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DE WILLIAN AO TÚNEL DA GROTA FUNDA: A MARCHA PARA O OESTE
MARCIO LUIS FERNANDES

Resumo:
Trabalho (resumo expandido) aceito e apresentado no Seminário Rio 450 – Territórios e Paisagens em transformação realizado entre os dias 14 e 16 de dezembro de 2015 na UFRJ.

Ilha de Guaratiba é um lugar que pode ser utilizado como exemplo para traduzir o processo de expansão da nossa cidade. A porção periférica da zona oeste do Rio de Janeiro passa, atualmente, por uma verdadeira marcha urbanizadora, uma vez que sua pretérita configuração rural-agrícola vem sendo substituída pela hodierna tendência urbanoresidencial (FERNANDES, 2003; 2006; 2009; 2010; 2012). A crescente especulação imobiliária em voga na localidade teve seu início na década de 1970, intensificando-se nos últimos anos da década de 1990. Este processo tem metamorfoseado Ilha de Guaratiba em um dos veios do espraiamento da urbe carioca nos últimos anos. O evento em questão tem estimulado uma considerável mobilidade em direção ao lugar. O local bucólico, visitado esporadicamente por proprietários de residências secundárias – tradicional produtor agrícola – passa por um constante processo de valorização fundiária/imobiliária e por um aumento considerável em sua população residente. A localidade em tela há anos é apresentada como o mais provável alvo sobre o qual incidirá o volátil capital especulativo imobiliário. Muitos especialistas apontam que a cidade do Rio de Janeiro crescerá em direção à Guaratiba, notadamente os segmentos mais abastados (LESSA, 2001; REDONDO, 2012; JANOT, 2013).

O topônimo “Ilha” teria se originado por corruptela do nome do inglês Willian. Vindo em meio à escolta inglesa que protegia a Família Real Portuguesa em seu traslado para a antiga Terra de Santa Cruz, em 1808, William se apossou e passou a residir no lugar em questão. Como os nativos não se esmeravam em pronunciar corretamente o seu nome, passaram a chamá-lo de “Wílha”, seu “Ilha de Guaratiba” e, por fim, “Ilha de Guaratiba”, antigo proprietário dos domínios locais (LESSA, 2001). Já o topônimo “Guaratiba”, bem mais antigo, derivou-se do grande número de aves pernaltas que povoavam o local – os guarás. Como o vocábulo “tiba”, em tupi-guarani, significa fartura, Guaratiba, etimologicamente, quer dizer “abundância de guarás” (PINTO, 1986). Nestes termos, o topônimo Ilha de Guaratiba surge do cruzamento de vocábulos britânico e indígena.

A longa construção geográfica de Ilha de Guaratiba remonta a 1579, ano em que Manuel Veloso recebeu da Coroa Portuguesa uma gleba de aproximadamente 52 Km² para fixar residência. Falamos da antiga sesmaria de Guaratiba, criada anos após a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (FRIDMAN, 1999). A citada porção espacial, entretanto, era habitada pelos índios Tupi-Guaranis, prováveis descendentes do “homem pré-histórico de Guaratiba”, tendo este chegado à localidade há milhares de anos (MENEZES, ARAÚJO e GOES, 1998). A rotina dos indígenas só se alterou com a chegada de Manoel Velloso que, - juntamente com a esposa, Jerônima Cubas, filha de Brás Cubas, - veio morar na recém-constituída sesmaria de Guaratiba com os outros membros de sua família e, a partir de então, passou a edificar e administrar engenhos de produção de açúcar e aguardente para exportação (PINTO, 1986).

Na segunda metade do século XVI, e no seguinte, Guaratiba representava uma grande propriedade rural onde sobrepujavam os engenhos de açúcar, as fazendas de criação de bois e de cavalos e as roças de legumes. Nessa época, sua expansão fazia-se rapidamente, graças ao trabalho árduo dos descendentes de Velloso. Ao final do século XVIII muitos engenhos multiplicavam-se, dentre eles o Engenho Novo, o Engenho de Guaratiba, o Engenho da Ilha e o Engenho do Morgado, outrora pertencente ao padre João Pereira de Cerqueira, atual alambique dos mudinhos. Para escoar a produção, abriu-se caminho mangue adentro, uma vez que o Rio do Portinho precisava ser desobstruído a fim de conferir suporte a esta demanda. Em Pinto (1986) há relatos sobre o naufrágio de alguns barcos no referido rio, quando era escoada a produção de açúcar do Engenho do Morgado. À cultura canavieira e aos engenhos de açúcar, assomaram-se, a partir do século XIX, os cafezais, cultivados nos morros de Ilha de Guaratiba (FRIDMAN, 1999).

