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OS SEMINARISTAS
Flavio Alves

Resumo:
Tened e Franklin dois seminaristas vivem um romance homoafetivo dentro de um convento, quebrando barreiras das famílias e a sociedade.

OS SEMINARISTAS

Texto: Flávio Alves
Cenário: Sala de Orações
Personagens: Têned e Franklin

ABRE-SE CORTINAS

Franklin está tocando o sino e Têned coloca incenso.

TÊNED - Louvado seja o nome do Nosso Senhor Jesus Cristo, louvado seja o nome de todos os Anjos, louvado seja o nome de todos os Arcanjos e Serafins. Abençoado sejam todos os seres que habitam a terra. Tirai Senhor todo o pecado do mundo. Retirai a mágoa, o rancor, a inveja, o ódio, retirai em fim tudo de mal nos corações de teus filhos amados (tempo). Também não precisava bater o sino tão forte assim, não é Franklin?

FRANKLIN - Não é culpa minha Senhor, não é, posso até jurar em teu nome. Protege-me com teu manto, não quero que minha alma queime no fogo do inferno. O Abade Adriano de nada poderá saber, que durante cinco anos guardo comigo este mistério que poderá acabar de vez com minha carreira sacerdotal e também com a carreira do Têned. Que culpa tenho eu Senhor se sinto desejo? Se abro meus olhos em busca de luz e vejo Têned despido, prostrado em minha frente? Ele sente o mesmo que eu sinto, mas está dividido. Eu sinto tudo isso e sei que é pecado assasinar, tirar a vida do meu próximo como diz os mandamentos, mas o desejo que aflora-me por inteiro é destruir, aniquilar de vez! Fernanda!... Oh Senhor! Que ódio, que revolta! Por que? Por que essa maldita prima do Têned invadiu nossas vidas? Ele está pecando. Muda de vez o pensamento dele. Um sacerdote não pode consumar um matrimônio. Eu sei que é pecado a relação entre dois homens, mas o que fazer se nos amamos?

TÊNED - Amar Senhor, é amar. Chegar ao ponto de se pensar em assassinato é loucura. Livra de vez o Franklin desses pensamentos diabólicos, ele não pode e não deve agir assim. O amor que sinto pela Fernanda não é amor conjugal, nunca se quer a beijei, mas já o peguei beijando-a, e até hoje Senhor sinto a dor, sinto o fracasso de ser um seminarista dividido simplesmente entre a fé e o pecado. Se esse homem que de joelhos prostrados jorra dentro de si uma dor, onde em sonhos ou devaneios me viu ou me ver pelado... Imagine o quanto ou quantas vezes dexei-me envolver através da minha mente e entorpecido tive o mesmo sentimento? Vamos Franklin: levanta-te daí! Vamos deixar de lado o sentimentalismo e acabar de vez com essa cena ridícula e patética. Amar alguém não é chegar ao ponto de desejar mal a seu próximo.

FRANKLIN - Chega Têned! Chega! Já não basta todo meu sofrimento? Que culpa tenho eu se me deixei envolver a tal ponto? O que significa sentimentalismo, cena patética e ridícula, é te amar?

TÊNED - Franklin, não estou te a te recriminar ou você pensa que está sendo fácil viver num convento temendo a tudo e a todos, e ainda por cima com o Abade Adriano a nos observar/ A igreja católica nunca admitiu relacionamentos homossexuais. Diante da Santa Madre Igreja, somos podres, somos nojentos. Olha pra mim, vai, olha em meus olhos. (se fitam) Olha aqui, presta atenção. Eu também te quero, mas vamos ter calma. Se for o caso... Desistiremos.

FRANKLIN - Desistir Têned? Nunca! Depois de tanta luta, tantos votos de fé. E nossos amigos? Nossa família?

TÊNED - A Santa Madre Igreja não permite, já te falei.

FRANKLIN - Será Santo Deus, se somos cheios de imperfeições? Quantos padres, monges, quantos...

