmente, as intrigas surgiram. Nessa época, a Aldeia Pinheiros era governada pelo pai de Izuo. Hoje em dia, as aldeias são destinadas às pessoas que desejam aprender artes marciais e arquearia, que vestem o uniforme, mas na época eram pequenas povoações em crescimento em constantes conflitos.
Havia conflitos entre a Aldeia Pinheiros e Crisântemo Amarelo. Tantas batalhas sangrentas fizeram os moradores desocupar as aldeias. Batalhas das quais perduraram décadas. Chieko era pequena quando teve de sair de sua aldeia para não morrer. Quando o pai de Izuo morreu atingido por uma flecha, aquilo o dilacerou emocionalmente que o fez odiar tanto a academia quanto a Aldeia Crisântemo Amarelo. Portanto, descobrir que seu melhor amigo havia se apaixonado por sua inimiga, fez com que a amizade entre Hidetaka e ele sucumbisse. Tudo se acalmou com a criação da Assembleia, criada por aldeias que interviram em batalhas subsequentes para proclamar a paz.
Nyarah suspirou depois de ouvir a longa história, foi à varanda assistir ao treinamento de Koetsu, Atsuo e Mio.
O treinamento era ministrado por Zena, sobrinha de mestre Phomello e prima de Azibo. Koetsu estava na fila dos avançados, aguardando sua vez depois que o menino da frente terminasse de lançar as flechas, em três séries, no alvo situado na coluna a sessenta metros. Eram três colunas, Mio estava na fila da coluna que distava trinta metros.Atsuo estava na fila dos iniciantes, a distância da coluna era de dez metros. Ele olhou para os outros e viu que estava sendo assistido. Zena sorriu e autorizou. Atsuo pegou a flecha verde-limão e seus olhos alternaram entre o alvo da altura de sua cabeça e a flecha na sua mão.
— Por favor, Atsuo. — Zena insistiu com um pouco de impaciência.
A flecha foi disparada, mas caiu no chão e ele ainda continha mais quatro flechas para serem lançadas. Atsuo desistiu antes, e Zena insistiu para que ele continuasse.
A vez de Koetsu chegou e ele se posicionou adequadamente, pegou a primeira flecha de sua aljava e encaixou na corda, respirou fundo e ergueu o arco, fez a ancoragem em seu rosto e deu a largada, acertou o meio do alvo. Em seguida, pegou outra flecha e sem pausas, lançou e teve o mesmo êxito. Subsequentemente, as flechas foram lançadas rapidamente e acertaram o alvo surpreendendo Zena. Ele ficou sem reação ao ver que todos pararam para assisti-lo. Nyarah e Xamã comemoravam da varanda.

À noite, uma festa de recepção foi preparada para os visitantes. Uma imensa mesa longa com frutas, peixes, grãos, enfim, iguarias típicas da região foram postas no meio do salão iluminado pelas tochas sobre altas colunas, colocadas nos cantos do centro de treinamento. Tambores ressoavam.
Na mesma noite, mestra Nyarah e Mestre Xamã se despediram de mestre Phomello.
— Obrigada pela noite, mestre Phomello — agradeceu mestra Nyarah.
— Eu que agradeço pela visita de vocês, muito obrigado. E avise àquele senhor de manto alaranjado para nos visitar.

Capítulo IV – A despedida
Em frente à porta de mestre Hidetaka, estava um homem barbudo que aparentava ter mais de sessenta anos, estatura mediana, com um sombreiro na cabeça à espera de alguém. Nyarah estranhou, pois esperava se encontrar com mestre Hidetaka. Nyarah e os netos de mestre Hidetaka estavam exaustos, sonolentos, ainda não tinham dormido.
— Quem é o senhor? — indagava Nyarah, ao passo que se aproximava do homem.
— Sou Hisao — respondeu o homem que agora passava um lenço nos olhos enxugando-os.
— Está chorando? O que faz aqui? — Nyarah estava ficando angustiada.
— Eu aguardo a chegada dos netos de meu primo. Vim para cá quando soube que ele partiu.
— Mestre Hidetaka... — Nyarah começava a deduzir e não queria que aceitar a certeza. — O que houve com seu primo?
— Ele faleceu.
— O quê?! Meu avô? Não!!! — desesperou-se Mio, que tinha escutado a conversa.
— Acalme-se Mio, não é bem o que você está ouvindo. — Nyarah segurava os ombros de Mio tentando disfarçar.
— Como não? Ele disse que meu avô morreu!!! — Mio não continha as lágrimas.
Em seguida, surgiu Koetsu e Atsuo desentendidos, assustados com os gritos de Mio.
— Mio, acalme-se!!! Eu falarei com Hisao.
Nyarah se afastou de Mio, Koetsu e Atsuo e Hisao a seguiu.
— Está louco? É esse o tipo de notícia que se dá? — Nyarah o repreendia.
— Mentir para quê?
— Meste Hidetaka morreu, por quê?
— Ele faleceu de causas naturais. Ele foi um homem forte que durou mais de noventa anos.
— E quando foi isso?
— Nesta semana.
— Que história mal contada é essa? Como ele morre e você me fala dessa maneira?
— Mestra Nyarah, eu não estou mentindo, o que você queria?
— E eles?
— Sua responsabilidade.
— O quê?! Onde estão os pais deles?
— Eles vieram, tomaram de conta do corpo de mestre Hidetaka. Suas últimas palavras foram claras: Mestra Nyarah será responsável pela Aldeia Cerejeira e principalmente pela formação de seus netos queridos.
— Eu?
— Os pais deles concordaram. Em alguns dias, eles retornarão e conversarão com a senhora.
Mio havia contado aos seus irmãos a lamentável notícia. Atsuo estava pasmo, ajoelhado sobre o chão com as mãos cobrindo o rosto, Koetsu estava estático com o braço pendendo de seu corpo quase soltando o livro semiaberto pelos seus dedos.
Mio passou por mestra Nyarah, correndo desesperadamente.
— Onde está indo, Mio? — Nyarah questionava.
Mio não respondia, continuava correndo e se distanciando cada vez mais, Nyarah foi em seu encalço, deixando que Hisao se responsabilizasse por Koetsu e Atsuo.
Nyarah consegue alcançar o braço de Mio.
— Me solte! A culpa é sua!!! — Mio acusava Nyarah. — Se não tivéssemos viajado, meu avô estaria conosco, porque eu cuidaria dele.
— Mas não podemos prever o futuro, Mio.
— Você é a culpada!!! Me deixe sozinha!!! Eu nunca a aceitarei como mestra! — Nyarah soltou seu braço e Mio continuava correndo transtornada.
Os dias foram difíceis devido à morte de mestre Hidetaka. Nyarah tentava conquistar a confiança e o respeito de seus netos, mas eles ainda guardavam a tristeza e a culpa que sentiam por deixá-lo. Nyarah também compartilhava da mesma culpa, não devia ter pressionado mestre Hidetaka. Ela levava comida aos seus netos diariamente e falava pouco com eles.
— Vocês vão ter de me aceitar! Mestre Hidetaka e os pais de vocês me deram o papel de ser a mestra de vocês e eu não vou desistir. Sou a mestra Nyarah!

Algumas flores de cerejeira caídas na superfície do rio, marcava o florescimento das cerejeiras. A comemoração no dia anterior foi uma homenagem à memória de mestre Hidetaka.
Um coração acolhedor era o de Mestre Hidetaka. Sua lembrança nunca desapareceria, poderia passar muitos anos, pois ele ficaria presente em todos que o admiravam. Aquele sol ardente, nuvens dispersas dando espaço para o céu azul, era a visão mais bonita. Mio pegou do chão uma flor de cerejeira, ela recordava do que seu avô dizia: "A cerejeira é como a vida, frágil e repentina ".
Agora entendia as palavras da pessoa sábia que havia ensinado o valor da disciplina. Em posição de lótus, Mio iniciou sua meditação, inspirou e expirou vagarosamente, entrando num estado tranquilo; as imagens de seu avô não sumiam, ao contrário, intensificavam-se. Lágrimas escorriam de seus olhos cerrados, não sabia quanto tempo suportaria aquele silêncio.
Uma pequena flor de cerejeira pousou em seu nariz e ela permaneceu estática.
— Mio. — Uma voz a chamava, mas aquela voz parecia fazer parte de seu pensamento.
— Mio, vamos. — Ela abriu os olhos, virou-se para a direção da voz, ergueu a cabeça e se deparou com Mestra Nyarah em pé ao seu lado.
— Não — respondeu com a voz rouca.
— Mio, eu entendo que esteja indisposta a treinar hoje, mas você me garantiu. Koetsu e Atsuo já treinaram. Só falta você.
Mio levantou-se e cabisbaixa seguiu Nyarah, foram para o ermo que servia de treinamento e era lá que Mestre Hidetaka praticava sua meditação. O vento soprava, refrescava e trazia lembranças a Mestra Nyarah. Lá encontrou um balcão com uma aljava e um arco; posicionou-se, mas rapidamente desfez sua postura, olhando desanimadamente para Nyarah.
— Eu não estou preparada para o treinamento de hoje, desculpe-me.
— Nyarah tentou impedi-la de desistir, Mio, porém, prosseguiu sem dizer nada, recostando-se numa árvore.
—Por quê? — Nyarah perguntou.
— Eu lembrei do meu avô e ter a certeza que ele não está aqui, entristece-me. — Mio respondeu.
— Eu sei a dor que está sentindo.
— Não sabe não.
— Mestre Hidetaka era meu avô de consideração. Mio, você não pode desistir, porque as palavras do mestre são válidas tanto em sua vida quanto em sua morte. Esqueceu o que ele lhe ensinou? "Não desista de enfrentar os obstáculos, pois se desistir de um, desistirá dos próximos".
— E como você sabe disso?
— Porque ele me ensinou também. — Mestra Nyarah sorriu, pousou a mão no ombro de Mio e insistiu para que ela não abandonasse a arquearia. Mio consentiu, voltou para o balcão; pegou uma flecha, encaixou o entalhe da flecha na corda, posicionou, mirou, mas o sol estava ardente e atrapalhava sua visão e colocou a mão em pala para enxergar o centro do alvo detalhadamente.
— Se tivesse treinado nesta manhã, o sol não seria um obstáculo — disse Nyarah.
— Você não vá esperar que uma guerra aconteça pensando em horário propício.
— Depende para quem será favorável. A meteorologia é um dos elementos principais a ser analisado em uma guerra. Antes você tinha apenas o alvo para atrapalhá-la, agora, você tem o alvo e o sol. Isso pode ter sido planejado pelos seus adversários. É bom se acostumar com as adversidades.
— Como contornar essa desvantagem?
— Com certeza, você não ficará parada aguardando o entardecer.
   Nyarah jogou um sombreiro para Mio.
— Mio coloca o sombreiro e se posiciona para lançar a flecha.
— O sombreiro está me atrapalhando.
— O problema é seu. — Nyarah disse com voz severa e impaciente.
Mio tirou o sombreiro e jogou no chão, em seguida, suportou o a ardência do sol e deu a largada acertando na linha da circunferência do centro do alvo.


     Capítulo V – O desconhecido do conhecido
No dia seguinte, Mio correu aos berros atrás de Nyarah, que se encontrava atrás de casa, numa campina que mestre Hidetaka costumava praticar “tai-chi-chuan”.
— Mio! Estou aqui! — Apareceu Nyarah bracejando.
— Mestra Nyarah!!! Tem um senhor idêntico ao mestre Hidetaka querendo falar consigo.
— O quê?!
— Eu disse que tem um senhor...
— Eu! — interrompeu o tal senhor.
— Mestre Hidetaka? — Nyarah ficou perplexa ao ver o dono daquela voz.
— Meu nome é Hiroshi. Mestre Hidetaka é meu irmão-gêmeo
— Eu não sabia que ele tinha um irmão.
— Ele nunca falou de mim? Talvez, seja porque estamos sem se falar há tantas décadas por motivos banais.
— Mas vocês são tão idênticos...
— E o que você esperaria?     
— Bem, o senhor tem razão, pensei que a distância e hábitos, talvez, distintos trouxessem algumas características distintias a vocês. Não esperava tanta semelhante assim.
— O senhor é muito parecido com meu avô. — Mio não queria acreditar que aquele ancião que estava ao seu lado não era o mestre Hidetaka, cada traço que caracterizada sua fisionomia era a cópia de seu querido avô.
— O que veio fazer aqui? — indagaou Nyarah, desconfiada.
— Vim visitar meu irmão, mas ao saber de sua morte, vejo que não tenho o que fazer.
— Não se vá. É como se meu avô estivesse de volta.
Hiroshi pegou as mãos de Mio e sorriu dizendo:
—Não sou seu avô, mas fico feliz em poder amenizar sua dor.
Nyarah não demonstrava nenhum pouco de simpatia a Hiroshi.
— O senhor gosta de chá? — Mio perguntou sorridente, esperando que ele afirmasse para que ela pudesse preparar o chá preferido de seu falecido avô.
— Sim. — Hiroshi respondeu prontamente.
— Eu deixarei que vocês possam conversar e eu irei preparar chá de azaleia. Espere. O senhor gosta de chá de azaleia ou outra preferência?
— Azaleia — balançou positivamente com a cabeça. — Mio se retirou às pressas.
— Azaleia? Justamente o mesmo que mestre Hidetaka... — Nyarah ironizava.
— Na verdade, eu gosto de chá de hortelã, mas eu queria agradá-la. —Hiroshi respondeu com um sorriso.
— Eu vejo coincidências e quero acreditar que são apenas coincidências. — Nyarah custava acreditar na veracidade da identidade daquele senhor que se dizia ser irmão de Hidetaka.
Hiroshi suspirou e ficou em silêncio. Nyarah, também não disse nada. Esperaram Mio retornar com a bandeja trazendo chá para os dois. Hiroshi pegou a chávena e agradeceu a Mio.
Hiroshi inalou o aroma, soprava o chá para diminuir a temperatura e começou a tomá-lo em goles.
— Hum...
— Gostaram? É a primeira vez que preparo chá, eu sempre via meu avô preparar até aprender.
— Não sei se está igual ao do mestre Hidetaka, mas está ótimo. — Hiroshi elogiava.
— Obrigada. — Aquilo fazia Mio tão feliz. Ver o homem que se parecia com seu avô tomando o chá, deixava- a mais feliz. — O que acha mestra Nyarah?
— É como se fosse preparado pelo seu avô. — Nyarah deixou transparecer um sorriso.
Koetsu e Atsuo não apareceram, talvez, Koetsu estivesse em sua leitura interminável, e Atsuo gostava de passear sozinho pelas redondezas e havia esquecido do treinamento.
— O senhor vai ficar conosco? — Mio perguntou.
— Eu adoraria. Afinal, vivo sozinho e um pouco de companhia não faz mal a ninguém.
— Tem netos? — Mio continuou a perguntar.
— Sim. Mas faz tempo que não os vejo. Mora em outra cidade. São mais velhos que você.
— Gostaria de conhecê-los.
— A distância evita encontros fundamentais em nossa vida. Nem sabia que meu irmão tinha uma neta linda como você. E você? — Ele olhou para Nyarah.
— O que tem eu? — perguntou na defensiva.
— Não é neta de Hidetaka? Porque se for, também é encantadora.
— E se eu não for? Meu encanto se desfaz?
— Há-há. — Hiroshiu riu.
— Sou neta de consideração. Ele foi meu mestre.
Nyarah se retirou sem pedir licença. Mio fitava Hiroshi e o deixava encabulado, então continuou conversando com a menina.
— Quantos anos têm? — Hiroshi perguntou.
—Dezesseis anos.
— Seus irmãos vão se assustar a meu ver?
— Sim. Você e meu avô são idênticos.
E os dias seguintes passaram com a permanência de Hiroshi que havia conquistado os netos de seu irmão, exceto a Nyarah que o tratava friamente.
— Eu trouxe água para esquentar. — Hiroshi carregava uma vasilha funda contendo água tirada do poço.
— Obrigada.
— Deixe que eu preparo o almoço. – Hiroshi se ofereceu para ajudar.
— Não se preocupe, Hiroshi. — Nyarah se negou.
Hiroshi arrumou a lenha e colocou água para ferver.
Nyarah não respondeu, ficou picotando os legumes e Hiroshi a deixou sozinha. Ela começava a acreditar na morte de Hidetaka. Jamais, mestre Hidetaka fingiria a própria morte na situação em que sua aldeia estava. Minoru não apareceu e não enviou nenhuma mensagem que pudesse acalmá-la. A aldeia necessitava de reforços, frear as possíveis tragédias causadas por mestre Izuo. A primavera já havia chegado e o ataque marcado por Izuo era questão de dias de aflição e impotência.
Mais dois se passaram e Hiroshi deixava aquela máscara de um senhor educado e generoso para se tornar um velho rabugento e desagradável.
— Vão esquentar água para escaldar meus pés! Vão colher uvas e preparem o meu chá, agora!!! – Hiroshi berrava.
— Atsuo, vai preparar a água para esse velho! — Mio gritava, cansada das exigências.
— Eu não vou!!! — Atsuo relutava em obedecer.


Capítulo VI – O ataque da Aldeia Pinheiros
Um rio separava a Aldeia Cerejeira da Aldeia Pinheiros. Uma barreira foi construída na entrada da Aldeia Cerejeira, entretanto não seria suficiente para resguardar todos. Nyarah teve esperanças de receber alguma resposta da Assembleia, afinal, mestre Hidetaka teve tempo para avisá-los, entretanto ninguém sabia confirmar, por isso, pediu para que Naho, sua aluna mais velha, com cabelos rosas e longos e Haruo, um de seus alunos mais novos, fossem atrás de Minoru, o mensageiro. A volta dos dois não trouxe esperanças, pois o encontro não ocorreu e a Assembleia estava fechada.
No dia que Nyarah decidiu ir atrás da Assembleia, os gritos de Haruo a tomou de surpresa, porque a Aldeia Pinheiros já estava atacando. Os dois correram em direção à casa de mestre Hidetaka.
Nyarah e Haruo procuraram os netos de Hidetaka por todos os cantos da casa e não os encontraram, o que fez com que aumentasse o desespero de Nyarah.
Os dois saíram correndo e se encontraram com Naho a caminho do rio.
— Mestra Nyarah, ainda bem que encontrei a senhora. Seu Hiroshi foi atingido por uma flecha, mas passa bem, ele foi com os netos de mestre Hidetaka até o ponto de combate para auxiliar.
— O quê?! Eles não estão preparados! Irresponsável! Se aquela flecha não acabou com aquele velho, eu acabarei!!! — Nyarah gritava transtornada e saiu em disparada, Haruo e Naho foram atrás.
A chuva de flechas não cessaria tão cedo, mestre Izuo estava sentado sobre um toco atrás das árvores, apoiando seu antebraço na coxa direita e rindo, como se estivesse assistindo a um teatro de marionetes engraçados, como gostava de fazer quando ia à cidade. A Aldeia Cerejeira também lançava flechas, Atsuo apenas assistia, sabia que não conseguiria ajudar sua aldeia, alguns estavam quase comprimidos atrás daquela mureta para não serem atingidos e outros, em algumas árvores.
— Onde estão Koetsu, Atsuo e Mio? — Nyarah procurava por eles no meio daquele alvoroço de pessoas incansáveis, fazendo o mesmo movimento: retesar a corda e disparar a flecha.
Koetsu sabia que aquilo demoraria muito ou poderia se tornar desvantajoso para sua aldeia, algum momento, eles cansariam, porém ele não esperaria saber qual das partes ficaria exausta primeiro, decidiu tomar uma atitude perigosa, mas necessária para distração de seus adversários. Largou a flecha e o arco de lado, saiu de trás da barreira e antes de pular no rio que o separava dos inimigos, gritou por mestre Izuo:
— Mestre Izuo!!!
Izuo viu Koetsu o chamando, três arqueiros da Aldeia Pinheiros dispararam flechas em direção ao Koetsu.
— Koetsu!!! — Nyarah gritou ao chegar próximo da barreira.
Koetsu pulou no rio e Izuo se levantou subitamente.
Dois arqueiros da Aldeia Cerejeira aproveitou a distração dos três que tentavam acertar Koetsu e um deles acertou o braço de um dos três arqueiros da Aldeia Pinheiros.
— Ai!!!
Koetsu segurou um pouco mais a respiração para permanecer debaixo do rio. O sangue que acabou escorrendo no braço do atingido fez com que Izuo interrompesse os ataques.
— Parem!!! Vamos embora!!!
Nyarah também gritou para que parassem os disparos; Koetsu subiu para a superfície do rio, ele viu os arqueiros adversários se distanciando e, ofegante, respirou aliviado.
Koetsu compreendeu em segundos o motivo da interrupção do ataque feito pelo mestre Izuo. Lembrou-se da última conversa com seu saudoso avô antes de viajar para a Amazônia.
“ Mestre Izuo é uma boa pessoa, mas carrega consigo vestígios de um homem rancoroso que provoca todos, aquela carta me fez a temer mestre Izuo, porém, eu quero acreditar que não passa de uma provocação comunal.
— Vocês eram amigos? — Koetsu perguntou.
— Sim. E lembro-me que queria se tornar guerreiro quando tinha doze anos e participar de uma batalha real, mas ele não tinha ideia da besteira que falava, pois nunca havia participado de uma. Enfim, quando nosso colega foi atingido por uma flecha acidentalmente, e Izuo viu o sangue escorrer, ele desmaiou.
— O quê? ”.
Koetsu lembrou-se de que mestre Hidetaka havia falado que mestre Izuo era hematófobo, ou seja, um pingo de sangue o fazia passar mal. Koetsu saiu do rio, e Nyarah, transtornada, chamou sua atenção.
— Está louco?! Você arriscou sua vida!!!
— Deixe-me explicar...
— Não!!!
— Ele está bem. — Haruo tentou acalmá-la.
— Mas poderia não estar. — Nyarah retrucou.
Koetsu não ficou para ouvir as reclamações de Nyarah, o que a deixou mais furiosa.
— Volte aqui! Eu ainda não terminei, Koetsu!!!
Hiroshi apareceu auxiliado por Mio.
— O que aconteceu? — perguntou, desentendido.
— Seu irresponsável! Pedi para que cuidasse de seus sobrinhos-netos e não permitisse que eles viessem para cá. Koetsu arriscou a própria vida.
— Mas eu estou bem — reafirmava Koetsu.
— Bem molhado! — Hiroshi ria.


