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A segunda chance
Aline Oliveira Ramos

Era uma tarde com um clima gostoso, ventava muito e eu estava cuidando do meu jardim. Me sentia bem, aos 33 anos, já havia publicado meu segundo romance e com o dinheiro das publicações, conseguira realizar um sonho antigo: O de ter um humilde e charmoso "Château" no sul da França. Morava sozinha, mas tinha vizinhos muito simples e amigáveis, que, a qualquer chamado de urgência de uma iniciante moradora solitária, eles atendiam sempre com um carinho e uma paciência incríveis!

Já havia me acostumado de morar em um país estrangeiro. Eu tinha feito amizades importantes, e que eu sabia, eram para a vida inteira. Uma delas, se chamava Vineyard, haviam dez anos que ela abandonara os EUA, para se render ao estilo de vida simples do campo. Era ela quem sempre me ouvia, me dava conselhos e que apesar da diferença de idade, 11 anos, éramos grandes amigas. Acabava de voltar da casa dela, quando lembrei que tinha um livro para revisar. Sentei em meu escritório para começar a trabalhar quando da janela, avistei aquele dia lindo lá fora e resolvi descer para olhar minhas flores.

Quando estava ali no meio do meu jardim, eu vi alguém de longe na estrada se aproximando do meu portão. Era um homem magro, de estatura média que apesar do ar cansado, de quem fazia uma longa caminhada, aparentava ter um rosto jovem. Na medida em que ele se aproximava, aquele rosto mais me parecia familiar. De repente me lembrei de alguém, alguém que não tinha esquecido e pensei que poderia ser ele. Mas já estava acostumada a enxergá-lo em tantos rostos diferentes, que me desfiz da ideia.

Ele estava com um boné e caminhava olhando para o chão, não havia reparado que eu estava ali. Quando levantou o rosto, a expressão era de quem acabara de me reconhecer. E veio sorrindo em minha direção. Eu ainda não havia reconhecido e estava tentando lembrar se era alguém de algum lugar dali perto, mas não era nenhum vizinho ou conhecido da região. Porque carregava uma mochila grande nas costas, era um viajante.

Quando se aproximou do meu portão e retirou o boné, eu não queria acreditar, era ele! O rosto que eu tentava em vão esquecer todos esses anos. O homem que me fez abandonar o Brasil sem olhar para trás. Aquele que amei a vida toda, mas me decepcionou tantas vezes, que tinha perdido a esperança. Eu estava estática, sem qualquer reação, não conseguia acreditar, pensava que estava confundindo ele com outro rapaz de rosto parecido. Mas quando ouvi sua voz, não tive mais dúvidas:

— Oi, Lívia!

Eu tentei me recuperar do choque, e do turbilhão de emoções que se encontravam em mim, naquele momento. E disse:

— O que você está fazendo aqui?

Ele meio surpreso com a minha reação, falou gaguejando um pouco:

— Eu vim te ver!

Eu sorri, não conseguia parar de sorrir e o abracei forte, porque queria constatar que era ele mesmo que estava parado ali em minha frente. Faziam cinco anos que não tinha sequer uma notícia concreta a respeito dele, havia a possibilidade de procura-lo nas redes sociais, mas estava tão decidida a esquecer que não o procurava. Percebi, que, enquanto o abraçava naquele momento, meu coração batia em um descompasso tão violento, que tive receio que ele pudesse sentir. Todo aquele sentimento que estava adormecido, veio à tona fortemente e vendo ele ali, senti uma enorme vontade de chorar. Segurei minhas lágrimas e no meio daquela confusão de sentimentos, percebi o quanto estava cansado. Então, o chamei para entrar, tomar água e se sentar, enquanto me explicava como veio parar ali.

Quando entrou em minha casa, reparei que observava calado tudo em sua volta mas, estava se sentindo sem lugar. Como se não sentisse fazer parte dali. Eu tentei ser cordial o máximo que pude e o levei até a cozinha, ele se sentou à mesa e, enquanto eu lhe dava um copo de água, começou a se explicar:

— Eu vou te contar desde o início como tudo aconteceu. Encontrei sua irmã Lavínia novamente no Brasil e tive o ímpeto de perguntar como você estava. — Disse ele visivelmente nervoso. — Então ela me falou que você tinha mudado de país! Você pode imaginar o quanto fiquei admirado, quando ouvi isso! Sempre imaginava o que você andava fazendo e sabia da sua capacidade de ir longe, mesmo assim, fiquei surpreso do quão longe chegou e quão distante estava de mim.

Nesse momento eu o olhei surpresa e sorri meio sem jeito por ter percebido que ele pensava em mim com frequência. Então continuou:

— Ela me contou que você se tornou uma escritora e que vivia bem aqui na França, fiquei fascinado quando ouvi que você tinha se dado bem nessa profissão e que finalmente, realizou o seu sonho de vir para o sul da França!