TÊNED - (Corta) Eu sei, eu sei, mas não devemos agir em função dos outros, vamos fazer nossa parte. Pra ser sincero nunca houve um relacionamento mais intenso do que toques e beijos às escondidas entre eu e você Franklin.

FRANKLIN - Também nunca tivemos oportunidade, foi por isso Têned, e o que adianta se passamos a maior parte a nos masturbar na hora do banho. Isso é bom? É bom Têned? Me responde.

TÊNED - Franklin... Fala baixo! Isso aqui é uma sala de orações.

FRANKLIN - E que tal se rezássemos um Pai Nosso, uma Ave Maria, um Credo ou uma Salve Rainha pela nossa felicidade? Que tal hem? Venha cá Têned, vamos se ajoelhar (arrasta Têned ).

TÊNED - Pare Franklin! Me solta! Deixe de blasfemar. Você fala que até parece um herege (tempo).

FRANKLIN - Que dia é hoje?

TÊNED - Domingo.

FRANKLIN - Não gosto nada do dia de domingo, é um dia muito melancólico. Que vontade de sair, correr, mas nunca permanecer imóvel, parado, como se eu fosse um condenado à espera da morte, tendo como consolação sua última refeição, a última despedida, a última oração. E por fim: a execução, através de injeção letal onde cada seringa tem sua função diabólica, uma te deixa inconsciente, outra te falta ar, outra pára teu coração, outra... (corta Têned).

TÊNED - Pára! Chega! Não somos atores, não estamos a encenar, pra você narrar um relato de tão péssimo gosto. O que é que é isso? Injeção letal, última refeição... Você enlouqueceu foi?

FRANKLIN - Têned: será que perdi a liberdade de externar tudo aquilo que sinto? Será que até você vem me recriminar agora? Ora essa! Até você? Você não! Você é o ar que respiro, você é... (corta Têned).

TÊNED - Franklin acorda para o óbvio, não vivamos de pensamentos negativos, esta não é a saída. Vamos raciocinar e tentar encontrar a fórmula ideal para a resolução dos nossos problemas e a melhor forma é rezar.

FRANKLIN - Rezar?

TÊNED - Rezar sim, por que não?

FRANKLIN - Você pode imaginar o tempo que estamos neste seminário? Faz tempo não faz Têned?

TÊNED - Faz sim, e daí?

FRANKLIN - Daí? Daí que desde o primeiro dia e até hoje, não há outra coisa que eu e você não tenha feito a não ser rezar, rezar e rezar, sempre rezar!...

TÊNED - E o que você queria que a gente fizesse? (eles se olham) venha até aqui. Eu sei que está sendo difícil pra você como também pra mim, principalmente pelo fato de sermos seminaristas, mas ponha uma coisa na sua cabecinha, guardamos este segredo à muito e muito tempo, embora eu ás vezes fique a pensar que o Abade Adriano desconfia do nosso comportamento, e é tanto, que há três anos atrás ele nos separou. Você não se lembra? Passei a dividir um quarto com o irmão Brivaldo e você com o irmão Matheus e durante todo esse tempo, eu ficava louco pra poder ficar mais tempo conversando com você. Tente lembrar e você verá que o Abade Adriano chegava sempre a inventar algo pra nos separar. Só depois de um tempo é que ele nos deixou no mesmo espaço, e pra falar a verdade, até hoje eu não entendi. E depois de todo este sacrifício, não podemos jogar a sorte pela janela. O nosso único problema é não poder ficarmos juntos toda hora, todo instante, mas nem por isso podemos ficar blasfemando contra Nosso Senhor. (Alguém bate, eles se assustam). É ele, o Abade Adriano.

FRANKLIN - Calma! Eu vou lá olhar, acho que não foi nada, algo caiu, gato ou rato derrubou alguma coisa, foi só isso. Vou lá dentro verificar. (Têned fica rezando). Não foi nada, tudo está no mesmo lugar. Mas mudando de assunto... O que você acha do dia de domingo?

