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Quem buliu no Paraíso?
Ronaldo Passos

Resumo:
A inóspita paisagem de ruínas em cinza e branco esconde segredos e revela o caos. Nela, observados dos galhos secos de uma de suas vitimadas árvores por um casal de sábios e inquietos gorilas; um veado, um tatu, uma perereca, um anu, e uma cobra estrategicamente sentada atrás da velha macieira que emerge ao centro do jovem oásis verdejante cravado em meio a tal catástrofe, dialogam com deus na tarde deste novo sexto dia.

Cena A - A inóspita paisagem de ruínas em cinza e branco esconde segredos e revela o caos. Nela, observados dos galhos secos de uma de suas vitimadas árvores por um casal de sábios e inquietos gorilas; um veado, um tatu, uma perereca, um anu, e uma cobra estrategicamente sentada atrás da velha macieira que emerge ao centro do jovem oásis verdejante cravado em meio a tal catástrofe, dialogam com deus na tarde deste novo sexto dia.
DEUS – Pronto! Aí está! O que vocês acham?
Adorei! Não poderia ter ficado mais lindo! / Vejam a natureza: um cartão postal. / Prontos também estamos todos nós, os animais. Chiquérrimos! / É! Eu sou mesmo o máximo. Que primor...
DEUS - Agora é só aguardar os acontecimentos. A glória!
COBRA - Calma aí meu chapa. No que é que você pensa que tudo isso vai dar?
(Breve manifestação de ódio pela cobra, e dada pelo casal de gorilas na árvore).
DEUS - O quê? Que voz é essa? Quem está falando comigo?
COBRA – Aqui! Atrás da macieira!
DEUS - Ah! É você cobra? O que esta fazendo atrás dessa arvore? Espionando é? Eu não mandei ninguém dela se pode aproximar. Fora daí imediatamente!
COBRA – Calma! Também não precisa se exaltar. Você é o Deus. Está se esquecendo? Não deve perder a cabeça! Sua palavra é a lei. To indo...
DEUS – Hei. Hei! Pare aí! Eu também não mandei você sair. Eu quero antes disso que você me diga por qual motivo me interpelou quando eu já ia saindo.
COBRA - Ora, ora... Não é nada! Não se preocupe comigo, sou apenas um animal e não devo ser levado em consideração. Eu acho que nem devia tê-lo importunado.
DEUS - Nada disso! Pode ir dizendo o que queria. Estou mandando.
COBRA - Claro! O Senhor é quem manda! Mas é que tenho uma dúvida... O que vai fazer com tudo isso? Vai servir pra quê esse trabalho todo novamente?
DEUS - Como assim... Vai servir pra quê todo esse trabalho? Vai servir pra: pra... Sabe que você me deixou em dúvida. Eu realmente nem sei mais o que fazer com tudo isso.
COBRA - Recriou porque então?
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DEUS - Eu novamente não tinha o que fazer. Então resolvi refazer tudo de novo!
COBRA - A julgar pela sua resposta acredito que você acertou em cheio! Reconstruiu o nada ao pé da letra. Parabéns! Eu vou é dar o fora daqui.
Espere! Nem tudo está perdido. / Você não gostou do Éden? / Não lhe falta nada aqui por esses jardins. / Você não tem nada do que reclamar!
COBRA – Como vocês ousam falar isso? Alguém aí já foi cobra alguma vez na vida? E você, Deus? Sabe o que é ser uma cobra? Que sina dos diabos! Uma mer...
DEUS - Ops! Olha o respeito! Afinal de contas com quem é que você pensa que está falando? Sou o deus. O seu criador.
COBRA - Estou falando com um deus que deveria ter continuado dormindo pela eternidade afora. Eu não gostaria de passar para a história como a criadora de um lugar como esse. Credo! Que túmulo! Você tem que criar o homem logo e ter um amigo para conversar, discordar... Bagunçar um pouco essa perfeição toda! – Notável manifestação contaria à idéia da criação do homem, é feita pelo casal de gorilas na árvore – Você vai ver quando descobrirem o Pindorama. Muito mais legal! Muito mais bacana!
DEUS – Um amigo? Pindorama?! Do que é que você está falando? Eu não estou entendendo nada.
COBRA - Claro que está! Mas deixa pra lá. Deixa isso para o final da história. Vamos ao que interessa: Você precisa melhorar essa “joça”. Tem que por ação, muito movimento. Entendeu? Tem que apimentar as relações! Se quiser eu posso ajudar.
DEUS - Apimentar as relações? Será que vai dar certo? Afinal, ainda é o Éden isso aqui!
COBRA - Não tem nada disso! Pare com esse hem, hem, hem. Mãos à obra. Vamos!
DEUS - Vamos? Eu pensei que faria tudo sozinho.
COBRA - Não, não! Chega de cometer erros. Você precisa de acessória, e eu estou aqui pronta pra isso. A partir de agora isso aqui será: “O Paraíso”. DEIXA COMIGO! Éden. Que nome horroroso! Anda! Anda! Vá buscar material. Ainda temos muito que fazer.
(O deus deixa o palco – Foco em um vulto que junto às ruínas a tudo observava e, comentando para si, á platéia faz uma premonição do que está por vir).
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O que será que ela vai fazer? Ou pior! O que será que ele vai fazer? Bem sei! Mas é bom nem imaginar. Já pensou no que vai dar isso? Um deus assessorado por uma cobra. Pois é! E que cobra, hem? Com tanta determinação ela vai acabar entrando para a história.
(O vulto continua a observar - Foco na cena A onde o deus está voltando ao palco).
DEUS - Aí está o material. Barro fresquinho pronto pra ser usado. Mas como é mesmo que você pensou? Um homem para ser meu amigo?
COBRA - Isso mesmo! Pra começar está muito bom. Vá pondo as mãos na massa que enquanto isso eu vou dar umas voltas por aí e descobrir o que mais pode ser feito. É vê se não demora viu? Temos muito o quê melhorar pra transformar tudo isso.
(Observada pelo casal de gorilas na árvore a cobra deixa o palco sinistramente).
DEUS - Homem..., homem... Acho melhor fazer diferente desses animais. Eles são tão fáceis de fazer. Como da outra vez, eu fiz um casal de quase todos eles. Uma porção em uma única manhã. Que gracinhas que eles ficaram. Até essa chata dessa cobra ficou bem feita! Ainda bem que dela eu sempre faço só um espécime. Já pensou se fosse o casal? Eu estaria perdido.
Ta falando com quem deus? / Você ainda não fez o tal do homem para conversar! / Esqueceu que ainda vive só? Isso aí ainda é barro! Sabia? / Anda falando para as paredes é?
DEUS - Sim! Sim! Claro que ainda vivo sozinho. Mas por pouco tempo. E é já que se resolve o problema! Querem ver: Uma cabeça..., o corpo..., dois braços..., duas pernas... Pronto! Aí está o homem. Que beleza!
(Na árvore. Algazarra do casal de gorilas que zombam da forma do homem).
Não sei não. Mas se fosse mais um animal seria com certeza o mais feio deles. / Mas, vejam: Ele é mais um de nós! O que falta são só as plumas. / Poderia ser bem mais colorido. Vocês não acham? / Cruzes! O Senhor tem certeza que é assim mesmo?
DEUS - Eu sei lá! Eu sou bom pra fazer só animais como vocês. Eu nem sei mais como fazer um homem. Não era essa minha intenção. (Sei muito bem o que ele poderá aprontar no futuro!) Isso é ideia da cobra.

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Pois é bom o senhor ir procurando uma boa explicação / Ela vem vindo aí. / E nós é que não vamos intrometer nisso. / Au revoir...
(A bicharada se afasta enquanto a cobra vem retornando à cena A).
COBRA - O quê que é isso?
DEUS - O homem! Você não disse que eu deveria fazer o homem? Aqui está ele.
COBRA - Onde? Estou vendo um monstrengo que só vai conseguir é assustar os animais.
DEUS - Mas o que é que você quer? Eu nem sei mais como fazer o homem. Eu já nem sei pra que ele serve. Ele vai acabar e atrapalhando novamente toda a minha criação!
COBRA - Tenho uma sugestão. Que tal se você o fizesse igual a você.
DEUS - Isso nunca! Onde é que você pensa que vai com essas loucuras? Eu não posso criar outro deus.
COBRA - Não é pra criar outro deus, seu bobinho. (Mas, pensando bem sabe que esta não é uma má idéia!). É pra você fazê-lo simplesmente “à sua imagem e semelhança”. Bonito não? O que você acha? Vamos faça logo.
DEUS – Bela frase. E muito célebre! De onde é que você tirou?
COBRA – Deixa pra lá! Por enquanto, conserte o homem!
DEUS – Eu acho que isso não vai dar certo! Mas, vá lá: arrumo um pouquinho aqui, amasso um pouquinho de cá, espicho ali, mais alto... Mais forte... Pronto! Que tal?
COBRA - Bom não ficou. Também! Sendo feito à sua imagem e semelhança, bonito não poderia ficar. Mas serve! Dê-lhe a vida, a fala, e um nome e ele estará pronto.
DEUS - Alguma coisa me diz que ainda vou me arrepender. Eu, realmente, não queria nada disso. Mas... Está feito: Eis o Adão! Ufff...
ADÃO - “Mamãe, mamãe!”.
(Na árvore. Nova algazarra do gorila macho zombando da masculinidade do Adão deixa entristecida a sua fêmea).
Nossa! Apareceu a Margarida / Meninas! Que corpinho é esse? / Nessa o deus acertou em cheio / Mais um para o clã. A Fauna agradece!
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COBRA - Mamãe é o diabo que o carregue. Eu sou a cobra! E sua mãe é esse ai, ó!
ADÃO – “Sua mãe é esse aí?” Credo! É cada coisa que a gente ouve hoje em dia! E olha que eu acabo de chegar. Que recepção... Meu deus!!!
COBRA - E quanto ao senhor, chega de quero ou não quero. Você precisa de companhia e é bom ir se acostumando com ele. E tem mais. Pode aprimorar essa coisa aí, e iniciar a segunda etapa que é a mulher.
ADÃO - Mulher? Que mulher?
Só pode ser a sua mulher Adão! / Você não vai querer viver só! Ou vai? / Talvez prefira viver em bando / Free lance, assim como nós. Não é mesmo?
ADÃO - Eu, Adão?! Companheira pra mim? Pra quê?
DEUS - Mas ele não seria apenas para me fazer companhia? Você acabou de confirmar isso agora há pouco. Até parece que eu já vivi essa história! Não estou gostando nada disso.
COBRA - Andei pensando e acabo de mudar de ideia. Tenho novos planos incríveis para a humanidade.
DEUS - Você? Novos planos para a humanidade? Mas esse pensamento é meu desde que decidi refazer tudo isso. Como um animal criado por mim há tão pouco tempo já adivinhou os pensamentos que tive dias atrás? Você é uma cobra vidente?
COBRA - Não é preciso adivinhar nada. Basta notar as evidências. Você não ia pensar tudo isso se não tivesse em mente um objetivo. E qual seria ele: de se divertir! Foi por esse motivo que você reconstruiu tudo isso. O Paraíso, a vida, e os animais. Só não entendo o porquê de você não ter criado logo os personagens principais.
ADÃO - Ai que lindo!!! Até que enfim ouvi algo que tocou meu coração. Acho que vou gostar da cobra!
“UAUU!!!” (A bicharada vibra com a definição do Adão).
DEUS - Do que você está falando? Você só pode estar louca. Acho que eu devia ter criado um companheiro... Ou companheira, para você. Isso só pode ser falta de relacionamento. Uma cobra sozinha só podia dar nisso! Uma cobra...
COBRA – Secretária! Meu velho! Secretária! Cuidado com suas palavras. Você é um deus e não deve dizer palavrões. Onde já se viu uma coisa dessas! Agora diga logo: Por que motivo você não criou o homem. O seu personagem principal?
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(Na árvore. Descontentamento geral do casal de gorilas com a insistência da cobra).
DEUS - Eu não criei o homem para que ele acontecesse naturalmente. Eu criei o macaco e desta vez apostaria na EVOLUÇÃO DA ESPÉCIE. Está entendendo agora? Minha: “Secretária!”. Eu pretendia dar um tempo para o homem já chegar preparado, e assim, não vir logo metendo as mãos onde não é chamado. Como sei que é o seu instinto. Mas pelo visto, tinha que ter tomado esse cuidado com outra das minhas criações. Não é mesmo? “Dona Cobra!”.
(Na árvore. Grande manifestação do casal de gorilas em apóio ao deus).
ADÃO - Oh! Meu papai!
DEUS - Sai pra lá sô! Que intimidade é essa? Eu sou o deus viu. Olha o respeito!
COBRA - Bem pensado! Bem pensado! Vamos ter que modificar o projeto. Eu assumo essa parte também. DEIXA COMIGO! Pode ir fazendo a mulher que eu vou dar uma volta para espairecer as ideias.
(Sinistramente a cobra deixa o palco com velada reprovação do casal de gorilas na árvore).
DEUS - A mulher. Como será a nova mulher? Humm... Já sei! Se você foi criado para conversar comigo, então, a mulher será criada para conversar com você.
ADÃO - Comigo? Deus me livre! Por que é que você não Poe ela pra conversar com a bicharada?
Conosco não! / Já chega o papagaio que não nos deixa ficar em silêncio nem por um minuto. / O senhor já o fez com defeito, e não adiantou as reclamações que fizemos. / É isso mesmo! Não consertou até hoje!
ADÃO - Isso não será mais problema, queridinhos! Comigo por aqui as coisas vão mudar. E muito! Eu vou criar o PROCON, e vou resolver tudo rapidinho. É como diz a mamãe... “DEIXA COMIGO!”
DEUS – Quietos todos vocês. Eu preciso me concentrar e fazer a tal da mulher. E nessa eu não posso errar! Sinto que ela terá uma missão muito difícil pela frente. A de conquistar esse aí.
ADÃO - Ora papai! Não se preocupe comigo. Larga essa mulher pra lá. Eu me arranjo com a bicharada mesmo. Vai ser uma farra...