Na Aldeia Pinheiros, mestre Izuo, revoltado e furioso consigo mesmo, não parava de quebrar os objetos a sua volta.
— Como está Ryota? — perguntou sobre o estado do arqueiro atingido e o motivo pelo qual pararam a batalha contra a Aldeia cerejeira.
— Ele está bem, senhor — informou Maori.
— Por favor, tragam-me chá.
— De azaleia, senhor?
— Tanto faz!!!
Mestre Izuo não parava de berrar, em seguida, Kotaro chegou.
— O senhor não deveria ter incitado esta batalha.
— Deixem-me em paz, Kotaro.
— Os outros também querem paz, mestre. Nobuko desapareceu e o senhor será punido após essa invasão, realmente quer paz?
— Não me aborreça! — Mestre Izuo exaltou-se. — Eu errei, eu sei disso. Não deveria ter atacado a Aldeia Cerejeira, foi muita imaturidade, mas não adianta voltar atrás, podemos negar que houve essa invasão, ganharemos tempo.
— Você acha que a Aldeia Cerejeira não comunicou ao Minoru?
— Devem ter comunicado, mas negaremos, vamos tentar convencer Minoru do contrário. Não há provas contra nós. E sim contra eles que feriram um de meus discentes.
— Os bilhetes.
— Que bilhetes?
— Eu avisei para a Aldeia Cerejeira sobre o ataque e nela possui sua assinatura, peguei o seu medalhão enquanto estava distraído.
— Você me traiu! Como ousa ser desonesto com seu próprio mestre?!
— O senhor que enganou a todos nós. Eu não vim para guerrear, entretanto aprimorar meus conhecimentos.
— Não há mais o que fazer, retire-se, por favor.
— Sim, mestre.
— Atchim!
Assustados, os dois se viraram para onde havia saído um espirro, mas do outro lado da janela só havia árvores.
— O que foi isso? — Mestre Izuo questionou.
— Fique quieto, Atsuo. Por que você espirrou? — Mio sussurrava. Os dois haviam seguido mestre Izuo e seus discípulos até a Aldeia Pinheiros.
— Porque eu esqueci de avisar ao meu espirro para não sair agora. – murmurou Atsuo.
— Atchim! Ei espirro vol...te. Ele se foi.
— Quem está aí? — Kotaro perguntou olhando atentamente para as árvores de pinheiros à sua frente.
Mestre Izuo pula pela janela e seguido por Kotaro foi até onde estavam as imensas árvores e flagrou Mio e Atsuo escondidos.
— Vocês! Netos de Hidetaka!!! Vieram me espionar?! Quem mandou? Foi mestre Hidetaka?
— O senhor sabe muito bem que nosso avô faleceu – confirmou Mio.
— Será que morreu mesmo? Eu o vi com o braço sangrando.
— Aquele não era nosso avô! Era nosso tio-avô! — retrucou Atsuo corrigindo mestre Izuo.
— Quê?! – Izuo deu um pulo para trás, surpreso com aquela notícia.
— Ele se chama Hiroshi — acrescentou Mio.
— Hiroshi? Então, ele voltou. – Izuo se acalmou e se lembrou do irmão-gêmeo de Hidetaka. Era o irmão que se dedicou ao comércio e não quis saber de artes marciais.
— O senhor o conhece? — Mio questionou.
— Eu não o conheço, mas seu avô falava dele. Eu já tinha esquecido que mestre Hidetaka ainda tinha esse irmão.
— Nosso avô se foi. — Atsuo olhou para o chão, escondendo as lágrimas que insistiam em sair. Passou as mãos nos olhos e foi consolado por um abraço repentino de mestre Izuo, mas logo o arrependimento fez com que Izuo o empurrasse. — E deixou vocês dois para me perturbarem!
— Atchim! — Atsuo espirrou novamente.
— Entrem, querem chá e biscoitos? — Mestre Izuo ofereceu.
— Sim! — Os dois responderam em uníssono.
— Trouxe o seu chá, mestre. O senhor está aqui fora, quem são essas crianças? — perguntou Maori, uma de suas discípulas carregando uma bandeja com chávenas e biscoitos.
— Ah, o meu chá da tarde, obrigado, Maori. É chá de quê? – Ele pegou a chávena com desenhos de pinheiros.
— Chá de azaleia, senhor. — Maori respondeu enquanto oferecia a Mio e Atsuo.
— Hum...está delicioso. — Mestre Izuo soprava o chá fumegante.
— O senhor também gosta de chá de azaleia? – Atsuo questionou com um sorriso nos lábios.
— Ah, sim...é um chá nobre — respondeu. — E podem pegar quantos biscoitos quiserem — acrescentou. Aqui está esfriando, vamos entrar.
— Obrigada pelo convite, mestre Izuo. Está anoitecendo e devemos retornar à nossa aldeia — alertou Mio.
Atsuo prestou atenção aos pinheiros que contornavam a entrada da Aldeia Pinheiros; na entrada era possível ver a academia vazia iluminada pelas lamparinas.
— É por isso que se chama Aldeia Pinheiros? Só tem pinheiros aqui — comentou Atsuo, estupefato.
Mestre Izuo gargalhou com a inocência do menino.
— Eu quero pedir desculpas, sei que tive um comportamento inaceitável. Espero não ter ferido ninguém.
— Todos estão bem, mas e aquele arqueiro atingido? Ele está bem? – Mio se referia ao Ryota.
— Ferimento não profundo. Ele está vivo — respondeu mestre Izuo.
Mio e Atsuo devolveram as chávenas à bandeja e mestre Izuo ordenou que Maori e Kotaro os acompanhasse até a Aldeia Cerejeira localizada do outro lado a metros de distância.
— É impressão minha ou esse não é mestre Izuo? — murmurou Maori para Kotaro.
— As pessoas mudam — concluía Kotaro.


Capítulo VII – Aldeia dos Dragões da Flecha
Algumas flores de cerejeira caídas na superfície do rio, ondulações feitas através do remo sob a posse de uma garota de cabelos longos com túnica rosa combinando com as flores, ela remava vagarosamente, alcançou o terreno de uma das renomadas aldeias.
Época de “hanami ”, festival da cerejeira, as pessoas se reuniam para comemorar, mas com a recente morte de mestre Hidetaka, o povoado preferiu respeitar sua memória, portanto as cerejeiras estavam vazias. Avistou uma mulher varrendo debaixo daquele sol radiante.
— Bom dia. Saberia me informar onde mestre Hidetaka mora?
— Bom dia. Infelizmente, nosso mestre faleceu.
— Que lástima! Eu ouvia muito sobre ele, mas não o conhecia. Eu necessitava tanto falar com ele.
— Se eu puder ajudá-la...
— Eu acho que posso confiar na senhora, parece-me familiar, nunca nos vimos, certo? Você me parece alguém, enfim, eu sou Shiori e vim da Aldeia Dragões da Flecha e trouxe um recado de mestre Long, uma promessa de anos. Pediu para que eu avisasse ao mestre Hidetaka ir visitá-lo e buscar seu dragão.
— Eu a acompanharei até onde mestre Hidetaka morava. E não nos conhecemos, você deve estar me confundindo com alguém parecido.
— Sim. Deve ser isso. Desculpe-me.
— Claro.
     Shiori ficou agradecida pela gentileza daquela mulher que a orientava até a casa do falecido mestre.
— É ali.
— Obrigada.
— Até mais. — E a mulher se afastou, mas, na verdade, sua identidade se tratava de Maori, membro da Aldeia Pinheiros, foi instruída por mestre Izuo a se disfarçar para descobrir sobre os acontecimentos da aldeia inimiga.
     Shiori deu duas batidas leves na porta e foi atendida por Koetsu que não conseguiu disfarçar um sorriso ao ver Shiori, seu coração acelerou as batidas naquele momento.
— Bom dia. Desculpe pelo incômodo, mas vim a pedido de mestre Long para trazer um pedido ao mestre Hidetaka.
— ...
     Koetsu não conseguia falar, ruborizado com a chegada de Shiori.
— Meu nome é Shiori e eu soube que mestre Hidetaka faleceu, sinto muito. Eu...não podia deixar de trazer o recado de mestre Long.
     Atsuo gargalhava com a reação do irmão e beliscou-o para que respondesse a moça.
— Ai!
— Não se importe com ele, é que gostou de você — Atsuo cochichou para Shiori que estava constrangida.
     Com vergonha, Koetsu saiu correndo.
— Shiori é seu nome, certo?
— Sim.
— Pode entregar o recado para mim.
— Licença, Atsuo – Nyarah o interrompeu. — Bom dia. O que mestre Long queria com mestre Hidetaka?
— Para que visitasse a Aldeia Dragões da Flecha e buscasse seu dragão. Bem, era só isso. Preciso visitar meu avô, até.
— Tenha um bom dia.
     Nyarah fechou a porta e avisou a todos sobre a viagem.
— Mas mestre Hidetaka não está aqui.
— Essa viagem será agradável a todos nós. — E olhou seriamente para Hiroshi.
Todos atravessaram as placas sombrias destino à Aldeia Dragões da Flecha, localizado na China. Subitamente, vultos passaram sobre suas cabeças. Agacharam instintivamente. Atsuo olhou para cima e os reconheceu.
— Dragões! — Atsuo exclamou estupefato, visualizando o céu sendo tomado por grandes seres coloridos.
Em um deles, vinha montado o mestre Long, que aterrissava no solo.
— Sejam bem-vindos à Aldeia Dragões da Flecha! — Mestre Long recepcionava com um sorriso largo, trajava uma manta verde com dragões bordados, possuía em torno de cinquenta e quatro anos.
— Há quanto tempo que eu não o vejo mestre Hidetaka? — Olhou para Hiroshi.
— Desculpe a intromissão, mas este aqui não é mestre Hidetaka, senhor. — Mestra Nyarh interrompia para concertar o equívoco normal de mestre Long, que não soube da morte de seu velho amigo.
— Não dê ouvidos a ela, meu grande amigo, Long! Sou mestre Hidetaka, sim! — Ele sorria e cumprimentava mestre Long.
Nyarah, Atsuo e Koetsu ficaram perplexos, entreolhavam-se confusos com a revelação daquele homem que se dizia ser mestre Hidetaka.
— Ei! — Atsuo gritou.
— Eu menti para vocês, perdoe-me. — Hidetaka pedia perdão aos seus netos.
Mestre Long se aproximou dos três netos de mestre Hidetaka e com um sorriso, apertou as bochechas de cada um que gritava de dor. Os três alisavam seus rostos para passar a ardência deixada pelos apertos de mestre Long.
— Seus netos estão grandes! — Mestre Long exclamava com a mão na barriga.
Nyarah ainda não acreditava que mestre Hidetaka havia usado a mesma farsa há anos quando fingiu sua própria morte para testar o seu desempenho e de seus colegas na época.
— Você mentiu!!!! — Nyarah vociferou. — Mentiu para seus netos, aqueles que sofreram sua morte e morreram junto com você! — Nyarah respirou profundamente com o punho cerrado agitando em direção ao mestre Hidetaka.
Mestre Long assustou-se com a reação de Nyarah.
— Perdoe-me, eu estou vivo e é isso que importa.
Em lágrimas, Mio e Atsuo correram para seus braços. Mestre Hidetaka apertava os dois contra seu peito, chamou pelo Koetsu, que não saía do lugar, olhava-o fixamente e não reagia.
— O que vocês estão fazendo? Ele mentiu para vocês! — Nyarah se indignava.
Mio olhou-se de volta para ela e enxugava as lágrimas.
— Ele é nosso avô e estamos muito felizes de saber que ele está vivo.
Nyarah também queria poder abraçar mestre Hidetaka, entretanto seu orgulho a impediu de perdoá-lo. Ela se virou de costas, mestre Hidetaka a chamou, mas ela preferiu não
ouvi-lo. Seguiu em frente.
— Fico feliz que esteja vivo, meu amigo — disse mestre Long. — Venha conhecer minha aldeia.
Mestre Hidetaka não deu muita importância às palavras de mestre Long, pois não queria que mestra Nyarah tivesse ido embora, decepcionada com ele.
Nyarah continuou caminhando, seus pensamentos se prenderam ao passado. Lembrou-se quando mestre Hidetaka havia forjado a sua própria morte quando ela tinha quatorze anos. A mentira durou por um dia, mas o desespero fez Nyarah ficar com trauma até hoje. Era como se tivesse presenciado a morte de seu avô e aquela dor perdurou por muito tempo.
Suas lembranças foram interrompidas pela aproximação dos membros da Aldeia Pinheiros. Todos apontavam as flechas para ela, exceto Kotaro. De repente, uma enorme sombra passou por cima de todos e Nyarah olhou para cima. Era um enorme dragão sobrevoando com uma comprida corda dependurada.
Os membros da Aldeia pinheiros, surpresos, miraram as flechas no dragão que se distanciava.
— É melhor pararem com isso! — Kotaro disse e abaixou seu arco.
—Ataquem! — Ryota, o arqueiro atingido no dia da invasão na Aldeia Cerejeira, desobedeceu Kotaro.
Indecisos, ninguém atirou a flecha, entretanto Ryota lançou a primeira flecha, mas o dragão rosado desviou.
— Por culpa desses infelizes, meu braço ainda dói! — gritou Ryota.
— Mestre Izuo não autorizou que fizéssemos isso, pare todos! Sou o responsável por vocês! — protestou Kotaro passando e retirando o arco de cada um.
Na vez de Ryota, Kotaro o aconselhou a entregar o arco.
— Não se intrometa, Kotaro! — Ryota avançou nele, quase acertando seu rosto com um soco, mas Kotaro desviou e segurou seu braço.
— Pare com isso, Ryota!
— Mestre Izuo apenas disse para vigiarmos a Aldeia Cerejeira e não os atacar. — disse Maori, que tentava separar os dois.

                                                 

