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Um estrangeiro no pedaço
Caliel Alves dos Santos

Resumo:
Conheça mais um expoente da nossa Literatura Negra: Sílvio Roberto Oliveira.

A literatura negra é inquietante, não apenas por trazer outras experiências e discursos em seu lugar de fala, mas também por tratar de temas ácidos para a sociedade. Quando fui convidado pelo professor ao lançamento do livro Tombos e tosses do revolucionário Yuri Babacof, novela publicada pela Organismo Editora, me atentei bastante a dois fatos: o autor e as especulações que tomaram minha cabeça de assalto.
     Sílvio Roberto Oliveira é professor Titular de Literatura Brasileira da UNEB Campus II - Alagoinhas, e mesmo ele sendo de Letras e eu de História, o trato como se fosse meu mestre também. Fiquei muito satisfeito de conhecer esse outro lado do homem das Letras e das letras, para além do acadêmico e do docente. O senti tão igual como o complexo de igualdade de que todo ser humano deveria ser portador.
     Estava lá, no Restaurante Engenho Velho no centro de Alagoinhas, com sua família, alunato, amigos e escritores a prestigiá-lo. Nessa noite, ele foi escritor, e também alguém divertido de se ouvir com seus “causos”. Saber um pouco de quem escreve é se aprofundar no que está escrito. Com certeza, a inenarrável desventura de Yuri Babacof, protagonista do livro, foi um trabalho bem elaborado de seu autor.
     Se tivesse que caracterizar essa obra, fugindo do foco do mercado literário, buscando algo que lhe seja próprio em termos de escrita, diria que se trata de uma rapsódia contada como presepada, ou melhor, como bazófia. Essa última palavra, recorrente no livro, também será usada aqui. Com essa resenha não penso em trazer nenhuma luz ao leitor, ao contrário, vamos escurecer mais e mais a questão!
     O livro não trata de um “alguém”, ou apenas um “algo”. Se trata muito mais de um mosaico tecido de narrativas várias em que o vértice é o tomo. Yuri Babacof conduz a história, mas como pude averiguar em minha leitura, a presença simbólica e ausência física de Procotó talvez revele mais do que a ausência moral do comunista por conveniência Babacof. Ambos os personagens são antípodas, diria até nêmeses.
     Procotó existe como discurso em narrativa mítica da população pobre. Babacof cria discursos, inteligíveis só para ele mesmo. O livro é permeado de símbolos, signos e representações que exige mais do leitor. E como diria Chartier, a leitura constrói um texto. Não pode existir interpretações certas ou erradas quando o próprio Sílvio usufruiu de metáforas para narrar.
     Seguindo nessa esteira interpretativa, dentre os dois personagens, Procotó é o mais factível, evitarei o termo “mais verdadeiro” para não criar hierarquias. Pois, é em suas historietas populares que vemos ações cotidianas. É onde o povão se reconhece e busca força e sabedoria para lhe dar com um mundo sempre hostil. Babacof é o lado inverso da moeda, é o pragmatismo radical de uma vida rica em materialismo, e vazia de espírito.
     E quando se trata de representações, esse livro está permeado delas. Sejam elas discursivas ou imagéticas (analise a capa atentamente), todas elas têm muito a dizer. O protagonista é um mal arquétipo de uma linhagem de pensadores muito indesejadas no Brasil, não, quis dizer Bazófia (sempre me confundo!). A corrente ideológica e filosófica de Babacof é uma mistura de marxismo-stalinismo mesclado ao estruturalismo vulgar.
     E por mais bizarro que possa parecer, esse “comunista” inoportuno, que devora criancinhas, fala de lutas de classe e vive como médio-burguês, encontra eco dentro de um nicho político-ideológico em Bazófia. Causa incomodo, e por fim, acaba sendo usado. Nada em sua vida é heroico, nem termina como deveria. Interessante notar que mesmo tratando de lutas contra o sistema, age como parte dele.
     Talvez o maior trunfo desse livro seja o “humor negro”, ácido e desprovido de pudores, que realiza uma das críticas mais ousadas aos marxistas-comunistas do nosso país. A luta de classe, enquanto discurso, não como prática, acaba mais por gerar radicalismos do que politização. As formações identitárias não encontram eco na solidariedade de classe.
     Se pensássemos como Florestan Fernandes, e por mais genial que seja sua produção intelectual, a luta do homem e da mulher negra é diferenciada do proletário branco. Muitas vezes, aquele nem trabalho tem em relação a este. O comunismo não foi pensado para essa parcela da população. Não é incomum que haja discordância entre o movimento negro e os comunistas. Uma discussão que não irá se extinguir facilmente.
     Babacof é a imagem do “socialista de I-Phone”, um tipo que discursa o que não prática, e parafraseando a Bíblia, a fé sem a ação é tão morta quando a teoria sem a prática. Ouvir falar das obras marxianas não é o mesmo que ler, se aprofundar, criticar e reavaliar posições. E de ouvir falar e pouco lê, um homem como Yuri se torna comunista! Talvez para cultivar o hábito de comer criancinhas abertamente, vai saber?
     E não tenho Sílvio como anticomunista por isso, no mínimo, é contra a hipocrisia intelectual. Seria muito extenso debater todas as imagens apresentadas na obra. Não toquei em coisas mais profundas, que muitos críticos literários com melhor aporte teórico terão prazer em desvelar. O máximo que posso dizer é que essa obra merece ser lida por você. Estar na cabeceira de seu criado-mudo ou na mochila para qualquer viagem longa.
     Sílvio Roberto Oliveira é doutor em Teoria e História Literária. Coordena o projeto de pesquisa Poética da Pesquisa Diáspora Negra nas Américas: A obra de José Carlos Limeira em diálogo com outros autores. Desde 2013 integra o Coletivo Ogum’s Toque, onde escreve poemas. Como professor, é um dos mais ativos, e como escritor, um dos mais criativos que já li.
     O livro tem 140 páginas, orelhas por Miriam Alves, uma nota introdutória, um esclarecedor posfácio da Professora Assunção de Maria Sousa e Silva, e biografia do autor. A capa é um desenho do próprio Sílvio. A ilustração é boa, mas merecia um tratamento digital melhor, para ficar mais legível, essa é a minha única crítica. O livro tem linguagem dinâmica e diverte com toda a... bazófia possível.

Segue link:
https://www.facebook.com/organismoeditora/
https://www.amazon.com.br/Tombos-Tosses-revolucion%C3%A1rio-Yuri-Babacof/dp/8567614120/


Biografia:
Caliel Alves nasceu em Araçás/BA. Desde jovem se aventurou no mundo dos quadrinhos e mangás. Adora animes e coleciona quadrinhos nacionais de autores independentes. Começou escrevendo poemas e crônicas no Ensino Médio. Já escreveu contos, noveletas, resenhas e artigos publicados em plataformas na internet e em algumas revistas literárias. Desde 2019 vem participando de várias antologias como Leyendas mexicanas (Dark Books) e Insólito (Cavalo Café). Publicou o livro de poemas Poesias crocantes em e-book na Amazon.
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