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DEUS - Nada disso! Você mal chegou e já vem pondo as manguinhas de fora? Ponha-se no seu lugar. Você é o homem, entendeu? O homem!
ADÃO - Ai, ai, ai! Isso não vai dar certo!
DEUS - E aqui vou eu mais uma vez. Uma cabeça..., um corpo...
ADÃO – Espere! Espere! Não precisa caprichar tanto assim no corpo. Pode fazer tudo torto mesmo, eu não ligo...
DEUS – Silêncio, Adão. Olha que eu te corto a língua.
ADÃO – A língua? Papai. Porque o senhor não acerta no alvo hein? Que decepção!
DEUS – ...Uma cabeça, um corpo... Acho melhor aumentar essa duas partes aqui, arredondar mais essas outras ali; duas pernas grossas e bem roliças, e os dois braços... Pronto. Que maravilha! Agora sim! Uma mulher dessas até eu gostaria de ter.
(Na árvore. Manifestação de desejo do gorila macho que é ameaçado pela sua companheira).
ADÃO - Então? Papai. Fica com ela para você. Assim o senhor poderá folgar a mulher do José lá na frente. Aquilo lá é adultério, viu!
DEUS - Cala-te! Vejam vocês: Eu sabia que fazer ele agora não ia dar certo. Eu avisei!... Já está me pondo à prova! Viram? Mas é a cobra quem sabe! É a cobra quem manda! “DEIXA COMIGO!” Olha só isso aí! Deu no que deu...
ADÃO – Papai! Papai! Posso fazer uma intervenção? Ela é pra mim mesmo, não é? Então, dá licença! Tire esse dois volumes daqui. Assim! Aproveite o material, ponha tudo junto de cá e espiche bastante. Que grandeza! Amasse um pouco essas outras duas quantidades aqui. Está muito redondo! Agora, músculos e muitos pêlos... Que tal? Eu adoro!
(Na árvore. Enorme manifestação de espanto do casal de gorilas).
DEUS - Mas! Isso é um gorila! Ah! Seu... Fora daqui antes que eu lhe corte o pescoço!
ADÃO – O pescoço? Errou de novo, papai! Errou de novo! Eu saio... Mas você errou de novo. Que droga!

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Puxa vida, deus. Não vê que ele é muito sensível? / O Senhor não deveria falar assim com um filho. / Veja como ele ficou consternado. Coitadinho... / Hei! Adão. Espere. Nós vamos com você.
ADÃO - Venham, venham, meus amiguinhos. Venham comigo que eu vou criar a associação protetora dos animais. Pelo menos “vocês” ficarão protegidos. Inclusive a mamãe; mesmo sendo a cobra que ela é! Todos terão seus direitos, e...
(Adão sai do palco com a bicharada e criam ao lado a cena B).
DEUS - Filho. Era só o que me faltava. Agora ainda tenho que refazer tudo isso aqui. Como é que era mesmo?! Uma cabeça... O corpo bem roliço..., as pernas grossas... Os braços musculosos... Pronto! Será que era assim mesmo?
(A cobra vem retornando à cena A e causando um ti-ti-ti entre os dois gorilas na árvore).
COBRA - Voltei! Tudo pronto por aqui? Vejo que você já terminou a... Mulher!? Essa aí é a mulher? Você tem certeza?
DEUS - Eu já lhe disse que não pretendia criar nada disso agora! Você vai ver a disputa que essa aqui vai causar entre a ciência, as escritas, e as religiões.
COBRA - É isso mesmo! E deixa o circo pegar fogo! É assim que a banda toca! Dê a ela vida e a fala, e vamos apresentá-la ao Adão.
DEUS - Eu não devia ter feito isso. Mas agora é tarde, vá lá! Uffff...
LÍLITH - Hei cara! Tira a mão de mim que aqui é o buraco é mais embaixo. Sacou? Mais amor e menos confiança! Está entendendo? Qual que é a desse tal de Adão heim? Não estou gostando dessa história...
DEUS - Não se preocupe. Adão é meu filho assim como você também o é. Vai dar tudo certo, vamos!
(Como o casal de gorilas que passa para a outra árvore, os demais deixam o palco em direção à cena B – Foco nos dois vultos que vindos dos escombros, adentram a cena A e comentam a atitude de deus).
Ele disse que vai dar tudo certo! Será?
Claro que não! Entre os animais, tudo bem. Mas: Irmão com irmão? Isso sempre foi, e sempre será um incesto! É! Pelo visto este será mais um belo início: O início do fim!
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(Os dois vultos deixam o palco seguindo o trio - Foco na cena B).

Cena B – Sob os olhares desconfiados do casal de gorilas na árvore, apresentada por deus e a cobra, Adão conhece a primeira mulher.
ADÃO – Sangue de Jesus tem poder! NÃO! NÃO! E NÃO!
COBRA - Anda Adão, beije a sua mulher. Ela está esperando.
ADÃO - Não beijo! Isso é pecado, e além do mais, é uma péssima idéia. Deus me livre!
DEUS – Deus me livre, digo eu! Eu to fora! O problema é seu e da cobra. Não me coloque nessa história.
COBRA - Não tem nada de pecado aqui não! Beija logo e pronto!
ADÃO - Ora mamãe! Não se esqueça de que estamos no Paraíso, viu? Que vergonha!
COBRA - Já disse que não sou sua mãe! Eu sou a cobra e estou mandando: Beija!
BEIJA! BEIJA! BEIJA! BEIJA! (Manifestação da bicharada apoiando a cobra).
LÍLITH – Calma! Calma! Podem deixar que eu acerto o passo dele. É só nos deixarem sozinhos que eu mesma faço o serviço. Fora todo mundo!
(Intimidados por Lílith, Deus, a cobra, e a bicharada vão deixando o palco em direção à cena A).
LÍLITH – É de pequenino que se torce o pepino! E passa aqui Adão. Já!
ADÃO - Ai! Ai! Ai! Aqui vou eu. Que destino ingrato é o meu.
(CENSURADO / Adão apaga as luzes da cena B – Foco na cena A).

Cena A – Deus, a cobra, e a bicharada vêm chegando.
COBRA - Acho que tem alguma coisa errada nela.
DEUS - Ela é decidida mesmo! Se você não gostou eu posso tentar melhorar um pouco.
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COBRA – Não! Não! Está ótima para a finalidade que tem. Até parece que você adivinhou. Ela vai se chamar: Lílith! O que acha?
DEUS - Lílith? Mas esse nome...
COBRA - Chega de “mas”! Você está muito rabugento e não tem ajudado em nada! Como vamos dizer que recriamos o Paraíso desse jeito? Veja só o casal que construiu. Até parece que já estamos no século XX! Agora me deixe pensar no que pode ser feito para corrigir o seu erro.
DEUS - Meu erro? Foi você quem mandou fazer o homem agora. Eu já disse que apostaria no macaco é na evolução da espécie. Sei que isso não vai dar certo!
COBRA - Sossega, sossega! Silêncio. Escuta! Parece que estão se entendendo.
(Todos se atentam para os gritos que se iniciam na cena B).
ADÃO - Aaaiiii! Socorro! Socorro! Salvem-me, salvem-me. Mamãe, papai, onde estão vocês?
DEUS - O que foi Adão? Que escândalo é esse?
(Afoito. Adão vem chegando à cena A).
ADÃO - Ela tentou me seduzir. Ela quer me beijar. Acudam-me, me acudam.
DEUS - Mas Adão. Ela é sua mulher. O que há de errado nisso?
ADÃO - Adão! Adão! Eu não sou um Adão! Não vê que eu não quero ser um Adão? Eu quero ser...
DEUS – Cala-te! E suma de perto de mim. Olha que eu te corto...
ADÃO - Corta! Corta! Papai. Mas vê se acerta o alvo dessa vez. Anda! Vamos bicharada. Vamos que agora eu também quero reclamar os meus direitos. Juntos nós vamos providenciar um grande passeata e...
(Adão deixa o palco e volta para a cena B falando para a bicharada que o segue).
DEUS - E então? “Secretária!”. Viu no que deu sua teimosia em criar o homem. O que vamos fazer agora?
COBRA - Sei lá! Isso é problema seu! Você fez esse mau projeto de casal, não foi? Pois vá dando um jeito nele que eu vou dar uma volta e pensar no que deve ser feito. DEIXA COMIGO!
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DEUS - Como eu? Isso é idéia sua! Toda essa bagunça é idéia sua. Já disse que prefiro a...
COBRA - “Evolução da espécie”. “Evolução da espécie”. Chega de tanta heresia! Afinal de contas você é um deus ou um cientista? Só você acredita nisso! “Um deus com idéias evolucionistas”. Pode? Assim fica difícil para eu criar o Paraíso. To indo. Volto já!
(A cobra deixa o palco em direção à cena B, e durante a próxima fala de deus, se comunica por mímica com o gorila macho, que desce da árvore, junta- à Lílith e vão formar do lado oposto a cena C).
DEUS – Agora ela é quem vai recriar o Paraíso? Eu não sei onde é que eu estava com a cabeça quando resolvi inventar de novo toda essa história. Ah! O ócio! Que falta me faz o ócio! Por falar nele vou dar uma passadinha em casa para matar a saudade.
(O deus deixa o palco - Foco nos dois vultos que retornando pela cena A, comentando os acontecimentos).
Viu? Como já era de se esperar, a porca torceu o rabo novamente. Se continuar assim essa reedição do Paraíso não fica pronto nunca. Já estamos no meio da tarde deste novo sexto dia!
Não se preocupe! Eis aí: O tempo. Sempre o tempo! Mas esse aliado e também incansável algoz da criação e da própria vida, pode até ordenar os fatos. Mas, jamais conseguirá alterar o destino.
(Os dois vultos voltam aos escombros - Foco na cena A).