TÊNED - Domingo... Quando eu era criança achava bonito, domingo... Dia onde toda família ficava reunida, maus irmãos, meus tios, meus primos... Almoçávamos todos juntos. Colocava-se uma mesa de madeira de carvalho no terraço e a comida ficava ainda mais saborosa. Enquanto eu degustava aquela comida, observava o verde do campo, o cheirinho de cana queimada que vinha da usina, os animais no pasto, como o gado, as ovelhas, os cabritos... Como era bonito! Que paisagem! Que cenário! Às vezes eu gostaria que o tempo voltasse.

FRANKLIN - Domingo como sempre... Hoje é o grandioso dia de visitar a família, você não vai?

TÊNED - Não sei... Se você for eu irei também. Embora eu ache que seria melhor se nós ficássemos aqui mesmo.

FRANKLIN - Mandei um recado pelo irmão Bento, dizendo aos meus pais que esta semana eu não iria.

TÊNED - Que coincidência! Fiz a mesma coisa, tudo isso pra mostrar que sua companhia é melhor que a da Fernanda.Vem até aqui e escuta o que eu tenho a te dizer. Se tirássemos nossos hábitos e nos assumíssemos não teríamos tanto pecado, não para o povo, mas para nós mesmos. Vivíamos uma vida a dois, íamos normalmente à missa e nada de celibato.

FRANKLIN – Minha mãe morreria!

TÊNED - Mas se acostumava. Afinal para ser padre é preciso vocação e também determinação própria e você foi educado com o destino traçado aos olhos dos seus pais.

FRANKLIN - E você? Você que me falou que desde criança achava bonito a celebração da Santa Missa, é tanto que como acólito você auxiliava o padre na sua cidade, e isso não lhe diz nada?

TÊNED - Diz sim, você falou muitíssimo bem, achava bonito e beleza não quer dizer vocação.

FRANKLIN - Têned: depois de tantas leituras, tantos Pai nosso, tantas Ave Maria, Credos, Salmos, Provérbios, depois de tudo desistir agora?

TÊNED - Se gostas mesmo de mim, desistamos agora. Não vou escandalizar a imagem da Santa Madre Igreja.

FRANKLIN - Sacrifício mesquinho este agora, desistir de vez? Se pelo menos Têned você parasse e analisasse que está muito próximo aos nossos olhos uma tomada de conscientização quanto às normas esdrúxulas e antagônicas da nossa Santa Madre Igreja... Ora, Ora! Hoje já existem párocos, ou melhor padres casados, existem ou não existem?

TÊNED - Existem sim Franklin, mas lembre-se que muitos foram afastados das suas atividades eclesiásticas, são proibidos de celebrarem qualquer tipo de missa.

FRANKLIN - Mas de qualquer forma já é grande avanço. Ponha uma coisa na sua cabeça. Tudo na vida é mutante, Será liberado um dia freiras também celebrarem qualquer tipo de missa.

TÊNED - Tudo pra você é fácil, sempre buscando soluções simbólicas e abstratas, não é tão fácil assim.

FRANKLIN - Se continuarmos fechando nossos olhos para o óbvio, seremos no futuro seres fracos e ultrapassados, não quero abrir mão de uma vida inteira, desistir agora, serei mais tarde um peixe fora d´água.

TÊNED - Perdoa-me Santo Deus! Pelo que sairá da minha boca agora, mas que vá às favas esse regime católico. Sei que estou a pecar, mas seria pior pecar em pensamentos. Não concordo, não admito esse regime nazista.

FRANKLIN - Têned, pelo amor de Deus! Você está louco? O que aprendemos aqui foi amar ao próximo, rezar à Deus, seguir os mandamentos. Nunca vimos ninguém ser fuzilado, morrer em câmara de gás ou fornos crematórios, isso você me falou antes, quando falei da injeção letal. Você está também pecando.

