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Zé Marcolino – O poeta de Sumé.
Paulo Luna

     O Nordeste é conhecido por suas diversas facetas. A mais triste representada pela miséria e pela seca. E a mais alegre representada pela festividade e hospitalidade de sua gente. É também a terra conhecida pelos seus poetas e cantadores. Um desses inúmeros poetas, ainda pouco conhecido e reconhecido no “sul maravilha” é José Marcolino Alves, imortalizado como Zé Marcolino. Nascido no sertão paraibano de Sumé, desde cedo se encantou pela música e pela poesia. Costumava ser convidado para animar bailes e festas em sua cidade natal cantando obras de sua autoria ou de outros artistas, especialmente do mestre Luiz Gonzaga. Trabalhou como carpinteiro, barbeiro, e vaqueiro, entre outras atividades. Enquanto isso fazia suas composições e sonhava um dia poder mostrá-las para Luiz Gonzaga para que ele as gravasse. Escreveu cartas para o Rei do Baião e finalmente, em 1961, teve a oportunidade de conhecê-lo na cidade de Sumé. Mostrou-lhe então diversas obras que tinha, e Gonzaga por elas se interessou e convidou Zé Marcolino para ir com ele para o Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa produziu com Luiz Gonzaga o LP “Ô veio macho” no qual foram incluídas seis parcerias dos dois. Entre elas está “Matuto aperreado” na qual o poeta relata as agruras do sertanejo nordestino nas lidas com a cidade grande “Eu vou/volto já/Eu vou me embora/vou voltar pro meu lugar/Fico doido com tanta fala de gente/ E a zoada de automóvel a me assustar/Se na rua vou fazer um cruzamento/Tenho medo eu não posso atravessar/Desse jeito eu sou franco em dizer/Aqui eu não posso ficar/Eu vou me embora vou volta pro meu lugar.”
     A obra de Zé Marcolino é prenhe dessa constatação da universalidade do lugar onde nasceu e formou sua visão de mundo, o “Sertão de aço”, nome de outra composição presente no mesmo disco: “Se você visse como é o meu sertão/Aí você diria que eu falo com razão” Depois das agruras da seca o sertanejo não se desespera e espera que com a chuva a safra de algodão seja farta e em festa possa comemorar o fim do tempo ruiu “No outro dia cuida da obrigação/Digo com satisfação/Que meu sertão é de aço”. O sertanejo, antes de tudo um forte, nas palavras de Euclides da Cunha, foi forjado nesse sertão de aço, onde o “Pássaro Carão” ecoa seu canto anunciando a chuva no sertão, esperança perene do sertanejo de que a terra amada e sofrida possa enfim florescer na plenitude de suas promessas fazendo com que ele possa colocar em ação seus planos adiados pela seca: “Pássaro carão cantou/Anum chorou também/A chuva vem cair no meu sertão/(...) O nosso plano de além/é de casar/Se Deus quiser agora/Faço um ranchinho/Pra nós juntinho meu bem/Nele mora”.
     Com sua voz e sua sanfona, Luiz Gonzaga foi o grande intérprete da essência do sertão nordestino, sua rusticidade, sua aspereza, suas força e vigor. E teve a acompanhá-lo ao longo da carreira, poetas que souberam colocar em palavras a força mostrada por sua musicalidade como foram Humberto Teixeira e Zé Dantas. Essa estrada seria também a mesma trilhada por Zé Marcolino que expressou em versos marcantes a agudeza de sua terra. Em 1964, no LP “A triste partida” está presente a toada “Cacimba nova”, que evoca a vida de vaqueiro e sua saudade de uma antiga fazenda que entrou em decadência. Seus versos nessa toada casam perfeitos com os toques da sanfona de Luiz Gonzaga: “Fazenda Cacimba Nova foi bonito teu passado/(...)Um carro velho esquecido/ Pelo sol todo encardido/ Quem te ver sai suspirando/Lamentando cada instante/Vendo o tempo devorando teu passado brilhante.” E as imagens se sucedem, o boi que afia os chifre e provoca medo ao vaqueiro na defesa do rebanho. O vaqueiro que passando pela velha fazenda solta um aboio de saudade. Mas o poeta não se fixa no lamentar saudoso do tempo que foi e logo em seguida saúda a evolução da vida no xote “Marimbondo”: “O marimbondo vindo/ Penerando a asa/Pra entrar em nossa casa/ Chega chuva no sertão/Nós mata a fome da mulher e nosso filho/ Assa coco e assa mio na fogueira de São João.” È a vida que se renova no ritmo da natureza levando o homem a fazer festa reverenciando a terra e suas dádivas.