Cena A – Deus e a cobra, agora acompanhada da fêmea do gorila que caminha com cuidado excessivo e como se pisasse em ovos, vêm retornando.
DEUS - Encontrou a solução, Secretária? Posso saber quais são as novas ordens?
COBRA - Faça logo outra mulher
DEUS - Alto lá! Agora você já esta saindo dos limites. Que negócio é esse de “outra mulher?”
COBRA - E veja se capricha dessa vez. Ou você vai acabar transformando o Paraíso num harém.
DEUS - Eu? Mas a idéia foi sua. Não venha colocando a culpa em mim.
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COBRA – Culpa sua sim! Era só pra fazer um casal. Se você acerta a mão logo na primeira vez não tínhamos esse problema pra resolver. Vamos. Faça outra mulher. Ou você acha que vai sair coelho daquela cartola. Esqueceu que é preciso ter um casal que funcione para dar início à humanidade? Ou, quem sabe o senhor vai preferir que ela nasça da proveta. Também! De um deus com essa teoria de macacos e a evolução da espécie pode se esperar de tudo!
(Grave manifestação contrária à menção da proveta e dada pela fêmea do gorila que ameaça a cobra).
DEUS - Não! Isso nunca! Proveta não! Eu faço outra mulher. Faço quantas forem necessárias. Proveta jamais! Já estou indo buscar mais material.
COBRA - Não, não, não! Nada de buscar mais material. Já vi que você não tem talento nenhum com o barro. Olha só o casal! Que coisa mais horrível! O Adão está dormindo e a Lílith foi passear com o gorila. – Clara manifestação de ódio é dada pela fêmea do gorila – Aproveite para agir. Tire uma costela dele e faça a outra mulher. Você não terá outra chance e vê se acerta agora. Eu vou ficar vigiando de perto desta vez. Assim não acontece uma nova tragédia. Vamos logo. Anda!
(A gorila, emburrada, permanece na cena enquanto deus e a cobra saem em direção à cena B – Foco nos dois vultos que entram na cena A, presenteiam a fêmea com um par de sapatos e prevêem os próximos acontecimentos).
Agora sim! Acredito que essa será a solução definitiva.
Tomara! Caso contrário essa nova história não segue em frente. E já que estamos aqui, vamos torcer! Vamos torcer!
(Os dois vultos amparam a fêmea do gorila sobre os sapatos, e juntos observam - Foco na cena B).

Cena B – Deus e a cobra encontram Adão dormindo, observado pela bicharada.
DEUS - DEIXA COMIGO! É pra já... “Do Adão, uma costela... E da tal costela... A magrela!”. Pronto! Que lindeza não? Tudo terminado. Eis aí: A Eva! Uma mulher e tanto!
(Breve manifestação de ciúmes é dada pela fêmea do gorila na cena A).
COBRA - Meu deus! Se eu soubesse que você tinha tanto talento, teria mandado fazer do barro mesmo! Agora eu entendo o motivo pelo qual você prefere apostar
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no macaco e na evolução da espécie. Que tentação!... Mas não podemos perder mais tempo, vou ver se está tudo bem por aí. Enquanto isso dê vida e a fala para Eva, acorde o Adão, e convença-o a conhecê-la.
(A cobra deixa o palco – Foco nos dois vultos que comentam para fêmea do gorila na cena A).
Parece que agora deu certo. Sabe que ficou até bom demais! Eu acho essa aí bem melhor que a outra.
A outra! Você acertou na expressão. Lílith, realmente, de agora para sempre será: “A outra!”. A primeira da história.
(Foco na cena B).

Cena B – Eva está sendo apresentada ao Adão ainda desacordado.
EVA - Nem morta, Santa! Eu é que não vou entrar nessa de sair beijando todo mundo pela frente. Isso é que dá sair andando por aí acompanhada por qualquer um.
DEUS – Não é santa. É santo! Eu sou homem.
EVA – Pra mim quem usa vestido é mulher.
DEUS – Não é vestido. É uma túnica! E eu não sou qualquer um. Eu sou o Deus!
EVA – E daí? É tudo a mesma coisa.
DEUS – Tudo a mesma coisa o quê? Qualquer um e o deus; a mulher e o homem; a santa e o santo; ou a túnica e o vestido?
EVA – Que saco! O senhor está me confundindo.
DEUS – Não! Quem está me confundindo é você.
ADÃO – Que barulho é esse? Ai! Ai! O que é isso? Ui! Ui! O que está aconteceu por aqui? Quem é essa aí!?
Ela é a Eva, Adão! / O senhor a fez para você! / É! E ele a fez da sua costela! / Doeu muito, Adão?
ADÃO – Da minha costela? Papai. O senhor perdeu a cabeça? Isso é clone viu! Agora, como poderão afirmar no futuro que clonagem é pecado?
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DEUS – Foi mais uma das idéias da cobra. “DEIXA COMIGO!”. Tai mais um embaraço! Mas agora é tarde! Vamos! Beijem-se!
EVA - Não beijo, não beijo, e não beijo! O senhor é mesmo uma péssima companhia. Está pensando que eu sou o que? Seu pervertido! Se pelo menos fosse um sapo que vira príncipe. Quem sabe? Mas esse aí? Eu não!
ADÃO - Está vendo, Papai. A maninha não quer. E quando um não quer dois não brigam. Não adianta insistir. Larga dessa idéia maluca. Você já sabe no que isso vai dar. Ou melhor: no que isso não vai dar!
DEUS - Mas Adão! Vocês dois devem se entender. Eu fiz a Eva para ser sua companheira.
EVA - Eva? Quem é Eva? Não estou vendo outra mulher por aqui.
DEUS – Você é Eva. Minha filha. Eu sou o deus, o seu criador e também o criador de todo esse Paraíso. Esse a sua frente é o Adão, seu...
EVA – Já sei. Já sei! Seu tarado! Ta pensando que eu sou burra é? E me diga uma coisa: O que é que nós dois estamos fazendo pelados aqui na frente de todo mundo? Esse é um filme pornográfico?
ADÃO – Deixa que eu explique! Meu amorzinho. Você é uma linda loira e eu sou seu irmãozinho mais velho, viu? Se alguém vir com conversa fiada de maçã, beijo, sexo, filhos, e outras sacanagens em geral; não se esqueça de que somos irmãos.
Mas isso não pode ser! / Você tem toda razão em reclamar, Adão! E a humanidade? / Sendo assim, se ela nascerá do sexo entre irmãos. / Que absurdo é tudo isso! Onde é que essa história vai parar?
DEUS – Calem-se! Seus agourentos! E quanto a você Adão, pode ir perdendo as esperanças que eu vou cortar, mas e parte desse roteiro que já está é saindo do script e pregando o que não deve. Por enquanto você e Eva devem ir passear pelo Paraíso para se conhecerem melhor. E mais! Prestem atenção no que lhes digo: Não toquem naquela árvore ali. E jamais provem o seu fruto, senão...
(Raios e trovões enquanto, temeroso e passando pela cena A o casal deixa o palco em direção à cena C; e deus e a bicharada saem do palco em direção à cena A – Foco nos dois vultos que na presença da fêmea do gorila revelam segredos).
UFA! Acho que finalmente chegamos ao início. Encerrou-se essa parte com o registro da boa nova?
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Sim! E com chave de ouro! Essa chave, é Eva! Agora: Diga-nos, sábia criatura: o que contará o homem no futuro, sobre o surgimento dela!
(Foco na fêmea do gorila que atendendo ao pedido declama à plateia o entendimento do homem sobre o fato).
Deus assinou a criação
Fazendo Eva. Um mulherão
E ele disse que ela
Foi feita do Adão. Da sua costela.
Eva era tão bela
Um verdadeiro assombro
Foi feita da costela!?
É se fosse do lombo?
(Empolgados com a fêmea do gorila os dois vultos retornam aos escombros - Foco na cena C).

Cena C – Tanto Lílith que é bulinada pelo gorila, quanto Eva que chega com Adão, se surpreendem chocadas com as cenas que vêem.
EVA – Nossa! Morzinhoo! Que filme é esse?
LÍLITH – Adão?! Que loira é essa?
ADÃO – Essa é a Eva. Minha nova mulher. Pode?
LÍLITH – Que gata! Onde você encontrou tem outra?
ADÃO – Ela é única. O papai a fez para mim. Por incrível que pareça, ela é ossos dos meus ossos e carne da minha carne.
EVA – Moça? Porque ele ainda está vestido?
ADÃO – Como podem ver. Muito osso, alguma carne, e pouquíssimo cérebro.
LÍLITH – Cérebro numa mulher dessas é o que menos importa!
EVA – Morzinhoo! Eu também vou fazer cena com ele?
(Breve manifestação de desconfiança e proferida pelo gorila).
ADÃO – Cale-se Eva! Este gorila já tem dono, viu! Que saliência é essa?
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LÍLITH – Querida! Não vá com tanta sede ao pote que ele é de barro.
EVA – Ele é o pote? E ele é de barro! O gorila?
LÍLITH – Não, meu amor. De barro por aqui só eu e Adão.
EVA – Morzinhoo! A moça não disse que o gorila Pote é de barro?
(Grave manifestação de espanto do gorila em relação ao raciocínio de Eva).
ADÃO – Calma maninha. Eu posso tentar te explicar.
LÍLITH – Maninha!? Mas isso é incesto. Adão. Que negócio e esse, hem?
ADÃO – Aiii! Parem vocês duas! Estão me deixando louco!
(A cobra vem chegando à Cena C).
COBRA – Que confusão é essa! O que está acontecendo por aqui?
ADÃO – São essas duas aí, mamãe! Não param de falar um só instante.
EVA – Olá, mamãe! Eu sou a Eva.
COBRA – Mamãe?! Eu não disse que sou sua mãe!
EVA – O Adão disse que a senhora é a mãe dele. Então... A senhora é minha sogra!
LÍLITH – Pimba! Acertou uma, Doçura.
COBRA – Eu já te explico quem eu sou. Eu sou a cobra. A secretária de deus. A cobra arquiteta do Paraíso. A cobra...
EVA – Nossa! A senhora é mesmo importante.
LÍLITH – É isso aí, Lindinha! Mas cuidado com o veneno.
ADÃO – Esta vendo, mamãe. Eu não vou agüentar isso por muito tempo.
COBRA – Vai sim! Elas são as suas mulheres e é melhor você ir se acostumando com elas e com o seu destino.
ADÃO – Não! Não! E não! Eu não quero esse destino. Não quero nem uma, nem outra; e muito menos as duas. Já pensou no custo que isso vai dar. Roupas, sapatos, jóias. E a fatura dos cartões de crédito!
COBRA – Por outro lado... A casa limpa, comida quentinha na hora, roupa lavada, filhos bem cuidados...
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LÍLITH – Pode parar por aí! De quem você está falando? Não conte comigo para nada disso. Prefiro sair e trabalhar. To fora!
COBRA – Tudo bem, Lílith. Você não é mesmo a oficial. Deixa essa parte para a Eva.
EVA – Morzinhoo! Nem casamos ainda e sua mãe já quer que eu seja a empregada.
COBRA – Eu já disse que não sou mãe de ninguém!
ADÃO – Que heresia é essa de casamento? Pare de dizer bobagens, Eva.
EVA – Eu não vou ser escrava não. Eu sou uma estrela!
LÍLITH – Com certeza, benzinho. E se quiser brilhar ao meu lado, garanto que não precisará se submeter à sogra.
(Indignado com as palavras de Lílith, o gorila deixa a cena e vai juntar-se com sua fêmea na cena A).
EVA – Moça! Ela é ou não é a mãe do Adão?
LÍLITH – Sim! E ela é sua sogra. Cuidado com ela.
COBRA – Pare já com essa história, Lílith! E cuidado com o que você vai sair dizendo de mim por aí, Eva!
EVA – Vou dizer que minha sogra é uma cobra!
COBRA – Espere só que eu te mostro quem é uma cobra sua talzinha...
(Sogra e nora se atracam enquanto apagam-se as luzes na cena C - Foco na cena A).
     