Ao longo dos séculos, as culturas canavieira e cafeeira, bem como as demais atividades rurais supracitadas, imprimiram no lugar marcas que caracterizaram Ilha de Guaratiba até a segunda metade do século XX. A grande produção agrícola de outrora, fez de Guaratiba uma das mais ricas e prósperas freguesias do Rio antigo nos séculos XVIII e XIX, até que uma grande seca, a partir de 1888, consumiu suas plantações (SANTOS, 1965; FRIDMAN, 1999). No contexto da porção periférica da cidade, até a primeira metade do século passado, Ilha de Guaratiba representava o denominado “sertão carioca”, sendo o seu ruralismo e rusticidade foco de um importante trabalho do pesquisador Magalhães Corrêa em 1936 (CORRÊA, 1936). Por residirem em um local periférico, distante da área central, muitas vezes, os moradores de Ilha de Guaratiba são alvo de brincadeiras e gozações por parte dos que residem em bairros mais conhecidos da cidade.


Até a década de 1990, a Ilha (do William), vale repetir, era caracterizada como um dos últimos remanescentes rurais do Rio – produtora de frutas, verduras e legumes. A partir deste período, no entanto, o local bucólico, frequentado esporadicamente por proprietários de residências secundárias, passa por um constante processo de valorização fundiária/imobiliária e por um aumento considerável em sua população residente. A decadência da produção agrícola transformou Ilha de Guaratiba em uma área de notória cobiça imobiliária evidenciada pelos condomínios residenciais surgidos depois de 1990. Vale salientar que os novos residentes, em sua maioria, migraram de bairros da Zona Sul e outras localidades como Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Tijuca e Jacarepaguá em busca de um contato mais próximo com a natureza. Na verdade, desde os primeiros séculos de colonização, os aterros contribuíram para a expansão urbana do Rio. Com o crescimento da cidade, o homem venceu elevações promovendo a perfuração de túneis, tais como o Rua Alice/Barão de Petrópolis, em 1887, e o chamado Túnel Velho, em 1892, conectando Botafogo a Copacabana. Mais recentemente, a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes ganharam expressão em meio ao espraiamento do tecido urbano carioca (CARVALHO, 2004). Na atual corrida para o oeste, a aludida marcha urbanizadora continua incorporando novas áreas ao seu valorizado espaço. Nesse sentido, com vistas às Olimpíadas de 2016, o Túnel da Grota Funda, inaugurado em 2012, que faz parte do corredor Transoeste, integra Ilha de Guaratiba, definitivamente, à malha urbana carioca.


REFERÊNCIAS


CARVALHO, Ronaldo Cerqueira de. Rio de Janeiro – uma cidade conectada por túneis. PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Urbanismo: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, Rio de Janeiro, 2004. 57 p.

CORRÊA, Magalhães. O Sertão Carioca. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – volume 167. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936. 478 p.

CORRÊA, Roberto Lobato. O Meio Ambiente e a Metrópole. In: ABREU, Maurício de Almeida. Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1992. p. 27-36.




FERNANDES, Marcio Luis. Ilha de Guaratiba: De Espaço a Lugar. 2003. 44 f. Monografia (Graduação em Geografia) Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos: Rio de Janeiro, 2003.   ______. A Valorização do “Espaço” produzindo a valoração do “Lugar:” O caso de Ilha de Guaratiba – R.J. 56 f. Monografia (Especialização em Geografia) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

______. Por uma Necessária Mudança de Valores: uma proposta para a produção de um espaço (urbano) que privilegie o uso e não a troca. In; SIMPÓSIO NACIONAL O RURAL E O URBANO NO BRASIL, 2, 2009. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UERJ, 2009.

______. Decodificando geografias pretéritas e hodiernas de Ilha de Guaratiba (Dissertação de mestrado). Rio de Janeiro: PPGEO/UERJ, 2010. 99 f.

______. O Caráter Identitário da Toponímia. In: Congresso Internacional do Núcleo de Estudo das Américas, 3, 2012. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UERJ, 2012.

FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em nome do rei: uma história fundiária da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor (Editora Garamond), 1999. 304 p.

JANOT, Luiz Fernando. A caminho de Guaratiba. Jornal O GLOBO (coluna opinião). Edição publicada em 26 de outubro de 2013.

LESSA, Carlos. O Rio de Todos os Brasis: Uma Reflexão em Busca de Auto-Estima. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. 478 p.

MENEZES, Luiz Fernando; ARAÚJO, Dorothy Sue Dunn de; GOES, Maria Hilde de Barros. Marambaia: a última restinga carioca preservada. In: Revista Ciência Hoje – volume 23, Nº 136, março de 1998. p. 28-37.

PINTO, Rivadávia. Guaratiba: Um Orgulho de 407 Anos. Razão: o jornal positivo. Rio de Janeiro, não paginado, Novembro. 1986.

REDONDO, Andrea Albuquerque. A cidade cresce para Guaratiba. In: http:// urbe carioca.blogspot.com.br. Publicado em 25 de setembro de 2012.

SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio antigo. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1965




Biografia:
Mestre e Doutor em Geografia - UERJ.
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