Capítulo VIII – As últimas pétalas
Mestre Hidetaka ergueu a barra da manta e subiu vagarosamente as escadas até alcançar a cadeira de balanço feita de bambu postada na varanda da sala de mestre Long. Uma bandeja com chá de hortelã o aguardava. Sentou-se e pegou sua chávena, o primeiro gole foi para aquecer a garganta. De onde estava, era possível assistir à sessão de meditação, no pátio de treinamento de artes marciais. Ao seu lado, havia um pequeno jardim bem elaborado, que conseguia transmitir a simplicidade, a riqueza de cores, a beleza das flores separadas por tipo e organizadas ao redor do pequeno ambiente; esculturas de dragões haviam sido postas ao redor também.
— Que belo jardim! — elogiou.
— Chieko esteve aqui e organizou tudo com a ajuda dos meus alunos, pois se dependesse de mim, você não elogiaria. As ervas daninhas ofuscavam a beleza das flores. Chieko trouxe crisântemos de diversas cores para o meu jardim.
Mestre Hidetaka sentiu uma pontada desconfortável no peito ao se lembrar de mestra Chieko.
— Ainda gosta dela? — Mestre Long perguntou.
— Quando lembranças não se acabam na velhice é porque sentimentos ainda vivem. Eu sempre amei Chieko, apesar dela nunca ter me correspondido.
— Por que se fingiu de morto?
— Eu me arrependo de ter feito isso, mas foi a maneira que encontrei de impedir que mestre Izuo atacasse minha aldeia. Não consegui contato com Minoru e entrei em desespero com a proximidade da primavera, portanto decidi fazer algo, mas, na verdade, eu fugi da realidade. Talvez, se mestre Izuo soubesse da minha morte, respeitaria o luto da aldeia. Quando eu soube da existência da Academia Ninjas da Flecha, foi um golpe doloroso que eu senti ao pensar nas ações destrutivas de mestre Izuo. Tudo isso me deixou à flor da pele e tive de reagir dessa maneira para que a Assembleia fizesse algo, mas nem ela se pronunciou a tempo.
— Lamento ouvir isso, mestre Hidetaka. Não conseguiu se encontrar com Minoru, porque ele esteve hospedado em minha aldeia para a avaliação dos treinamentos que duraram meses. Soube também que a Assembleia estava fechada para a organização da apresentação que acontecerá aqui. Infelizmente, foi uma artimanha de mestre Izuo. Ele decidiu atormentá-lo na época infavorável para você. Depois de ouvir suas lamúrias, arrependo-me de ter convidado mestre Izuo para o almoço.
— Quando?
— Hoje. Eu peço desculpas, não sabia que eu o receberia aqui no mesmo dia que eu marquei com ele. Convidei-o para o almoço faz um tempo e eu não quero que o encontro entre vocês seja lamentável.
— Não se preocupe, mestre Long. — Mestre Hidetaka levantou-se com a ajuda de mestre Long que o impedia de sair.
— Fique, mestre Hidetaka. — Mestre Long insistiu.
— Eu agradeço pelo chá de azaleia.
— O horário do almoço ainda tardará, fique. — Mestre Long insistia.
Mestre Hidetaka ao ver Nyarah se sentar ao lado de sua neta para meditar, acalmou-se e aceitou a ficar mais tempo. Mo-Li subia as escadas esbaforidamente, mestre Long percebeu o desespero da sobrinha.
— O que houve, Mo-Li?
— A aldeia Pinheiros atacou Shiori, mas ela e seu dragão estão bem.
— O quê? Isso não pode ser verdade, a última pessoa que eles atacariam seria Shiori.
— Ataquem-nos de volta!!! — urrou mestre Long.
— Sim, mestre! Os dragões roxos estão a caminho para bloqueá-los. — Os dragões roxos eram enormes e faziam um barulho irritante e, em vez de fogo, jorravam ventania.
— Cuidem bem de meus filhotes! Não deixa que eles sejam feridos! — Alertava mestre Long.
— Se alguém conseguir feri-los, né, tio — disse Mo-Li, tranquila, sabendo da periculosidade dos animais.
— Lutamos tanto para que pudéssemos estar em paz e mestre Izuo insiste em chamar atenção! Ele quer desequilibrar a espiritualidade e serenidade que existe. Eu não posso permitir que as aldeias entrem em confronto por causa de caprichos ou rancores — vociferou mestre Hidetaka ainda entretido em seu chá.
— Minoru precisa tomar conhecimento disso antes que seja tarde.
— ponderou Mestre Long, enchendo sua xícara de chá de hortelã.
— Quer mais? — oferecia ao Hidetaka.
Shiori atravessou o pátio em silêncio, contudo a preocupação estava nítida enquanto passava, mestra Nyarah abriu os olhos e percebeu sua passagem carregada de uma angústia. Levantou-se e a seguiu.
— Shiori! — chamou Nyarah. — O que houve? — Nyarah aproximava-se.
— Mestra Nyarah...— Shiori estava assustada. — Eu...não aconteceu nada —respondeu, mas não tinha convencido.
— Eu vi você passar preocupada com alguma coisa, o que houve? — repetiu Nyarah.
— Eu...— Shiori tentava recompor o fôlego. — Passei pela Aldeia Cerejeira e vi uma pessoa de nome Haruo com as mãos sujas de terra, ele gritava desesperado, então...eu desci e perguntei o que aconteceu, não consigo dizer o que ele respondeu.
— Haruo? Eu sei de quem se trata, um de meus alunos, mas o que aconteceu? Diga logo, Shiori.
— Não havia mais cerejeiras. Sumiram todas, nem um rastro. Não há mais árvores de cerejeira.
— O quê? Como assim?
— Todas sumiram e Haruo não sabe quem foi. Ninguém viu. Eu a deixei aqui e fui até a Aldeia Pinnheiros avisar meu avô sobre a conduta inaceitável de seus alunos.
— As cerejeiras... — Nyarah abaixou a cabeça e não conseguia entender como as cerejeiras haviam sumido. — Não devemos dizer nada a ninguém, irei até a aldeia — disse Nyarah, entretanto, Koetsu havia ouvido, estava na espreita desde que viu Shiori passar e, assim como Nyarah, teve a sensação de que tinha acontecido alguma coisa.
— Eu a acompanharei. – Disse Shiori.
— Obrigada. —Nyarah agradeceu e as duas foram em direção ao nicho dos dragões. Koetsu correu atrás e interrompeu a passagem das duas.
— Eu ouvi tudo. Temos de comunicar ao meu avô — sentenciou Koetsu desesperadamente.
— Não, Koetsu. — Nyarah se negava.
— Aquela aldeia é a vida de meu avô. — Koetsu falava seguramente.
— Mas nem todos sabem que seu avô está vivo. E não devemos avisá-lo de maneira inesperada, vamos poupar seu avô desse sofrimento.
— Por quanto tempo? Meu avô sofrerá cedo ou mais tarde.
— A maneira como as coisas são ditas pode ajudar ou atrapalhar. Vamos ter certeza e tentar descobrir por conta própria.
— Você ainda tem dúvida? Foi mestre Izuo!
— Meu avô? — Shiori questionou.
— Seu avô? — Koetsu não sabia que o avô da menina que estava apaixonado era justamente mestre Izuo. — Espere um momento, o avô de que você falava era mestre Izuo?
— Meu avô não faria isso. — Shiori não sabia do ataque da Aldeia Pinheiros e muito menos que ele fosse capaz de prejudicar alguma aldeia.
— Eu...eu...— Koetsu gaguejava incrédulo com a descoberta.
— Koetsu, venha conosco. — Nyara o chamava, tentando impedir que dissesse para mestre Hidetaka sobre a notícia inesperada.
— Eu não irei com vocês. — Perplexo com a descoberta e decepcionado, Koetsu ignorou Nyarah e Shiori, deixando a passagem livre para as duas seguirem. Shiori passou por ele e o fitou, mas cabisbaixo, Koetsu se negou a olhá-la.
Mestre Hidetaka continuava tomando o chá, mas nada se comparava ao seu chá costumeiro, que espantava qualquer mau agouro. Se ofereceu para fazer o chá de azaleia e sua habilidade fez com que o chá ficasse pronto em pouco tempo.
— Admita, você é o mestre do chá! — mestre Long elogiava-o.
— Mestre do chá de azaleia — corrigiu mestre Hidetaka
— Vô! — Koetsu subia as escadas da varanda. – Preciso falar com o senhor.
— Entre, Koetsu. Tome chá conosco — convidava mestre Long. — Não aguentou ficar na sessão de meditação?
— Eu tive de sair.
— Hoje, nós não participamos da meditação porque tínhamos muito o que conversar, mas, na verdade, meditamos em qualquer momento e lugar — disse mestre Long, sorrindo.
— O que houve Koetsu? — Mestre Hidetaka desconfiava do semblante preocupante de Koetsu.
— Eu não sei ordenar as palavras para se tornar mais agradáveis aos seus ouvidos, vovô — arriscou Koetsu ao falar sobre o assunto.
— Se o assunto não é agradável, não há como se tornar agradável, diga logo! — Mestre Hidetaka começava a se estressar com a demora de seu neto revelar o que o incomodava.
— Eu ouvi Shiori dizer para a mestra Nyarah que as cerejeiras de nossa aldeia sumiram. Todas. Não há plantação de cerejeira, nem vestígio das flores. E estamos na época de seu florescimento.
— Não!!! — Mestre Hidetaka derrubava a xícara no chão. — Koetsu!!! Não brinque comigo, meu filho. — Hidetaka apertava o peito, como se estivesse prestes a desmaiar. — Diga que isso é uma brincadeira para se vingar da minha mentira, eu sei que errei, meu neto.
— Não, vovô. Estou dizendo a verdade — confirmava com o semblante entristecido. — Todas as plantações de cerejeiras desapareceram.
— Boa tarde! — Mestre Izuo adentrava ao quarto de mestre Long pela porta do outro lado acompanhado de Mo-Li. — Mestre Hidetaka ou Hiroshi? — zombou com o tom sarcástico.
— Mestre Izuo? — Mestre Long havia o convidado, mas não esperava que depois de um conflito na muralha, apareceria como se nada tivesse acontecido.
— Ele justificou o ataque na muralha, não foi proposital, acabou se desencontrando com seus alunos. Então, permitimos sua entrada de acordo com o combinado. — Mo-Li se explicava.
— Perdoe, meu amigo, Long. Eu soube que meus alunos acabaram entrando em conflito com os seus, mas eu havia esquecido do convite e acabei os mandando para cá, porém eles foram desobedientes, mas Kotaro, o mais sensato, acalmou os ânimos dos mais rebeldes.
Hidetaka levantou seus olhos vagarosamente, mirando para Izuo, seus olhos adquiriram uma imagem sombria, levantava-se com a ajuda de Koetsu e Long.
— Desgraçado... — seu arfo dificultava sua voz. — Você destruiu minha aldeia!!!
Hidetaka avançou em mestre Izuo, derrubando-o.
— Está maluco?! Respeite-me! — Mestre Izuo gritava, tentando se desvencilhar de mestre Hidetaka, que não largava a gola de seu manto. — Eu me arrependi por ter atacado sua aldeia, solte-me!!!
Trêmulo, Hidetaka gaguejava desesperadamente, acusando mestre Izuo, que puxava suas mãos de cima de sua roupa de seda. Koetsu e Long conseguiram separar os dois.
— Por quê? Eliminar a natureza, prejudicar a aldeia dos outros não significa nada para você? Por que destruir aquilo que nossos ancestrais lutaram para preservar? Não foi um símbolo que você destruiu, mas uma parte de mim. — Mestre Hidetaka desabafava.
— Eu não sei do que está falando, velho caduco! — refutou mestre Izuo.
— Mestre Hidetaka teve a notícia de que as cerejeiras de sua aldeia foram exterminadas — explicou mestre Long.
— Eu não sabia disso. — Mestre Long ajeitava sua roupa amassada por mestre Hidetaka.
— Mentira!!! — Hidetaka discordava. — Você é um insano!
—Pode não ter sido ele, vovô — disse Koetsu.
— Koetsu, não defenda esse asco! — Mestre Hidetaka rugia e não desviava os olhos fuzilantes para mestre Izuo.
Mestre Long aconselhou mestre Izuo a se retirar e pediu desculpas pela recepção.
— Está bem. Saibam que eu não sou o responsável pelo desaparecimento de suas cerejeiras. — Mestre Izuo saiu urrando pelos corredores.
Desabado, ajoelhado, cabisbaixo, as lágrimas percorriam as laterais de seu nariz e atingia o chão. Koetsu abraçou seu avô, tentando o consolar.
— Não fique assim, meu avô.
Caído em seus braços, Koetsu detinha suas lágrimas para enxugar as de seu avô.
Mestre Long tentou evitar a saída de mestre Hidetaka, mas não havia conseguido, a teimosia de seu amigo o fez prosseguir viagem de volta à sua aldeia no mesmo dia da notícia.
Mestre Hidetaka saiu da Aldeia Dragões da Flecha sem seu dragão amarelo, presente que permaneceu aos cuidados de seu amigo, mestre Long.


Ao chegarem à Aldeia Cerejeira, mestre Hidetaka caiu ajoelhado e chorou com as mãos cravadas na terra, seus netos tentaram tirá-lo de lá, mas ele insistia em chorar e xingar mestre Izuo. Todos o assistiam e lamentavam o desaparecimento da riqueza que simbolizava aquela aldeia. As cerejeiras eram cultivadas pelos seus ancestrais e nunca se perdoaria pelo acontecimento destruidor de sua vida. Atsuo não aguentou presenciar o sofrimento do avô que gemia deitado sobre a terra.
— Vovô... — Atsuo enxugava as lágrimas. — Pare, vovô.
Passou um tempo até que mestre Hidetaka tomasse banho e se acalmasse com o chá quente preparado por Mestra Nyarah.
— Não é de azaleia. — Nyarah falava do chá verde.
— Obrigado. — Mestre Hidetaka tomou o chá e dormiu.
A noite voou para os corações aflitos que desejavam se esquecer do problema através do descanso do corpo e da mente, mas todo o problema não resolvido ainda existiria no dia seguinte.
Mestra Nyarah preparou a refeição matinal e avisou ao mestre Hidetaka sobre o grande evento que aconteceria na Aldeia Dragões da Flecha.
— Não estou bem para sair de minha casa — falou com a voz embargada pelo sono.
— Mestre, o senhor precisa caminhar — aconselhou mestra Nyarah.
— Minha vida, ou meu resto de vida? Caminhar? Eu vou perder a minha aldeia — lamentava mestre Hidetaka. — Vou dormir, mas se eu conseguir me levantar da cama, comparecerei na aldeia de meu amigo. Não há mais o que perder.


Capítulo IX – O reencontro
A centésima apresentação acontecia na Aldeia Dragões da Flecha. Os alunos da Aldeia Crisâtemo Amarelo foram a aldeia selecionada para se apresentar na abertura. Usavam uniformes amarelos com a flor estampada abaixo do ombro. Fizeram uma breve apresentação com arco e flecha.
Mestre Long caminhou pelo pátio e parou no centro para anunciar o evento anual da reunião entre as aldeias.
— Bem-vindos! Sinto-me honrado por....
Minoru o interrompeu correndo pelo palco e entregando mais folhas, quase caindo sobre ele.
—Perdoe, mestre, mas teremos mais participantes — avisava Minoru.
— Está bem, Minoru.
Minoru fez uma breve reverência e se afastou, deixando mestre Long se achar no discurso que havia escrito durante a semana inteira.
— Bem-vindos! Sinto-me honrado por...
— Já falou isso, mestre Long!!! — Atsuo gritava.
Mestre Long fez uma carranca para ele se voltou ao seu discurso.
— Bem-vindos à Aldeia Dragões da Flecha! Teremos mais participantes envolvidos na apresentação — anunciou Mestre Long, mas antes que pudesse prosseguir, surgiu os novos membros da Academia Ninjas da Flecha se aproximando. Usavam uniformes pretos montados a cavalo. Quando mestre Izuo reconheceu o símbolo no uniforme, ele se espantou e quase protestou, mas se conteve e calou de braços cruzados. Azibo veio ao seu encontro e se sentou ao seu lado.
—Não pense que a Academia Ninjas da Flecha continuará viva. Era para estar destruída há muito tempo — disse mestre Izuo sem encarar Azibo.
— Isso não era o desejo de mestre Zaci — retrucou Azibo.
— Você não era vivo quando Zaci faleceu, portanto não tem direito para decidir o futuro da academia — rebateu mestre Izuo, levantando-se sem conseguir olhar para Azibo. — Eu sou um dos herdeiros de Zaci e vou acabar com esta tolice da Academia Ninjas da Flecha continuar funcionando.
Do outro lado, um pouco distante de onde Izuo e Azibo discutiam, Chieko se sentou ao lado de mestre Hidetaka, que estava imóvel com sua presença, fazia tempo que os dois não conversavam. Mestre Hidetaka sempre gostou de Chieko, mas ela o desprezava e quando tomou coragem para expressar seus sentimentos, Chieko já estava de casamento marcado. Foram dias de sofrimento para Hidetaka, na época.
— Lamento pelo que aconteceu com suas cerejeiras — consolou-o, olhando para ele, que não desfocava do centro de apresentação.
— A apresentação de seus alunos foi admirável. Incrível a habilidade de alunos tão novos. — Mestre Hidetaka disse sem retribuir o olhar.
— Não seria diferente. Afinal, sou a mestra deles — brincou Chieko. — Estou aqui. Olhe para mim — continuou Chieko, olhando para mestre Hidetaka.
—Desculpe-me. — Ele virou-se para ela. — Eu não poderei ter a mesma satisfação, infelizmente, minha aldeia foi destruída e a culpa foi minha.
— Não diga isso, mestre Hidetaka. — Ela alisou seu ombro esquerdo. — Não sabemos quem fez isso, mas eu tenho certeza que esses momentos ruins vão passar. A tempestade passa, portanto seu sofrimento também passará.
— A senhora ainda tem dúvida de quem tenha feito aquilo comigo? — Mestre Hidetaka franziu a testa, estranhando a ingenuidade de Chieko. — Eu tenho certeza que foi mestre Izuo.
— Como sabe que foi ele? — Aquela pergunta afetou mestre Hidetaka como uma ofensa.
— Porque ele invadiu minha aldeia faz semanas! Isso já prova mesmo que ele negue.
— Não podemos julgar sem provas, mestre Hidetaka. Ele pode ser, mas também pode não ser o culpado. Ter invadido a aldeia é uma evidência contra ele, mas não prova no caso das cerejeiras.
Decepcionado, mestre Hidetaka se levantou impetuosamente.
— Como ousa defender aquele que incitou guerras contra sua aldeia?
— Eu só não quero ser injusta, mestre Hidetaka! Ele errou e continua errando, mas ainda não sabemos se foi ele. Minoru conversou com Izuo e está convencido de seu arrependimento em relação ao ataque à sua aldeia e eu também.
— Mestra Chieko, eu sempre a amei e aceitei ter perdido você, considerava-a como uma amiga, mas você está defendendo alguém que quis se tornar seu inimigo. — Mestre Hidetaka saiu furiosamente.
— Hidetaka! Você não me entendeu!!! — Chieko tentava chamar sua atenção, mas compreendia o sofrimento de Hidetaka, se estivesse na mesma situação, também reagiria daquela forma.
Para defender sua aldeia, ficaria contra todos.


Capítulo X – A decisão do passado
Safidi, membra da assembleia e prima do mestre Phomello, entrou trajada de um manto cor verde-escuro, com o turbante cor de violeta cobrindo totalmente os cabelos.
— Meus companheiros não conseguirão aparecer hoje, mas estou aqui para decidir o futuro da Academia Ninjas da Flecha — disse Safidi, sentando-se atrás da mesa longa dos assembleistas.
— Espero que não leve para o lado pessoal, senhora Safidi. — Mestre Izuo zombava.
Safidi sorriu sarcasticamente e concordou com mestre Izuo.
— Bem, pelo o que está escrito no testamento de meu tio, a academia foi herdada por mestre Izuo, mestre Hidetaka, mestre Xamã e mestre Phomello, portanto os quatro precisam entrar em acordo.
Mestre Hidetaka não compareceu à reunião e Azibo representava seu tio. Minoru havia entregue o papel com a assinatura de autorização da reabertura da Academia Ninjas da Flecha.
— Aqui está. Mestre Hidetaka e Mestre Phomello assinaram concordando com o funcionamento da academia, senhora — constatou.
— Senhora Safidi, por favor. — Azibo levantou-se, retirando uma folha enrolada de sua aljava e entregando à assembleísta Safidi.
— O que é isso, Azibo? — perguntou Safidi, desenrolando o pergaminho.
— Eu encontrei na biblioteca da academia — respondeu Azibo.
Safidi leu em voz alta o escrito. Safidi lia o último desejo de seu tio, pai do mestre Phomello: "Caso a decisão não seja a mesma entre os quatro, então a última palavra cairá para a Assembleia das Aldeias."
— Portanto, eu decidirei o que faremos com a Academia Ninjas da Flecha.
— Sozinha não! Onde estão os outros?! — mestre Izuo discordava.
— Os outros membros estão investigando o sumiço das cerejeiras de mestre Hidetaka. Já disse que hoje serei responsável por tudo, portanto me escute, mestre Izuo. Eu decido o que a maioria deseja: a Academia Ninjas da Flecha permanecerá em funcionamento.
— Isso é vingança contra mim, não é, Safidi? — mestre Izuo saía bufando da sala da assembleia, quase se debatendo com Azibo, que estava em júbilo junto com mestre Xamã.

Mestre Hidetaka preferiu não comparecer, não queria se encontrar com mestre Izuo por conta dos acontecimentos anteriores.
Mais de cinco décadas se passaram desde que saiu da Academia Ninjas da Flecha com trinta e cinco anos. Colocar os pés descalços novamente naquela relva fria lhe trazia lembranças. A tristeza do presente era esquecida por algum tempo e reconfortada pela saudosa juventude em que aprendia a montar a cavalo ao lado de seus companheiros.
Mestre Hidetaka foi ao estábulo, acariciou e escolheu um dos cavalos. Há muito tempo não montava.
Galopou pelo campo aberto, passou pela frente da Academia Ninjas da Flecha, é como se ele tivesse sugado toda a história que viveu naquele lugar. Fechou os olhos e o cavalo seguiu contra o ar frio que aliviava a dor da saudade.
Entretanto, foi surpreendido pela cortada de mestre Izuo, que também montava a cavalo.
Mestre Izuo estimulou o cavalo a acelerar e rodear mestre Hidetaka. O outro cavalo se assustou e ergueu as dianteiras, mas mestre Hidetaka conseguiu acalmá-lo, entretanto mestre Izuo perturbava a paz do seu cavalo e o obrigava a fazer cortadas em mestre Hidetaka. Acabou desequilibrando-se e caindo.
— Ai! — gritou.
— Izuo! — Mestre Hidetaka apeou do cavalo e o acorreu.
— Consegue se levantar? — perguntou mestre Hidetaka.
— Saia daqui! Não preciso de você! — Mestre Izuo vociferou.
Mestre Izuo se recusava a receber ajuda de mestre Hidetaka.
Em seguida, Azibo apareceu correndo ao encontro dos dois, mestre Hidetaka levava mestre Izuo com dificuldade amparado em seus ombros.
— O que aconteceu? — Azibo o ajudava a levar mestre Izuo.
— Ele caiu do cavalo — informou mestre Hidetaka.
— Eu estou bem. — Mestre Izuo, mesmo sentindo dor, não cedia ao orgulho e tentava se soltar de mestre Hidetaka.
— Vamos, mestre, iremos cuidar do senhor — disse Azibo, ajudando mestre Hidetaka a levar mestre Izuo para dentro da academia.
— Você me chamou de mestre, Azibo? — indagou mestre Izuo com um sorriso.
— Sempre será meu mestre apesar de eu discordar do senhor em muitas condutas — confirmou Azibo.
Mestre Izuo se soltou de mestre Hidetaka e abraçou firmemente Azibo, afagou seus cabelos crespos e volumosos.
Contraiu os lábios e se segurou para não chorar; mestre Izuo tinha apreço por ele, não só porque foi seu aluno, mas porque era sobrinho de Safidi, seu amor de juventude e pensou consigo mesmo por alguns instantes se seria diferente, caso tivesse lutado pelo amor dela.

Capítulo XI – O ressurgimento
Mestre Long havia convidado mestre Hidetaka a ficar hospedado junto com seus netos em sua aldeia; mestre Hidetaka aceitou, pois não aguentava acordar às manhãs e saber que a próxima primavera seria vazia e triste.
Antes de partir para passar um tempo na Aldeia Dragões da Flecha, mestra Chieko apareceu acompanhada de mestre Long e mestre Phomello, os três traziam vasos com mudas de cerejeira.
— Lembra quando nos presenteou estas cerejeiras? Não estamos devolvendo o presente, mas estamos agradecendo por nos presentear com o seu maior tesouro, mestre Hidetaka — disse Chieko, colocando o vaso sobre o solo.
Aquela cena emocionava mestre Hidetaka, que não segurava as lágrimas.
— Eu agradeço incansavelmente por isso. Obrigado, meus amigos. — Mestre Hidetaka ajoelhou-se e fez uma reverência aos três que também se ajoelharam e escavaram a terra para ajudar a cultivar as plantações de cerejeiras.
Mestre Hidetaka e mestra Chieko deram-se as mãos sujas de terra.
— Obrigado, Chieko.
Em tempos pacíficos, prósperos para alianças entre aldeias, mestre Hidetaka escrevia mensagens para Chieko antes dela se casar e construir sua família; Chieko nunca correspondeu à afeição de mestre Hidetaka. Hoje os dois são bons amigos, entretanto Chieko estava decidida a retribuir o carinho de Hidetaka.