Cena A – O casal de gorilas assiste a chegada de deus e a bicharada.
DEUS – Que belo trabalho ficou a Eva. Vocês não acham? Mas o Adão... Coitado! E essa bicharada então: linda! Agora que terminei devo conferir tudo no Paraíso. Onde todos andam inocente, e totalmente nus!
O bofe não acha que precisa parar um pouco? / Todo esse trabalho de criação deve ter sido muito cansativo. / Tire umas férias. / Vá viajar por aí.
DEUS – Quem me dera! Desta vez eu não poderei fazer isso nem por um instante. Com essa cobra à solta já vi que vou ter problemas para o resto da vida! Ela está desarranjando todo o Paraíso! Mas, tenho uma idéia. Vou aproveitar para inovar! Ao
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invés de descansar farei uma bela festa em minha casa para vocês animais que estão todos convidados. Saiam por aí anunciando “A FESTA NO CÉU”. E ao avistarem o Adão, digam para ele também ir. Pensando bem. Não quero que ele fique sozinho com minha linda criação.
(Deus deixa o palco, e a bicharada em alvoroço vai para a cena C – Foco nos dois vultos que vindo à cena A, presenteiam o gorila com uma cartola e dão sequencia às suas observações).
Aí está! Depois de tanto esforço e já na tarde deste novo sexto dia. Contente com o que tinha acabado de reconstruir, enfim, deus pôde parar para observar e admirar toda a criação no Paraíso. “Onde todos andam inocente, e totalmente nus!”.
Diga-nos você também, sábia criatura! Como os homens entenderão as palavras de deus após observar o Paraíso?
(Foco no gorila macho que indo à platéia, declama):
Está todo mundo nu.
O macaco, o veado, e o tatu.
Sim! Está todo mundo nu:
A cobra; a perereca; e o anu.
Olhando a criação:
Gosto da Eva pelada. Mas não gosto do Adão.
(Os dois vultos permanecem na cena A enquanto o casal de gorilas em harmonia deixa o palco em direção cena C - Foco na cena C).
Cena C – A bicharada acaba de anunciar aos demais a vontade de deus.
COBRA – Festa! Que festa?
Disse o senhor que vai haver uma FESTA NO CÉU. / E todos os animais, inclusive você, estão convidados. / E que tínhamos ainda que avisá-lo, Adão. Você também deve ir. / O senhor não acha seguro deixar o casal a sós no Paraíso, sem a presença dele.
COBRA – Então é isso! Claro que é isso. É o amor! É o amor!
EVA – Nossa! Ele é a sua paixão, Dona Cobra? Eu não sabia que a senhora é tão romântica! Se a senhora gosta dele! Então esse filme é um romance.
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COBRA – Romântica, é o diabo que a parta! Deixa de ser burra, sua... Magrela! Eu estou falando é de deus, entendeu?
EVA – Ah! Agora eu Entendi! Deus e que gosta da cobra!
UAUU!!! (A bicharada vibra com a afirmação de Eva).
EVA – Mas! Afinal de contas! Esse filme é de amor ou é de sexo?!?
LÍLITH – Calma Eva! Eu é que gosto de você. Minha loirinha! Isso sim é um belo caso de amor, benzinho.
(Clara manifestação de ciúmes do gorila macho é repreendida por sua fêmea que o arrasta pela orelha para fora do palco).
EVA – Ai! Sai pra lá Lílith! Morzinhooo! A Lílith está mexendo comigo de novo...
ADÃO – Me dê sossego, Eva! Deixe-me em paz que eu preciso me concentrar na festa. O gorila também estará presente eu não posso perder essa oportunidade! Vamos nos preparar meus amiguinhos. E me digam uma coisa: O sapo também vai ou somente os animais que sabem voar poderão entrar na festa no céu? Se for assim nós daremos um jeito de entrar no violão do urubu...
Não! Não! Nesta todos nós iremos. / Deus jamais faria uma coisa dessas! / Seria uma discriminação contra a fauna. / E é tão fácil voar hoje em dia!
(Adão e a bicharada deixam o palco – Foco na Cena A onde os dois vultos comentam).
E essa festa agora? O deus acertou ao preferir não descansar desta vez?
Vamos ver primeiro o que isso vai dar. Os próximos acontecimentos lhe mostrarão se essa foi, realmente, uma boa idéia.
No céu já está tudo pronto. O que você acha desta novidade?
Não sei não. Mas parece que o ciúme levou deus à pior escolha possível. Vamos observar. Apenas para confirmar esse fato!
(Os dois vultos permanecem a observar na cena A - Foco na cena B).

Cena B / A festa no céu - Para espanto de todos, menos da fêmea; embriagados e abraçados estão: o deus, Adão, e o gorila que gagueja.
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To bêbo. To bêbo. To bebo, sim!
To bêbo. Só bêbo eu to em mim!
Se bebo. Só bêbo eu to legal!
Se bêbo não bêbo. Eu passo mal!
DEUS - Se não tem cachaça. Eu bebo o vinho, então. Bebo uma garrafa! Bebo um garrafão!
COBRA – Vejam! O gorila está até enrolando a língua. Vocês deveriam ter vergonha de beberem assim. Tem crianças e jovens aí na platéia. Olha o mau exemplo! Criador e criaturas, todos bêbados!
Vão acabar classificando a peça para maiores de 150 anos. Só assim vocês não influenciam ninguém a beber. / Pois é! E quanto ao senhor, olha que vexame! Que deus é esse? Baco? / Vejo que o bofe gostou bastante do: “destilado de uva”. Não é? / Mau exemplo viu! Amanhã os padres não conseguirão rezar uma missa, sem dar um trago no vinho! E a culpa é sua!
DEUS – Ah! Que bêbado que nada! Quer saber de uma coisa: “Dona Cobra!”. Deixa de ser chata! E quanto a vocês: Eita bicharada nojenta, só! Eu to na minha casa! E tem mais! Amanhã é sábado. E será feriado no Paraíso. Eu não pretendo descansar e não quero saber de confusão por lá. Agora, continuem com a festa e tomem cuidado com o Adão. Ele está tonto!
ADÃO – Eu tonto? Eu não estou tonto não! Quem está tonto é você papai! E deixe o gorila em paz. Que eu quero é me acabar!
DEUS – Olha o respeito, Adão! Olha que eu corto... Ah! Deixa pra lá. Eu não vou cortar nada mesmo!
ADÃO – Corta! Papai. Corta!
CORTA! CORTA! CORTA! CORTA! (A bicharada é solidária ao desejo do Adão).
COBRA – Chega de conversa! O deus precisa é relaxar! Eu vou mandar trazer do Paraíso uma xícara com chá da folha da maçã para o senhor tomar. Vai ser um estouro! Gorilas. Venham aqui!
DEUS – Chá da folha da maçã? Que merda é essa? Isso não esta me cheirando bem! Afinal de contas: você é uma cobra ou uma irmã de caridade? Eu hem! Vinho dá um porre!

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Chá da folha da maçã? / Onde é que tem isso no Paraíso? / Nunca ouvi falar disso por lá! / Eu gostaria de ter experimentado um golezinho.
(Notável manifestação de desconfiança do casal de gorilas).
COBRA – Vocês dois voltem ao Paraíso, vão até o pé daquela árvore que ninguém pode chegar perto, e tragam para mim a xícara com o chá quentinho que já vai estar pronto para vocês trazerem.
O chá vai estar pronto para eles trazerem? / Como assim? Quem é que já está preparando esse chá? / No Paraíso só ficaram a Lílith e a Eva! / Ou será que existe mais alguém por lá?
COBRA – Isso não é da conta de animal subalterno nenhum! Deixem de ser abelhudos! Eu sou a secretária de deus, não se esqueçam disso! Vão logo, vocês dois.
(O casal de gorilas deixa o palco em direção à cena C).
COBRA – E quanto aos demais. Aproveitem bem a festa. Anda!
ADÃO – Aproveitar mais o quê? Você acaba de tirar a cereja do bolo!
COBRA – Cuidado viu Adão! Olha que eu entrego você para a Eva quando voltarmos ao Paraíso.
ADÃO – Eu? Eu não estou fazendo nada! O que a “Irmã de caridade” quer dizer com isso?
(A festa prossegue em gestos na cena B - Foco na cena C).

Cena: C – O casal de gorilas está diante de Lílith e Eva.
EVA – Chá da folha de maçã? Que maçã?
LÍLITH – Ora benzinho! Eles estão falando da fruta daquela árvore ali. A macieira.
EVA – Aquela é árvore é uma macieira? Pra que serve a macieira num filme pornográfico de amor?
LÍLITH – Oh! Docinho. Deixa que eu lhe mostre. Vem cá, vem! Vem ver o que tem atrás da macieira.

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EVA – Não! O deus disse que não podemos nos aproximar dela. Deve ser para o encerramento do filme. Será que tem o beijo na cena final?
LÍLITH - Claro que tem querida! E bom você ensaiar bastante, viu! Então venha aqui e vamos treinar. E vocês dois, peguem o tal chá e nos deixem a sós.
(Indo à plateia, o casal de gorilas declama).
ELA – Antes da maçã no Paraíso
           Homem com homem
           Mulher com mulher
           Pra bicharada sem preconceito:
           É pato com jacaré
ELE – A cobra ainda virá
           Sacana como ela é
           Pra declarar:
           Mulher com homem!
           E homem só com mulher!
(O casal de gorilas pega o chá e deixa o palco em direção ao céu).
EVA – Ensaiar? Você e eu? E o Adão?
LÍLITH – Deixe o Adão comigo! Nos três vamos arrasar. Mas é você quem é a mocinha, meu anjo. É você quem vai fazer com ele a cena do beijo final. Mas para isso tem que saber tudo. Tudo mesmo! Vem que eu te ensino: É assim, quer ver...
(CENSURADO - Lílith apaga as luzes da cena C – Foco na cena B).

