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Encontros e desventuras
Luiz Eudes

Lá estava ele no hall de um famoso hotel na capital baiana numa manhã quente de verão soteropolitano, onde participaria de um encontro de classe. Agendada também estava a ida para a Cidade do Ouro, sendo feita em companhia de Araújo, apesar de adoentado.
Numa destas coincidências, Aloísio encontrou no hall do hotel o seu amigo Alfaya. Conversaram fartamente. Tempos idos e vividos afloraram, lembranças de um passado livre do menino que corria solto nas ladeiras do Junco e, quando queria, auxiliava o seu pai nos afazeres da mercearia. Ouvindo histórias de além Rio São Francisco, do outro lado da Bahia. E foi assim que Aloísio não titubeou em aceitar o convite do amigo Alfaya para estender uma viagem de Jacobina até Juazeiro da Bahia. O amigo Alfaya lhe propôs seguirem juntos até Juazeiro e Petrolina, separadas pelo Velho Chico e unidas pela ponte D. Pedro II.
Tudo acertado, Aloísio lançou-se à estrada em companhia do enfermo. Ao chegarem a Jacobina, a noite se fazia presente. Pernoitaram por lá e, dia seguinte, após compromissos cumpridos, foram ao encontro do companheiro que os esperava.
Como já imaginado, toparam com o amigo em um botequim de esquina, no centro da feira livre, copo com cerveja sobre a mesa e taco de snooker ao ombro, enquanto falava ao celular, circulando o bilhar e irritando Edmundo, o seu companheiro de carapanta e disputa, nervoso por estar perdendo por 4 x 0. Apresentações e brindes. Algumas partidas de snooker e muitos copos de cerveja depois seguiram viagem ao entardecer, embora tendo sido avisados por um desconhecido dos perigos da estrada, visto a buraqueira na rodovia asfaltada.
- Não vos aconselho seguirem neste momento. São algumas horas perigosas de viagem devido ao péssimo estado de conservação da BR. É melhor vocês permaneceram por aqui e vamos à casa de Tia Joana que lá há de tudo para comer. De tudo mesmo...
Contrariando as palavras do desconhecido, seguiram ao encontro do Velho Chico.
A noite logo os alcançou. Cães ladravam nas margens da estrada sempre que luzes se acendiam. E assim o possante veículo cruzava a rodovia enquanto os amigos proseavam. Parada estratégica no posto de combustível para abastecer o veículo e molhar a garganta. Cerveja gelada para todo mundo. Aloísio se lembrou de uma música do Velho Lua que diz assim: “Samarica, cervejinha, daquela do fundo do pote...”
Providências tomadas e novamente na estrada, não perceberam uma coruja conhecida por rasga-mortalha lançar o seu canto de agouro.
Envolvidos pelas latinhas de cerveja que tomavam, enveredavam, os amigos Alfaya e Edmundo, em conversas com pontos opostos. Discordavam sobre futebol e cidades. Alfaya defendia o clube esportivo Bahia e o Estado da Bahia, seu torrão natal, uma vez ser ele afilhado do Senhor do Bomfim, o velho Bonfa. Edmundo o contradizia, alegando que São Paulo é a bola mestra do mundo até mesmo no futebol. E o clima esquentou, Alfaya ao volante, produzindo mais velocidade e no calor da discussão coube a Aloísio e Araújo, sentados no banco traseiro apenas rezar. Rezavam todas as preces que sabiam e as que não conheciam, inventavam.
O locutor da Rádio Cidade pedia cautela aos motoristas que seguiam por aquele trecho da BR. De repente, luzes na pista. Sinais de alerta, carros parados ao longe. Os colegas discutiam movidos pelo combustível da emoção, em um embate que aproximava a agressões físicas, vez que morais já saltavam no ar. Palavras ao vento, agressivas sim, é verdade. Mas ao vento.
Aloisio percebeu um movimento grosseiro do motorista, um fechar de punhos com ameaças de socos. Outro pensamento não lhe ocorreu se não o de pedir clemência:
- Valei-nos meu Deus, nos ajude...
Surge uma cratera na pista pavimentada, não sendo possível ao motorista o desvio, nem mesmo a freada brusca pode evitar o baque. O tombo da salvação.
- Edmundo, você foi salvo por este buraco. Eu iria lhe desferir um soco agora mesmo – Disse Alfaya, se refazendo do tombo.
- Você é que iria tomar um tiro para aprender a respeitar opiniões – revidou o colega, mostrando-lhe o cabo do revolver a aparecer em um bochete de couro.
- Os dois estão errados - interferiu Araújo. Nós todos fomos salvos pelos pedidos de proteção de Aloísio. Graças às preces dele é que o carro caiu nesta vala e vocês encerraram a discussão.
Ao tentar sair, Alfaya percebeu que havia um pneu furado. Seguiu assim mesmo até a borracharia que estava há pouco mais de cinqüenta metros. A noite estava calorenta. Pingos grossos de chuva ameaçavam cair sobre os viajeiros quando pararam em frente à borracharia com o pneu em estado lastimável.
Um cachorro veio ao encontro dos aventureiros, seguido de um deficiente físico que lembrou de imediato o Corcunda de Notre Dame. Além do seu aspecto diferente, o serviçal era surdo e mudo o que dificultou, a princípio, o diálogo. No desenrolar do serviço, o atendente mostrou força de vontade em trabalhar, em servir e em vencer o obstáculo apresentado naquele instante, que deixou os quatro cavaleiros estupefatos.
- Tudo isto serve para que nós tenhamos uma nova visão do mundo e das pessoas – disse Alfaya, abraçando-se ao parceiro que o desculpou com lágrimas nos olhos.
Pneu trocado, reabastecidos de cervejas, contas pagas, os viajantes prosseguiram. Não foram felizes nesta empreitada. Alguns quilômetros depois outro buraco e outro pneu furado. Não havia mais pneu socorro nem menos borracharia próxima. Fazer o que? Com as mãos por trás da nuca, Aloísio clamava aos céus por socorro.
Veículos leves e pesados cruzavam a BR, uns indo em busca do Eldorado, outros em volta de viagem, sempre neste ir e vir na busca incansável do sustento da família, embora se saiba que alguns seguiam viagem perseguindo a diversão tão somente.
Avistavam-se as luzes da cidade. Motorizados estariam bem próximos, mas seria uma longa caminhada a pé em busca de socorro. As esperanças se esgotavam com o passar das horas. As lembranças do aviso do desconhecido se faziam fortes, os trinados da coruja martelavam como se repetidos. A noite estava escura e não havia sinais de estrelas no céu. Um carro trafegava ao longe em um ziguezaguear tresloucado. Aproximou com brevidade, devido ao excesso de velocidade.
Olharam-se os quatro assustados quando o motorista parou o carro ao lado deles e de dentro surgiu um sujeito magro, alto e com um chapéu na cabeça e que logo foi mandando o seu recado:
- Vocês são uns loucos, isto aqui não é lugar de parar. A não ser que vocês não temam alma penada, nem ladrão. Trafego por esta estrada todos os dias, tenho visto coisas terríveis acontecer. Vou levá-los a um local seguro onde farão os reparos do veículo. Eu avalizo vocês por lá, se necessário for.
E somente assim conseguiram atingir o objetivo da viagem já alta madrugada. Esbodegados, mas felizes pelo desfecho dos fatos e por tudo que aprenderam naquelas horas.


Biografia:
Luiz Eudes é autor de Noite de Festas e Tempo de Sonhos
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