Capítulo XII – Viagem à Flor de Lótus.
Atsuo andava pela Aldeia Dragões da Flecha à procura de alguém para brincar, mas só encontrava dragões sendo treinados pelos alunos de mestre Long. Atsuo perambulava sem rumo, apenas aguardava o horário do almoço para preencher o vazio da barriga, que roncava. Olhou para cima em direção à torre, viu Mo-Li subir as escadas para adentrar a janela retangular. Curioso, Atsuo quis saber o que tinha dentro daquela torre, porém aguardou a saída de Mo-Li. Assim que ela desceu da comprida escada fixada à torre, Atsuo ouviu o sino avisando sobre o horário do almoço e aguardou que todos entrassem, principalmente, Mo-Li.
Atsuo subiu as escadas cautelosamente, porque subir cada degrau era um momento de sufoco. Seus olhos evitavam olhar para baixo. Quando alcançou a janela, avistou um enorme ovo se chocando. Atsuo quase se desequilibrou ao presenciar aquele episódio que deu origem a um dragão dourado de dois metros e meio de comprimento.
Atsuo entrou cautelosamente, colocando uma das pernas para dentro. Agarrado à parede e com medo daquele ser que brilhava e assustava com o barulho que fazia. O dragão se aproximou e se inclinou, encostando-se na barriga de Atsuo.
— Oi, amiguinho. — Atsuo acariciava o bebê dragão com receio de ser mordido ou esmagado por aquele animal com alguns segundos de vida, mas fisicamente capaz de destroçá-lo. Os dois se tornaram amigos e o dragão colocou a cabeça para fora da janela, Atsuo tentou puxá-lo para dentro, mas o bicho se inclinou tanto que Atsuo teve de abraçá-lo. O dragão voou para fora da torre, seu voo ainda vacilava.
Atsuo fechou os olhos e se agarrou ao seu pescoço. Mo-Li os viu sobrevoar. Ela gritava e corria, mas sabia que seria impossível alcançá-los. O pequeno dragão dourado, além de possuir fraca capacidade de voar, quando nasce segue o paradeiro da mãe, porque sua mãe havia sido levada para a Aldeia Flor de Lótus há dois dias. O cheiro dela atrai seus filhotes. E somente na Aldeia Dragões da Flecha, os ovos devem ser preservados antes de nascerem, nenhum outro lugar é capaz de contribuir com o nascimento dos dragões chineses.
O pequeno dragão dourado aterrissou perto de sua mãe, que era três vezes maior. Atsuo desceu vagarosamente para não ser visto pela sua mãe que acariciava seu rebento com a enorme língua pontuda e áspera. Olhou ao seu redor e desconheceu o lugar. Estava fora da Aldeia Dragões da Flecha, mas se encontrava em outra aldeia nunca visitada por ele antes. Viu pessoas com vestimentas claras praticando tai-chi-chuan; movimentos feitos lentamente, seguindo a música instrumental suave, cada praticante usava um leque vermelho. Atsuo passou entre os praticantes, atrapalhando-os. O garoto era o mais perceptível, pois era o único que usava uma vestimenta preta. Um guardião se aproximava e avistou o garoto, curioso, foi atrás dele, mas o menino já subia os degraus da entrada do palácio, uma edificação gigantesca; na tapeçaria da entrada, muitas imagens de flor-de-lótus, além das sentinelas com o emblema da flor de lótus estampada em suas vestimentas brancas com detalhes dourados. Nenhum deles se incomodou com a entrada do garoto, que trajava um uniforme diferente. Atsuo subiu as escadas do lado direito e percorreu o longínquo corredor, parou diante de uma sala aberta, admirou-se com a imensa flor de lótus de cristal na sua frente. A flor rosada cintilava diante de seus olhos.
— Garoto, quem é você? — Zheng, o guardião que o seguia, surpreendeu Atsuo que se virou assustado com a voz grave daquele guardião.
— Sou Atsuo. Vim da Aldeia Cerejeira — disse rapidamente.
— Não lhe ensinaram a pedir autorização para entrar em lugares desconhecidos?
— Desculpas.
Atsuo saiu amedrontado, mas sua vontade era espionar além da flor de cristal maior que ele.
— Não se deve entrar na sala sagrada. — Zheng trancava-a.
Atsuo pediu desculpas e foi conduzido para a saída da aldeia, mas o garoto saiu correndo.
— Volte aqui, moleque!
Atsuo correu até onde uma moça colhia lichias de uma árvore. Ela cantarolava enquanto pegava uma fruta de cada vez e colocava na vasilha.
— Me dá uma? — Atsuo pedia à moça.
— Quem é você? — Ela perguntou.
— Sou Atsuo. Vim da Aldeia Cerejeira. E você?
—Meu nome é Sya.
Ela ofereceu a vasilha a Atsuo.
— O que faz aqui? — Ela lhe perguntou.
— Vim voando sobre um dragão, mas, na verdade, estou fugindo de um homem assustador.
Em seguida, Zheng aparece gritando pelo nome de Atsuo.
— Aquele ali? É só o Zheng.
O garoto tentou se esconder atrás de Sya.
— Sya, esse moleque folgado entrou na sala sagrada sem autorização, vim expulsá-lo da aldeia.
Sya empurrou Atsuo em sentido contrário ao de Zheng.
— Garoto...fuja!!!
— Sya, sua traidora! — Zheng se desvencilhou dela e correu no encalço de Atsuo, que virou à esquerda. Atsuo entrou no que seria um bom esconderijo por algum tempo, numa sala pequena com inúmeros livros empilhados e enfileirados numa estante de madeira. Escondeu-se atrás da pilha e ficou lá o resto do dia.
De repente, a porta se abriu e Atsuo se levantou repentinamente assustado ao ser descoberto por um garoto uniformizado com os olhos espantados ao vê-lo.
— Quem é você? — Atsuo indagou-o.
— Sou eu que pergunto quem é você, seu invasor! — Chang rebateu.
— Eu sou Atsuo. Vim da Aldeia Cerejeira — respondeu. — Eu vim através de um dragão.
— Eu vi quando você fugia de Zheng. Ele está furioso, porque você entrou na sala sagrada.
— O que significa aquela sala?
— Não sei. Um dia, tentei entrar, mas fui pego antes que pudesse descobrir. Agora, por sua culpa, estou me escondendo de Zheng. — Chang, irritado, cruzava os braços.
— O lugar está meio empoeirado — reclamava Atsuo, retirando um pouco de poeira em seu dedo indicador.
— Atchim! — Chang espirrava. — Eu fiz de tudo para Zheng não cismar comigo e agora chega você. — Chang não desfazia sua expressão de irritabilidade com o novo visitante.
— Precisamos da ajuda de Sya — sugeriu Atsuo.
— Você a conhece? — perguntou Chang, surpreso.
— Sim. Ela me deu lichias.
— Vou sair para procurar Sya, fique aí — alertou Chang.
— Não! Zheng vai pegá-lo!
— Fique quieto, Atsuo! — Chang saiu cautelosamente, arrastando-se pela parede. Voltou-se para trás e se assustou ao ver Atsuo fora do esconderijo.
—Atsuo! Eu mandei você ficar no esconderijo!
— Você não manda em nada! — retrucou Atsuo.
De repente, Sya saiu do palácio, Chang tentou chamar sua atenção discretamente, Atsuo assobiava e Chang tentava calar sua boca, até que os dois começaram a brigar, um empurrava o outro e essa cena fez com que Sya visse os dois.
— Parem! Vocês estão loucos!
— Sya! — Os dois exclamaram em uníssono.
— Estamos fugindo de Zheng. Ajude-nos — suplicou Atsuo.
— Não poderei voltar ao dormitório. Estamos escondidos naquela biblioteca velha que fica nos fundos do jardim — explicou Chang.
— Por enquanto, vocês terão de permanecer lá. Eu levarei comida.
— Mas está muito sujo — constatou Atsuo, emburrado.
— Levarei o necessário para vocês fazerem a limpeza.
— Nós iremos limpar aquela sujeira? — questionou Chang, emburrado, cruzando os braços.
— Bem, vocês irão dormir lá.
Zheng entrou no palácio acompanhado pela mestra Jia-Li. Sya se escondeu juntos com os dois garotos.
— Voltem para a biblioteca, agora! — Sya ordenou.
Os dois obedeceram e correram para dentro da biblioteca.
Mestra Jia-Li ordenou Zheng monitorar os preparativos festivos. Ela receberia todos os mestres e seus alunos.
— Não deixe nada para depois. Iremos receber os ilustres mestres de todas as aldeias — disse mestra Jia-Li, caminhando ao redor do pátio, acompanhado por Zheng.
— Não se preocupe, mestra — disse Zheng, olhando para ao seu redor, tentando encontrar Atsuo.
— Algum problema? — Mestra Jia-Li não entendeu a inquietação de Zheng.
— Nada, mestra. Irei cuidar dos preparativos da festa como a senhora ordenou. — Afastou-se dela com uma reverência e ao avistar Sya entrando no palácio com muita pressa, correu para alcançá-la. Quando Sya já subia as escadas para o segundo andar, Zheng gritou pelo seu nome.
— O que deseja, Zheng? – Ela tentou disfarçar a pressa.
— Por que corre? Está impaciente com algo?
— Não. Eu lembrei que tinha algumas tarefas pendentes.
— Se estiver ajudando aquele menino a se esconder em algum lugar, serei obrigado a comunicar à mestra Jia-Li.
— Eu nem o vi mais.
Zheng a deixou ir, mas não se convenceu, acreditava que para chegar ao menino, deveria prestar atenção em Sya.

Capítulo XIII – A recepção
Os primeiros a chegarem, foram mestre Long e mestre Hidetaka, acompanhados por Azibo, mestra Nyarah e os netos de Hidetaka.
— Sejam bem-vindos! — recepcionava mestra Jia-Li, de abraços abertos, com um sorriso vermelho, rosto clareado pelo pó-de-arroz, além dos cabelos escuros presos por uma presilha em forma de leque vermelho.
— Obrigado. Meus alunos chegarão em seguida, é um prazer estar aqui — agradecia mestre Long.
— Eu agradeço por acolher meu neto — agradeceu mestre Hidetaka.
— Neto? Que neto? — Mestra Jia-Li questionava, olhando para Zheng.
— Meu neto caçula veio parar aqui através de um dragão. Seu nome é Atsuo.
— É o moleque que eu estou perseguindo desde manhã. — Zheng sussurrou para mestra Jia-Li.
— Por favor, chame-o para mim. Terei de levá-lo de volta — pediu mestre Hidetaka.
Mestra Jia-Li e Zheng se entreolharam.
— Lamento, senhor. O menino ainda pode estar em nossa aldeia, mas ele está escondido, ainda não consegui encontrá-lo — disse Zheng.
— Meu neto? Por favor, encontre-o. — Hidetaka se desesperava e era amparado por Azibo e Nyarah.
Mestra Jia-Li acusava Zheng com o olhar fumegante.
— Acalme-se, mestre Hidetaka. — Mestra Jia-Li tentava acalmá-lo.
—Zheng, encontre Atsuo imediatamente! — ordenava mestra Jia-Li.
Zheng fez uma breve reverência e se retirou.
— Será que meu neto caiu do dragão? — mestre Hidetaka receava.
— Claro que não. Não viu que Zheng disse que ele ainda estava na aldeia? Acalme-se, mestre — retorquiu Mestra Jia-Li.
Atrás do corrimão da escada, Atsuo sentia vontade de pular todos os degraus, e correr pelo pátio, e correr aos seus braços, e pedir desculpas por fazê-lo passar mal diante de todos.
Mas queria permanecer na Aldeia Flor de Lótus por mais tempo até descobrir o segredo da sala sagrada.
— Seu avô passou mal — informou Chang.
— Eu sei. Não quero que nada aconteça com meu avô, mas eu quero ficar aqui.
— Então, vamos aproveitar e entrar naquela sala, mas com muito cuidado. — Chang se referia ao Zheng, que estava procurando pelos dois.
Os dois terminaram de subir os degraus para dentro do palácio e entraram furtivamente, pressionados pelo medo de serem vistos por Zheng, que já não se encontrava mais ao lado de mestra Jia-Li. Deslizaram pelo piso escorregadio e pararam diante da porta sagrada, debatendo-se um no outro.
— Que sorte! Agora está trancada! — verificou Chang, reclamando e querendo arrancar a maçaneta do lugar.
—Vamos embora, antes que Zheng apareça — aconselhou Atsuo.
— Lembrei! Mestra Jia-Li odeia trancar as portas e eu a ouvi dizer que guarda todas as chaves em seu quarto.
Os dois foram para o quarto de mestra Jia-Li, localizado no mesmo andar; como Chang suspeitava, a porta não estava trancada, pois mestra Jia-Li se esquecia.
Entraram no quarto exuberante e preenchido por itens dourados.
Vasculharam todos os pertences de mestra Jia-Li, quase derrubaram uma flor de lótus de cristal na penteadeira. Cansado de procurar e não encontrar, Atsuo se jogou na cama, esticando os braços e pernas, sentindo-se nas nuvens.
— Que cama macia! — exclamou Atsuo, deixando Chang procurando pela chave.
De repente, a porta se abriu, Atsuo ficou estático e Chang se jogou para debaixo da cama.
— Rasul? — Chang colocou a cabeça para fora.
— Eu vi vocês entrando aqui — disse Rasul, neto de mestre Phomello, irmão de Zaila, de Zena e primo de Azibo.
— Eu já vi você — apontou Atsuo para Rasul. — Foi na Academia Ninjas da Flecha.
— Eu também lembro de você.
— Feche a porta e nos ajude a achar a chave — ordenou Atsuo.
— Para quê? — Rasul perguntou, desconfiado.
— É uma longa história. Depois falaremos — disse Chang, arrastando-se pelo chão, saindo debaixo da cama.
Rasul procurou em um dos pilares da cama e encontrou a chave em uma das extremidades com formato de flor de lótus.
— Encontrei! — gritou Rasul, animado.
— Quieto! Quer que descubram que estamos aqui? — repreendeu Atsuo, baixando a voz para transformá-la em sussurros.
Os três se esconderam ao perceberem a aproximação de alguém. Chang ficou debaixo da cama novamente; Atsuo entrou no armário de madeira; Rasul, atrás da porta, fingiu-se de estátua, estando mais desprotegido do que os outros. Rasul tampou a boca com medo de que a pessoa que entrasse, pudesse perceber sua presença.
Mio entrou e fechou a porta, deparando-se com Rasul.
— O que faz aqui, Rasul?
— Oi, Mio.
Atsuo saiu do armário e Chang colocou a cabeça para fora da cama.
— Mio?! — questionou Atsuo.
— Mestra Jia-Li pediu para que eu aguardasse ela em seu aposento e Sya me guiou até aqui. E vocês?
Os três se entreolharam e não sabiam o que dizer, mas precisavam sair dali imediatamente, pois mestra Jia-Li chegaria em pouco tempo.
— O meu gatinho sumiu — inventou Chang. — E acho que ele entrou aqui.
— Entendi.
— Mio, estou chegando, tenho uma surpresa para você. — Ao ouvirem a voz de Jia-Li se aproximando, os três se esconderam, desta vez, os três pularam para debaixo da cama. Mio tentou disfarçar quando Jia-Li entrou.
— Oi, mestra.Jia-Li.
— Gostou de meu quarto?
— Sim. — A menina sorriu aparentando incômodo e as mãos trêmulas.
— Está bem? — Jia-Li desconfiou.
— Sim.
Mestra Jia-Li foi à penteadeira e pegou uma caixinha aveludada de sua gaveta e entregou à menina.
— Nyarah quando criança gostava de flores e quando viu a minha coleção de flores de cristais, ficou encantada. Eu a presentei com uma flor de lótus de cristal incolor. Seu avô me disse que você também é apaixonada por flores, então eu quero que aceite meu presente.
Mio pegou a caixinha e a abriu. Havia uma flor de cristal transparente rosa.
— Obrigada, mestra.
As duas saíram do quarto e ao verem a porta sendo fechada, os três conseguiram respirar aliviados. Aguardaram alguns instantes, Rasul abriu a porta e colocou a cabeça para fora e olhou de um lado a outro.
— Corredor vazio! — avisou. Todos saíram e correram para o outro lado e andaram em frente até chegarem diante da sala sagrada.
Atsuo colocou a chave na fechadura e virou, todos entraram um por um na imensa sala vazia com uma enorme flor de lótus de cristal no centro. Ela ultrapassava três metros de altura e de largura.
Atsuo foi até a flor de cristal, passou entre as pétalas inclinadas, e conseguiu retirar a corrente prateada com pingente em forma de flecha do centro da flor.
— O que é isso? — perguntou Chang.
— Não sei. —Atsuo respondeu, avaliando o pingente em forma de flecha.
— Vamos embora — aconselhou Rasul.
— Não tem nada de mais nessa sala para tanta preocupação — concluiu Chang
— Tudo tem significado, mas sua explicação está em outro lugar. Não sabemos de muita coisa, você nasceu e cresceu aqui, mas deve saber pouco sobre a aldeia e seu passado — explicou Rasul. — Por isso, toda a academia possui um livro com registros históricos e são bem guardados, somente pessoas autorizadas podem lê-lo.
— Como sabe disso, Rasul? — Atsuo quis saber.
— Porque eu ouvi a conversa entre meu avô e mestra Jia-Li e não faz muito tempo. Estávamos na Academia Ninjas da Flecha, ela entrou esbaforida, escondendo o espesso livro sob suas vestes.
Mestre Phomello havia combinado com mestra Jia-Li que se encontrariam na Academia Ninjas da Flecha, pois era mais seguro quando ninguém sabia de seu funcionamento.
— Perdoe-me entrar desta forma, mestre Phomello.
— Não se preocupe, Jia-Li. Entre.
Ela colocou seu livro sobre a escrivaninha e implorou para que fosse imediatamente escondido.
— Mas o livro pertence à aldeia e deve ser guardada em seu devido lugar.
— Quando não corre risco, mestre Phomello.
— Do que está falando, Jia-Li?
— Zheng, filho de Li-Seng está contra mim. Eu descobri que ele mantém contato com seu tio, Li-Wei. Ele pede para que Zheng conte tudo sobre os acontecimentos da aldeia e ache imediatamente o livro de registros. Por isso, estou desesperada. Eu consegui interceptar as últimas mensagens. Zheng deve continuar acreditando que eu não sei de nada, para isso, preciso estar tranquila quanto a segurança deste livro.
— Aqui estará seguro, mestra Jia-Li.
— Obrigada, mestre Phomello.
Rasul ouvia a conversa atrás da porta antes de praticar capoeira.
— E foi o que ouvi.
— Zheng é um traidor — disse Chang, indignado.
— O que vamos fazer? — perguntou Atsuo.
— Antes de mais nada, sair daqui — aconselhou Rasul.
Atsuo abriu vagarosamente a porta e verificou se era seguro sair, mas viu seu irmão conversando com Shiori.
— Eu agradeço por avisar sobre minha aldeia — disse Koetsu a Shiori.
— Não queria noticiar aquilo a você.
— Eu sei.
— Koetsu, eu quero dizer que meu avô não é culpado pelo o que aconteceu com sua aldeia.
— Não sei se devo acreditar. Estou tão confuso, não é fácil presenciar o sofrimento de meu avô. — Koetsu se virou de costas para Shiori.
— Koetsu? — A voz de Shiori era suave e, seus olhos lacrimejados, implorava a permanência dele.
Koetsu parou e se virou de volta para encarar Shiori.
— Sinto muito, Shiori. Seu avô é inimigo de meu avô. — E saiu sem deixá-la se defender.
Atsuo se comoveu com a tristeza de Shiori, aproximou-se dela e a abraçou.
— Não se importe com meu irmão. Não chore, moça linda.
Shiori sorriu para o menino.
Atsuo saiu correndo ao lado de Chang e Rasul.