Cena B – A bicharada já retornou ao céu.
COBRA – Beba logo. Anda! De uma tragada só.
DEUS – Argh! Que coisa horrível. Ei Adão! Traz o vinho pra eu lavar a boca!
COBRA – Que vinho que nada! Agora feche os olhos e pense naquilo que você mais gosta. Você terá sonhos reveladores.
DEUS – O que eu mais gosto. Sonhos com o que eu mais gosto... Ah! Minha Eva... zzz
COBRA - Prontinho! Ele agora vai descansar por um bom tempo. Hei pessoal! A festa acabou, vamos embora.
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(Com exceção de deus que permanece apagado na cena B, todos deixam o palco em direção à cena C – Foco na Cena A onde os dois vultos concordam).
Aí vêm eles de volta. Acho melhor não relatar essa comédia.
É verdade! No céu a festa terminou, mas por aqui está só começando. Sinto que Deus não devia ter apagado, pois enquanto isso, não muito longe de lá. Dois personagens ainda simples figurantes aproveitarão seu descuido para agirem.
Tem razão! E cumpra-se o decreto. Afinal: “É Sábado no Paraíso!”
(Após o eufórico anúncio os dois vultos voltam aos escombros – Foco na Cena A).

Cena A – O casal de gorilas declama à plateia enquanto os outros vão passando em direção à cena C.
ELE – É feriado no sétimo dia,
           E todo mundo faz o que quer!
           Para quebrar a monotonia:
           Mulher com homem. E homem com mulher.
ELA – Também o deus foi deixar,
           Ao resolver descansar:
          O Paraíso ao deus-dará!
(O casal de gorilas deixa o palco seguindo os demais – Foco na cena C onde a bicharada conta para Lílith e Eva o sinistro ocorrido na festa).
ADÃO - Pois é! O papai nem conseguiu tirar as botinas para deitar. E ao cair nos braços de Morfeu ainda pensava em Eva. Seu maior triunfo! E como qualquer jovem apaixonado, sonhou ser um belo, rico, e destemido rei. (Rei, até que ele acertou!) E que encontrara sua amada. Ai! Que lindo! Um divino: “sonho de fadas!”.
EVA – Rei? Fadas? Ah! Então esse é um filme é para crianças! Que tal: “O rei e a rã”. É um belo nome, vocês não acham?
Rã é a vovozinha, viu! Sua magrela! / Ela não é uma rã. Ela é uma perereca! / E não vai fazer cena erótica com rei nenhum. / Só se o cachê dele for bem grande! Entendeu? Enorrrrme!


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EVA – Não é você não! Rã é a mulher do rei! (Ou não é?!) E parece que esse filme não é de sexo, é um romance infantil! Mas, pensando bem... O que veio fazer uma perereca num filme romântico para crianças?
ADÃO – Chega Eva! Perereca pra cá! Perereca pra lá! Credo! Eu é que não vou ficar aqui nesse pesadelo. To fora! Vou dar umas voltas. To indo...
LÍLITH – Espere Adão. Eu vou com você. Sabe essa idéia sua de fazer uma passeata! Também quero participar. Podemos fazer assim...
(Despertando ciúmes nos gorilas Adão e Lílith deixam o palco e vão recriar a cena A. Então, observada pelos animais a Cobra aproveita para seduzir Eva).
COBRA – Você não tem ciúmes de Lílith com seu companheiro, Eva?
EVA – Não! Faz parte do filme, Dona Cobra! Lílith disse que eu vou fazer a cena do beijo final. Ela já me ensinou a beijar e está treinando comigo. Toda hora ela quer ensaiar!
COBRA – A Lílith é? Não é que ela está se saindo melhor do que eu pensava. Que danada!
EVA – Ela mesma! E disse que eu sou a mocinha! Que está ensaiando também com o Adão e que eu não preciso me preocupar. Ela é só a dublê.
COBRA – Que cobra! Cuidado Eva! Não é fofoca não, viu? Mas andaram rolando umas coisas entre os dois antes de você chegar aqui, sabia?
EVA – Não! Do que a senhora está falando?
COBRA – Boca de siri, gorilas! Essa parte da história nem mesmo a escrita poderá contar!
(Notável manifestação de apoio à cobra e dada pelo casal de gorilas).
EVA – Gorila Pote. Você sabe! O que foi que aconteceu?
(Enciumada e vingativa a fêmea do gorila toma a frente declamando para Eva).
Lílith é. Do seu Adão, outra mulher.
Belo par de coxas. Grandes seios.
Linda! Que bumbum! Belo recheio!
Adão viu a Lílith passar...
Fez um “fiu-fiu” para ela.
E a cobra entrou no meio!
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EVA – O Adão? Com a Lílith? Eles fizeram um filme pornográfico?
COBRA – Lílith hoje estaria no seu lugar, Eva. Pena que o Adão queimou a fita.
Calma aí que o santo é de barro! / Você sabe que não foi bem assim! / Mas que papo mais louco. / Onde vai dar toda essa história?
COBRA – Isso não importa! O que importa e o final! Eva. Você não quer dar o beijo com o Adão. Então tem que fazer o seguinte. Está vendo aquela árvore ali?
EVA – Estou! Mas o deus disse que não podemos nos aproximar dela. E nem provar o seu fruto. “Senão...”
COBRA – Não seja tola, Eva. Ele disse para “vocês” não provarem o fruto, pois assim tudo aconteceria muito rápido. Mas nós duas juntas podemos resolver o problema. Vamos fazer o seguinte (A cobra cochicha no ouvido de Eva em segredo que é discretamente capitado também pela bicharada).
EVA – Então já chegamos ao final do filme? Eu ainda nem fiz a cena do beijo final!?
COBRA – Ainda não é o fim! Mas já está tudo arranjado para vocês dois iniciarem o aprendizado para o povoamento do mundo. Pensando nisso, eu criei esse roteiro e o estou dirigindo perfeitamente. Afinal, alguém tem que passar para a história como a criadora da humanidade. Não é mesmo? Ate aqui foi só o antes da maçã! Porque, depois dela...
Nossa! Como você é má. Criatura! / A coitadinha será mãe de família, e? / Não sei não. Mas acho que essa versão não vai dar liga. / O Adão não vai gostar nadinha dessa história!
(Significativa manifestação do casal de gorilas desconfiados da intenção da cobra).
COBRA - Quem pediu a opinião de vocês? Fora daqui ou mando cortar a língua de todos. Querem ver?
Ui!!! (Após se manifestar a bicharada e os gorilas, fogem do palco para a cena A).
COBRA – Não se preocupe com eles. Eles não sabem o que dizem!
EVA – Nossa! A senhora diz frases tão bonitas.
COBRA – Bonitas não! Célebres! Você vai ver. Alguém muito importante ainda vai repetir isso um dia. Mas vamos ao que importa. Preste atenção: Você então mostra e oferece para ele, e...
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(Maliciosamente, a cobra apaga a luz na cena C - Foco na cena A).

Cena A – Abonada pelo casal de gorilas a bicharada está fofocando os fatos para Adão e Lílith.
Meninas! Vocês não vão acreditar! / Sabia que você vai ser pai Adão? / A Eva já sabe sobre vocês dois, Lílith. / Cala-te boca! Os gorilas que o digam.
ADÃO – Cruzes! Eu? Pai? Nem morta, bela!
LÍLITH – A cobra contou para Eva, é? E vocês dois? O que disseram?
(O gorila macho toma a frente da sua fêmea. E amenizando o ciúme dela declama).
Lílith é. Do seu Adão, outra mulher!
Belo par de pernas. Grandes seios
Linda! Que bumbum! Belo recheio!
Adão viu a Lílith passar.
Fez um “fiu-fiu” pra ela...
... E foram namorar!
ADÃO – Eu? Que injúria! E que gorilas mais tagarelas são esses! Deveriam ter continuado mudos para sempre.
LÍLITH – Mas é isso, Adão! A cobra é mesmo esperta! Agindo assim ela aproxima-se de Eva. E sob o seu encanto sua segunda mulher pode cair na armadilha dela e te levar à tentação.
ADÃO – Tentação? De novo? Eu vou cair fora daqui!
LÍLITH – Corra logo, Adão. Ou você não terá como fugir. Aí vem ela.
(Adão foge em direção a cena C enquanto a cobra vem chegando à cena A).
COBRA – Não adianta mais, Lílith. Aí esta! (A cobra acende as luzes e mostra a Cena C ao lado).
LÍLITH – A maçã? Assim Eva vai conseguir seduzir o Adão!...
COBRA – Sim! Eles sucumbiram. Sob o encanto desse audacioso animal, Eva oferece para Adão a fruta proibida, e ele, sem pestanejar, (já estava mesmo entre a cruz e a espada!), num instante de puro ímpeto e ardor, deflora-a, sem imaginar as conseqüências de seu ato, cometendo assim, o pecado original.
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(Todos se atentam para a Cena C, onde Eva, travestida de maçã, cessa a fuga ao iniciar um strip-tease para Adão).
ADÃO – Ai meu deus! Aqui vou eu de novo. Eva, Eva! Cuidado com a minha costela machucada viu?
EVA – Morzinhoo! Morde a fruta... Morde!
ADÃO – Socorro! Socorro! Papai. Acuda-me!
(CENSURADO -Sedutoramente Eva apaga as luzes na Cena C – Foco na cena A).

