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O MENINO DA FLORESTA
n-
SUELI COUTO ROSA

Resumo:
José, um menino que nunca havia conhecido outro mundo senão a floresta, mas era muito curioso e queria conhecer o mundo da cidade...

O MENINO DA FLORESTA

José, desde pequeno, vivia resmungando pelos caminhos poeirentos de sua terra. As perguntas sobre como todas as coisas iniciaram, porque estavam ali e não em outro lugar, nunca eram respondidas.
- Será que o mundo é tudo igual, tudo se parece com aqui? As matas, os igarapés, os botos, os peixes e os pescadores, os mateiros da floresta, existem em todo lugar?
Queria saber. Ouviu alguns adultos dizer que não, que logo ali, a poucos dias de barco, as coisas eram diferentes. Haviam carros no lugar dos barcos, as casas eram iluminadas, não por velas e candeeiro, mas por luz que vem por um fio instalado em um poste. O caminho, que chamam de rua, é coberto por um tipo de barro negro. Ah, as pessoas não pescam nem caçam sua comida. Elas ficam em uma casa chamada mercado onde todas os mantimentos e roupas são guardadas em prateleiras. Tudo é trocado por dinheiro, não por outra coisa.
Que mundo diferente é este que chamam de cidade?
- Pai, quando você vai me levar lá no outro mundo?
O pai, aperreado, resmungou. - Não sei, lá não é lugar para gente como nós, que não tem leitura!
- Mas, pai, eu quero ter leitura. Como faço para aprender?
- José, já falei pra você que é difícil ir na tal da escola. Tem que ir de barco, são muitas horas e só volta de noite. Não é coisa que vale a pena. Nenhum de seus irmãos precisou ir.
- Mas pai, eu já vou fazer 7 anos. Me deixa ir aprender leitura.
- Cala boca, José! Você está sempre com estas ideias e fazendo perguntas. Porque quer saber tudo? Você nem aprendeu a ler os caminhos da mata e os sons dos pássaros!
José não era muito dado às lidas da sua família e dos outros meninos da aldeia. Mostrava-se molenga, desajeitado e até abobado. Os irmãos caçoavam dele todo o tempo. Não gostava de jogos de competição no rio e não se entusiasmava com as atividades diárias da vida na roça. Sempre que podia, refugiava-se em seu próprio cantinho, calado, tentando ser quase invisível, resmungando para si mesmo. Se existia outro mundo, porque ele tinha que viver só neste?
Quando terminava suas obrigações, escapava para o alto da velha seringueira e lá ficava por horas, imaginando-se em um outro mundo. Nas noites estreladas contava estrelas pela brecha da janela quebrada. Notou que as estrelas nem sempre apareciam no mesmo lugar e não conseguia entender porque. Chegou a anotar as datas em que as via. - - antes do seu aniversário a estrela estava no meio da fresta da janela. Depois da colheita de milho, mal conseguia ver o brilho dela.
Ah, sim, contar ele sabia.... gostava de calcular! Juntando coisas, ou somando os grãos, os animais, a colheita e até as estrelas que via e as que não via mais. Parecia que nunca daria para saber quantas eram. Ele era o melhor em contas lá da sua casa. Para isto ele era chamado!
Nos dias de folga das lidas José gostava de embrenhar-se pelas matas, trilhando o caminho dos animais e dos homens, até uma colina de pedras. Sentava-se em uma delas e sentia-se em seu próprio mundo. Ali, ninguém o via ou ouvia. Podia cantar, inventar estórias, falar em voz alta, observar os lagartos e outros insetos em sua busca por alimento entre as folhas secas do chão. Ouvia os ruídos de pássaros e outros animais da mata e lhe parecia que estavam conversando. Um fazia um som e o outro respondia.
Não existia silêncio. A natureza era um ruído só, assim como a sua mente. Esta, nunca parava de pensar, perguntar o porquê e o como de todas as coisas.
Para a família, o menino era estranho e incomodava a todos com sua mania de fazer perguntas. Em casa, isto era um problema porque ninguém tinha respostas. Retrucavam com gargalhadas, gozações, sem contar com a cara feia do pai.
-Para que fazer tanta pergunta, menino? Você é burro, é?
Ele também se perguntava se era burro. Não via seus irmãos querendo saber o porquê das coisas, e respondiam com galhofas quando lhes perguntava.
Um dia, viu chegar um tio, que vinha da cidade. Trouxe uma prenda para sua afilhada, irmã de José. O presente estava embrulhado em um papel todo colorido, cheio de letras, e fotos de pessoas. Claro que José queria muito ver aquele papel.
Perguntou ao seu tio se ele já tinha leitura e se sabia o que estava escrito. O tio, envergonhado, balbuciou algumas palavras. Por fim disse que só tinha ido na escola poucos meses. Mas sabia que para ler era preciso juntar as letras e que elas eram muitas e diferentes. O tio revelou então: seu nome José, igual ao meu, escreve assim. Com um pedaço de carvão sobre uma madeira o tio escreveu JOSE e explicou:
- Veja, este O e este E estão ao lado do J e do S. Existem muitas outras letras, mas 5 são importantes: a, e, i, o u, e as escreveu também com o carvão. Essas letras se juntam nas outras letras e fazem o som dos nomes das pessoas e das coisas. Então, concluiu ele, escrever é colocar sons nas letras e depois você as lê.
Desde este dia, José não deu mais sossego para seus pais. Queria porque queria ir para a escola. Também nunca mais se descolou do papel de embrulho, que era apenas uma folha de uma revista de moda. Procurava decifrar o que estava escrito. Precisava disto, mais que tudo.
Também queria saber o significado de cada uma daquelas palavras que aprecia naquele papel. Buscava saber, analisando as formas de cada uma, vendo que muitas se repetiam, juntas ou afastadas. Intrigado, queria identificar seus segredos. Mas elas eram tantas, infinitas como as estrelas. Ficava angustiado por querer saber o significado das palavras e das coisas, mas não tinha a quem recorrer pois ninguém sabia ler na sua aldeia.
Um dia, após acabar a época das chuvas, seu tio José apareceu de novo. Desta vez, chegou junto de José, passou a mão em sua cabeça e disse:
- José, falei com seu pai e vou levar você para morar comigo na cidade. Você vai para a escola. Você quer?
José ficou mudo de tanta emoção. Não era possível que isto iria acontecer. Ajoelhou-se aos pés do tio e beijou suas mãos, pedindo-lhe a bênção. No fundo de seu coração ele agradecia ao tio, mas na verdade queria abençoá-lo. Só podia ser um anjo mandado por Deus aquele tio que ia levá-lo para conhecer o outro mundo e ainda ensiná-lo a ler!


Biografia:
Socióloga, professora universitária aposentada, escreve poesias, crônicas e contos, aproveitando seu tempo livre.
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