Os leques mudavam de cor, conforme os movimentos dos anfitriões. A finalização da apresentação se deu com flechas lançadas contra os alvos dispersos entorno do palco. Zheng se sentou ao lado de Jia-Li na plateia.
— E o garoto?
— Nada.
— E Chang?
— Nada.
Jia-Li viu Rasul se sentar ao lado de seu avô, mestre Phomello. O menino parecia nervoso, mas não o suficiente que trouxesse suspeitas.
Ryu, neto de oito anos de mestra Chieko, não parava de incomodá-la, abraçado com a avó, não queria se soltar dela.
— Garoto, me largue! Vá procurar alguém da sua idade para brincar!
— Eu não conheço ninguém!
— Se continuar sentado aqui, não vai conhecer ninguém mesmo!
O menino se levantou emburrado e mestre Hidetaka aproveitou para ocupar o lugar vazio deixado por ele.
— Está gostando da festa?
— Vou gostar mais quando servirem algo para comer, eu vi a mesa, está com comidas que representam cada uma de nossas aldeias.
— Me perdoe por tê-la destratado, Chieko.
— No seu lugar, eu nem pediria desculpa. Eu entendo que sua dor não era compreensível.
—Eu sempre amei você, Chieko.
— Eu sei disso. Eu sei o quanto me defendeu e o quanto eu o desprezei. E o que eu não senti no passado, agora sinto no presente.
Chieko pegou a mão de mestre Hidetaka e a apertou.
Ryu foi ao fundo dos jardins e ouviu vozes, aproximou-se conforme as vozes aumentavam e tomavam formas, deparou-se com Atsuo e Chang jogando “go”, um jogo de tabuleiro.
— Quem são vocês?
— Quem é você? — perguntou Chang, estranhando o menino.
— Sou Ryu, neto de Chieko, mestra representante da Aldeia Crisântemo Amarelo.
— A namorada do meu avô — disse Atsuo, rindo.
— O quê?!
— Nada. Quer brincar?
— Sim.
Mestra Jia-Li autorizou a todos se servirem na longa mesa iluminada por minúsculas lanternas-chinesas coloridas, que rodeavam ao redor da mesa. Disfarçadamente, Ryu levou as comidas para Chang e Atsuo.
— Vocês ainda não me disseram o motivo de estarem escondidos aqui. — Ryu ainda não sabia o que eles faziam sozinhos na biblioteca, iluminada por uma lamparina.
— Queremos descobrir o que é isto. — Atsuo mostrava a corrente.
Ryu olhou e não entendeu, mas deixou para lá, então os três começaram a comer.
Chieko encontrou seu neto no jardim dos fundos quando o procurava para jantar. Ele estava sentado atrás da estátua do avô de mestra Jia-Li, virado para a esquerda com as pernas esticadas, segurando uma vasilha, como se estivesse conversando com outras pessoas do outro lado ocultado pela parede.
— O que faz aí, menino? — perguntou aliviada ao encontrar seu neto.
Ryu se levantou rapidamente.
— Estava comendo sozinho, vovó.
— Vamos comer, todos estão reunidos.
— Sim. — Ryu olhou para o lado, viu Chang e Atsuo fazendo gestos para ele permanecer calado.
Ryu correu para próximo de sua avó, pegou sua mão e a seguiu para a mesa.
Mestre Hidetaka insistia em ver Atsuo e estava cansado das delongas de mestra Jia-Li. Não acreditava em suas desculpas.
— Por favor, chame meu neto.
— Mestre Hidetaka, ele deve estar na presença de outras crianças da aldeia, brincando e escondido.
A festa chegava ao fim e Zheng não trazia boas notícias a Jia-Li.
— Não o encontrei — disse preocupando ainda mais Jia-Li.
— Terei de dizer a ele, mas não sei como farei isso.
De repente, Chang apareceu, cumprimentou todos e parou diante de mestre Hidetaka.
— Mestre Hidetaka, o Atsuo mandou dizer que quer ficar mais alguns dias aqui.
— Onde está meu neto? Quero vê-lo e dar-lhe uma surra pela falta de educação.
— Ele não veio e eu não direi onde está escondido, pois ele teme que o senhor o arraste à força.
— E é o que farei, traga-o imediatamente!
— Não, senhor. Atsuo é meu amigo e eu não irei dizer.
— Mestre Hidetaka, não se aborreça com essas crianças. Nossa aldeia é segura e seu neto está em ótimas mãos. Deixe-o mais tempo conosco, aqui ele aprenderá tai-chi-chuan. — Jia-Li tentava acalmá-lo.
— Está bem. Somente alguns dias. E se eu morrer antes, a culpa será dele, diga isso a ele, garoto. — Mestre Hidetaka disse a contragosto, em aceitar sair sem ver Atsuo.
Foi a vez de mestre Long se despedir antes que mestre Hidetaka se distanciasse sem ele.
— Que noite adorável, Jia-Li.
— Obrigada.
— Não se importe com o carrancudo de mestre Hidetaka.
Jia-Li riu.
—Boa noite, querida. — Mestre Long beijou suas mãos.
— Até mais.
Os dois sorriram um para o outro e mestre Long se afastou; mestre Phomello foi o próximo a se despedir.
— Obrigado pela festa.
— Eu que agradeço a presença de vocês — disse mestra Jia-Li sorrindo cordialmente, depois olhou para os lados e sussurrou:
— Meu livro está seguro?
—A Academia Ninjas da Flecha não é mais um lugar seguro. Mestre Izuo descobriu seu funcionamento e agora não sai de lá. Vasculhou tudo, principalmente, no escritório. Tive de levar seu livro à minha aldeia.
— Obrigada, mestre Phomello.
— Não se preocupe, estou cuidando dele.
— Não quero que Li-Wei ou pessoas mal-intencionadas conheçam o histórico, a estrutura, segredos de minha aldeia.
— Entendo.
— Oi, mestra Jia-Li. Obrigada pelo convite. — Zaila, a neta mais velha de mestre Phomello, surgiu.
— Eu agradeço a presença de vocês.
— Vamos, vovô?
— Vamos. Até mais, Jia-Li.
— Boa viagem.
Jia-Li acenou para seus convidados que rumavam em direção à saída da aldeia. Jia-Li viu Zheng chacoalhando Chang pelos braços.
— Onde está Atsuo? — Jia-Li questionou ao garoto.
— Não posso dizer, mestra. — O garoto aguentava firme os chacoalhos.
—Menino, tenha respeito com nossa mestra. — Zheng o chacoalhava mais ainda.
—Será que é eu que falto com respeito? – Chang rebateu.
Zheng não entendia a indireta do garoto.
— Deixe-o, Zheng. Sabemos que aquele moleque está aqui. Ninguém dormirá enquanto aquele menino não for encontrado, cada metro quadrado dentro dos limites de minha aldeia deverá ser averiguado.
— Não precisa fazer isso, mestra. Eu digo à senhora, mas não fique brava comigo. — Chang estava decidido a falar sobre o esconderijo de Atsuo. — Ele está na biblioteca dos fundos do jardim.
— Está bem. Cuide dele, Chang. E diga a ele que decida o dia que pretende ir embora daqui, pois Zheng o levará à sua aldeia.
— Sim, senhora. — O menino saiu massageando os seus braços, que foram apertados por Zheng.
Jia-Li entrou em seu palácio e se deparou com Sya.
— Boa noite, mestra.
Zheng a olhou furiosamente enquanto ela saía do palácio, carregando uma cesta coberta por um pano.
A cesta continha o que havia sobrado da festa, levava para Atsuo e Chango, mas estes já dormiam.




Capítulo XIV — O reino da Folha Dourada
Ao amanhecer, Chang acordou antes de todos e saiu do esconderijo, aproveitando para visitar o local onde os dragões ficavam.
Acariciou cada um dos filhotes e um, em especial, acabou chamando sua atenção.Branco e colosso, o filhote lambia o rosto de Chang até lhe fazer cócegas.
— Pare! Há-há! – Chang empurrava a cabeça do dragão para o lado.
Chang teve uma ideia em voar, então correu apressadamente para acordar Atsuo, que ainda babava sobre a esteira de palha para dormir.
— Acorda, Atsuo. — Chang chamava Atsuo aos sussurros para que ninguém pudesse ouvi-lo. Temia que Zheng estivesse acordado e pronto para flagrá-los.
— O que é?! — Atsuo coçava os olhos. — Estou com sono.
— Vamos voar?
— Voar? Ah, não! — Atsuo se lembrou das experiências que teve ao desafiar alturas. – Não!
— Então, está bem. Irei voar sozinho e se prepare para enfrentar Zheng e ser expulso daqui sem viver uma aventura emocionante.
Atsuo foi convencido e seguiu Chang até o dragão branco que os aguardava.

O desaparecimento de Atsuo não chegou aos ouvidos de mestre Hidetaka, pois mestra Jia-Li evitou que a notícia se espalhasse, sentia-se culpada por não ter protegido o menino, porém só soube de sua presença na festa.
— Eu tentei poupá-la de problemas, mestra — justificava Zheng.
— Entendo, mas o garoto é neto de mestre Hidetaka. Agora, sinto-me responsável pela integridade desse menino — disse mestra Jia-Li. — E o Chang também sumiu para piorar nossas vidas.
— Eu não devia ter sido rude com ele. — Zheng lamentava em ter perseguido Atsuo.
— Desculpas, Zheng. — Sya entristeceu-se com o sumiço de Atsuo e Chang. Sya não encontrou os meninos quando foi acordar os meninos, mas eles já não estavam mais lá.
— Eu não deveria ter exigido a saída dele. — Zheng se culpava.
— A procura não deve estar limitada a nossa aldeia. Atsuo pode ter saído. —Sya concluía.
— Mas os guardiões responsáveis pela entrada e saída não o viram. — Zheng refutou.
— Mas há outra maneira de sair? — Sya indagou insistindo.
Zheng demorou alguns instantes para responder, porém compreendia o que Sya dizia. Atsuo poderia ter saído com ajuda de um dragão. Na Aldeia Flor de Lótus havia cinco dragões, então correu até onde eles vivam, Sya o acompanhou.
Os dragões eram livres para sobrevoar, treinados e doados pela Aldeia Dragões da Flecha; mestra Jia-Ling havia pedido para que a moradia fosse propícia aos novos moradores da aldeia. Quando mestre Long veio presenteá-la, deparou-se com o pedido de casamento de Dong, ex-general do reino da Folha Dourada comandado por Li-Wei, para Jia-Li. Nesse dia, mestre Long perdeu a oportunidade de reconquistá-la, entregou os dragões ao Zheng e saiu sem se despedir ou receber algum convite de gratidão.
Ela se indignou com o desprimor de mestre Long, exigiu sua presença e o treinamento necessário aos seus alunos. Quando ele emergiu novamente diante de seus olhos, ela foi ao seu encontro com um sorriso largo e braços abertos, mas ele a rejeitou, perguntou sobre o dia de seu casório e mestra Jia-Li achando aquilo engraçado, deu um tapa leve no braço dele e lhe trouxe a esperança ao dizer que havia negado o pedido de Dong.
— Pensei que você tivesse aceitado Dong, afinal seus olhos brilharam e eu não tive coragem de ouvir uma resposta positiva vinda de você — confessou mestre Long, envergonhado.
Mestra Jia-Li percebeu o distanciamento de mestre Long, aproximou-se e segurou seu queixo, deu-lhe um breve beijo em seus lábios.
— Eu o amo, Long.
No passado, ambos tomaram rumos diferentes durante suas vidas, mas se cruzaram novamente. Havia mais de quatro meses que os dois decidiram dar uma chance ao coração.
Mestre Long recepcionava mestre Hidetaka em sua aldeia, portanto demorava ir ao encontro de mestra Jia-Li naqueles dias do desaparecimento de Atsuo.
Alguém interrompeu seus pensamentos batendo em sua porta, ela estava deitada em sua cama e tentava descansar, deixando-se levar pelas lembranças. Relembrava sobre a reconciliação com mestre Long após trinta anos.
—Pode entrar — autorizou a entrada de Zheng, que batia insistentemente.
—Mestra! Long e Nyarah estão na sala, eles querem falar sobre Atsuo. Eu não disse nada sem antes falar com a senhora. — Zheng arfava depois de subir as escadas correndo.
— Obrigada, Zheng. — Mestra Jia-Li se levantou e foi acompanhada por Zheng.
Long se levantou do assento abruptamente ao ver Jia-Li descer as escadas. Seu rosto jovial, cabelos amarrados no topo da cabeça e trajava sua roupa vermelha com algumas estampas verdes nas mangas.
— Obrigado pelo chá de menta. — Nyarah fazia uma breve reverência ao se levantar, agradecendo com a chávena na mão.
—Vocês vieram atrás de Atsuo. — Com a aparência aflita, não foi preciso para mestra Jia-Li continuar, porque mestre Long e mestra Nyarah compreenderam imediatamente que Atsuo não havia sido encontrado.
— Estamos à procura, não descansaremos. — Jia-Li tentou consolar Long, que recuava.
— Não faça isso comigo, Long. — Jia-Li sentia-se rejeitada por Long.
— Mestre Hidetaka está sofrendo e com febre, temo que aconteça algo com ele.
Mestra Jia-Li abraçou mestre Long.
— Como esse menino pôde desaparecer, se esta aldeia é a mais protegida e vigiada? – Mestre Long estava inconformado.
— Zheng demorou para me dizer sobre a presença desse menino aqui, porque ele entrou na sala sagrada e pegou a corrente prateada.
— Ele fez isso? — questionou Mestre Long, surpreso.
— Sim. É curiosidade de criança.
Nyarah tentou segurar as lágrimas, ela sabia que mestre Hidetaka estava muito doente, não poderia voltar sem levar Atsuo de volta.
Mestra Jia-Li ordenou que todos seus guardiões e discípulos se reunissem, ela não descansaria enquanto Atsuo não fosse encontrado.
— Não se preocupem, Long e Nyarah. Eu encontrarei Atsuo e Chang, meu discípulo mais novo também está desaparecido.
— Os dois podem estar juntos? — perguntou Long.
— Espero que sim. — Jia-Li respondeu esperançosa.
Todas as aldeias deveriam ser avisadas e todo o cuidado seria necessário para evitar que mestre Hidetaka soubesse do desaparecimento de seu neto.
Na Aldeia dos Dragões da Flecha, mestra Chieko molhava o pano para tentar baixar a febre de mestre Hidetaka. Sua mão pressionava o pano contra sua testa e, mesmo delirando, ele conseguia agradecer sorrindo e deixando as lágrimas escorrerem pelos cantos de seus olhos.
— Fique calmo, mestre Hidetaka. — Chieko deu-lhe um beijo na face e se levantou para se refrescar na janela. Avistou um dragão azulado sobrevoando e pendurado em seu pescoço, uma faixa com a imagem dos dois garotos com a mensagem informando sobre o desaparecimento deles.
— A...Atsuo? — Chieko franziu a testa e entrou às pressas para o quarto, decidiu não falar nada ao mestre Hidetaka. Ryu, seu neto, entrou correndo e gritando.
— Vovó, viu aquele dragão?
Chieko deu um tapa em sua cabeça e tampou a sua boca, arrastando-o para fora do quarto.
— Sua peste, cale-se! — Chieko fechou a porta atrás de si.
— O que foi vó? O que eu fiz? — Ryu alisava a região do tapa recebido por Chieko. — Doeu.
— Eu vi o que estava escrito naquilo que aquele dragão levava, por isso que deve ficar quieto. O outro pirralho, mais traiçoeiro que você, sumiu.
— Desculpa.
Chieko abraçou seu neto e beijou sua testa.
— Jamais suma sem avisar sua velha aqui, entendeu?
— Entendi. Eu aviso e depois sumo, certo? — Ryu disse num tom de brincadeira.
— Ah, moleque! — Chieko ameaçou bater em Ryu, que recuou rindo.

Acariciando o dragão enquanto conhecia os lugares, Chang não estava na mesma disposição que Atsuo em dormir agarrado à pele do bicho.
O dragão branco aterrissou bruscamente e acordou Atsuo, que quase se desequilibrou. Atrás de um muro, o dragão pousou.
— O que houve? Por que ele desceu aqui? — Atsuo tentava reconhecer o lugar. — Que lugar é este, Chang?
— Não sei.
Os dois desceram e se avizinharam do muro. Subiram numas pedras e conseguiram ver o outro lado.
Avistaram um grupo de pessoas uniformizadas desfilando; entre as fileiras de pessoas, uma liteira rosa era carregada, nela estava um homem e uma menina, de aproximadamente onze anos. Quando chegaram em frente a um castelo, o homem desceu da liteira e entrou no castelo acompanhado somente pelos guardas do próprio local. Fez uma reverência longa e permaneceu com a cabeça apoiada sobre os dorsos das mãos estendidas no solo dourado.
— Senhor Li-Wei — apresentou-se o homem que havia chegado na liteira. Seu nome era Dong.
— Bem-vindo ao reino da Folha Dourada. – Li-Wei cumprimentou-o.
— Estou a sua disposição.
Com gestos, Li-Wei ordenou aos seus funcionários que trouxessem comidas ao seu convidado.
— Não posso obrigar Jia-Li a se casar comigo, talvez, se fosse há mais de quarenta anos, eu conseguisse convencê-la, mas hoje ela é perigosa.
— Dong, há quarenta anos, isso não seria possível. Enfim, a sua próxima missão é fortalecer meu exército para destruir a Aldeia Flor de Lótus. Cansei de tempos pacíficos e eu quero que entre em contato com Zheng, ele tem informações para enfraquecer mais ainda aquele lugar.
— Você quer dizer seu sobrinho. — Dong levantou a cabeça e encarou Li-Wei por alguns instantes, Li-Wei subtendeu como ofensa. Fez um sinal com o dedo e seus guardas desembainharam as espadas e cruzaram diante dos olhos de Dong.
— Não me provoque, Dong! Você não é digno de me encarar! – Li-Wei exclamou.
— Senhor Li-Wei, precisa de meus reforços para prosseguir. Caso aconteça algo comigo, seus planos terão de ser refeitos, mas não pense que conseguirá se esconder como faz.
As ameaças de Dong estremeceram Li-Wei, que ordenou que os dois guardas saíssem da posição de intimidação.
— Permaneça calado e ajude-me a destruir a Aldeia Flor de Lótus. É o que eu peço.
— Eu só ajudarei por uma condição.
— Qual?
— Que Jia-Li sobreviva.
— Então, é melhor você carregá-la durante o alvoroço, porque não vou me preocupar onde ela estará e quem a encontrará. Salve-a e você poderá conquistá-la. Eu sei que você a ama, mas também sabe que ela sempre guardou sentimentos por Long.
— Como eu queria ter conhecido Jia-Li quando jovem, talvez, fosse mais ingênua e carente a ponto de me dar uma chance, mas de uns dez anos para cá, só conheci uma mulher mais rígida, autoritária e fechada para futuros relacionamentos.
— Pare de ser tolo! Não é nada disso! Jia-Li não lhe dá chance, porque não gosta de você mesmo.
— Mas gosta de Long, contudo só agora que eles decidiram ficar juntos, por quê? O que impedia antigamente?
— Meu irmão.
— Seu irmão?
— Mas isso é história para outro dia. Aproximem-se. — Li-Wei ordenou aos seus funcionários que oferecessem bebidas e comidas ao Dong, que recusou ao se levantar.
— Indelicadeza. — Li-Wei sorriu ironicamente.
— Vá à merda. — Dong respondeu e se retirou sem formalidades.
Saiu do castelo e retornou à sua liteira, entretanto sua filha não estava mais em companhia de suas serviçais.
— Onde está minha filha, seus irresponsáveis?!
— Ela disse que havia ido brincar, senhor. — disse a serviçal, uma das mulheres que cuidava de Meiying.
— Meying!!!





Capítulo XV – O acordo do arrependimento
Enquanto isso, com os braços levantados para cima e olhos fechados, Meiying ria, aproveitando o voo. Atsuo estava assustado com o divertimento da garota.
— Você gosta de voar, hein! — disse Atsuo, agarrado à pele do dragão.
— Sim! — A menina não temia cair.
O dragão pousou na Aldeia Flor de Lótus. Os três desceram, Chang e Atsuo correram para o esconderijo, mas Meiying foi direto para o palácio. Na entrada, Zheng se espantou ao ver a menina.
— Meiying?
A garota ergueu a cabeça e reconheceu Zheng.
— Zheng!
Ele conduziu a garota para fora do palácio.
— Meiying, fale baixo. Ninguém deve saber que você me conhece. O que está fazendo aqui?
— Eu vim voando sobre um dragão belíssimo com os meus novos amigos.
— Preciso levá-la ao seu pai, agora.
Jia-Li apareceu atrás de Zheng e perguntou sobre a menina.
— E...ela é...é uma garota perdida, mestra. — Zheng gaguejou.
— Qual seu nome? — perguntou Jia-Li, afagando os cabelos da garota.
— Meiying.
— Que menina linda.
Jia-Li encarou Zheng e pediu para que a garota ficasse enquanto ele fosse atrás do dragão desaparecido; Zheng concordou, mas antes sussurrou para a menina e pediu para que ela não dissesse a ninguém que o conhecia.
O dragão branco, que havia sido levado por Atsuo e Chang, foi encontrado, mas Zheng preferiu aproveitar a oportunidade e visitar Dong.


