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O Sedutor - I
Lúcia Barbosa Jorge Henrique

Resumo:
Este personagem eu não o fiz; ele cresceu, veio a mim e insistiu em que eu o escrevesse e o fizesse tal como ele queria ser feito.

Início do romance "O sedutor" ainda não acabado



     “Dinheiro, disso eu entendo”, ele sempre fala assim. Ganha a vida fazendo negócios. Quando acabou a guerra entre o Iraque e o Kuait, pegou o avião e foi para o Kuait. Disse: “o país está arrasado, estão precisando de tudo”. Vendeu quase toda a produção nacional de cimento para o Kuait. Diz que o negócio é ganhar dinheiro e ficar na moita. “Você é rico, cuidado, todo mundo está a fim de te foder”. Tem outra coisa, mas disso parece que ele se esqueceu: onde rola grana, rola também muita sacanagem. Perdeu a cabeça e está preso por assassinato. Ele não foi propriamente o assassino, foi o mandante. Não que ele seja perigoso, muito pelo contrário, o que morreu é que era. O sócio, vamos chamá-lo assim, quis passar a perna nele num negócio milionário; e passou. Ele não teve dúvida, mandou apagar o cara. Foi julgado e condenado. Por ser advogado, encaminharam-no para o Ponto Zero. Na mesma época, o Ministério Público conseguiu enquadrar todos os bicheiros do Rio de Janeiro por contravenção. A juíza meteu todos em cana. E lá foram eles para o Ponto Zero. Claro que bicheiro tem na verdade curso superior em banditismo, mas isso é outra história. Máxima dele: “quer grana? Fique no meio onde tem grana”. Contou-me que ganhou dinheiro até preso. Perguntei: “como?”. Os bicheiros entediados pediam para ele tocar violão. E cada showzinho seu rendia-lhe uma grana preta. De vez em quando, vejo-o na praia jogando bola. Cumprimento-o e digo: “E aí?”. Ele bem humorado diz que aquele joguinho está saindo caro. “Quem fica preso é pobre, rico paga para dar uma voltinha”.
     Enfim, fiz medicina, os alunos na sua maioria são mulheres; especializei-me em ginecologia, nisso nem preciso comentar; malho em horário que só vai mulher; faço supermercado; vou à padaria. Conclusão: quer mulher? Ande no meio delas. Uso a técnica do meu amigo, só que o meu objetivo é outro.