TÊNED - Franklin, não queira deturpar os fatos, não caia em contradições, um sacrifício não leva só à morte. Pra chegar até aqui, lembro que em lágrimas tive que rezar muita Ave Maria e Pai Nosso e ainda me confessar, isso sem falar das chicotadas que tive que suportar, uma vez por não ter terminado a tempo as tarefas do dia a dia e outra vez porque demorei tomando banho. Isso não é sacrifício? É ou não é absurdo?

FRANKLIN - Você fala como se fosse fácil pra mim. Têned, quando eu era criança o regime em casa não era tão diferente do daqui. Meu pai sempre foi carrasco em casa comigo e também com meus outros irmãos. Eu hoje compreendo que tudo que ele fez foi para o nosso bem. Você não imagina como é chegar hoje em casa. Há um respeito imenso de todos os vizinhos. Papai e mamãe emocionados chegam a beijar minha mão.

TÊNED - Você foi posto no mundo justamente pra não servir a Deus, mas sim a vontade dos seus pais. Você fala que eles tem um grande respeito por você, acho que não, pois se eles tivessem, deixariam você seguir por si mesmo sua vocação sacerdotal.

FRANKLIN - Vamos mudar de assunto, seus pais, os meus, nada tem haver com essa situação. Toda discussão surgiu por causa da sua prima, o que você sente por ela é um afeto superior eu sei. Ora! É lógico que Fernanda pra você é muito mais que uma prima, você a tem como se fosse uma irmã. O fato de vocês andarem de mãos dadas não quer dizer nada. Você Têned é um sacerdote inseguro, tão inseguro que quando visitei sua família de cara conquistei o coração de Fernanda e além de tudo, ás escondidas você me flagrou num repudiável beijo. E tudo aquilo foi simplesmente pra te causar ciúmes, eu posso até jurar.

TÊNED - Desculpe Franklin, fui fraco, realmente eu não deveria ter agido de uma forma diáfana como agi. Meu comportamento foi proposital pra despertar em você o amor que sinto por ti.

FRANKLIN - Mas as coisas não devem ser assim Têned. Existe mais alguém em jogo e esse alguém se chama Fernanda sua prima, ela é ingênua. E pra falar a verdade ela não é de ficar de namorico com seu ninguém, além de católica como toda sua família é uma moça séria. Imagina o que ela ficou pensando ao meu respeito pela minha reprovável atitude?

TÊNED – Ela nada pensou de você, eu já expliquei a ela que tinha sido uma fraqueza de sua parte e além do mais ela é normal, é uma mulher livre e conseguirá um bom rapaz e fará um belíssimo matrimônio. E quanto a mim, e quanto você?

FRANKLIN - Não sei... O tempo vai passando e as coisas vão se tornando cada vez mais difíceis, e o pior é que falta pouco tempo pra nossa ordenação. Temos que realmente decidir. Não quero ser um padre pecaminoso, temos que tomar uma atitude. Ou conservamos nossos hábitos ou então desistamos de vez desse doloroso sofrimento. Embora eu não queira abrir mão do sacerdócio.

TÊNED - Eu também não gostaria de abrir mão do sacerdócio, afinal foram vários anos de luta. Mas quero te fazer uma breve pergunta. Se acreditamos no nosso amor, amar é sofrer?

FRANKLIN - O amor não é sofrimento, mas no nosso caso é complicado. Somos homens, temos as mesmas características físicas e sabemos que quando Deus criou o homem, doou uma companheira à Adão pra que tivessem filhos e habitassem a terra.

TÊNED - E a ciência? A evolução humana, por exemplo, deixar de lado e não acreditar? Será que tudo foi realmente desta forma? Se for pela lei de Deus faz sentido. Mas por que somos o distúrbio de tudo isso? Quando nascemos será que o demônio ficou nos tentando?

FRANKLIN - Não sei te responder, mas com certeza tudo faz sentido.

TÊNED - Franklin não entendo. No início você clamava ódio, falava em destruir, e aniquilar minha prima. Ora! Você que a beijou e sei que foi pra me fazer ciúmes e não fiquei zangado. Pode me explicar isso agora?