Dong não se surpreendeu pela visita de Zheng, mas sua atenção estava voltada para o desaparecimento de seua filha.
Ajoelhado, Dong acendeu um incenso e colocou-o no incensário ao seu lado. Ofereceu chá vermelho ao Zheng.
— Li-Wei atacará a Aldeia Flor de Lótus e ele quer as últimas informações que você possui — iniciou Dong.
— Não! Li-Wei está louco? Nunca combinamos de atacar a minha aldeia onde eu cresci.
— Você auxiliou Li-Wei estes anos para um fim, ou melhor, para o fim da Aldeia Flor de Lótus.
Zheng se ergueu num ímpeto e gritou com Dong.
— Não permitirei que vocês machuquem a minha família! – Zheng ameaçou agredir Dong, mas foi impedido por um de seus guardas.
— Olhe aqui, se eu estou falando isso diretamente a você, é porque não compactuo com Li-Wei. Seria tolice minha em querer alertá-lo, se eu estivesse ao lado de Li-Wei. Eu estou do seu lado, Zheng.
O guarda soltou Zheng que voltou a ameaçar Dong.
— Por quê? Vocês estão me enganando! Não vão ferir ninguém da Aldeia Flor de Lótus. Cadê a sua filha? Sumiu?
Dong se espantou ao ver que Zheng sabia do desapareceminto de sua filha, e o tom ameaçador fez ele sentir medo pela sua filha.
— Está com medo, Dong? Só vou falar uma vez. Se você invadir a Aldeia Flor de Lótus, saiba que sua filha está lá e o perigo que meus amigos sofrerem, ela também sofrerá.
— Eu não estou contra você! Entenda que se eu estou falando tudo isso, é porque estou disposto a ajudá-lo!
— E por que agora? Colheram informações para arquitetar uma possível invasão e o pior: eu sou o responsável. Eu traí a confiança de minha mestra. – Zheng, indignado, não conseguia encarar Dong, suas mãos tremiam.
— Por favor, Zheng. Vamos nos unir para evitar que Li-Wei execute seus planos, eu não estou contra a Aldeia Flor de Lótus. — Dong implorou.
— Por que mudou de opinião? – Zheng não se convencia das palavras de Dong. Sentia sua periculosidade.
— Porque eu amo Jia-Li. E já faz tempo que estou cansado e contrário às vontades de Li-Wei.
Calado, Zheng fez menção de sair, Dong tentou impedi-lo segurando seu braço, pedia informações de sua filha.
— Ela está bem, aliás, Jia-Li está cuidado dela.
Dong soltou seu braço e permitiu sua saída sem a intervenção de seus guardas.
Voltando para a Aldeia Flor de Lótus, Zheng não teve coragem de assumir sua cumplicidade com um dos maiores inimigos de Jia-Li. Deparou-se com ela quando conversava alegremente com Meiying. As duas pintavam um quadro com imagens de dragões. No quadro ao lado, a tela fresca havia sido utilizada e retratava a imagem de Li-Wei, sentado em seu trono dourado, com imagens de folhas talhadas. A última vez que Zheng teve contato com seu tio, ele tinha cinco anos.
No outro quadro estava o próprio Zheng e o pai de Meiying, Dong.
Jia-Li se levantou com um mero sorriso e pediu para que a menina se retirasse.
— Uma menina com dom para pintura, excelente fisionomista, pedi para que desenhasse pessoas conhecidas, e ela o conhece. Quando terminou, ela se arrependeu, porque se lembrou do seu pedido para que não dissesse a ninguém que você a conhecia. — Jia-Li pousou o pincel que carregava em uma de suas mãos no estojo. — Zheng, você mentiu para mim e Dong também. Ela disse que Dong é um grande amigo de Li-Wei.
Zheng ficou paralisado; Jia-Li o rodeava, seu tom era acusador.
— Eu não sabia que Dong conhecia Li-Wei, assim como também não sabia que você conhecia Dong. —A voz de Jia-Li suavizava aos poucos.
— Eu não tenho contato direto com Li-Wei,Dong é o intermediário.
Jia-Li segurou suas mãos e não se mostrou surpresa, ela já sabia do contato entre Zheng e Li-Wei, mas não tinha conhecimento que esses encontros eram intermediados por Dong, que fingiu ser seu amigo.
— Eu tentei protegê-lo do seu próprio tio, mas você tem o direito de ir atrás da única aliança sanguínea que possui.
Jia-Li soltou suas mãos e olhou-o sem dizer nada. A decepção e o sentimento de traição eram expressos em seus olhos tensos; saiu do ateliê e deixou Zheng com a consciência pesada, com vontade de implorar perdão, mas sem forças de se pronunciar. Imóvel, ficou olhando todas as pinturas feitas por Meiying. Arrependeu-se de ter mentido para a mulher que o ensinou a ser um guardião de uma das renomadas academias de artes marciais.

No pátio em que os alunos treinavam tai-chi-chuan, Jia-Li emergiu e todos pararam centralizados em sua voz. Ordenou a todos que se preparassem para viagem. Jia-Li alertou sobre a possível invasão imputada por Li-Wei.
—Vamos sair da Aldeia Flor de Lótus temporariamente. Voltem para suas casas, em breve, nossa academia será reaberta.
Zheng apareceu em seguida atrás dela, questionou o que ela faria após o fechamento da aldeia.
— Devolve a filha de Dong — ordenou à Zheng.
— Mas ela é nossa garantia de que Dong não usará seu exército contra nós.
— Na vida, não temos garantia de nada e a filha é de Dong, portanto quem está mais disposto à destruição é Li-Wei e não colocarei uma criança em risco.
— Sim, mestra. — Zheng consentiu, constrangido.
— Não sou sua mestra, Zheng. Será acolhido por Long, mas não é mais meu discípulo.
— Eu não mereço perdão?
— Não é questão de perdão. Você tomou decisões sem o meu consentimento, portanto você não me considera como sua mestra. Eu o perdoo, mas não será meu discente novamente.








Capítulo XVI – De volta ao passado
No dia seguinte, todos partiram da Aldeia Flor de Lótus atravessando a muralha da China e sendo escoltados pelos membros da Aldeia Dragões da Flecha, que sobrevoavam sobre seus dragões para a proteção de todos.
O céu coberto pelas nuvens servia como um quadro branco, recebendo belas silhuetas coloridas voadoras.
Montadas em seus cavalos, Mestra Jia-Li e Sya cavalgavam lado a lado.
— Eu acredito no arrependimento de Zheng, mestra. Aceite-o de volta. — pediu Sya, tentando convencer mestra Jia-Li da inocência de Zheng.
— Eu também acredito, Sya. Mas as escolhas feitas por Zheng demonstram claramente que ele não pertence à nossa aldeia. Ele não confiou em mim, ele não me respeitou, não posso obrigá-lo a seguir seus estudos num lugar que ele escolheu não pertencer. Um discípulo que respeita verdadeiramente seu mestre, confia nele para qualquer surgimento de dúvida. Ele encontrará o verdadeiro mestre dentro de si. Tenho certeza de que ele achará seu caminho nas orientações de uma pessoa melhor do que eu.
Próximos da Aldeia Dragões da Flecha, Jia-Li foi impedida de prosseguir viagem por uma tropa de arquearia montada e, entre eles, degustando uvas verdes numa liteira, Dong desceu da liteira e aproximou-se de Jia-Li.
— Precisamos seguir caminho, Dong. Onde está sua filha? Eu já autorizei que Zheng a levasse até você.
O semblante de Dong mudou drasticamente ao saber que sua filha não estava sob proteção de Jia-Li.
— Zheng não levou minha filha de volta, pensei que ela estivesse com vocês.
— Não está. — Sya confirmou.
— Onde está Zheng? — Dong perguntou.
— Ele não pertence à nossa aldeia. Será que ele ainda está com ela? — Jia-Li estranhou o desaparecimento de Zheng e Meiying.
Longe dali, o mesmo dragão branco que carregou Atsuo e Chang para viajar em direção ao reino da Folha Dourada, agora levava Meying e Zheng, voando sobre o castelo de Li-Wei.
Zheng desceu do dragão e ajudou a menina a descer; os guardas impediram a sua entrada, porém Li-Wei ao reconhecer o sobrinho, preferiu autorizar. Li-Wei se surpreendeu com a semelhança física entre Zheng e Li-Seng, seu irmão.
— Olá, meu querido tio.
Perplexo, Li-Wei ficou mudo. Zheng seguiu em frente até ficar a menos de meio metro de seu tio.
— Deixe-o se aproximar. — Li-Wei autorizou. — Zheng, estou feliz pela sua presença. Se Dong disse onde eu estava é porque o momento de nos conhecermos finalmente chegou.
— Não precisa disfarçar, eu sei que você tentou de todas as formas evitar que o nosso encontro acontecesse. Não quero discutir de passado, mas do futuro. Dong nos traiu, ele disse que você estava enganando-me, porém ele não sabe que a minha intenção contra a Aldeia Flor de Lótus era a mesma que a sua. Tolo, não é?
Meiying ouvia tudo e tentou escapar, mas Zheng segurou-a pelo braço.

Dong foi aconselhado a não se precipitar, mas a seguir caminho na mesma direção que Jia-Li. Mestre Long o convidou a se instalar em sua aldeia.
— Perdoe-me, mestra Jia-Li. Eu não fui um amigo fiel. — Dong se desculpou.
— Não falaremos sobre isso. Saiba que a Aldeia Flor de Lótus está nas mãos de Li-Wei, porém ele deverá vencer as armadilhas deixadas para ele. — Jia-Li comunicou. — Ele quer este pequeno baú de madeira, preservado há mais de cento e cinquenta anos e eu não entregarei a ele enquanto eu puder viver — continuou Jia-Li.
Dong não disse nada, voltou à sua liteira e recusou o convite de mestre Long, preferiu seguir caminho de volta para sua casa. Entretanto, eles foram cercados pelos dragões de fogo de mestre Long, dragões raros.
— Eles nunca cuspiram fogo, são domados pela minha voz, suas cores vivazes demonstram claramente a força da chama. Não estou disposto a deixar mais um traidor sair ileso e avisar ao inimigo Li-Wei. Se pretende enfrentar-me, aqui estão as minhas tropas.
Dong temia os enormes dragões das cores alaranjadas.
— Não pretendo trair mestra Jia-Li, mas preciso fazer alguma coisa. Minha tropa está aqui para defender a Aldeia Flor de Lótus.
— Não permitirei que eles arrisquem suas vidas para impedir destruição material. A minha aldeia está em meu coração, ao meu lado, nos corações dessas pessoas que sempre estiveram comigo, honrando meus avós e sua academia.
Mestra Jia-Li desceu do cavalo e se aproximou da liteira de Dong. Ela o presenteou com uma flor de lótus que carregava numa cesta de palha.
— Não iremos discutir sobre suas atitudes, vamos selar pacificamente a nossa cumplicidade para resgatar sua filha.
Dong não conseguia deter suas lágrimas, seus sentimentos por Jia-Li insistiam em permanecer em suas dores, mas admitia para si mesmo que havia perdido para Long. Arrependia-se de ter traído sua amizade. Ele pegou a flor cuidadosamente e agradeceu em pensamento, pois as palavras não conseguiam sair diante da vergonha que sentia.
— Jia-Li ... — Dong a viu se virar de costas indo de volta para seu cavalo. Dong ansiava em dizer alguma coisa para ela. Uma chuva de flechas vindas contra seu encontro, fez seus soldados abaixarem a liteira. Os que vieram de cavalo, apearam imediatamente e se jogaram no chão, arrastaram-se até os dragões, que os ajudavam. Os cavalos foram instruídos a seguirem em frente. As flechas eram lançadas num intervalo de dez segundos.

No reino da folha dourada, Li-Wei ainda dialogava com Zheng. Meiying estava sentada, recusando as especiarias servidas.
— Vamos planejar o que faremos para invadir a Aldeia Flor de Lótus. O que pretende fazer?
Li-Wei demorou responder, sorria maliciosamente, levantou-se de seu trono, aproximou-se da garota e lhe ofereceu uma flor de lótus, ela negou e fez um esgar de ódio. Li-Wei amassou-a na sua frente.
— Meu caro rapaz, eu não pretendo fazer, eu já estou fazendo. Você acha que neste momento, mestra Jia-Li não está sabendo sobre mim? Eu sei que ela deixou armadilhas em sua aldeia. Você é meu sobrinho, eu já possuo muitos anos antes de você e não existe ninguém mais novo do que eu que esteja capacitado para me enganar. — Li-Wei jogou no chão os pedaços da flor. – Minha tropa está ocupando a muralha da China e todos da Aldeia Flor de Lótus estarão mortos!
Zheng desviou seus olhos em direção à menina, que aos prantos sentia falta de seu pai.

Na Academia Ninjas da Flecha, mestre Izuo e mestre Phomello discutiam energicamente, a altura de suas vozes ultrapassavam a sala de treinamento de capoeira. Os alunos parados à porta, olhavam assustadoramente para os dois velhos, que só faltavam se lançar um contra o outro. As salivas eram jorradas no chão em que os alunos haviam limpado para treinarem no dia seguinte. Azibo ergueu as sobrancelhas, espantado e era incitado por seus alunos a fazer alguma coisa para cortar o conflito. Safidi abria caminho entre os curiosos estáticos à entrada e, com uma feição soturna, lançou-se contra os dois e bradou o mais alto que pôde para cessar a gritaria.
— Em vez de vocês ficarem brigando, deveriam se unir para defender a aldeia de mestra Jia-Li. Recebi um aviso de um ataque feito por aquele imbecil que governa o reino da Folha Dourada.
— Ainda existe esse reino? Mas não virou um simples vilarejo de camponeses, em que seus filhos iam para a academia Flor de Lótus? — Mestre Izuo questionou.
— Estratégia, tolo! Se quer ganhar vantagem contra seu oponente, demonstra fraqueza ou finja — retrucou mestre Phomello.
— Agora a assembleia enviará reforços para combater Li-Wei, vocês deveriam fazer o mesmo. — Safidi se retirou, mas antes sorriu para mestre Izuo, que recebeu um tapa de mestre Phomello.
Azibo dispensou seus alunos e seguiu Safidi.
— Você é um velho idiota! Está aproveitando que minha prima é um dos membros da assembleia para conseguir vantagem em suas maldades!
— Eu sempre amei sua prima! Eu que não vou permitir que nesta fase de minha vida, você tente nos separar!
— Vocês são de aldeias diferentes! Não há como isso acontecer.
— Esse foi o mesmo argumento que os pais dela utilizaram para mascarar a inimizade que eles tinham com meus pais. Fui forçado a desistir dela. Não me importo com aldeias, países diferentes! Mas agora sou um velho e ninguém vai decidir meu futuro neste resto de vida!
Os lançamentos das flechas não cessavam, e os responsáveis ainda estavam ocultos, com certeza estariam se aproximando cautelosamente, pensava mestra Jia-Li. Cuidadosamente, mestre Long esticava o braço para mestra Jia-Li. Ela erguia o corpo aos poucos e se apressou a subir no dragão que sobrevoava na altura do muro.
Quando o dragão levantou voo, um dos soldados de Li-Wei já estava próximo o suficiente para lançar uma flecha contra o dragão. A flecha fincou em seu braço.
— Ai! — rapidamente ela pôs a mão na ferida.
— Mestra Jia-Li!!! — Mestre Long se desesperou.


Capítulo XVII – A morte de Jia-Li
Zheng voltou ao local onde aconteceu a invasão e recebeu a notícia de que mestra Jia-Li havia sido atingida no braço. Apeou do cavalo e se aproximou de Meiying, que estava montada em outro cavalo e engolia o choro, preocupada com o estado de saúde de seu pai.
— Meiying, escute-me. — Zheng sussurrava, mas a garota o ignorava. — Não tenha raiva de mim, eu preciso que você disfarce e saia daqui para avisar ao mestre Long que eu estou do lado deles. Talvez você não saiba, mas é só seguir em frente, não tema, siga em frente sem desvio algum. Entendeu? E logo você reconhecerá a entrada da Aldeia Dragões da Flecha. Verá a imagem de um dragão com arco e flecha.
— Está bem. — Nos olhos da garota, Zheng viu a esperança dela sentir que encontraria seu pai em breve.
Zheng permitiu que Meiying saísse e conseguiu impedir que soldados de Li-Wei fossem atrás dela. Segundo as ordens de Li-Wei, ninguém deveria desocupar a muralha da China.
Um dos soldados pegou o pequeno baú que Jia-Li deixou cair.
— Entregue a mim. Li-Wei ficará feliz em saber que você recuperou o que ele tanto desejava, mas eu preciso ver antes, por favor.
— Não. Eu mesmo entregarei a Li-Wei, senhor. Não insista, você está mais para um prisioneiro do que para um conselheiro — disse o soldado que guardou o baú na bolsa da sela de seu cavalo.
Li-Wei quis saber sobre os acontecimentos na muralha durante sua ausência. Um de seus arqueiros assumiu ter atingido Jia-Li.
Zheng estremeceu ao saber que Jia-Li havia sido ferida. Segurou seu ódio e sofrimento dentro de si.
— Ela está muito ferida? — Zheng perguntou, tentando não aparentar preocupação.
— Não sei. Talvez, foi de raspão — respondeu o arqueiro. — Prosseguiremos em direção à Aldeia Dragões da Flecha, senhor? — continuou.
— Não. Soube que mestre Long possui dragões de fogo poderosíssimos e não posso perder nenhum de vocês. Onde está a menina? — Li-Wei sentiu falta de Meiying.
— Ela deve ter fugido, senhor. — Outro soldado disse.
— E você, Zheng? Não vigiou a garota?
Zheng respirou fundo e se responsabilizou pelo desaparecimento da garota.
— Desculpe, senhor. Ela estava a cavalo, deve estar passeando por aí.
— Claro, até porque a Aldeia Dragões da Flecha é distante daqui, não é, Zheng? — Li-Wei ironizava.
Li-Wei examinou os pertences esquecidos pela Aldeia Flor de Lótus espalhados no chão trazidos pela sua tropa. Reconheceu alguns pertences de Dong e a partir dali, soube que o exército de Jia-Li havia aumentado.
O soldado que encontrou o baú, pegou-o e o entregou a Li-Wei.
Li-Wei ergueu o baú até a altura de seus olhos, admirando a madeira desgastada e remendada. Ele não a abriu imediatamente.
— Finalmente, o tesouro é meu!
Zheng não compreendeu.


Meiying conseguiu chegar à Aldeia Dragões da Flecha e se encontrou com Mo-Li.
— Quem é você, menina?
— Sou filha de Dong, meu nome é Meiying.
Mo-Li ajudou Meiying a descer do cavalo, em seguida, Mo-Li guiou Meiying até mestre Long.
Enquanto isso, Long chorava a morte de Jia-Li e era consolado por Hidetaka.
— Eu não consigo, não consigo acreditar nisso, mestre Hidetaka!
A notícia da morte de Jia-Li veio da Aldeia Vitória-Régia. Mestre Long levou-a até mestre Xamã, em seguida, Long foi aconselhado a voltar para a Aldeia Dragões da Flecha.
— Eu não devia ter saído de perto dela! – Long arrependia-se.
— Mestre Xamã fez o que pôde. E se ele pediu para que retornasse, ele tinha a razão dele — disse mestre Hidetaka, abraçando o amigo e o impedindo de se descontrolar.
— Nunca vou me perdoar, Hidetaka. Nunca!!!


