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O Sedutor - II
Lúcia Barbosa Jorge Henrique

Resumo:
Este personagem eu não o fiz; ele cresceu, veio a mim e insistiu em que eu o escrevesse e o fizesse tal como ele queria ser feito.

Quando novo, ainda garoto, pegava os livros do meu pai para lê-los. Ele era advogado. Advogado lê muito. Ele nunca pôs um livro em minhas mãos e nunca me proibiu de ler nenhum. Em vez disso, deixava-me perambular, folhear e fazer minhas escolhas. Eu remexia em tudo, vendo livros com ilustrações e sem ilustrações; livros jurídicos e de ficção. Eu os abria, fixava meus olhos e inventava histórias na minha cabeça com base num punhado de pensamentos que eu não entendia. Mas a palavra escrita sempre teve algo que me tocou. Às vezes, numa aula da escola vinha à tona algum conhecimento acumulado há muito tempo. Nessas horas, ficava mudo, chocado com a colisão momentânea de dois mundos que sob outros aspetos eram inteiramente separados.
               Livros, livros e livros.
               Nunca li nada infantil. Acho que foi daí que minha mente começou a ficar confusa. Das coisas que li, gostei. Tem uma música que diz assim:
               "Ele é uma criança não entende nada
               Eu ia satisfeito e mudo
               Eu era um homem entendia tudo"
               Assim que me sentia. Mas eu tinha um segredo: eu queria era impressionar ela. Nunca mais falei seu nome. Não é agora que vou quebrar este hábito.
               Meu pai deixou-me uma sala que de escritório transformei-a em consultório. Tinha convênio com quase todos os planos de saúde. Trabalhava muito e ganhava pouco. Um dia, um desses planos me descredenciou, e era justo o que eu tinha o grosso da minha clientela. Uma amiga disse-me:
               — Fica tranqüilo, as mulheres não vão ao seu consultório para serem examinadas e sim apalpadas. Você como médico é bom. Porém, como homem é melhor ainda.”
               Opinião feminina deve ser ouvida. Sou um sujeito lúcido, observador. Também acho que isso não existe, todo mundo é influenciado por sua libido, religião, condição social, idade, tônus muscular, e até mesmo — quando homem — tamanho do pênis. Eu estava viciado a consultas de quinze minutos e sala de espera lotada. Essa mesma amiga é decoradora–arquiteta. Quando estava chegando ao fundo do poço, ela me propôs sociedade. Achei a proposta meio louca, mas topei. Já que não tinha uma sala e sim um conjunto de salas, quer dizer, eram duas salas com uma de espera. Uma dessas salas que eu usava como depósito das coisas do meu pai e não sabia o que fazer, cedi para ela. Ela redecorou tudo, inclusive meu consultório. De repente, a sala de espera que vivia lotada de velhotas, passou a ser freqüentada por mulheres maravilhosas. E como uma coisa puxa outra, as clientes dela tornaram-se minhas pacientes. E aí eu passei a trabalhar pouco e ganhar muito.