     Os versos de Marcolino evocam a terra nordestina e transmitem o cheiro dessa terra, seus costumes, suas crenças, a maneira do sertanejo olhar e entender a natureza, calcular a vinda da chuva e o florescer da lavoura. E é nessa intricada relação homem-natureza que seus versos traduzem a alegria do viver. A poética de Zé Marcolino está impregnada de nordestinidade. São as festas de São João, são causos de vaqueiros, são crenças, são esperanças. Seus versos tem a força da terra e do homem e exaltam a relação que se estabelece entre eles. Entre o sertão de aço e o sertanejo bravo. O “Caboclo nordestino”, cantado numa obra em que ele fez os versos e a melodia, e Luiz Gonzaga gravou: “Caboclo humilde roceiro/ Disposto trabalhador/ No remexer da sanfona escuta este cantador/ Que no baião fala ao mundo teu grandioso valor/ E tu caboclo que vives com a enxada na mão/ (...) Aqui nessa vida humana ninguém é melhor do que tu/ Escuta esta homenagem de um cabra do Pajeú.”
     Ainda no mesmo disco “A triste partida” de Luiz Gonzaga, está presente aquele que ficaria sendo o maior sucesso de Zé Marcolino, o xote “Sala de reboco”. “Todo tempo quanto houver pra mim é pouco/ Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco/ Enquanto o fole tá fungando tá gemendo/ Vou dançando e vou dizendo/ Meu sofrê pra ela só/ E ninguém nota que eu tô lhe conversando/ E nosso amor vai aumentando e pra que coisa mais mió.”
     Quando no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 o Brasil conheceu uma nova onda do forró com o aparecimento de inúmeros artistas, trios e grupos dedicados ao estilo consagrado por Luiz Gonzaga, desde os mais tradicionais, cultivadores do chamado “forró pé-de-serra”, até os renovadores do “forró eletrificado” e os grupos do chamado “forró universitário”, todos foram unânimes em eleger “Sala de reboco” como uma das mais representativas composições do forró, o que a fez ser regravada por vários artistas e mesmo a dar nome a projetos de apresentação do forró e da música nordestina.
     A lira de Zé Marcolino se calou precocemente, aos 57 anos de idade, em 1987 quando a trajetória do poeta foi cortada por um acidente de carro. Foi uma forma irônica de morrer para aquele que em sua obra cantou e exaltou o sertão e a natureza, e colocou em versos sua dificuldade em lidar com as duras e difíceis coisas da cidade grande e cantou “Se Deus quiser/ Vou me embora pro sertão/ Pois a saudade me aperta o coração.”, deixando claro que lá era o seu lugar no mundo, onde sua alma se alargava e se alegrava com os pássaros e paisagens. Certa feita, perguntado qual a profissão que mais lhe dera rendimentos, não citou a de compositor, mas sim a de vaqueiro. Não sabemos ao certo se houve nessa afirmação qualquer tipo de comparação monetária, mas é possível aferir que sendo o poeta um sonhador e visionário, que ele tenha dito isso por saber que como vaqueiro estava mais perto da natureza e consequentemente, da matéria prima com a qual alimentava seus versos.