Li-Wei se trancou em seu quarto, rindo à toa, ajoelhou-se e tentou abrir o baú, mas não possuía a chave. Zheng bateu à porta de seu quarto.
— Quem é? — Li-Wei perguntou, incomodado.
— Zheng, senhor.
— Entre.
Zheng abriu a porta e fez uma reverência para entrar.
— Antes que fale algo, saiba que preciso da chave deste baú e você será responsável para resgatá-la.
— Não se preocupe, senhor.
— E o que você quer?
— Eu vim para perguntar sobre o baú, só isso.
— Tente quebrar o baú sem causar danos ao que está dentro — ordenou num tom de brincadeira.
— Dê-me o baú.
— Não. Sua missão é resgatar a chave, tolo.
Li-Wei não confiava em Zheng para entregar-lhe o baú.
— O que você quer saber do baú? —perguntou Li-Wei.
— Nada, senhor. Vou atrás do que me pediu, com licença. — Zheng fez uma breve reverência e se retirou irritado. No corredor dourado, Zheng deparou-se com uma pessoa encapuzada, segurando uma cesta de frutas. A pessoa, na verdade, uma mulher, alegava ser uma camponesa solicitada para trazer frutas vermelhas a Li-Wei.
Zheng tentava ver o rosto da mulher.
— Licença, senhor. — Ela pediu, cabisbaixa.
Zheng puxou seu capuz.
— Sya! – Zheng sobressaltou-se para trás ao vê-la.
Os dois saíram furtivamente do castelo.
— Não devia ter vindo — queixou-se Zheng.
Os dois combinaram encontrar-se no jardim, atrás do castelo. Zheng desceu as escadas que levava para a cozinha, enquanto Sya foi aconselhada a ir direto para o primeiro jardim. Eram dois jardins que se cruzavam, Zheng viu Sya atravessar os portões já abertos e livres de qualquer sentinela. Os dois se aproximaram até chegarem diante de um enorme chafariz, com esculturas de pássaros, banhados pelas águas.
— Não era para você estar aqui! Mas já que está, eu necessito do pingente que Atsuo carrega.
—Eu precisava saber de você. Eu confio em você, Zheng. — Sya não suportou e chorou na frente de Zheng.
— Por que chora, Sya? — perguntou Zheng, enxugando suas lágrimas.
— Nossa mestra faleceu.
Zheng não disse nada. Engoliu em seco, ficou paralisado. Sya tocou suas mãos, mas Zheng parecia pertencer a outro mundo. Sya não suportou e o abraçou aos prantos.
— Zheng? Fale comigo!!!— Desesperada, Sya foi até ele e o chacoalhou seus braços inertes.
— Jia-Li virou uma flor — disse Zheng sem encarar Sya. — Ela não morreu. — Ele repetia.
— Vamos embora, Zheng. — Sya o puxava, mas ele não se movia, apenas se ajoelhava sobre a grama.
— Volte comigo, Zheng.
— Não irei embora, Sya. — Zheng olhou para Sya e sorriu.
— Não irei sem você! — Ela se ajoelhou na sua frente. — Você não pertence a este lugar. — Ela acariciava seu rosto. — Eu ordeno que venha comigo.
Os guardas de Li-Wei se aproximaram e dentre eles, Li-Wei com a mão em pala, observava os dois abraçados.
— Zheng! — Li-Wei bradou e Sya se virou.
Sya avistou Li-Wei acompanhado de sua tropa e Zheng implorou para que ela fosse embora imediatamente.
Ela se levantou, mas seus braços esticavam para ele.
— Vá, Sya. — Ele sussurrou.
Sya se apressou antes de Li-Wei chegar.
Os guardas e Li-Wei pararam diante de Zheng, que permanecia calado e ajoelhado. Os guardas ergueram-no.
— O que aquela mulher lhe disse? — Li-Wei batia em seu rosto levemente.
— Desculpe-me, senhor — disse Zheng se desculpando, enquanto Li-Wei não compreendia.
— Vou perguntar pela última vez.Quem era aquela mulher? — Li-Wei se referia a Sya.
— Minha futura esposa. Seu nome é Sya — disse Zheng, olhando nos olhos de Li-Wei.


Capítulo XVIII – Dragões do Fogo
Na Aldeia Dragões da Flecha, Sya chegou atordoada, enxugava as lágrimas e se arrependia de ter deixado Zheng sozinho. Atsuo e Chang brincavam com a onça de Zaila quando Sya passava por eles.
— Oi, Sya! — cumprimentou Atsuo, com sua voz esganiçada.
— Atsuo, ainda bem que está aqui. Devolve a chave.
— Que chave? — O menino se fez de desentendido.
— Não me aborreça! Você está com a chave, devolve! — Sya pareceu encarnar Zheng aos olhos de Atsuo. Ela comprimia os lábios nervosamente.
O menino tirou a chave, que tinha o formato de flecha, do pescoço e entregou a Sya, que retornou à aldeia sem disfarce e bem recepcionada por Li-Wei, pediu para ver Zheng.
— Como será a futura esposa de Zheng, deixarei que o veja — disse Li-Wei sorrindo.
— Esposa? —Sya franziu a testa.
— Era um segredo? — Li-Wei perguntou maliciosamente.
Zheng interrompeu a conversa dos dois.
— Olha quem está aqui — anunciou Li-Wei, olhando desconfiadamente para Zheng. — Sua futura esposa não sabe do futuro — Li-Wei riu.
— Oi, Sya — disse Zheng, coagido.
— Eu trouxe o que me pediu. — Sem medo, Sya entregou-lhe a chave.
Zheng pegou a chave e Li-Wei fez menção de sair.
— Deixarei vocês a sós.
Sya aguardou Li-Wei se para sussurrar aos ouvidos de Zheng.
— Tome cuidado. — E deu-lhe um beijo no rosto. — Agora preciso ir.


Mestre Long atravessava os portões de sua aldeia, acompanhado de seus dragões mais temidos.
Sya ouvia os brados de mestre Long, incomodou-se e, através da janela, viu que Mestre Long saía da aldeia decidido a enfrentar o reino da Folha Dourada.
Sya correu alvoroçada quase tropeçando pelos degraus para alcançá-lo e impedi-lo de prosseguir viagem.
— Não!!! — Ela se jogou na sua frente. — Não pode fazer isso, mestre. A muralha está cercada e eles são perigosos.
— Não mais que meus dragões! Todos têm medo de meus dragões! Uma jorrada de fogo e eu destruirei todos!
Os dragões voaram sobre sua cabeça e Sya não pôde fazer nada. Atsuo e Chang, estupefatos, observavam os dragões avermelhados no céu.
— Vamos entrar, crianças — aconselhou Sya.
— Vamos voar, Chang? — propôs Atsuo a Chang.
Chang viu nitidamente a reprovação na expressão de Sya.
— Entrem!
Atsuo e Chang obedeceram e acompanharam Sya para dentro do palácio e se encontraram com Zaila, ao lado de sua onça enfeitada com flores rosas ao redor do pescoço e Mio com sua aljava vazia nas costas.
— Garotas, cuidem desses meninos que insistem em voar. — Sya pediu.
— Algum problema, Sya? — Zaila percebeu a inquietação em Sya.
— Muitos problemas. Mestre Long foi para o reino da Folha Dourada e me dá medo de pensar nas consequências.
Zaila e Mio se entreolharam assustadas.
— Meninas, não quero trazer preocupações a vocês, por favor, mantenha os meninos quietos e dentro da aldeia. — Sya se retirou apressadamente para fora da aldeia.


No reino da folha dourada, Li-Wei levantava cuidadosamente a tampa do baú, o seu riso acentuado havia desaparecido e se transformado numa linha reta.
— Merda!!! — Seu grito quase ensurdeceu Zheng. — Três flores de cristal, o que isso significa? — inclinou o baú e mostrou o que continha dentro.
Li-Wei cuspiu de onde estava para atingir a face de Zheng, mas este desvencilhou e o cuspe atingiu o soldado detrás.
— Eu não tenho culpa. Não sabia da existência disso. — Zheng se explicava.
— Eu espero profundamente que você seja inocente, pois não quero acreditar que tudo isso foi planejado. Não quero acreditar que o baú foi trocado e que você combinou com sua amiga para me enganar com esta maldita chave!
Li-Wei deixou o baú de lado e cruzou os braços. Encarou Zheng por algum tempo.
— Teve notícias de Jia-Li?
— Ela morreu — respondeu Zheng prontamente.
— É uma mentira para me enganar novamente?
— Juro que gostaria que fosse mentira. — Zeng baixou a cabeça.
— Eu poderia surrá-lo, mas seu tio vai ser bonzinho. Você ficará preso! Prendam-no!
De repente, um soldado da vigia externa, veio correndo desesperadamente, o suor escorria de suas têmporas.
— Senhor, a Aldeia Dragões da Flecha está se aproximando! — O homem ofegava.
— Dispare as flechas contra aqueles monstros voadores! — ordenou Li-Wei, exasperado.
Zheng teve as mãos atadas por grossas cordas. O exército marchava de encontro ao mestre Long e seus dragões. Todos urravam com seus passos decisivos para não se desestimularem. Zheng era arrastado. Sua mente estava voltada para mestra Jia-Li. O sol escaldante deixava seu rosto vermelho. Quando a caminhada cessou, Zheng se encostou no muro, uma voz roçava seus ouvidos, ele virou sua cabeça para o lado direito e enxergava mestra Jia-Li, trajando seu quimono de seda preto por fora e vermelho por dentro, estampado por flores de lótus. Zheng a via saltando para trás, os pés se apoiavam na beira do muro como se flutuasse.
Zheng sorriu, o alívio percorreu seu corpo e ele relaxou, mas ao tentar se apoiar no muro, deu-se conta de que suas mãos estavam presas e ele se irritava com o calor forte. Então, seus olhos procuravam a imagem da vitalidade daquela mulher que ele admirava e respeitava, mas era apenas delírio. Jia-Li sumiu, porque seus devaneios também sumiram.
— Chega de descanso! — Um soldado o puxou violentamente.
Avançaram até mestre Long ser perceptível, acompanhado de seus dragões das cores quentes como a temperatura daquele dia.
Mestre Long não esperou, avançou e ordenou aos seus dragões que jorrassem fogo sobre os soldados. O fogaréu fez todos se abaixarem e protegerem os rostos. Flechas eram lançadas. O dragão que carregava mestre Long foi atingido no pescoço e cambaleou no ar. Mestre Long percebeu o perigo e pulou sobre o outro. Viu seu dragão cair morto no chão. Outras flechas eram lançadas e o fogo era jorrado pelas ventas. Mais dois dragões caíram atingidos por flechas envenenadas. Mestre Long percebeu que deveria recuar, lamentava não poder fazer nada, gritou e suplicou justiça por Jia-Li e agora pelos seus filhotes, como costumava chamá-los.
As chamas tórridas que deveriam ferir o exército de Li-Wei, feria agora seu coração; abatido, retornou para a Aldeia Dragões da Flecha.
— A culpa é minha! Meus filhotes! – Mestre Long desceu de seu dragão e caiu de joelhos quando já estava nas terras de sua aldeia. Suas lágrimas embaçavam sua visão.
— Jia-Li!!! — bradou desesperado.

Sozinho, Zheng delirava. Jogado dentro de uma torre, a fome e a sede o fizeram adormecer. Ficou na mesma posição até o dia amanhecer.
Uma mão bondosa alisou o lado de seu rosto virado para cima.
— Zheng...
As mãos tentavam ajeitar sua cabeça e o ajudava a beber água através de uma folha verde. Sya colocava aos poucos a água do pote que trazia consigo. As gotas atravessavam a longa folha e terminavam na ponta que facilitava Zheng bebericar.
Zheng olhava de relance para Sya e um sorriso de agradecimento surgia em seus lábios.
Sya cortou as cordas que machucavam os pulsos de Zheng e o ajudou a se erguer.
— Vamos sair daqui.
— Mas a muralha está cercada.
— Por enquanto não, todos sofreram com os fogos lançados pelo mestre Long e devem ter ido ao castelo esfriar o corpo, cuidar das queimaduras.
Sya havia trazido uma pequena cesta de frutas e ofereceu uma maçã verde para Zheng.
— Obrigado. — Ele agradeceu com uma breve reverência. — Você sabe que eu gosto desta fruta e que me sustenta boa parte do dia.
Os dois, minuciosamente, saíram da torre e prosseguiram viagem.

Li-Wei retornou com seus soldados para a torre onde estava Zheng, mas não o encontraram, apenas uma folha verde atípica de sua região e pedaços de cordas.
— Esta folha pertence ao mestre Xamã. — Li-Wei avaliou.
— Por que não o acorrentaram?! Seus imprestáveis, a corda era provisória!
— Lamento, senhor. Mas estávamos precisando de banho e ervas para amenizar nossas queimaduras.
Li-Wei sentiu raiva da fuga de Zheng, mas uma pontada de alegria ao saber que havia enfrentado mestre Long, ele avançaria confiante para pegar o baú, mas antes ocuparia a Aldeia Flor de Lótus.
A chegada de Zheng surpreendeu a todos, mas mestre Long não mediu esforços para ajudá-lo. Ofereceu comida, vestimentas e um aposento aconchegante. Não o questionou enquanto ele não se revitalizasse. Deixou-o dormindo e voltou sua atenção para Sya.
— Por que se arriscou? — Mestre Long a repreendia.
— Eu não sabia que ele estava como prisioneiro, mas foi o certo a ser feito, pois ele poderia estar morto.
— Jia-Li cuidava dele como um filho, não posso decepcionar sua memória. — Seus olhos brilhavam quando tocavam o nome de Jia-Li.
Mestre Long sofria a morte de seus dragões que não haviam resistido aos ferimentos. Culpava-se pela presunção e a impetuosidade. Sua aldeia não foi treinada para uma batalha.
A morte de Jia-Li mexeu com sua vida, enfraqueceu sua coerência e derrubou sua sanidade. Agachado em frente a um lago de seu jardim — construído para abrigar as flores de lótus, presente de mestra Jia-Li. —, mestre Long lamuriava a morte de Jia-Li, com os olhos cheios de lágrimas.
— Por que me deixou? — Ele perguntava a si mesmo.


Capítulo XIX – A flor Crisântemo Amarelo
Mestra Chieko aguardava mestre Hidetaka na entrada da Aldeia Dragões da Flecha, os dois haviam combinado de irem à Aldeia Cerejeira. Distraída, Chieko contava as pétalas da flor crisântemo amarelo que carregava consigo atrás da orelha.
— Olá. — Uma voz masculina a cumprimentou, mas Chieko preferia continuar ouvindo seu passado bom.
—Olá, senhora. — A voz insistia.
Ela olhou para o homem que a chamava e sorriu.
— Hidetaka... — Ela nem o deixava respirar para falar, abraçou-o e deu-lhe um beijo na testa.
—Por que me chamou de senhora? — Ela riu.
— Hiroshi! — Outra voz distante gritou.
Chieko olhou para trás e recuou três passos, olhou para os dois lados, alternadamente.
— O quê? — Perplexa, Chieko não compreendia ver duas pessoas idênticas.
— Esse é meu irmão-gêmeo, Chieko.
As bochechas de Chieko coraram.



Capítulo XX – A reconstrução do passado
Li-Wei e sua tropa avançaram em destino à Aldeia Flor de Lótus, entretanto sabiam da possibilidade de armadilhas deixadas por mestra Jia-Li.
Montado em seu cavalo, Li-Wei parou diante do imenso portão duplo, que possuía a imagem da flor de lótus. Desceu do cavalo e retirou, da bolsa da sela, uma corda com gancho.
Jogou a corda para o outro lado do muro, e Li-Wei a puxou até o gancho se prender à parede, e ordenou a um de seus soldados a subir e averiguar.
O soldado de estatura baixa escalou com dificuldade, tremia de medo de subir aquela parede sem olhar para baixo. Quando sua mão tocou o acabamento do muro, ele abriu os olhos e impulsionou o corpo para cima.
— Senhor, uma enxurrada de flechas está tomando de conta aqui embaixo.
— Do que está falando?
O soldado analisou aquela armadilha assustadora em que inúmeras flechas eram lançadas e relançadas por um mecanismo: nas paredes havia tubos que recebiam flechas e as lançavam incessantemente.
Assim que as tropas da Assembleia e de Dong se aproximaram o suficiente, a luta foi travada.
— Acabou para você, Li-Wei.
Todos os soldados da Folha Dourada foram capturados pelo exército da Assembleia e de Dong. Li-Wei foi o único a ser levado para a torre ao lado da Assembleia e seu exército foi separado em grupos e dispersos em várias regiões. A assembleia era próxima da Academia Ninjas da Flecha, Tanzânia. Enquanto isso, Dong ocupou o reino da Folha Dourada.
Passaram-se dez dias para que Li-Wei recebesse sua primeira visita. À porta, mestre Izuo hesitou em entrar, mas já havia sido reconhecido por Li-Wei, que viu parte de sua vestimenta.
— Entre e sinta-se à vontade. Hoje não poderei oferecer comida ou algum assento macio e dourado, mas espero que o chão sujo e duro sirva — ironizou Li-Wei, de braços cruzados e encostado na parede cinza escura abaixo de uma pequena janela gradeada em que a luz solar pouco adentrava.
— Eu sabia que se eu não viesse, traria problemas a mim — disse mestre Izuo.
— Ótimo, durante esses dez dias, eu poderia ter dito alguma coisa contra você.
— Eu não poderia fazer muito, Li-Wei. Posso pedir conforto para que possa dormir num lugar limpo.
—Eu não me calei para receber migalhas. Eu quero sair daqui, reconquistar meu reino, matar mestre Long e capturar o baú.
— Eu não poderei fazer nada por você.
— Negará meu pedido? É assim que retribui um amigo que o ajudou a destruir as cerejeiras de mestre Hidetaka?
— Cale-se! Eu me arrependo por essa atitude imperdoável.
— A assembleia fragmentou meu exército e não vou ficar calado, se eu perceber que estou sozinho.
— Dê-me tempo para pensar. Irei agora.
Mestre Izuo fez uma breve reverência de despedida, bateu no portão de ferro para anunciar sua saída.O guarda do outro lado abriu o portão e mestre Izuo saiu às escondidas, mas Safidi acabou flagrando-o.
— Por que veio visitar Li-Wei? — Ela o questionou.
— Ele quer minha ajuda — respondeu, olhando para o chão como se quisesse evitar falar alguma coisa.
— Ajuda?
— Ele quer evitar que seu exército seja separado dele.
— E você? Por que justamente você?
— Porque nossos pais eram próximos e nos tornamos amigos.
Safidi o encarou com receio de continuar a ouvi-lo.
— Eu me arrependo de não ter lutado pelo nosso amor, mas a morte de meu pai fez com que eu me aproximasse de minha terra e cuidasse de minha mãe. Quando eu decidi renunciar meu cargo na Academia Ninjas da Flecha, minha mãe já havia escolhido a minha futura noiva e eu tive de aceitar, precisava ocupar o lugar de meu pai.
— Por que está mudando de assunto?
—Porque eu ainda não superei perdê-la. Você é uma mulher admirável, com tão pouca idade enfrentou seus pais para tentar ficar comigo.
— Não dá para corrigir o passado.
— Mas dá para corrigir o futuro.
— Não mude de assunto, mestre Izuo.
Mestre Izuo segurou suas mãos.
— Eu não quero perder você novamente, eu virei um homem amargo por tantos anos e meu coração fica feliz toda vez que a vejo. Eu errei e preciso dizer os meus erros. Li-Wei me ajudou a destruir as cerejeiras de mestre Hidetaka. Eu invadi a Aldeia Cerejeira covardemente. Eu sou estúpido. Estou aqui para convencer Li-Wei a não me entregar.
Safidi soltou suas mãos das dele e o empurrou.
— Você fez isso? Que desonra!
— Eu me arrependi, Safidi.
— O arrependimento não o livrará das consequências. Você vai perder sua aldeia.
Safidi se virou e saiu ignorando as súplicas de mestre Izuo.