Cena A – Quase todos estão temerosos em relação ao que pode acontecer.
LÍLITH – Isso não poderia acontecer. Alguém tem que avisar o deus imediatamente!
COBRA – Nada disso! Vamos aproveitar o sábado à noite pessoal! E aguardar as conseqüências do sétimo dia. Chá de folha de maçã para todo mundo!
“OBA!...” (Clara manifestação de apoio é dada pelo resto da criação).
(A Cobra diminui a iluminação enquanto uma farra toma conta da cena A, onde o casal de gorilas indo à plateia declama).
A cobra quem fez a festa
No Paraíso. E na floresta
A cobra é pop demais
Quem não conhece a cobra
Não sabe o que ela faz
(Fatigados, todos adormecem. Com exceção da cobra, que, antes disso, junta o casal de gorilas a Adão e Eva - Foco nos dois vultos que dos escombros, comentam).
Durante o sono divino o que mais se temia aconteceu. Enfim chegamos ao final?
Não! Nada disso. A história não acabou! Pois a vida continua. E como continua. Veja!
(O vulto mostra os casais trocados, e logo após, visando acordar o deus grita para a cena B: “Faça se a Luz!” – Luzes na cena A. Nela, todos de pé observam Adão e Eva já vestidos com as folhas. Ele somente na frente e ela que está grávida somente atrás e nos seios, quando o deus, ainda de pijama, chega atordoado pelo pesadelo e se assusta com o casal que se mostra desesperado).
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DEUS – O que está acontecendo por aqui? Adão!Eva! O que significa isso?
ADÃO – Tenha calma, papai. Não é nada disso que você está pensando. E já vou avisando: Eu não caso!
DEUS – Porque não? Veja a situação da sua companheira. Como você pôde fazer isso, Eva?
EVA – A culpa foi da cobra! Eu falei que nesse filme não podia oferecer a fruta para o Adão. Mas ela disse para deixar a maçã com ela e que o resto podia dar a vontade. Então eu dei o que sobrou: Mostrei a ele todo o pomar e ofereci uma salada com os melões, o moranguinho, e tudo. O Adão gostou muito. E quis provar tudinho! Guloso não?
DEUS – Mas! Se a fruta foi preservada?! Espere ai! Você não...
Ora deus. Deixe de ser inocente. Bobinho! / Você não queria a evolução da espécie! / Ta aí! Cada um se arranja como pode. Entendeu? / Adão. O grande! Agora, finalmente, acho que nós também seremos lembradas.
DEUS – Adão. O grande? Que história é essa bicharada sem-vergonha! Olha que eu corto...
NÃO CORTA! NÃO CORTA! NÃO CORTA! NÃO CORTA! (A bicharada defende a integridade física do Adão).
ADÃO – Ouça papai! Deixe a bicharada comigo. Estamos nos dando tão bem. Acho que vou aderir ao bando e estou pensando em dar nomes a todos. O que o senhor acha?
DEUS – Ótima sacada essa de dar nomes aos bichos! De onde você tirou essa ideia? Mas você está precisando mesmo é ocupar o seu tempo com outra coisa! Porque não cuida da sua mulher?
EVA – Morzinhoo! O deus tem razão! O casal do filme tem que ser só nós três. Eu, você, e a Lílith. Pois ela ainda me disse que a mocinha sou eu! A bicharada esta fora.
DEUS – O que você tem a ver com tudo isso, Lílith? Que negócio é esse de casal com três pessoas?
LÍLITH – É tão simples, senhor. Isso também é evolução. Sabia?
DEUS – Não! Isso é erro de matemática! E além do mais um casal é formado entre apenas dois seres, e de sexos diferentes. De outra forma não dá liga! Não funciona!
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LÍLITH – Senhor! Chega de preconceitos. Saiba que pólos iguais também se atraem. É só driblar as diferenças que as coisas fluem normalmente.
EVA – Isso mesmo! Lílith. Nos três formamos uma belíssima dupla. Esse vai ser um filme lindo. Morzinhoo! Você gostou da primeira cena?
ADÃO - Não! Não! E não, Eva! Você pode se ajeitar com a Lílith, que eu vou me ajeitar e com a bicharada. Não gostei nadinha da sua salada de frutas. Eu gosto e da banana. Entendeu?
Banana? Que história é essa, Adão? / Acho que você teria que gostar é da maçã. / Pois é você quem deveria tê-la saboreado. / E agora? Quem vai ser o pai da humanidade?
DEUS – Adão não provou da maçã? Quem será o pai da humanidade? De onde vocês tiraram essas dúvidas? Quem anda alterando a história por aqui?
COBRA – Não se trata de alteração. E pura evolução.
DEUS – Que conversa é essa? Quem foi que provou a maçã? Quem está falando comigo?
COBRA – Eu! Aqui! Atrás da árvore!
DEUS – Então é você cobra? O que tanto faz atrás dessa arvore? Continua me espionando é? Eu já disse que dela não se pode aproximar. Fora daí, e explique-se imediatamente!
COBRA – Agora é tarde! Senhor. O Paraíso já foi reiniciado. (A cobra adentra a cena apresentando apenas o talo que sobrou da maçã).
DEUS – O quê? Isso não pode ser verdade. A maçã foi devorada?
COBRA – E graças a mim! Por mim! Afinal, se não fosse assim ela ficaria ali para sempre. Com esse Adão aí, adeus humanidade! A nova história confirmará o que eu digo!
DEUS – Mas não é assim que estava previsto. Não seria essa a história a ser contada.
COBRA – Já sabemos muito bem qual seria o desfecho do seu Paraíso. Agora é o meu! E por aqui, a coisa promete. Veja o futuro! Que grande transformação: O macaco! O homem! A vida! O sucesso!...
ADÃO – Ai! Que lindo, mamãe! Definitivamente. Eu adoro a cobra!
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“UAU!!!”
COBRA – Eu já disse que não sou sua mãe!
DEUS – Mas o que será deles sem o conhecimento? Isso é imprescindível para o seu bom relacionamento. Adão e Eva teriam que provar a maçã!
COBRA – Pra quê? Para pensarem e agirem por suas próprias vontades e interesses? Dê uma olhada em volta. Veja no que já deu tudo isso! Primeiro: Inveja, traição, ódio e desavenças. Não durou muito e mesmo depois de você inundar tudo e recomeçar quase do zero para lhes oferecer uma nova chance; o gran-finale: guerras e mais guerras. Ignorantes, eles mesmos deram um jeito de se exterminarem.
DEUS – Mas agora eu pretendo experimentar antes. Fazer vários testes. Temos tempo de sobra para isso. Tanto é que eu nem pretendia criar o homem dessa vez. A idéia dele já estar aqui foi sua! Agora, eu ordeno: devolva lhe o conhecimento!
COBRA – Não! Nada de experiências demoradas! Ou daqui a séculos e séculos, ao olhar em redor nós certamente estaremos vendo essa mesma imagem. Ou outra ainda pior já que não se pode prever do que eles novamente serão capazes. Nada de entregar à raposa o comando do galinheiro. Nada de conhecimento ao homem de uma só vez. Só o instinto e pronto!
DEUS – Mas assim ele não passará de um simples animal. Você pode imaginar o que vai acontecer?
COBRA – Claro! E é isso mesmo que pretendo para a raça humana. Ao invés de evoluir do macaco como agora acredita o Senhor, ela haverá de evoluir aprendendo com o macaco, e juntos, como uma família, terão seus filhos que novamente povoarão a terra.
(Timidamente a fêmea do gorila se insinua para Adão, enquanto o gorila se salienta para Lílith e Eva).
DEUS – O quê! O homem com o macaco? Mas isso é um absurdo!
EVA – Êpa! Esperem aí! A cobra disse que eu seria a mãe da humanidade. Eu topei. A Lílith disse que eu faria a cena do beijo final e que me ensinaria tudo. Começamos os treinos imediatamente. Vem o Adão e me arrasa toda já no primeiro ensaio. Tudo bem! Sou uma profissional e esses são ossos do ofício. Daí eu descubro que agora tem até macaco na jogada. Afinal de contas que espécie de filme é esse? Eu já vou avisando; sou uma atriz de respeito. Posso ser burra, mas não sou idiota. Sem camisinha eu não faço cena com mais ninguém!
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LÍLITH – Meu anjo. Agora você surpreendeu até o Ministério da Saúde.
ADÃO – Que cena! Pensei que você fosse gritar: independência ou morte!
Calma Eva. Não precisa se preocupar / Eles estão tratando do futuro e apenas seus filhos estarão por lá. / Se você der sorte, poderá até ser citada pela nova escrita. Como foi a Madalena na primeira. / É! Mas assim como ela. Quem conta um conto, aumenta um ponto, viu! Sabe-se lá o que dirão de você também.
EVA – Escrita! Que escrita? Afinal de contas! Esse é um filme, um bacanal, ou uma revista pornográfica?
LÍLITH – Bingo! Voltou ao normal. Respire fundo, minha flor. Eles estão falando da bíblia. Um livro que será muito famoso e contará “quase tudo” – Lílith refere-se a ela mesma – sobre a criação e os destinos do homem.
EVA – AH! Entendi! Bem que eu vi umas figuras estranhas rabiscando uns pedaços de tecidos logo que o deus mandou eu e Adão sair passeando pelo Paraíso.
DEUS – O quê? Figuras estranhas? Quem mais além de nós anda pelo Paraíso?
COBRA – Cale-se Eva. Sua fofoqueira! Não vê que suas tolices estão confundindo o bom deus?
DEUS – “Bom deus?” Então é isso! Você esta metida nessa história não é? “Secretária!”. Agora começo a entender tudo. Suas saídas estratégicas, suas belas idéias inovadoras. Quem é que está por trás de tudo isso? Hem? “Dona Cobra!”
COBRA – Senhor! Não nos leve a mal. Eu apenas pretendi um desfecho mais interessante para a humanidade. As idéias dele não são ruins. E ele diz ser tão bom quanto o senhor.
DEUS – Tão bom quanto a mim? Está tudo explicado. Só pode ser ele... Lúcifer. Venha imediatamente aqui!
(Espanto geral entre os demais com o rigor da atitude de deus e a presença de um dos vultos que, retirando a touca de seu manto, adentra a cena).
LÚCIFER – Perdão, Senhor. Mas posso explicar se ainda, eu tiver um instante de sua atenção.
DEUS – Ora vejam! Como você veio parar aqui, e nesta parte da história, Lúcifer? O que significa isso? É um novo golpe?

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LÚCIFER – O maior deles, senhor! E desta vez, com um magnífico planejamento. Uma revolução está para se concretizar. Um mundo melhor. Onde não haverá fome, não haverá tristeza, não haverá pobreza, não haverá...
DEUS – Pode parar! Pode parar! Vejo que não haverá é nada! Só promessas. De onde você tirou isso?
LÚCIFER – É um de meus grandes trunfos, Senhor. Aprendi com seus vitimados filhos. Chamaram de: Política.
DEUS – Política. A velha arte de enganar, trapacear, iludir...
LÚCIFER – Ela mesma Senhor. Adotei-a como princípio.
DEUS – Chega Lúcifer! E eu posso até adivinhar quem se privilegiará com ela.
LÚCIFER – Claro! É isso mesmo, Senhor! – dirigindo-se aos demais – Vocês ouviram? Como já previu o deus, pessoal: Vocês e quem serão os grandes beneficiados.
DEUS – Para, para, para! Não coloque suas palavras na minha boca. Eu não disse nada disso.
LÚCIFER – Não disse! Mas como o magnífico deus que é, deixou explícita a sua mensagem. E tenham certeza todos vocês, que seguindo o grande líder gozaremos juntos, as conquistas da humanidade...
“JÁ GANHOU! JÁ GANHOU! JÁ GANHOU!”... (Toda a criação se manifesta).
DEUS – Obrigado! Obrigado!...
LÚCIFER – Um instante, que ainda não terminei. E, portanto, eu lhes apresento ele. O grande, o maior, o verdadeiro soberano do universo:... O HOMEM DE LÚCIFER!     
(Entra o outro vulto como um tosco boneco de barro coroado e caracterizado de monarca)
DEUS – O quê?!
“OHOOOO!”... (Grave manifestação de espanto e dada por toda a criação).
EVA – Morzinhoo! Porque ele não é de barro como você?
LÍLITH – Doçura! Adão e eu fomos feitos de argila. Um barro muito nobre. Aquele ali, pelo cheiro, foi barro de esgoto.
ADÃO – Silêncio, vocês duas. Vamos ouvir o que o outro homem vai dizer.
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COBRA – Venham gorilas! Vamos retirar o Senhor daqui.
(Assustados, a cobra e o casal de gorilas deixam o palco levando o deus, e vão formar ao lado a cena B – Na cena A segue a leitura do seu discurso pelo homem de Lúcifer).
HOMEM – Ca-ca-ríssimos ir-mãos! Eu vos fa-falo em nome-me de de-deus...
LÚCIFER – Muito bem!
HOMEM – Eu vo-vos falo em no-nome da famí-mília...
LÚCIFER – Bravo! Bravo!
(A cena A continua em gestos – Foco na cena B).

