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Eu confesso; está difícil aguentar a minha profissão.
Educação no Brasil
CLAUGILDO DE SA

Resumo:
um breve histórico de alguns dissabores que nós professores do Ensino Público presenciamos no dia a dia na escola.


    Eu vi na televisão uma indelicadeza entre um policial, que tentou conter um aluno que se encontrava enfurecido, e me parece que não quis obedecer as suas ordens; não sei quem estava com razão; eu sei a dor que me restou um pólipo em forma de cicatriz que se formou em minhas costas quando um aluno me deferiu mordidas. Eu sei como é a dor de tentar ensinar e alguém nos tratar como uma coisa qualquer, Ah; Eu me sinto um trapo quando não dão importância a História, uma disciplina tão introdutória, tão basilar para nosso desenvolvimento cultural.

    Eu presenciei enfurecido um aluno drogado; e o que é mais grave de tudo, tentando comercializar drogas dentro do próprio ambiente escolar. Eu sempre sentia o cheiro da maconha na roupa dos alunos, eles sabiam que eu sabia, e negligenciava; afinal, eu não podia falar nada; eu vi inúmeras vezes e fingi que não vi o aluno me afrontar com palavras de baixo calão pelas costas quando escrevia no quadro-negro; isso me doía tanto! Porque o meu papel era cooperar para fazê-lo o mais pronto dos seres humanos em informação e formação. Eu senti a repugnância, quando me desejaram a morte e a doença para não ir trabalhar; eu não sei por que eles não querem estudar, eu sinto muito porque eles não deixam transmitir a eles o pouco e apurado conhecimento que a gente traz. É uma bagagem de conhecimento muito vasta. Eu sinto as dores lombares do peso do ódio que eles alimentam e depositam contra a gente quando chegamos às nossas casas, lotado de trabalhos, provas, recuperações, dependências e outros afazeres para corrigir, ou quando não nos sujeitam a preencher compilados formulários burocráticos da Secretaria da Educação de Minas Gerais.

    Eu suportei por anos as mordidas, os dissabores da profissão, mas fui entrando aos poucos, em desalento; estou consumido pelo descaso, pelo futuro dessa gente. Paro o tempo todo em frente à sala de aula, respiro bem fundo, e faço uma oração em silêncio: “Deus; meu Deus dos desgraçados, tenha pena de Joãozinho”. "Joãozinho" está no 6º ano e nem sequer sabe seu sobrenome.

    Sendo assim; para não correr o risco de morrer de infarto ou Síndrome da Ansiedade, ou até mesmo agravar o estado de medo, das facas de cozinha encontradas, das ameaças, das tesouras e dos estiletes, bem como a angústia da falta de aprendizagem, passo a enfrentando perícias médicas a quilômetros de distância, onde nosso salário de professor fica pelo meio do caminho. Os médicos peritos; esses, sentados em frente a uma tela de computador, com um bom salário que sai do nosso bolso, nem sequer olham na nossa cara, e continuam lá, naquelas salas arejadas, com ar-condicionado, se achando melhor que a gente, e nos tratando com desdém, negando afastamentos em detrimento de favorecer o estado para permanecer no cargo.

    Quando tive que enfrentar uma lâmina de estilete na minha frente, senti um frio de um furo na barriga, uma sensação horrível de sangue a escorrer na minha pele; também senti um lápis apontado em minha direção, me ameaçando. Eu resisti; eu vi também meus colegas professores sendo desrespeitados em plena sala de aula. Mas eu não dei lugar ao medo e as consequências que vieram. Resisto ainda até que um dia eu veja um país que mim dê apenas uma chance; a de completar a idade da nova regra previdenciária, mesmo que de bengala na mão e sofrendo as mais atrozes consequências do ensino que não ensinei.

    Eu já não aguento mais ter notícias de professores morrendo no nosso país e nada sequer acontecer; eu não aguento assistir professores fazerem filas em perícias médicas com medo de ir para a escola e ser atacado como na creche de Janaúba. Na verdade, eu não aguento ver as lágrimas e o sangue escorrer do rosto de uma indefesa professora que acabou de receber um soco no rosto; eu não resisto um professor, já senhor de idade ser espancado por um desses delinquentes da atualidade, sofrendo a pressão dos degredados pelo ensino público no Brasil. Eu sinto na pele a dor dos meus colegas de profissão. Eu sinto muito pelas palavras de baixo calão que eles costumam dizer a nós professores que não fomos treinados para esta atuação. O conflito é aparente, e o pior é que quando algumas famílias aparecem na escola, ao invés de resolver conflitos, ataca o colega que agrediu o filho, porque só ouviu a versão de uma das partes. Eu vi as décadas passarem e as mudanças ocorrerem bruscamente. A rebeldia, a droga e a criação, são fatores que contribuem para esta catastrófica situação em que estamos vivendo no âmbito das escolas públicas. Confesso de todo coração e amor a educação. Está muito difícil aguentar a minha profissão.


Biografia:
Professor de História, Escritor Amador e Bacharelando em Direito
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Discursos Eu confesso; está difícil aguentar a minha profissão. CLAUGILDO DE SA


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