     Quisemos aqui lembrar e exaltar o poeta Zé Marcolino cuja morte fará vinte anos no ano que vem. Homem ligado à terra, vaqueiro e poeta, sonhou ter seus versos cantados e gravados por Luiz Gonzaga. Realizou seu sonho e cantou ao lado do Rei do Baião contribuindo com algumas das mais belas canções que o mestre da sanfona gravou e certamente um dos maiores sucessos que foi “Sala de reboco” e quando em algum canto ecoarem os versos “Todo tempo quanto houver pra mim é pouco/ Pra dançar com meu benzinho/ Numa sala de reboco.”, certamente o poeta estará sendo homenageado na alegria daqueles que estiverem dançando o forró.

Paulo Luna


Biografia:
Pesquisador. Professor. Historiador. Poeta. Licenciado em História em 1987, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. A partir dessa época, exerceu o Magistério em escolas públicas e particulares, sendo aprovado em concurso público para o Magistério Municipal da cidade do Rio de Janeiro em 1990. Em 1980, foi premiado em primeiro e segundo lugares no Femutrop, Festival de Música, Poesia e Trovas que envolveu escolas públicas de todo o Estado do Rio de Janeiro. Três anos depois, publicou de maneira independente o livro de poemas "Preparação". Em 1983, publicou poemas no Jornal de Letras. Em 1986 e 1987, participou do jornal de poesias "O Bonde" publicado na UERJ além de redigir o jornal alternativo "O Espermatozóide". Em 1994, foi 1º colocado em concurso de poesia da Faculdade Augusto Motta, SUAM. Nesse ano, publicou o livro de poemas "O que sobra" lançado na Escolinha de Artes do Brasil. Em 1995, participou da "Ciranda de poesias", antologia de poemas publicada pela Câmara de vereadores do Rio de Janeiro. Em 1997, publicou o livro de poemas "Arquibancada", pela Literis Editora. Em 1998, foi premiado em concurso de poesia na Biblioteca Estadual do Rio de Janeiro, publicando poema na antologia "80 POETAS CARIOCAS", além de participar do "Anuário de escritores", antologia publicada pela Editora Literis . A partir de 1999 passou a atuar como auxiliar de pesquisa do Dicionário Cravo Albin de MPB, realizando pesquisas nas áreas de Música Regional, Romântica, e Jovem Guarda. Em 2000, publicou poema na antologia "Santa Poesia", casa de espetáculos em Santa Tereza, Rio de Janeiro, onde se apresentou. Por essa época, apresentou-se também no Teatro Gláucio Gil, Museu do Telefone e Teatro Cândido Mendes, entre outros locais de apresentação de poesia. Em 2001, apresentou na UERJ a oficina "Poemas didáticos", durante o I encontro de Professores de História promovido pelo SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação), além de produzir e dirigir dois encontros poéticos na sede do Sepe. No mesmo ano produziu e apresentou o encontro "Poesia no Sobrado", evento de poesia na Vila Isabel, que contou 5 edições mensais, apresentando poetas de diversas regiões do Rio de Janeiro e de outros estados. Foi ainda, no mesmo ano, premiado em concurso de poesias do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro. Em 2001, apresentou-se no evento "Panorama da palavra", no auditório da Faculdade Cândido Mendes em Ipanema, além de ter poemas publicados no jornal Panorama da Palavra. Em 2002, passou a ser pesquisador responsável pela vertente MPB clássica do Dicionário Cravo Albin de MPB. No mesmo ano, participou como leitor-guia do Programa de leitura do Ler UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), apresentando o tema "Futebol e Literatura". Em 2003, ingressou no Mestrado em Literatura Brasileira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Integrou, em 2004, grupo de pesquisa que desenvolveu, junto ao Departamento de Letras da PUC/RJ e a FAPERJ, a pesquisa "Representações da violência na música popular brasileira", respondendo pela música brasileira do período anterior a 1950. Em 2005, defendeu a dissertação de mestrado "Dos braços dessa viola à dissonância de uma guitarra - a tensão entre a tradição e a modernidade na música caipira e sertaneja" sendo aprovado com louvor.
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