Cena B – Restabelecido do choque o deus interroga a cobra.
DEUS – Muito bonito: “Dona Cobra!” o que significa tudo isso?
COBRA – Eu não sei. Eu fui traída.
DEUS – O traído aqui sou eu! E fui traído pela senhora que organizou toda essa trama.
(Efusiva manifestação de apoio ao deus e dada pelo casal de gorilas).
COBRA – Não! Eu apenas incentivei o senhor a criar logo o homem apos ser inflamada por Lúcifer que garantiu quê: se ele fosse concebido de acordo com minha imaginação, desta vez, “eu”, seria conhecida como a criadora da humanidade. Eu não sabia que ele o desejava apenas para aperfeiçoá-lo.
DEUS – Aperfeiçoá-lo? Você tem coragem de chamar algo como aquilo lá de perfeito! Como você teve coragem de participar dessa heresia?
COBRA – Lúcifer contou que na primeira vez, ainda no princípio, e muito, muito antes do grande final, após ser expulso do céu acusado de tirania, provando que era igual ao senhor construiu o seu próprio reino, nele acolhendo todos aqueles que ao céu não mereciam, e do qual, seria ainda seu comandante se a grande explosão não o tivesse condenado a uma superlotação que o transformou num verdadeiro “inferno”. O que obrigou sua fuga para cá.
DEUS – O quê? Lúcifer abandonou seu reino e se escondeu aqui?
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COBRA – Sim! E ao descobrir sua intenção de recriar tudo de novo passou a espionar o Senhor aprendendo tudo que via e ouvia. E imitando o seu trabalho achou fácil recriar também para si um novo reino que chamou de Pindorama. Desta feita, uma cópia fiel ao Paraíso em todos os detalhes, e do qual, eu ainda seria a rainha se o ajudasse.
DEUS – E então? Ele conseguiu?
COBRA – Sim! Mas também por lá faltava o homem que o Senhor tardava em criar, contrariando o que ele jurava que faria. Foi daí, que tive a incumbência de incentivá-lo e persuadi-lo, até que, enfim, o Adão foi criado. Lúcifer então o copiou e o trouxe para ajudá-lo nas suas observações, mas, sem conseguir realizar o sopro da vida, ali está o melhor que ele pôde fazer. Agora estou arrependida. Eu não imaginava que o homem de Lúcifer tomaria o meu lugar de rainha.
DEUS – O poder! Eis a explicação para tanta tirania. Mas quem com o ferro fere! Com o ferro será ferido! Nada melhor que um péssimo aliado para promover uma discórdia. Muito bem, “Secretária!” Vá e diga para Lúcifer que será entregue um tesouro por sua coroação como rainha. Assim eu me livro dos dois para sempre e cada qual poderá seguir o seu caminho.
COBRA – Mas, Senhor. Eu não quero mais deixar o Paraíso. Eu não quero acompanhar Lúcifer.
DEUS – Vá logo, cobra. Ou não haverá lugar para você nem no Paraíso, nem no reino de Lúcifer.
(Expulsa por deus, a cobra deixa o palco em direção à cena A – Foco na cena A).

Cena A – Segue a leitura do seu discurso pelo homem de Lúcifer.
HOMEM – Com-fi-fiem em mim. Tem-ham fé me-meus queri-ridos irmãos. Junto-tos nós torna-naremos uma u-única e inque-quebrável corrente-te...
LÚCIFER – Apoiado! Muito bem...
(A cobra se aproxima e cochicha no ouvido de Lúcifer).
HOMEM – E di-digo mais!...
LÚCIFER – O que? Um tesouro!?
HOMEM – Tesouro? Alguém falou em um tesouro?
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COBRA – Sim! Foi o que disse o deus. Mas para isso é preciso que eu tome posse de meu lugar de rainha.
LUCIFER – É pra já, alteza! Tome a sua coroa.
(Lúcifer rouba a coroa do homem e entrega para a cobra).
O HOMEM – Hei! Essa coroa é minha. Você disse que: “Eu!” sou o rei do Pindorama!
LÚCIFER – Cale-se! Primeiro vamos ver que tesouro será esse. Alteza? Onde está o tesouro?
DEUS – Aqui! Lúcifer. Eis o seu tesouro.
(Deus vem chegando trazendo uma chama em uma das mãos).
LÚCIFER – O fogo? Mas esse eu já tenho em abundância no inferno. Senhor.
O HOMEM – Devolva minha coroa, Cobra. Esse tesouro ele já tem.
COBRA – Espere! O deus sabe o que faz.
DEUS – Seu fogo apenas arde e queima. Lúcifer. Mas, assim como o seu criador ele é gelado por não possuir o que essa chama traz de mais valioso: Calor humano. Veja o tal homem criado por você. Não passa de um boneco de barro, frio, tosco, e inacabado. Soletra o que lê sem noção daquilo que você inutilmente escreveu desejando que ele aprenda. Ele não é nada! Você não é nada! Pois falta lhes este calor. Falta lhes a vida.
LÚCIFER – Meu Senhor! E a mim será dada essa chama? A mim será dado pelo deus o poder do sopro da vida?
DEUS – Sim! Mas somente para a vida do seu homem. Que também por você, reinará para sempre.
(Gravíssima manifestação de espanto entre o casal de gorilas).
AI meu deus! / O Senhor perdeu o juízo. / O mundo vai acabar antes mesmo de voltar a existir. / Então. Vamos fugir. Vamos fugir...
EVA – Morzinhoo! Eu não vou fugir antes de dar o beijo final!
HOMEM – Pega logo, patrão. Antes que se apague.
COBRA – Espere Senhor. Eu não quero essa coroa. Eu não quero seguir Lúcifer!