     Li em algum lugar que o sujeito escreve pela necessidade de expressar algum desajuste ou conflito interno que não consegue resolver de outra forma. Conflitos internos tenho muitos. O negócio é escrever. Um diário? E o dia que não tiver nada de interessante para encher a página? Posso apelar para o passado. Isso não vai dar certo. Vou falar do passado com emoções do presente e a minha memória distorcerá a realidade a meu favor. Tentarei ser sincero. Isso também não vai dar certo. Minto mais para mim mesmo do que para os outros. Escreverei só para mim? Se começar a pensar nos outros, começarei a me impor limites. Isso não é bom. Também não quero ser um narrador alheio, separado dos acontecimentos porque esta história me é íntima, e só conseguirei transmiti-la colocando-me de dentro. Diário ou lembranças? Preciso me apegar a alguma coisa. Escreverei frases, sim, frases, uma após outra e assumo total responsabilidade pela catástrofe. Quero antes afiançar que vou me limitar a contar uma história besta, a minha.
     Tenho que me apresentar, meu nome é Fabio, sou médico, mais precisamente ginecologista. Minha profissão foi obra do destino ou do acaso. Um dia um amigo me falou:
     — Vamos fazer medicina, Fábio! Vamos ser ginecologistas, vai ser um tal de enfiar dedo e apertar peitinho...”
     Na época com 18 anos, por falta de convencimento maior, achei o argumento válido. Pelo dito não sou médico por vocação — como a maioria — e sim por amor as fêmeas. Tudo começa com o vestibular, o mais difícil, o mais concorrido, assim elegesse os cérebros poderosos. Somos uma elite fechadíssima, e fazemos questão de ficarmos nos bastidores. Todos lutam para permanecer humanos, quando continuar humano significa ter vida sexual. Podemos decidir a vida e a morte de dezenas de milhares de pessoas. Isso que é perigoso. Sinto-me um marginal, burguesamente bem pago, mas um marginal. Sempre me senti assim, até quando mal pago. Ainda assim há períodos que me parecem menos ruins que outros, e o motivo é sempre o mesmo: esperança. Leitores deste livro, eu inclusive, possivelmente vão estranhar a ausência de comentários sobre minha profissão. Não a renego, simplesmente não quero discutir o assunto. O motivo é bem simples: o tema me enjoa. Quem quiser discuti-lo que se habilite. A Saúde neste país é uma bosta e passei muito tempo acreditando que poderia esculpir a bosta a ponto que o fedor ficasse secundário ao artefato. Ledo engano.
     Moro num apartamento em um edifício de classe média. Somos quatro por andar. Minhas vizinhas quando me vêem acompanhado no elevador cumprimentam-me com certa cerimônia. Pura presepada. Digo isso porque quando uma delas esqueceu-se de marcar seu andar, chegamos até o meu:
     — Já que chegamos até aqui, vem comer uma salada comigo.
     Pensei: se colar, colou. Sou ótimo cozinheiro, modéstia parte. Devo ressaltar que salada é um alimento que se serve cru, então sinto-me cozinheiro sem cozinhar nada. Mas como arma de sedução dá certo. Sou cheio de truques. Afinal, quem gosta de uma boa foda tem que ter seus truques. As mulheres adoram minhas saladas. A maioria vive fazendo regime, então porque não especializar-se em saladas? Fondue de chocolate para os dias frios: espeto o morango, mergulho no chocolate derretido e entrego na boca. Adoro vê-las lambendo os lábios.
     Acho que por sorte, meu prédio é repleto de mulheres. Isso incomodava Carla. Ela sempre que tinha oportunidade dizia que eu deveria me mudar — para casa dela é claro — vinha com uma série de argumentos: “seu apartamento é barulhento, a cozinha nem tem espaço para um frízer” — como ter ou não um frízer fosse motivo para alguém se mudar. Enumerava as qualidades de sua casa. Sou vulnerável as vontades femininas, acabei me mudando para a casa dela. É sempre melhor ir do que deixá-las vir, quando a coisa desanda, cabe a você abortar a missão. Agora, pedir para a mulher que um dia você fez juras de amor ir embora, é missão quase impossível. Já que entrei no assunto, sou obrigado a falar de casamento. É assim que é chamado: casamento. Na verdade não passa de uma “juntação”. Na ocasião não tinha consciência disso e levava a coisa a sério. — Perdoem-me a vulgaridade com que me expresso: não me sinto com disposição para usar um estilo requintado. — Sofri o diabo tentando entender relação — mulher adora discutir relação, nunca entendi o porquê dessa merda. Carol, é esse seu nome, mudou-se para meu apartamento. Eu entrei com o fogão, a geladeira, o sofá e inclusive com o pau. Com o tempo, ela dominou o fogão, abastecia a geladeira de coisas gostosas, deitava no sofá com as pernas para cima — daquele jeito ‘estou cansadíssima hoje’ e o pau, coitado, esperava. Passou a falar em filhos e eu passei a trabalhar mais. Chegava em casa exausto e ela me enchia de boa comida. Por coincidência, no posto de gasolina que costumo abastecer meu carro, encontrei com uma antiga amiga — não gosto de falar velha para não gerar dupla interpretação — escritora, gostosa, ela notou que eu estava gordo e disse que eu devia estar comendo muito e fodendo pouco. Gente inteligente é assim: acerta na mosca. Só sei que não existe maneira mais rápida de acabar com o tesão do que morar junto. As mulheres são quase todas iguais: querem casar. E casadas passam a foder burocraticamente. Carol saiu do meu apartamento chamando-me de “cachorro”. Essa não foi a primeira a me chamar de cachorro e quem sabe não será a última. Cachorrada para mulher é uma coisa, para homem, outra. Quem sabe deveria mudar de nome, de Fábio para Fox. Quando qualquer uma vier com “você é um cachorro”, eu prontamente poderei responder: “afinal, chamo-me Fox”.



        Continua.....



atualmente com 118pgs



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Biografia:
Lúcia B. Jorge Henrique é mineira de nascimento e niteroiense de coração. É economista e especializou-se em Mercado de Capitais. Trabalhou nesta área durante quinze anos. É casada e mãe de Polyana. Como profissional do mercado e mãe, optou em abandonar a carreira e dedicar-se à educação de sua filha. No circo de horrores que o Estado do Rio de Janeiro vive, em uma tarde ensolarada de uma sexta-feira, foi seqüestrada à vista de todos que passavam, por três jovens armados que entendem ser o seqüestro uma forma fácil de ganhar a vida. Frases textuais dos marginais: — Tia, é mole pegar mulher, ela não reage, só dá uns gritinhos. Aí a gente dá umas porradas e ela fica logo quieta. Depois de dezoito horas de cativeiro e ter vivido no limiar da vida e da morte nasceu a ânsia de exteriorizar pensamentos e emoções através da palavra escrita.
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