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Quem é Anitta?
(a invenção da mídia que deu certo)
Roberto Queiroz

Há pelo menos um ano e meio eu venho adiando a decisão de escrever sobre essa moça e o gênero que ela consagrou como hit nos últimos anos. Por um motivo mais do que óbvio: sempre tive e sempre terei problemas pessoais com o mundo do funk, do rap, do hip hop. Acho tudo o que é produzido nessa seara de um extremo mau gosto, exageradamente gratuito e com um tom sexista que deveria ser repensado e revisto por nossa sociedade que (ainda) acredita que o Brasil é a consequência de suas festas e comemorações excessivas e imaturas.

Deixado isso claro (ainda há algum leitor sobrando por aí?) tomei coragem e pensei comigo: "o máximo que irá acontecer são os haters da internet me ameaçarem dos piores nomes e me rotularem de mal amado ou alguma outra definição pobre do tipo.

Sim, porque me perdoem os fãs dessa musa de plástico atual - que não é a primeira (Gretchen e Tati quebra-barraco que o digam!) nem será a última a enganar multidões com o seu sucesso de gosto duvidoso -, mas Anitta dificilmente se tornará algo digno de nota na MPB. E quando me refiro à MPB e grandes nomes do sexo feminino, falo em alguém da envergadura de uma Gal Costa ou Alcione ou Maria Bethânia ou Zizi Possi. Não, meus amigos! Sorry, but... No.

Contudo, é louvável que se diga, Aniita é o melhor produto desses tempos polarizados e covardes em que vivemos. Ela atende às necessidades de um povo que dia a dia se autodesconstrói de uma maneira mais absurda do que a outra. Vivemos numa terra de presepeiros que almejam a fama pela fama, independente de terem de fato talento para alguma coisa, qualquer coisa. E isso não é o pior. O pior mesmo é sermos obrigados a engolir (e me refiro a nós, cidadãos de bem) goela abaixo um produto tão ruim, tão mal feito, tão associado a maus valores, como esse.

Vou ao you tube mais uma vez (eu tinha que ir até lá) e assisto alguns dos clipes de Mrs. Anitta. Sim, porque de sua imagem, sua onipresença na mídia 24 horas por dia ando cheio. Queria "ouvir" as músicas, "ver" os filmes, tudo assim, entre aspas, sem gerar expectativas. Assisto "Na paradinha", "vai, malandro!", "Na batida" e "Sim ou não" (onde está acompanhada de um tal de Maluma, que mais parece um Cristiano Ronaldo com barba por fazer e de óculos, querendo gozar com a cara dos intelectuais). E... Quase bloqueio a minha conta no site por tempo indeterminado.

O nível de gratuidade, de ostentação, de vergonha pública, de exagero é alto. Anitta rebola, incita, abre um dos clipes mostrando suas nádegas (com direito à celulite; ponto para ela nesse sentido: há muita propaganda enganosa em evidência hoje em dia...), usa microrroupas, roupas justas, biquínis justíssimos, passa gel no corpo, exibe-se dentro da favela, evocando o que existe de pior em nossa cultura. Observação: não entrarei no debate sobre seus dotes físicos e beleza, porque aí ela perde de lavada mesmo, e eu não pretendi redigir este texto com a intenção de humilhá-la. Anitta não - é só o que vocês precisam saber aqui - nenhum exemplo de símbolo sexual. Ainda mais num país que já teve Vera Fischer, Luma de Oliveira, Carla Marins, Luciana Vendramini e Marinara no mesmo posto. Procurem saber!

Já sei, já esperava por isso... Os acusadores se aproximarão de mim, me acusarão de anti-brasileiro, de defensor das elites moralistas, de recalcado, de cultuador da música (e das musas) estrangeiras. Não, meus caros amigos! Danem-se as elites, as musas made in USA. O problema é muito maior. O problema é a eterna mania que a favela tem de se comportar como as elites, ou seja, com soberba, e depois posar de vítima nas redes sociais.

Pois é... Viramos uma nação vitimista que ataca o outro lado da questão sem nem mesmo fazer um exame de autoconsciência dos próprios erros e desvios de conduta. E disso ninguém fala em nenhum telejornal, nenhuma rodinha de bar, nenhuma fila de banco, porque ser hipócrita e acusador (portanto contraditório) é moda em nossas terras há mais tempo do que Matusalém tem de vida.

Eu já sabia que vocês, agressores, não iam gostar desse artigo, mas infelizmente, eu não posso atender às necessidades de todos quando bem lhes interessar. O mundo também é feito de desafetos. E no caso de Anitta, mais do que um desafeto, ela é uma invenção que deu certo. Anitta é fruto de uma indústria cultural que sobrevive da imbecilização do povo. E como o povo não luta contra a sua própria imbecilidade, acha até charmoso, vê nela um modelo de sucesso a ser seguido. Pronto. Está criado mais um herói, mais um ídolo. Até aí eu não veria nenhum problema grave que me atingisse e até diria: quer ser isso? Uma cópia? Seja feliz. Vá em frente!".

Mas e quando a moda, a invenção, a imposição midiática, passa a ser a única opção vigente, boicotando o trabalho de tantos outros que passam uma vida tentando mostrar o seu trabalho sem a mesma sorte, em prol de uma mistura de sexo, expressões chulas e pobreza cultural? Como é que fica? Não fiquem tímidos. Podem opinar à vontade, se conseguirem.

Falamos muito em falta de justiça no país, mas gostamos mesmo é de uma covardia, de um privilégio, de uma vantagem, de um nepotismo (para dizer uma palavra, digamos, mais brasiliense), enfim de um mecanismo que funcione para nós em detrimento dos demais. Aos demais, que sejam meus fãs, seguidores no twitter, compradores, etc etc etc... Não tá bom, não? Pra quê mais?

Muitas Anittas virão e desaparecerão. Virão e desapareço. Umas mais, outras menos. E quando é que iremos amadurecer como nação? Quando é que escolhermos por nós mesmos ao invés de comprarmos modelos fúteis e efêmeros? Hein?

Já pensaram nisso?

Porque já passou da hora...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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