FRANKLIN - Eu tive um sonho, e no meu sonho eu te flagrava beijando tua prima Fernanda, então comecei a falar coisas por coisas só pra te chamar a atenção. Mas o Senhor que tire do meu coração toda mágoa contra meu próximo.

TÊNED - Se eu fosse você procurava me confessar urgente.

FRANKLIN - Com quem seminarista, com você?

TÊNED - Não comigo, mas com um outro sacerdote. É lógico que você iria falar sobre suas fraquezas, suas mágoas no seu coração, mas nunca sobre nosso relacionamento.

FRANKLIN - É claro que não. E pra ser sincero acho que você deveria fazer a mesma coisa (eles se olham).

TÊNED - Apertar teu peito no meu peito, acariciar teu corpo, sentir teu coração pulsando forte, tocar teus lábios e sentir teu beijo ardente. Até quando? Até quando vamos suportar ficar assim e não fazer o que realmente queremos?

FRANKLIN - Calma Têned! Precisamos nos definir, vamos ter mais um pouco de paciência. Só em você falar em tocar meu corpo, me acariciar, tocar meu peito, sentir meus lábios tocarem os teus... Tudo isso causa-me tensão e volúpia, fazendo me um astro solto e perdido na imensidão cósmica.

TÊNED - Precisamos manter a calma e ter paciência. (vai até a janela). Posso até está enganado, mas acho que vai chover, não falei? O tempo mudou mesmo e já está chovendo.

FRANKLIN - Incrível como é a natureza, o dia tão ensolarado e agora já está chovendo, ainda bem que não temos que sair.
TÊNED -          E nada melhor do que ficar lendo um bom livro (pega um livro).

FRANKLIN - O Abade Adriano saiu mas não disse onde ia, se ia demorar... Ele falou alguma coisa com você antes de sair?

TÊNED - Ele antes de sair falou comigo e disse que ia ficar ausente mais ou menos três horas. Morreu uma beata da Vila Santa Maria, lugarejo aqui vizinho. Vieram pedir o comparecimento dele pra rezar pela alma da fiel irmã.

FRANKLIN - Espero que ele demore um pouco mais, só assim poderemos pensar sobre nossa situação. Este livro é sobre o quê?

TÊNED - Inquisição, inquérito, antigo tribunal eclesiástico também conhecido como Santo Ofício instituído para punir os crimes contra a fé católica.

FRANKLIN - Absurdo a forma que agia a Santa Madre Igreja. Queimar pessoas vivas como a heroína Joana D’ Arc e outros só por uma questão de poder. Esse livro não vi na biblioteca.

TÊNED - Também pudera, não ia ver nunca. Pedi através de correspondência. Eu estava lendo uma revista e me interessei pelo mesmo.

FRANKLIN - Bem este não é meu tipo de leitura, gosto de ler coisas que realmente me faça feliz. Pra você é bom?

TÊNED - Pela sinopse apresentada na revista deve ser, mas não se preocupe, mandei pedir também um pra você, e como você gosta de filosofia, nada melhor do que este (entrga).

FRANKLIN - (Lê) O universo na visão de Voltaire. Têned meu querido muitíssimo obrigado (abraça-o). Eu também tenho uma surpresinha pra você. Lembra quando você me falou que gostaria de conhecer um dos países da Europa?

TÊNED - Me lembro, é lógico.

FRANKLIN - Ontem quando fui à cidade me lembrei e trouxe isto aqui pra você (vai pegar) um momento. (Entrega). Pode abrir (tempo) que tal gostou?

TÊNED - Que legal Franklin! Uma mapa mundi, eu realmente estava precisando, obrigado (beija-o na testa) Agora já posso escolher o país e um dia que a gente sair daqui quero te levar comigo.

FRANKLIN - Então deixa-me ver... Suíça, França, Portugal, Polônia...

TÊNED - Poderia ser... Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália...

FRANKLIN - Já imaginou... A gente viajando num cruzeiro? Percorrendo todo o oceano, indo à conventos, assistindo óperas, teatros, cinemas, museus...