                   Falei em cachorrada, tenho que ser mais explícito. Um dia abri meu e-mail em frente à Carol, percebi que ela me observava e fazendo-me de tonto, teclei minha senha vagarosamente. Num outro dia, abri um e-mail com um nome feminino e passei a mandar-me e-mail. Sabia que ela os lia depois de eu tê-los aberto. A mulher fictícia queria seduzir-me e as possíveis respostas — que não existiam — ela desconhecia. Pensei que isso iria esfriar nossa relação. Porém, para minha total surpresa, Carol tornou-se uma amante ardente. No começo da nossa relação, ela me incendiava, agora, só me fazia suar. Numa transa, olhei-a gemendo de boca aberta, achei que ela parecia um passarinho desesperado por alimento. É foda quando começo ver as coisas desta forma. Mudei de plano. Mulher perdoa tudo, menos dar em cima de sua melhor amiga.
     Márcia ligava para Carol frequentemente e quando eu atendia, dizia:
               — Carol, é Márcia.
               Apesar de achá-la gostosa, nunca dei muita atenção. Não vale a pena complicação dentro de casa. Confesso que não sei o que é melhor, fazer amor com uma mulher grande, carnuda ou uma pequena, mignon. E tudo para Márcia era signo. Então, no conversa vai e conversa vem, pedi a ela que falasse do meu signo. Ela se animou toda.
             — Primeiro, deixa eu fazer uma coisa - disse-me.
             Pegou umas cartas em sua bolsa, acho que de tarô e pediu-me que eu repartisse o baralho. Embaralhou e pediu-me de novo:
             — Corta com a mão esquerda.
              Depois foi puxando uma carta após outra: um moço, uma loura com cara de perigosa, um rei arrogante, um velho corcunda, uma figura insignificante... E começou a leitura das cartas nas suas múltiplas combinações. Eu não estava nem aí para o que ela falava, só escutava sua voz límpida me deliciando, achei que seu corpo se encaixaria perfeitamente no meu. E com seus olhos em mim, descobri seu colo. Sempre achei os ossos chamados de saboneteira bem evidentes lindos. Mulher pode ser burra para tudo, têm algumas que não percebem um palmo na frente do nariz, mas elas sempre sabem quando estão sendo assediadas. Márcia ficou recatada e reconheço que esta atitude não deixou de ter seu encanto. Ela se levantou:
              — Qualquer dia a gente continua — disse-me.
             Sua voz ganhou um tom que atingiu meu orgulho. Tem mulher que dá trabalho.
     Resolvi dar uma volta. Aquelas duas mulheres juntas estavam me deixando nervoso. Sai e desliguei o celular. Bastava eu estar na rua para Carol me ligar pedindo que eu comprasse algo que tinha acabado.     
              Cheguei tarde e demorei para dar tempo de não encontrar com a Márcia. Atravessei a sala na ponta dos pés, pisando com cuidado para não fazer ruído. Carol repentinamente apareceu com as mãos na cadeira e gestos fartos:
              — Onde é que você estava? Desligou o celular. Foi encontrar com a mulatinha?
             Não entendi o que ela quis dizer “com a mulatinha”. E continuou:
             — Você acha que eu não sei de nada?
             Foi aí que entendi. A minha amiga virtual que não existia, passou a existir no imaginário da Carol e ela era mulata.
             — Você anda fuçando meu e-mail? — falei indignado, olhando para ela, irritada, nervosa, com um tique hilário, ela coçava o nariz muito rápido, parecendo que espanta um inseto. Nem sei se convenci porque cara de indignação misturada com riso preso não dá muito certo.
              — E por que você acha que Cleide Maria é mulata. — perguntei.
              Durou algum tempo este confronto. Pensei em soltar no meio da discussão: “vamos dar um tempo”. Isso é errado, fere a mulher. Apesar de canalha, tenho meus princípios. Saí de cena fazendo o papel do “tô puto”, entrei no chuveiro e Carol entrou depois toda chorosa.
             Comi Carol e para usar de franqueza, gostei.
          
