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Não ensinamos nada ao nosso ator (0.2v)
Não se ensina nada a nenhum artista afinal
Davi José Fonseca do Amaral

“Não ensinamos nada ao nosso ator.” - Jerzy Grotowski
     A ideia de desenvolvimento artístico logo se submete a uma outra lógica de aprendizado. Não é uma técnica que se aprende, mas o desenvolvimento de uma performance que ocorre no artista. Existe aí também um esforço pessoal descomunal para dar luz a algo de valor e renegar a tudo aquilo que é cascalho, ou seja, só ocupa espaço. O interesse artístico logo atravessa do valor artístico estético para o valor artístico pessoal. Não é mais uma arte estética que busca gerar uma arte “bela”, mas uma arte que expressa pessoalmente o que há de maior valor. Há um mar de niilismo que necessita ser atravessado ou saltado neste tipo de arte, o mar das ausências convencionais, o mar do símbolo artístico. Deve daí surgir uma união entre ator e diretor que envolve aspectos pessoalíssimos e irreveláveis. É um trabalho de alma em conjunto.
     O fim da experiência entre mentor e aprendiz. A compreensão que na relação de ensino existe uma barreira que não permite uma transposição livre da autenticidade. Se o que se busca é a conformidade, o ensino será uma ferramenta completamente útil, mas se o que se busca é um objeto de valor quase religioso, ou seja, de reconexão, não se pode buscar esse objeto inserido dentro de categorias que o impeçam de ser atravessadas ou que o atravessamento se constitua uma transgressão automática.
     A compreensão do desenvolvimento artístico submetido a necessidade histórica limita automaticamente a expressão do artista em termos de um servidor de seu tempo e assim a arte não pode alcançar um de suas grandes potências que é transcender esteticamente o momento. Logo o ator atravessa o senso comum de um artista que faz arte para o contexto artístico, para um “actante” que faz arte para aquele que vê e que o permita transcender os limites estabelecidos pelo modus comum.
     Outro ponto importante é perceber uma absorção institucional para permitir a arte. Se afirma que a arte não pode existir sem instituição. A questão é a instituição busca na arte se tornar maior que esta? O artista absolvido pela instituição para aprender a fazer arte é o melhor caminho para se fazer uma arte livre? Ao mesmo tempo que pode ser entendido como um útero artístico também se entende desde então uma infantilização técnica do artista.
     A ideia então é que o artista possa ensinar a si mesmo durante as experiências. Logo o que se nega até então não é a ideia de conjunto para a arte, mas a própria concepção de sensibilidade artística naquilo que passa pela pele do texto.
     O ator então não é uma ferramenta do diretor, não deve buscar no diretor a resposta, mas talvez o estímulo para em si encontrar tais respostas. Aqui entra a concepção de um artista que é para si mesmo a fonte de caos e ordem estética, mas na base disso tudo a fonte de suas próprias respostas, almejando cada vez mais amadurecer no que será chamado de alma sensível.
     É a negação do diretor como proprietário e condutor do processo. O que conduz a arte não deveria ser as formalidades, mas a aventura interna da experiência estética. A meta não é o formalismo mas o não dito, aquilo que não pode ser formalizado, aquilo que transcende a própria forma.
     Desta maneira não se busca ensinar algo para o artista, pois a formalidade seria incapaz de fazê-lo sentir o que há de essencial, mas provocá-lo a fazer o parto de suas próprias “formas”, não se interessando na forma em si, mas no parto.
     A ideia está no não dito, no que se parte ao agir, na concepção de gênese, não da forma, mas da sensação.
     Antes de tudo o artista precisa estar sensível para entender a nova linguagem daquilo que mais se assemelha ao onírico. Onírico pois aqui o artista não é mais um sujeito-máquina, um sujeito que cumpre funções, mas um sujeito construtor de sonhos. Onde no sonho imagem, sentido e vida são exatamente a mesma coisa.
     A arte não pode se limitar a querer construir seu aprendizado a partir de funções construtivistas. Talvez desperte dela mesma a retomada de uma questão essencial do homem, seu mundo mágico significante, onde signo e coisa são o mesmo. Um mundo sem equívocos, onde a ação é espírito e ritual evocado ao mesmo tempo.
     Ao dizer que não se ensina nada ao artista, uma barreira é colocada aos formalistas que acreditam que na análise racional da forma está o sentido da obra. A forma para quem não possui olhos mágicos é apenas signo, e signo vazio, que não transmite nem expressa.
     Não é na criação da forma que mora nossa arte existe, mas nesse sentido está no metafísico. Na sua conexão mais primeira do homem com a coisa, na conexão onde as memórias involuntárias retomam a sua vida. Pois não há como tratar de uma sensibilidade tão extrema sem evocar e criar uma memória ao mesmo tempo. A ideia é fazer sentir algo criado no instante, mas que se têm a impressão de já ter vivido à coisa. Assemelhando-se a ideia de uma memória aquetipica coletiva.
     O trabalho não está em ensinar o artista algo, a forma, a técnica, o jeito, mas retorná-lo a um estado primitivo, primordial, espontâneo e delicado de sua existência, mesmo que não seja temporalmente anterior ao que o artista é agora.
      Não desejar ensinar algo ao artísta é eximi-lo do DEVER de aprender a fazer arte e fazer daqueles que desejam entrar na gruta escura conseguir acessar a gruta escura. Não se deve obrigar o artista. A arte dele deve ser o que é. Seja formalizada ou não.


-Davi José
13/04/2018


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