TÊNED - E nada, nada de temor, sem o Abade Adriano no nosso calcanhar nos observando.

FRANKLIN - (Andam em silêncio) Que silêncio! Fala alguma coisa.

TÊNED - Não tenho muita coisa a falar. Prefiro ficar te admirando em silêncio.

FRANKLIN - Pode me admirar, mas tenho algo a dizer-te

TÊNED - Então pode falar, estou a te escutar.

FRANKLIN - Sabe Têned: Quando eu tinha nove anos de idade, conquistei a amizade de um amigo apenas um ano e meio mais velho que eu. Ele era loiro, tinha os olhos azuis e uma carinha de anjo. No começo da primavera foi quando Vitor se mudou pra rua onde eu morava na casa de número vinte e dois que ficava em frente a minha. Mamãe e papai evitavam o máximo contato com pessoas estranhas, só que era inevitável não se aproximar, pois os Vasconcelos faziam parte da nossa igreja e o catolicismo estava acima de tudo . E pra iniciar o filho mais novo dos Vasconcelos, o Vitor, ficou estudando no mesmo colégio que eu e na mesma sala. Começamos uma amizade de criança, onde durante o dia fazíamos nossas tarefas após sairmos do colégio e a tarde saíamos para brincar. Fazíamos carrinhos de madeira, jogávamos piões, bola de gude, empenávamos pipas, e à noite corríamos pelos campos à procura de pirilampos. Eu e o Vitor colocávamos vários pirilampos dentro de um saco plástico e ficávamos admirando o acender e o apagar dos insetos. Como era divertido! Muitas vezes tomávamos banho de rio totalmente pelados. Certa vez atirávamos pedras de cores no rio e cada um mergulhava a procura das pedras, outra vez mergulhamos iguais e tentamos encontrar as pedrinhas, foi quando percebi que o Vitor estava excitado, pois sem querer o toquei e logo que voltamos à tona o Vitor me olhava com uma expressão bastante conturbada, talvés querendo saber se o que tinha acontecido tivesse sido proposital. Vamos pra casa, já está escurecendo falei meio sem jeito. No outro dia na sala de aula percebi que o Vitor estava sentado afastado de mim, dei de ombros, mas depois na hora da merenda ele chegou perto de mim e falou: Franklin por que você fez aquilo? Respondi, foi sem querer desculpe, ele falou: passei a noite toda pensando, não suportei entrei no banheiro e me masturbei, eu falei: sabe Vitor, vamos mudar de assunto que aqui é perigoso falar sobre isso. Vamos tomar banho de rio hoje depois da aula? Ele falou: eu quero ir mas tenho medo que algo aconteça, como assim? Perguntei, ele disse: eu estou a fim de fazer sexo contigo. Quando chegamos no rio, procuramos o lugar mais isolado, tomamos banho e debaixo de uma árvore imensa começamos a nos apalpar ele me masturbava e eu o masturbava também até que atingimos o orgasmo. Quando completou uma semana, fiquei sabendo que os Vasconcelos tinham se mudado para Bariloche na Argentina. Tudo foi tão rápido. E essa foi minha primeira experiência, depois disso ficou simplesmente a lembrança, não tive mais notícias do Vitor.

TÊNED - Seus pais não desconfiaram de nada?

FRANKLIN - Não, até porque eu procurei disfarçar o máximo.

TÊNED - Hoje se acontecesse uma situação parecida, você me trairia?

FRANKLIN - Deixa de ser tolo, você sabe que não tenho olhos pra outra pessoa a não ser você, só você. Não vai me dizer que ficou com ciúmes?

TÊNED - Não é bem ciúmes, mas é muito chato ter que ouvir certos relatos como este que você me falou.

FRANKLIN - Eu não estou querendo te fazer ciúmes, você sabe o quanto te amo Têned, e quando se ama não se faz ciúmes. (tempo).