A saída de Li-Wei foi antecipada e mestre Izuo foi convocado a se retirar da Aldeia Pinheiros e morar sozinho num povoado vizinho. Apesar de saber que estava certo o tempo todo, mestre Hidetaka não relutou em visitá-lo.
— Oi — cumprimentou mestre Hidetaka, sorrindo. — Posso entrar?
— Pode.
— Sua neta me pediu para que trouxesse essas pinhas a você.
— Obrigado. Sente-se. Preparei chá de azaleia.
Mestre Hidetaka se ajeitou na almofada e agradeceu enquanto mestre Izuo enchia sua xícara.
— Pensei que você seria a última pessoa que viesse me visitar.
— Talvez eu seja — riu mestre Hidetaka.
— Fale. Jogue sua raiva e alegria ao mesmo tempo sobre mim. Eu mereço ouvir calado, afinal, fui injusto com você e com Chieko.
— Chieko não o odeia. Ela o defendeu quando eu disse que suspeitava da sua culpa em relação à destruição de minhas árvores. Hoje, eu não vim me comportar da maneira que você esperava. Eu admiro por ter assumido seu erro e não ter colaborado com os novos planos de Li-Wei. Eu sempre o considerei como irmão caçula e vou continuar a amá-lo. Se depender de mim, nossa amizade não terá fim.
Diante dessas palavras, mestre Izuo não deteve sua emoção. Levantou-se, ajudou mestre Hidetaka a se levantar e o abraçou como há muito tempo não fazia. A imagem daqueles dois jovens se abraçando depois de um treinamento de arco e flecha, quando mestre Izuo tentou ensinar e aconselhar mestre Hidetaka a não desistir e lançar as flechas até conseguir. Eram amigos, eram irmãos.
— Safidi a ama e desta vez, você precisa lutar por ela. — Mestre Hidetaka deu dois tapas levemente em seu ombro e se despediu. — Agradeço pelo chá, mas o meu é melhor. — Os dois riram.

No dia em que Li-Wei foi encaminhado para a nova prisão, ele acabou passando mal, desmaiando diante de dez soldados. Teve de repousar num dos aposentos da assembleia, no primeiro andar. Com febre, Li-Wei dormia, mas perto de acordar, ouviu pisadas se aproximando. A porta rangia ao ser aberta e ele evitava abrir os olhos, deduzindo ser um dos guardas.
— Li-Wei... — A voz pronunciava seu nome, o medo o pressionava. Aquela voz era conhecida. — Acorde, Li-Wei.
A obediência venceu o medo e Li-Wei abriu os olhos, reconhecendo a imagem da pessoa que falava.
— Jia-Li?
Ela sorriu e cruzou os braços.
— V...você! — Li-Wei se levantou abruptamente, mas ainda sentia uma tontura por causa da febre, ele acreditava que estava delirando.
— Estou viva, Li-Wei. — Ela falava sorrindo e não se movia do lugar.
Li-Wei se recostava na parede, esfregando os olhos, tentando tirar a imagem de Jia-Li, mas acabou desamaiando.
Horas depois, quando voltou a acordar, três soldados apareceram para levá-lo até o navio.
Um dos soldados se aproximou e Li-Wei fingiu passar mal em seus braços, mas habilidoso como era, puxou a adaga de sua própria vestimenta e se levantou para encostar no pescoço do soldado.
Aproximava da janela enquanto mantinha o soldado em refém, então pegou a espada do soldado e conseguiu sair do quarto através da janela, correu em direção ao mar, mas um vulto atrapalhou seu caminho, sentiu algo raspando seu nariz, colocou a mão sobre ele e viu sangue em seus dedos. Olhou para o lado em que havia saído o vulto e viu Jia-Li a metros de distância, posicionada com arco e flecha, pronta para lançar a próxima.
— Merda! Você está viva. — Li-Wei urrou, limpando o nariz.
Jia-Li avançada em posição de disparar a flecha, aquilo imobilizava Li-Wei. Jia-Li parou quando a distância entre os dois era menos de dois metros. Ela puxou uma espada de sua bainha esquerda e jogou aos pés de Zheng.
— Vamos lutar, imbecil! Mate-me direito! — Ela gritou e guardou seu arco e flecha. Puxou sua espada da bainha direita e os dois iniciaram com as espadas cruzadas debaixo do sol refletido pelas lâminas.
Li-Wei empunhou sua espada e correu de encontro a Jia-Li, que o aguardava em uma posição favorável para defender seus pontos vitais.
Jia-Li desviava dos golpes de Li-Wei, que insistia em acertá-la na cintura.De repente, o braço de Jia-Li foi atingido, deixando transparecer um filete de sangue.
Os dois não pararam, feridas eram explícitas por todas as regiões tanto em Li-Wei quanto em Jia-Li.
Sangrando, Jia-Li conseguiu se levantar com dificuldade e pressionando o ferimento próximo da barriga, ergueu sua espada e avançou em Li-Wei, que já não suportava mais lutar.
— Levante-se!!! — Jia-Li não conseguiu chegar rápido como antes, parava para respirar e estancava o ferimento mais grave na região da costela.
O sol daquela manhã era tão forte que ofuscava o céu azulado. Uma corda pendurada encostou na ponta do nariz de Li-Wei; ele avistou acima de sua cabeça, um enorme dragão domado por um de seus soldados. Li-Wei segurou a corda e se ergueu no ar. Jia-Li gritava incrédula.
Mestre Long, que se aproximava ao lado de Zheng, reconheceu o dragão que erguia Li-Wei.
Ao ver mestra Jia-Li cair novamente no chão gemendo de dor, mestre Long correu para socorrê-la.
— Mestra Jia-Li!!!
Mestre Long a abraçou fortemente, esquecendo-se das feridas que ela possuía abertas.
— Sya me disse que estava viva. Ela também me falou que foi um pedido seu. Ela esteve na Aldeia Vitória-Régia e você a aconselhou a mentir para tentar capturar Li-Wei.
— Idiotas!!! Há-há! — Li-Wei, agarrado à corda, ria e zombava de mestre Long. — Pensou que seus filhotes haviam morrido? Meu exército envenenou os seus dragões e os domaram.
— Somente discípulos da Aldeia Dragões da Flecha são capazes de domar os dragões, além de alguns alunos de mestra Jia-Li — disse mestre Long, perplexo.
— Pois é, agradeça a Zheng.
Encolerizado, Zheng ergueu seu arco e flecha, mirou contra a perna de Li-Wei, retesou a corda e a flecha foi disparada até afundar na perna de Li-Wei.
— Aiii!!!
Zheng foi até onde Li-Wei gritava de dor por causa da perna atingida.
— Estou aqui para corrigir meus erros — disse enquanto carregava seu tio nos braços.
Li-Wei permaneceu na prisão temporária, mas sua viagem não passaria daquele dia.
Zheng foi visitá-lo instantes antes.
— Por que, Li-Wei? Por que tanto ódio? — Zheng perguntava e estendia o braço em forma de reconciliação. — O senhor é meu tio, eu fui criado por mestra Jia-Li. Por que não soube ser meu tio quando eu mais precisei?
— Porque meu desentendimento com Jia-Li dura há mais tempo do que você pensa. Eu amei Jia-Li na adolescência e ela sempre me desprezou. Ela era apaixonada pelo seu pai; eu sempre briguei com seu pai por tantos motivos banais até se transformar em ambição, tomada de terras, direitos. O reino de seu pai não durou e logo após sua morte, o reino acabou se juntando ao meu. Ele casou-se com sua mãe e Jia-Li teve de aceitar a rejeição. Seus pais morreram e ela acolheu você.
— Por que ela e não você?
— Porque eu jamais lhe entregaria o trono. Nunca deixaria para que você pudesse ocupar posteriormente sua parte, unir os dois reinos era vantajoso para mim. Jia-Li temeu que eu matasse você, mas eu não faria isso, porém minhas atitudes diziam o contrário. O tempo nos tornou inimigos e eu desejava ardentemente ocupar as terras de Jia-Li.
— E o baú?
— O baú era a forma de eu tomar a Flor de Lótus inteiramente. A Aldeia Flor de Lótus é conhecida por ser a aldeia mais fortificada, pois ela possui armadilhas engenhosas. No baú, há escrituras sobre essas criações e nas minhas mãos, esse conhecimento serviria para ter sucesso na invasão contra Jia-Li e sua imensa aldeia.
Zheng se afastou da grade, mas Li-Wei o chamou, mansamente.
— Meu sobrinho, eu nunca o mataria. Eu sei que errei e não mereço o seu perdão, porque minhas ações ultrapassaram minha intenção, mas saiba que fui contaminado pela obsessão de amar uma mulher que eu não merecia e da ganância de conquistar territórios. Tudo isso por vaidade. — Li-Wei colocou seu braço para fora e agarrou o pescoço de Zheng cuidadosamente, forçando-o a encostar o rosto na grade e beijou sua testa.
— Você é como um filho, mas o reino é minha vida, então se quiser permanecer vivo, tire-me daqui. —Li-Wei puxou uma adaga do bolso e ameaçou Zheng.
—Eu não me importo. Não vou tirá-lo daqui. Me matar será sua única opção, titio.
Li-Wei bufou furiosamente e cuspia em seu rosto, forçou a ponta da adaga no pescoço de Zheng, algumas gotas de sangue caíam.
— Merda! Eu amo você, moleque! — Li-Wei afastou a adaga do pescoço de Zheng.
Li-Wei dobrou os joelhos, caindo no chão, ofegante, deixando a adaga escorregar de seus dedos. Sua testa era pressionada pelas grades de ferros, que repartia seu rosto com marcas.
— Eu nunca mataria você, merda!!! Sai daqui! Suma da minha vida, Zheng.
Zheng se ajoelhou no chão ao lado de seu tio, as lágrimas foram compartilhadas ente os dois. Mais uma vez, Zheng esticou seu braço para dentro da cela. Li-Wei apertou e beijou sua mão.
— Case-se com a mulher de seus sonhos e se não for correspondido, aprimore-se como um ser humano e se torne o rei daquela pequena população, que eu deixei na miséria. Seja o homem forte e supere as dificuldades, não faça os outros infelizes só porque você está. A felicidade e a infelicidade andam juntas e se alternam na hora certa. Eu agradeço por Jia-Li ter o protegido de mim, eu não seria uma boa influência a você. Retire-se, Zheng.
— Obrigado. — Zheng se levantou e saiu sem olhar para trás, deixava o único ser vivo de elo de sangue para trás.
— Jia-Li, perdoe-me por transformar meu amor por você em ódio — pensou Li-Wei.
Zheng saiu correndo, enxugava as lágrimas e soluçava, mordia os lábios.
Encontoru-se com mestre Phomello pelo corredor estreito.
— A conversa não foi agradável, certo? — perguntou Mestre Phomello, conformado.
— Estou chorando aliviado, mestre. Meu tio se arrependeu, pois, tornou-se uma pessoa melhor.
— Conversei com Dong e ele concorda em deixá-lo ocupar seu trono legítimo.
— Não quero ser herdeiro de nada, mestre Phomello. Dong é a pessoa certa, foi general de meu tio, portanto ele saberá corrigir os erros dele. Ele saberá administrar aquele reino.
Mestre Phomello balançou a cabeça positivamente e os dois continuaram a caminhar para fora da torre.

Uma festa foi organizada para o casamento de mestre Long e mestra Jia-Li.
— Obrigado por cuidar de mim como um filho, mestra.
Jia-Li abraçou Zheng e o entregou o baú, o mesmo que este rodeando pelo castelo de Li-Wei.
— Esses três cristais representando as flores de Lotus foram entregues pelos meus avós. Relíquia perpetuada através de gerações. Meu pai não foi presenteado, porque preferiu não se responsabilizar pela academia, mas eu cresci aqui. Então, ocupar este lugar é também herdar esses três cristais. Um dia, você será representante desta aldeia e será o novo mestre que todos admirarão. Eu sei que você se negou a assumir o reino da Folha Dourada, mas eu não vou deixar que se negue a ser um futuro mestre das artes marciais.
— Obrigado. — Zheng pegou o pequeno baú, fez uma breve reverência e se retirou agradecendo assiduamente.
—Parabéns, Zheng — parabenizou Sya, degustando uvas. — Você quer?
— Não, obrigado.
— Então, vou deixá-lo em paz.
— E quem disse que sua ausência me traz paz? — Zheng encarou Sya.
— Obrigada pela gentileza.
— Eu gosto de você.
— Eu também. Apesar de você se mostrar nervoso e frio, eu sei que é muito simpático e eu conheci esse seu lado.
— E...eu...não sou assim— gaguejou Zheng.
— Eu estou brincando. — Sya deu um tapa em seu ombro e gargalhou. — Eu não entendi uma coisa.
— O quê?
— Casamento. Por que Li-Wei falou que casaríamos?
— Ele não sabia o que estava falando.
— Como tio, ele queria arranjar um casamento para você. Um dia, a moça certa vai aparecer.
—Sim. E para você também.
— Já apareceu.
Zheng quase deixou o baú cair de suas mãos, boquiaberto, sentiu uma pontada no peito ao ouvir aquilo.
— Verdade?
— Sim.
— Fico feliz por você.
Ela não disse nada, apenas sorriu, Zheng desejou nunca ter ouvido e se despediu de Sya. Ele não suportaria permanecer sem derramar uma lágrima na sua presença.
— É você. — Sya murmurou para si mesma quando Zheng se afastou, desfez o sorriso e lamentou não ter contado a ele a identidade da pessoa que amava.

Zheng compareceu ao convite feito por Dong. Sua chegada agradou aos habitantes e o próprio Dong, que o abraçou. Era a primeira vez que pisava no reino da Folha Dourada; entrou no castelo e visualizou os quadros pintados por Meiying. O trono era dourado, com desenhos de folhas em diagonais como se estivessem caindo de árvores.
— Obrigado — agradecia Zheng.
— Aqui é seu lugar. Tem certeza de que não gostaria de ocupá-lo? — perguntou Dong.
— Meu lugar é na Aldeia Flor de Lótus e sei que fui designado a essa responsabilidade. Não vou decepcionar mestra Jia-Li novamente.
— Respeito sua decisão, rapaz. — Dong desceu os três degraus do patamar, que sustentava o trono e se aproximou de Zheng, entregando-lhe uma pequena caixa de bambu.
Zheng a pegou e agradeceu, pediu permissão e Dong autorizou. Zheng retirou uma flor de prata esculpida.
— Li-Wei guardou para seu herdeiro, mas ele não teve filhos, por isso eu entrego a você. É apenas um símbolo que Li-Wei criou para exaltar seu ego.
Zheng continuou observando a pequena escultura.
— Olhe para trás, Zheng.
Zheng se virou e viu seu tio com os cabelos amarrados, barbudo e uma roupa monocromática com o símbolo do reino.
— Oi, meu sobrinho.
— Li-Wei?
— Eu pedi para que a assembleia trouxesse Li-Wei da ilha. Seu tio está de volta para ensiná-lo. Dê essa chance a ele, Zheng. Hoje ele é meu conselheiro, aliás, seu tio está aprendendo todos os serviços que ele sabia comandar, mas não sabia fazer.
Li-Wei se ajoelhou diante de seu sobrinho, fazendo uma reverência. A cabeça pousava sobre os dorsos das mãos.
— Levante-se, tio.
— Perdoe-me, meu sobrinho.
— Sim.
Zheng o ajudou a se erguer.
— Seu pai está orgulhoso de ter um filho como você.
Zheng aceitou ser treinado pelo seu tio, porém se negou a ocupar o atual lugar de Dong. O treinamento seria a proximidade dos dois, mas não herdaria o trono de Li-Wei.
Dong deixaria de ser regente para ser o rei oficial da Folha Dourada.
Tio e sobrinho dispostos a mudar o passado; o treinamento ocorreria todos os dias, Zheng aprenderia a manusear espada, arma proibida de ser utilizada na aldeia Flor de Lótus.
— E aquela menina? Como vocês estão? — Li-Wei referia a Sya quando bloqueou um ataque de Zheng com a espada.
Zheng não entendeu e, logo, retirou sua espada do bloqueio.
— Que menina?
— Aquela que não sai do coração. A sua futura esposa.
Zheng baixou a sua espada.
— Ela não gosta de mim. Não quero herdar seu comportamento obsessivo. Temo ser rejeitado por ela e mudar por causa disso.
— Você é Zheng e eu sou Li-Wei. Somos diferentes. Criados em situações diferentes, você poderia ter ficado contra Jia-Li, mas me enfrentou, portanto você conseguirá superar os sentimentos ruins. Eu errei e não quero que repita meus erros. É melhor se sentir derrotado ao tentar, do que viver na dúvida e não conseguir prosseguir porque não tentou. Agora lute!
Li-Wei sorriu e simulou um ataque com a espada por cima de sua cabeça. Zheng se defendeu com sua espada novamente.
Sya foi nomeada para ser a nova guardiã da aldeia, recebeu das mãos de Zheng, seu novo uniforme. Uma túnica feminina rosa com detalhes verdes nos ombros.
— Seja bem-vinda, guardiã Sya — cumprimentou Zheng.
— Obrigada. — Sya agradeceu.
— Sya, eu preciso dizer algo a você. — Zheng não sabia como revelar seus sentimentos.
— Diga.
— Obrigado por ter sido minha amiga e ter me salvado.
— Eu amo você. — Rapidamente, Sya tampou a boca arrependida de ter falado aquilo.
Zheng sorriu e a abraçou apertadamente.


Capítulo XXI – Apresentação na Aldeia da Protea
A centésima primeira apresentação acontecia na Aldeia Protea.
Mestre Phomello recepcionava todas as outras aldeias com seu costumeiro sorriso largo e acolhedor, de um homem que se assemelhava a seu pai completamente. Dos pés à cabeça.
Chieko servia biscoitos enquanto mestre Hidetaka, chá.
— Aldeia Cerejeira, que havia sido suspensa na última apresentação feita na Aldeia Dragões da Flecha, será a primeira a se apresentar — comunicou mestre Phomello, saudando aos alunos, que desfilavam enfileirados, carregando seus arcos e aljavas preenchidas por flechas.
Atsuo seria o primeiro aluno a dar início, então pegou seu arco e flecha. Olhou para o público em volta e respirou fundo. A tremedeira retornou e o mesmo nervosismo, que sentia toda vez que pegava uma flecha, só aumentava a cada instante.
Mestre Hidetaka foi ao seu neto, apertou-o contra seu peito e afagou seus cabelos.
— Eu tenho orgulho de você. Sua coragem é minha coragem.
Atsuo chorou com medo de errar na frente de todos, pensou em desistir, mas aprendeu que quando desistimos de um obstáculo, acabaríamos desistindo dos próximos.
Aldeia Cerejeira, Aldeia Crisântemo Amarelo, Aldeia Dragões da Flecha, Aldeia Flor de Lótus, Aldeia Protea e Aldeia Vitória-Régia, todas reunidas em prol da paz. Ansiosos por Atsuo, todos gritavam seu nome e torciam para que ele conseguisse acertar o alvo. O menino estava decidido a ser um arqueiro, não decepcionaria seu avô, mestre Hidetaka.
— Vai, moleque! Estamos cansados de esperar. —Rindo, Zheng apressava Atsuo.
— Não fale assim com ele, Zheng — repreendeu Sya.
— Você vai conseguir, Atsuo. Lembre-se de tudo que você conseguiu absorver durante seu aprendizado — aconselhou Azibo.
— Tente quantas vezes for necessário, mas não desista — acrescentou mestre Phomello.
— Se esse moleque demorar para lançar essa flecha, eu vou dormir aqui mesmo — disse Mestre Izuo com os braços cruzados e a cabeça tombando de um lado para o outro impacientemente.
— Eu quero que todos os mestres se levantem e deem as mãos — pediu Atsuo com esperança de aliviar o tremor de seus dedos.
— Já foi difícil de sentar e agora quer que eu levante? Não vê minha idade, moleque? —resmungou mestre Izuo.
— Ele não vê seu tamanho, gorducho! — replicou mestra Chieko num tom de brincadeira.
Todos riram e decidiram seguir o conselho de Atsuo. Os olhos de Azibo cintilaram ao ver seu sonho se realizando, a união de todas as aldeias, principalmente, ver mestre Izuo sorrindo e amigável com todos.
Os mestres deram-se as mãos e as ergueram para o alto; imagens da juventude de cada mestre era refletida em suas mentes, seus rostos eram mergulhados no passado, mas também o futuro pacífico era a promessa que eles carregariam de agora em diante.
— Moleque, apresente-se logo, porque meus alunos não vão suportar mais o sol ardente, vamos! — insistia mestra Chieko, cansada de esperar.
Atsuo assentiu com a cabeça e se posicionou para dar o primeiro disparo certeiro ou fracassado da única flecha em sua mão. Olhou para trás para sentir o apoio de seu avô e, não diferente, mestre Hidetaka agitou os braços, gritando e o apoiando.
Todos vozeavam seu nome e ele sentia simultaneamente o amparo e o medo de desapontar sua aldeia, que passou por momentos difíceis.
Olhos atentos ao alvo numa distância de dez metros, suas tentativas anteriores não obtiveram êxito, mas desistir não estava em seus planos. Com as técnicas absorvidas durante o tempo que tentou várias vezes, retesou a corda, ancorou-a e, sem tremor nos braços, Atsuo respirou fundo e disparou a flecha.
















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