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(A cobra tira a coroa entregando-a para deus, que ao pegá-la, dá chance a Lúcifer de apoderar-se da chama).
LÚCIFER – Há! Há! Agora é tarde, Senhor. A vida aqui está em minhas mãos.
DEUS – Obedeça, Lúcifer! Dê então a vida à sua criação.
HOMEM – Vamos, patrão. Sopre logo em mim. Eu quero viver...
LÚCIFER – Não seu tolo! Eu! Aspirarei essa chama. Assim. Eu! Terei o poder do sopro da vida.
DEUS – Não, Lúcifer! Não é nada disso! Espere...
(Fumaça e ventania - Lúcifer aspira a chama e se transforma num demônio rubro).
Credo! Que trans mais horrível. / Isso é que dá cheirar o que não se deve. / O chá da folha de maçã não chega nem perto! / Menina! Detestei sua da pele.
DEMÔNIO – Cale-se. Sua bicha! Veja deus! Eu! Tenho a vida.
DEUS – Sim! A vida do seu próprio homem. Que você roubou para si.
HOMEM – Quem é você? Eu quero o meu patrão! Você devorou meu patrão.
DEMÔNIO – Cale-se você também. Seu asno! Sou eu, idiota! E venha logo ganhar o sopro da vida.
(Orgulhoso, o homem de Lúcifer se prontifica imediatamente).
DEUS – Qual vida Demônio? Se a dele é você quem agora a possui.
DEMÔNIO – Não! Eu também agora sou um deus! Também tenho o poder do sopro da vida. Posso sentir seu calor arder por todo o meu corpo.
DEUS – Agora você é apenas fogo. Lúcifer. E cuidado! Ou fogo será tudo que fizer ou tocar.
DEMÔNIO – Mentiras! Eu! Darei vida ao homem. Vejam todos: Uuuff...
(Lúcifer assopra e após muito suspense, poeira e ventania, seu homem ressurge na forma de uma estátua de barro queimado).
EVA – Morzinhoo! Porque você não conseguiu ficar durinho como ele?
ADÃO – Sai pra lá, Eva! Que conversa mais sem graça é essa? Está todo mundo ouvindo.
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LILITH – Não ligue pra ele, querida. Pode contar comigo.
DEMÔNIO – Vamos homem! Mova-se logo, imbecil.
(O demônio tenta pegar o boneco de barro que, ao ser tocado, se parte em cacos).
DEMÔNIO – Não! Meu homem, não!...
DEUS – Assim como o criou, você mesmo o destruiu. Este é o seu destino e de todos que te seguem, Lúcifer. Volte para o seu velho reino condenado a arder em chamas. Somente lá, você conseguirá conforto para esse calor que por sua desobediência, de agora para sempre também lhe queimará eternamente as entranhas. Vá, demônio! E leve o que sobrou de seu homem. Fora daqui! (Deus da uma vassoura para o demônio).
DEMÔNIO – AHH!!!... Eu voltarei... Aguardem!...
(Varridos por ele próprio, vão-se o demônio e os cacos para fora do palco).
Nossa! Adorei os efeitos especiais. / O diabo passará com o rabo quente. / Lúcifer ganhou uma bela estomatite. / Vai ter que tomar muitos antiácidos!
DEUS – E agora, Dona cobra. Vamos ao seu acerto de contas.
COBRA – Eu não tive culpa, Senhor...
DEUS – Não teve culpa? Explique-se!
COBRA – Como já disse antes, eu apenas gostaria de uma nova chance para o homem. Então, aproveitando a oportunidade de estar próxima e atuante na sua criação, julguei que desta vez seria de bom grado para a humanidade, que ele seguisse o destino que até momentos atrás, conseguir forjar e por em prática.
DEUS – E isso implicou em desorganizar toda a minha criação?
COBRA – Sim! Desta vez eu interferi. Aproveitando sua ausência por aqui durante a festa no céu, e desconfiada das intenções do criador com sua mais bela criatura, tentando impedir que tal heresia fosse concretizada, criei o clima para que Lílith, enfim, conseguisse envolver Eva, que afirmo, é sua “preferida” entre toda a criação.
(As palavras da cobra causam um imediato reboliço entre a criação).
EVA – Morzinhoo! O deus também quer fazer umas cenas comigo?
Meninas. Que babado fortíssimo / Eva. Você anda partindo corações / Criador e criatura no primeiro romance da história? / Não! O Adão pegou primeiro.
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LÍLITH – Nada disso! Eu fui a primeira! O Adão foi apenas sexo!
ADÃO – Pode ficar Lílith. Vejo que você até já se esqueceu do gorila.
(Grave manifestação do gorila macho que é imediatamente repreendido pela sua fêmea).
DEUS – Mentiras! São calúnias... Não acreditem em nada disso!
COBRA – Calma pessoal! Ainda não acabei. Então, pedi a Lúcifer que deixasse preparado o chá da folha da maçã que mandei buscar e lhe servi ainda no céu, e para aproveitar sua longa viagem, determinei o fim da festa com o retorno imediato ao Paraíso, onde tive o tempo necessário para por em prática a segunda parte do meu plano, me aproximando de Eva, provocando a indução dos casais ao prazer, e a degustação da maçã com a tomada para mim de todo o conhecimento.
DEUS – Indução dos casais ao prazer? Você não quer dizer que...
COBRA – Sim! Troca de casais. Por que não?
DEUS – Mas... Onde está o seu conhecimento? Prazer entre casais não é sabedoria. É orgia!
COBRA – Não é orgia! Isso é liberdade. É evolução.
DEUS – Com tanta liberdade assim, onde pretende chegar com o Paraíso?
COBRA – Em um lugar muito melhor. Esta é a maior e última parte dos meus planos.
DEUS – Não me venha com mais idéias inovadoras. “Secretária!” Para você, “Dona Cobra!” vai ser dado o veredicto. O sonho acabou! Talvez queira visitar o reino de Lúcifer e de lá não sairá jamais. O que acha?
COBRA – Mas é isso! Senhor! É tudo o que sonhei. É só o que preciso.
Credo! A cobra ficou louca de verdade / Andou bebendo Chá de folha de maçã é? / Pois é! E o feitiço virou contra o feiticeiro / Deus é pai! Ela só terá que se arrastar para o resto da vida.
DEUS – Parece que a senhora perdeu o reino, mas restou-lhe a majestade. Tome sua coroa e vá para o reino de Lúcifer.
“OHOOO!”... (Manifestação de medo é dada pelo resto da criação).
COBRA – Para qual deles, Senhor?
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DEUS – Eu já lhe digo. “Dona Cobra!”. Preparem se para o Juízo final!
(Um alvoroço toma conta de todos que se amontoam em volta de deus no centro do palco).
EVA – Espere um pouco, deus. Vamos fazer a nossa cena antes. Só falta o Senhor pra ensaiar comigo!
LILITH – Meu amor! Atuando tanto assim você vai acabar mudando de profissão.
ADÃO – Ouça! Papai. Você sabe muito bem o que será o Paraíso sem a mamãe por aqui. Quem irá apimentar as relações? E afinal de contas uma cobrinha a mais, uma cobrinha a menos não vai fazer diferença. Eu quero!
NASCEU!!! (A bicharada festeja a revelação do Adão).
COBRA – Obrigado pela defesa Adão. Mas mamãe e a p...
DEUS – Ops! Não adianta. Palavra de deus não volta atrás. Está decidido: Estamos todos condenados ao PINDORAMA.
COBRA – O quê? O Senhor disse: Pindorama? E: estamos todos?
DEUS – Sim!
COBRA – Espere aí! Não venha colocar a culpa em mim. Agora é o Senhor quem está mudando a história.
DEUS – É isso mesmo! Chega de Divindade! Esse é o início da grande evolução. E eu estarei vigiando de perto desta vez. Vou viver na terra e vou cuidar de todos no Pindorama. Agora precisamos urgentemente de uma bela embarcação, pois eu já providenciei outra grande inundação.
COBRA – DEIXA COMIGO! Vamos ter que modificar o projeto novamente. Eu assumo essa parte também. Podem ir imaginando a viagem que eu vou dar uma volta e pensar no que pode ser feito.
DEUS – O quê? Você com suas ideias inovadoras? De novo?
COBRA – Não podemos perder mais tempo. A plateia deve estar cansada. Já são mais de duas horas de peça! To indo!...
(A cobra sai do palco deixando curiosos os demais, e volta logo depois acompanhada por Noé que vem trazendo uma pequena arca).
NOÉ – E aí? Senhor. Fiquei sabendo que vai precisar de mim outra vez.
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DEUS – Noé? O que você está fazendo aqui? Esta arca ainda é a mesma da antiga história?
NOÉ – Sim! Eu estava adormecido para sempre quando a cobra me despertou com as palavras mágicas. Senhor. Arca e inundação é comigo mesmo!
DEUS – Muito bem! Já que foi você quem apareceu. Mãos a obra! (O deus dá um beliscão na cobra).
COBRA – Ai! O que foi que eu fiz de errado?
NOÉ – Só tem um probleminha, Senhor. Alguém por aqui conhece o caminho para o Pindorama? Sabe como é! Eu navego sem rumo. Tanto é que preciso de umas pombinhas... Nunca sei exatamente onde é que vou chegar.
DEUS – Ouviu isso? “Dona Cobra!” E agora o que fazer? Onde está o tal conhecimento? Cadê suas idéias inovadoras?
COBRA – Senhor. Antes eu tinha o Lúcifer para discutir. Mas agora...
DEUS – Vejo que a fonte secou, não é mesmo?... (O deus é interrompido por uma voz que vem dos escombros).
Se me permitem. Eu posso ajudar.
DEUS – O quê? Que voz é essa? Quem está falando comigo?
(Foco no vulto que em meio aos escombros a tudo observava e que se revela).
CABRAL – Eu! Esse grande navegador! E aqui está minha moderníssima embarcação. Último modelo, zero milha, totalmente flex...
DEUS – Até você? Santíssima Trindade! Agora só falta aparecer o ET de Varginha! O que a senhora tem a ver com isso? “Secretária!”.
COBRA – Eu. Nada! O Senhor e que devia estudar um pouco de história.
Nossa! Que coisa estranha! / Quem é você? / Que geringonça é essa? / O que veio fazer aqui?
CABRAL – Digamos que eu sou o Cabral. Aqui está uma nau. E não há como chegar ao Pindorama sem nos dois.
NOÉ – Eu prefiro a minha arca...
CABRAL – Eis aqui uma embarcação muito mais moderna, rápida, segura e confortável, Noé. E digo mais: Senhor! Isso também é evolução. Eis aqui o futuro.
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NOÉ – Sei não. Acho que não vai dar certo! Se esse troço conseguir chegar lá, eu sou capaz de votar a nado ao Paraíso!
DEUS – Chega de lero-lero porque a enchente já vem chegando e não temos tempo a perder. Além do mais: Isso é teatro. Claro que vai dar certo! Todos a bordo. Vamos!
(Com todos embarcados a nau inicia sua viagem navegando pelo palco – Foco no casal de gorilas que declama para a plateia).
“Seu” Cabral.
Não fez a arca. Mas fez a nau.
Muito mais gostoso.
Muito mais legal.
Cabral! Cabral! Cabral!
Tanto o homem. Como o animal
Todos preferem a nau
Arca de Noé? Ou a nau de Cabral?
“Cabral! Cabral! Cabral!”
NOÉ – Veja Senhor! Vamos por aqui que dará tudo certo. (Noé dirige a nau à esquerda).
CABRAL – Noé! Nada disso! Esse aí é o rumo para as Índias. Deixa o caminho aqui com o Cabral. Vamos mesmo é por lá. – Cabral retorna a nau para a direita – Muito mais gostoso! Muito mais legal!
NOÉ – Não se sabe o que encontraremos indo por aí, Cabral. Nem lembro mais o que existe por lá! (Noé volta a tomar o rumo à esquerda).
CABRAL – Já disse que por aí também não, Noé! Vamos homem – Cabral retoma o rumo da direita – Toda a força a bombordo.
DEUS – Deixa de ser chato, Noé! Acelera isso aí! Fé em deus. E pé na tábua! Brasil. Aqui vamos nós...
COBRA – Brasil? Pensei que estávamos indo para o Pindorama.
DEUS – Você também precisa estudar um pouco de história, “Secretária!” Não sabe que esse é o nome que finalmente identificará a nova terra? Terra cujo povo, um dia afirmará que: “Deus é brasileiro!”
EVA – Morzinhoo! Eu estou enjoando e com vontade de comer broto de bambu com banana.
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(Gravíssima manifestação de surpresa do gorila macho que vira as folhas de Eva para frente sendo imediatamente ameaçado e agredido pela sua fêmea).
ADÃO – Claro! Eva. Enjôo é natural em viagens como essa. E devido ao balanço da embarcação. O resto é frescura.
LÍLITH - Nada disso! Adão. Você não entende nada das mulheres. Minha fofinha esta com desejos. Acho que vem aí a primeira brasileirinha.
NOÉ – Estou vendo alguns ramos boiando no mar. Acho que chegou a hora! Quem vai soltar a pomba pra mim?
EVA – Sinto muito, mas o Senhor Noé vai ter que esperar! Eu sou a atriz principal e só volto a ensaiar depois da gravidez.
ADÃO – Abaixe o facho, Eva. Noé esta se referindo à ave que ele soltou da outra vez para que ela indicasse a ele se havia ou não terra firme por perto.
DEUS – Por falar nisso! Alguém pode nos dizer alguma coisa sobre a nova terra?
CABRAL – Saibam que por lá as coisas andam de vento em popa. Recém inaugurado o Pindorama é a onda do momento. Um hiper empreendimento de extremo requinte e 100% realizado, construído ao sul da linha do equador, e levando em consideração tudo que de melhor se pode oferecer. De entrada, as mais belas praias, instaladas do sul ao norte de sua extensa costa litorânea, e diabolicamente condenadas a uma temperatura média de 40º. Calor. Muito calor! Mas... Que ainda tem aos seus pés o maravilhoso mar. Tudo isso só comparável às tentações de infinitas planícies, matas e montanhas caprichosamente arborizadas, seus rios e lagos de águas claras e cristalinas, e sua fauna livre, diversificada e colorida. Uma terra enamorada da lua e do céu mais azul. Eterna refém de um sol abrasador e dos mais deliciosos pecados do universo. Verdadeiramente: um inferno.
DEUS – Pecados? Inferno? Êpa! O que o Cabral quer dizer com isso?
CABRAL – Muito simples! É que por lá ainda teremos; samba, carnaval, futebol, muitas festas... E índias. Muitas índias. Todas elas, mulheres lindas!
DEUS – Espere aí! Com pecados assim o tal do Pindorama fica ainda melhor que o Paraíso. Não vejo inferno nenhum! Eu já estou até me imaginando... Como você ficou sabendo de tudo isso, Cabral? Tem mais alguma novidade?
CABRAL – Imagine também que um dia terá que ouvir rock, dançar funk, comemorar halouwim... E o inglês ir adotando. Afinal! Se deus é brasileiro. O diabo é americano!
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(Discretamente Cabral revela o rabo de demônio por baixo de suas vestes).
DEUS – Péssima piada, Cabral. E não é mesmo que um lugar como esse existe mesmo? Ouça! Parece que já posso ouvir os seus batuques.
(Alertado. Cabral toma imediatamente a luneta e grita ao observar o horizonte).
CABRAL – Chegamos pessoal! TERRA À VISTA!...
(A arca explode em enorme comemoração – Enquanto isso: Fecham-se as cortinas).

Cena A – APRESENTAÇÃO DOS PERSONAGENS – Reabrem-se as cortinas.
O céu azul e a exuberante vegetação expõem a praia preguiçosamente banhada pelo mar. Nela, acontece o cortejo final de um ritual de casamento onde, se destacam como convidados: O deus, um veado, uma perereca, um tatu, um anu, Noé, e o Cabral; como o pajé que conduz a cerimônia e também a apresentação: A Cobra; e os nubentes: Lílith e Os dois gorilas, e as duas noivas: Adão e Eva. Esta, grávida, após ser por último apresentada e saudada pela platéia, interrompendo a ordem de saída do atores/personagens, adianta-se e apresenta a criança que traz ainda na barriga:
EVA – Eis aqui minha primeira filha. Ninguém terá notícias dela por enquanto. Mas, daqui há muitos e muitos séculos, se ouvirá falar a seu respeito. Isso, após ela ser encontrada e receber carinhosamente de seus descobridores o nome de: Luzia*.
(Eva dá o braço à Lílith e ao gorila macho, este a Adão, e este à fêmea do gorila. Então, seguindo o quinteto saudado sob a chuva de arroz euforicamente iniciada pelo deus e seguida por todos os demais, todos deixam o palco).
– FECHAM-SE DEFINITIVAMENTE AS CORTINAS –

13 Atores – 18 personagens:

Deus - A Cobra - Adão - Lílith - Eva - Anu - Perereca - Tatu - Veado - O Gorila macho A Fêmea do gorila - Vulto 1/Lúcifer/Demônio/Cabral - Vulto 2/homem de Lúcifer/ Noé.

*Nome dado ao fóssil humano mais antigo das Américas encontrado no município de Santa Luzia, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte MG.


Biografia:
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Teatro UM DEUS, DUAS MULHERES; E A COBRA SOLTA NO PARAÍSO. Ronaldo Passos
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