Ele havia me dito essas palavras com uma simplicidade tão grande, que eu conseguia enxergar admiração em seus olhos. Nesse momento, eu me lembrei que há cinco anos atrás, eu tinha dito que o meu sonho era conhecer Provence, mas como se lembrava disso era o que mais me surpreendia!

— Você se recorda de eu te contar sobre isso? — Perguntei.

Então ele sorriu, como se percebesse que eu havia perguntado somente para comprovar o que eu já sabia:

— Sim! Eu me lembro de tudo o que você me disse, Lívia.
Percebi que ele dizia o meu nome com a expressão de quem ouvia uma música agradável. De fato para mim, o meu nome saía de sua boca como uma canção.

Nesse momento congelei! Eu falava tanto sobre os meus sentimentos, era sincera em todas as minhas palavras e havia dito mais de uma vez que o amava. Em tudo isso, porém, sempre sentia que era em vão, eu falava a um coração que se recusava a me ouvir. Tantos anos depois, ele acabava de me dar a certeza de que, mesmo permanecendo em silêncio tantas vezes durante nossos desentendimentos, sempre ouvia tudo o que eu tinha para dizer e havia guardado consigo por todo esse tempo. Ao contrário de mim, que guardava em minha memória, as suas atitudes mais do que as palavras. Foi então que retruquei:

— Eu também me lembro de muita coisa. — Falei lhe devolvendo o olhar de um jeito mais intenso e com uma certa mágoa nos olhos. Abaixando o olhar pensativo, continuou:

— Então depois de ter encontrado sua irmã, comecei a me lembrar de como eu era naquele tempo, inconsequente e imaturo. E de como eu deixei escapar alguém como você! Alguém que sempre esteve ali para mim, disposta a ser minha amiga e acho que mais do que isso também. — Disse meio tímido, tentando comprovar em meus olhos, que não estava enganado em relação ao que eu sentia. — Comecei a me sentir arrependido por ter perdido você! Acho que só depois que amadurecemos, percebemos que durante a nossa vida, encontramos com poucas pessoas, que realmente são especiais e únicas. E você é assim, você esteve tanto tempo...disposta a me amar e me aceitar do jeito que eu sou, uma mulher tão incrível como você! — Ele pareceu querer dizer mais, mas ao invés disso, colocou a mão na boca e abaixou os olhos balançando a cabeça.

Num momento de ímpeto, eu quis chegar perto e acariciar seus cabelos, mais esse sentimento de compaixão, se misturava com o de despeito e de dor carregado por tantos anos, que simplesmente permaneci quieta e calada, somente o observando:

— Até que resolvi ir atrás de você, mesmo sem saber qual seria sua reação ou se você estaria comprometida. Mesmo assim, decidi correr o risco. Porque aquele orgulho não existia mais! Eu estava disposto a ganhar um não e ser rejeitado por você, mas estava decidido! Fui na casa da Lavínia e pedi para que ela me passasse o seu endereço e me dissesse como fazer para chegar até aqui. Ela se recusou me dizer. Então eu implorei, disse que a minha felicidade dependia desse número de endereço. Então o marido dela, que sempre foi gente boa e um homem sensato, conseguiu convencê-la. Então eu peguei toda a minha poupança e vim atrás de você! — Terminou de dizer tudo isso, me encarando com um olhar novo. Um olhar que eu não conhecia nele, de súplica. Ainda que bem sutil, passaria despercebido por qualquer outros olhos desatentos, o que definitivamente, não era meu caso.



Eu ouvi tudo aquilo sem me mexer, estava paralisada. Fascinada por ouvir um discurso apaixonado de um homem que lutei tanto para conquistar e que agora se encontrava ali, tentando se declarar à sua maneira. Vindo do outro lado do Atlântico, sem eu ter feito absolutamente nada! Simplesmente trazido com o tempo. Percebi que as coisas da vida são assim, não adiantava todo aquele esforço para domá-lo. Que um dia se ele quisesse, viria livre, por vontade própria. Ele veio, arrependido. Com o coração tão aberto que jamais acharia que viveria para ver! Mas senti uma revolta interior. Poderia ficar feliz por ter virado o jogo, mas o fato era que, não se tratava mais de jogo! Apesar de tantos anos de orgulho ferido por ter sido rejeitada no passado, se tratava da minha vida! Uma vida que lutei tanto para construir sem ele, tentando a todo custo ser feliz sem sua companhia. Como voltar a amar o homem que deixei que invadisse a minha alma de uma maneira tão intensa, que tive que me aliar ao tempo para esquecer e desprezar qualquer lembrança dele. Sufocando toda saudade que aparecia, me focando em minha nova vida. Eu tinha criado um estigma em minha mente, que me impedia de pensar nele novamente. Ao mesmo tempo, voltando a vê-lo vulnerável daquela forma, todas aquelas sensações de euforia, coração acelerado e intensa alegria, vieram à tona. Naquele momento, havia uma guerra dentro de mim. Era a razão, lutando contra a emoção.

Continua...



Aline O. Ramos


Biografia:
Libriana, eternamente dividida entre a razão de uma vida equilibrada e a emoção do desejo de ser impulsiva.
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