             A cidade do Rio merece que se ande a pé. Para que carro? Olho para todas as mulheres que passam. Lembra quando disse que minto mais para mim do que para os outros, estou mentido agora. Sempre a procuro, em todos os lugares, sempre na esperança de um dia vê-la, nem se for por um segundo. Até imagino o diálogo:
            — Oi, há quanto tempo? Você por aqui?
             Muitas vezes encontro sua lembrança em alguma esquina; subitamente me sinto vivendo uma tarde antiga, como se a vida tivesse voltado um instante; paro um momento e regresso ao dia de hoje. Só quando penso nela, entendo quando Carol diz “te amo”. É outra coisa que me incomoda o tal do te amo. Estou fodendo gostoso, estou a fim de escutar “mete em mim” ou qualquer sacanagem do gênero e Carol vem com “te amo”. Puta-que-pariu, o que responder? Isso exige resposta. Vejo isso nos olhos dela. Sou obrigado a dizer: “eu também”. É foda.
             Uma mulher passou por mim fantasiada de malhadora — ou malha em alguma academia por perto ou é daquelas que caminham na praia, pensei — ela me olhou nos olhos. Alguns passos adiante, confesso que achei que ela voltaria a cabeça para trás, mas não voltou. Senti vontade de segui-la. Sempre tenho este ímpeto, mas não vou adiante e vejo-as indo embora com seus passinhos encantadores. Fica um sentimento do amor almejado e perdido. No fundo sou um romântico.
            Li muito romantismo na adolescência: Castro Alves, Gonçalves Dia, Fagundes Varela. Têm coisas marcam você, sabe.
            Devia ter me agarrado de unhas e dentes a oportunidade que tive, sei disso, mas a carne é fraca e Carol bem gostosa. Sei que estou ferrado. Márcia apareceu na minha sala de espera e quando a vi, gelei. Não gosto de misturar paciente com transa, não dá certo. Ela se levantou, deu-me dois beijinhos e disse que esperava à Mônica, estava redecorando seu apartamento. Saí do consultório tarde. Resolvi comer algo no bistrô que fica no mesmo prédio do meu consultório e a comida me agrada. Quando descia uma escadinha que se comunicava com outra sala, e mal entrando nela, tenho que admitir: Deus é brasileiro. No meio do barulho de pratos sendo remexidos, máquinas de café expresso em ação, pessoas agarradas aos seus celulares, dei de cara com a Márcia. Uma coisa é dar em cima da amiga para obrigar a mulher que você está vivendo tomar uma atitude, outra é realmente estar a fim de comer a amiga. E Márcia com aquele jeitinho de difícil, ar arrogante, estava me tirando do sério. Ela sentou-se à minha mesa e eu delicadamente servi-lhe uma taça de vinho enquanto escolhia o que comer. Trocamos de um assunto para outro, e ela fazendo caras e bocas falou o suficiente para se mostrar sensual, que adorou a Mônica, suas idéias para o projeto. Não ria, mas nos seus olhos cor de mel escuro havia uma pontinha de ironia que ao mesmo tempo me observava e estudava. Mesmo assim deixava que eu a contemplasse sem o menor constrangimento. Continuamos com o vinho e eu soltei minha mão em cima da dela no meio da conversa; ela despistou, levantou-se:
             — Está na hora de eu ir — disse-me como se me dissesse “quem é a dona da situação aqui sou eu”.
             — .....
             — Você acha que eu me sinto atraída por você?
             — Acho que está.
             — Ainda não tanto como você por mim.
             — Nenhuma mulher resiste a um homem apaixonado.
             — Quer dizer que você está apaixonado por mim?
             — Não. Mas eu finjo bem.
              Ela tentava controlar a respiração acelerada. Sístole. Diástole. O pulsar, a descarga. O coração é um músculo. E o das mulheres, coitadinho, como trabalha!
             Quando nos despedimos, um instante depois, esquecendo que eu era o lobo mau e ela, chapeuzinho vermelho, em vez da bochecha me ofereceu os lábios, e senti nos segundos que ficaram encostados nos meus, que se moviam devagarzinho, numa carícia suplementar cheia de malícia.


Continua...




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lbjh0111@gmail.com
     


Biografia:
Lúcia B. Jorge Henrique é mineira de nascimento e niteroiense de coração. É economista e especializou-se em Mercado de Capitais. Trabalhou nesta área durante quinze anos. É casada e mãe de Polyana. Como profissional do mercado e mãe, optou em abandonar a carreira e dedicar-se à educação de sua filha. No circo de horrores que o Estado do Rio de Janeiro vive, em uma tarde ensolarada de uma sexta-feira, foi seqüestrada à vista de todos que passavam, por três jovens armados que entendem ser o seqüestro uma forma fácil de ganhar a vida. Frases textuais dos marginais: — Tia, é mole pegar mulher, ela não reage, só dá uns gritinhos. Aí a gente dá umas porradas e ela fica logo quieta. Depois de dezoito horas de cativeiro e ter vivido no limiar da vida e da morte nasceu a ânsia de exteriorizar pensamentos e emoções através da palavra escrita.
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