TÊNED - (Fala só) Planeta regente Marte com influência do sol, pedra da sorte turquesa, dia propício para reivindicar direitos trabalhistas, saúde boa mas não exagerar em gorduras, no amor vai tudo bem mas cuidado pra não botar tudo a perder com seus ciúmes.

FRANKILIN - (Sorrir) Que danado é isso que você está falando, horóscopo?

TÊNED - Isso mesmo seu Franklin, são previsões para os capricornianos meu signo.

FRANKLIN - Ora! Ora! Não vai me dizer que você acredita nessas babaquices? Era só o que faltava... Um seminarista acreditar em astrologia.

TÊNED - Claro que não, é lógico que não acredito, mas quando falamos em ciúmes, lembrei logo das previsões que ouvi no rádio.

FRANKLIN - Mudando de assunto. Ta chegando o dia vinte e oito. Você ta sabendo que é o aniversário do Abade Adriano?

TÊNED - Claro que sim, inclusive não sei o que comprar para presenteá-lo

FRANKILIN - Eu sei Têned, que tal um féretro?

TÊNED - Um féretro? Pare com isso! Você enloqueceu? Perdoai Senhor ele não sabe o que diz.

FRANKLIN - Longe de mim desejar mal pra alguém, saiu sem querer, desculpe meu querido, desculpe, eu estava só brincando.

TÊNED - Não se brinca dessa forma Franklin. O Abade Adriano pode ser como for, mas além de humano é nosso superior.

FRANKLIN - Ta bem, ta bem, não abrirei mais minha boca pra falar qualquer coisa contra meu próximo, por isso vou rezar 50 Ave Marias, 50 Pai Nosso e 50 Credos.

TÊNED - Faz bem, faz bem, (Têned fica triste olhando ao longe querendo chorar).

FRANKLIN - Não fique assim, a tua tristeza trinca meu coração como se fosse um copo de vidro fino recebendo em si um choque térmico. A vida não só oferece flores, sendo assim temos também que suportar os espinhos.
TÊNED - Nunca pensei ter que pagar tão caro por amar alguém.

FRANKLIN - Seria muito mais caro se eu não te amasse tanto.

TÊNED - Meu Senhor, daí-nos uma luz e mostra a saída desse labirinto.

FRANKLIN - A saída está em nós mesmos, com dignidade e perseverança, seremos futuramente livres. (tempo).

TÊNED - Você falou sobre sua infância, do relacionamento com o Vitor, foi um passado que hoje você relembra com carinho, com ternura e sabe bem que foi um momento bom     . Quem me dera ter essas recordações! Essas belas lembranças. Eu estou entristecido você bem pode ver. Algo me incomoda quando abro uma página do meu passado. Eu tinha onze anos...

FRANKLIN - Não fique assim Têned. Eu sou teu melhor amigo, jorra dentro de ti essa mácula e tenta pelo menos anestesiar tua alma. O que te aflige tanto?

TÊNED - Festa junina, eu Leandro e Daniel. Lembro como se fosse hoje, brincávamos com fogos de artifícios e quando não havia mais nenhum tipo de fogos, nossa esperança era continuar brincando com nossas ronqueiras. Se você não sabe o que é ronqueira, é um instrumento de ferro com um suspiro externo e um vácuo onde se coloca pólvora, após colocar fogo num pavio ligado ao suspiro que vai de encontro à pólvora, acontece a explosão com um grandioso tiro. Uma certa vez: colocamos fogo na ronqueira mas o pavio foi queimando lentamente, então achávamos que o pavio tivesse apagado porque já teria passado do tempo. Então ficamos combinando quem iria pegar a ronqueira e no cara ou coroa quem perdeu foi o Daniel. Ele se dirigiu até a ronqueira e quando se agachou para pegar a ronqueira detonou acertando seu rosto em cheio e espalhando pólvora por todo seu corpo. Corremos para pedir socorro, mas nada adiantou o Daniel teve óbito instantâneo. (chora). Após a morte do Daniel fiquei anos tendo sonhos premonitórios sempre abordando o mesmo fato, a mesma cena cruel. Isso foi o que me levou a aceitar Jesus e ser padre. E depois de várias orações e penitências é que vim me libertar deste pesadelo.

FRANKLIN - Não fique assim, não chore, venha até aqui (acaricia Têned).


CLIMA EXTREMAMENTE POÉTICO


TÊNED - Oh meu Pai!... Quantas vezes sonhei acordado. Como foi difícil chegar até aqui. Lembra Franklin a primeira vez que nós nos conhecemos? Sempre pulsando forte a sensação de externar o que estava corroendo dentro de mim. Não sou e nem poderia ser uma andorinha ou gaivota a voar pelos campos com a chuva fina que caia. Dentro de uma gaiola envidraçada e abafada pelo calor, buscava paisagens ruralísticas que me causava um bom senso. As horas se passavam e as interrogações absorvia minha memória. O desejo que querer-te, a ânsia de tocar-te, dilacerava-me intensamente. Às escondidas e de momento em momento, roubava disfarçadamente teu lindo olhar e teu belo sorriso, mas nada, nada era suficiente a não ser amar-te.

FRANKLIN - Sonhar acordado nos leva a raciocinar deveres e pesares e não é tão bom assim, o melhor seria buscar a eterna realidade. Não devemos reclamar da vida a todo instante, como sempre ela é longa ou pode ser curta e às vezes arisca, mas propicia prazer de está buscando novos rumos através do próprio labutar. A fusão dos quatro elementos, terra, água, fogo e ar, se transformam em calor humano, são fenômenos doados pelo nosso Criador. A harmonia se dispersa pela emoção e a ansiedade. Se for doença pode ser curada e se não for psicologicamente é tentar reverter o quadro.

TÊNED - Mas se o quadro for belo?

FRANKLIN - Borra-se com tinta escura.

TÊNED - E se não for?

FRANKLIN - Acrescenta-se mais alguns riscos.

TÊNED - E o que mais?

FRANKLIN - Alguns pingos de tinta, tentando assim torná-lo pelo menos simpático. O que adianta eu e você, pessoas belas mas na verdade pecaminosas e horrorosas aos olhos de tudo e de todos?

TÊNED - Uma onda friorenta doma-me intensamente, imagens na minha mente sempre causa-me tensão, algo que rasga minhas víceras e dentro das minhas entranhas se avermelham como o crepúsculo vespertino.

FRANKLIN - A ânsia de poder te fazer realmente feliz é andar, sair por aí à fora e redescobrir luzes e cores em nossas vidas sombrias e incolor.

TÊNED - Pedir ao Criador para sentir teu perfume ou apagar de vez tua imagem da minha memória, o que eu deveria fazer?

FRANKLIN - Se sentires meu perfume ou me apagar da tua memória, podes querer coisas além e alimentaria ainda mais o teu desejo, aí podes me perder para sempre.

TÊNED - Sofrer, sofrer e sofrer, e dar tempo ao tempo, mesmo mendigando a esmola, o óbulo da tua boa vontade quando estiverdes de bem com a vida, sem rancor e sem ódio, aí você me chamará.

FRANKLIN - Eu preciso agora me agarrar aos mais belos momentos que passamos, que vivemos, e que continuaremos lutando. Abraça-me Têned.

TÊNED - Elevo minhas mãos em busca de oração, peço perdão aos meus atos mas não vejo solução. O melhor seria uma tomada de conscientização afastando assim nossos recalques, nossos medos. Franklin hoje é domingo. Pelo amor de Deus! Vamos finalizar o último ato deste espetáculo, vamos sair deste lugar, vamos concluir a última cena.

FRANKLIN - Mas Têned! Toda uma vida! Meus pais, os seus, eu, você...

TÊNED - Você e eu, só nós dois Franklin. Vamos em busca da nossa liberdade. Tiremos agora nossos hábitos enquanto é tempo, vamos depressa, já está escuro. (Tiram a roupa um do outro e saem abafados pela música sacra ou romântica totalmente despidos).                                




FINAL



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