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RRETRATOS E CANÇÕES
Ironi Jaeger

Resumo:
Um amor que ultrapassou o tempo e terminou com a morte.


Naquela pequena cidade do interior, onde a tecnologia ainda era remota o único meio de comunicação era o rádio.
A rádio estação primeira da Cidade de Albuquerque, fazia essa ponte entre os habitantes da cidade composta na sua maioria por trabalhadores rurais. Suas ondas sonoras chegavam até algumas cidades vizinhas.

Naquela manhã como em tantas outras, Rafael iniciou seu trabalho de locutor na emissora. Quando o rádio anunciava o primeiro chiado, todos sabiam que tomariam conhecimento dos últimos fatos importantes, acontecidos enquanto dormiam.
Depois da notícia como todos os dias, um homem ligava e pedia uma canção que oferecia a sua amada, sempre a mesma canção.

Nessa manhã, o locutor deixou a trilha sonora rodar por minutos além do normal. Os moradores viram nisso um sinal de alerta e a maioria parou seus afazeres e aumentou o volume do velho rádio de pilha.

– Bom dia, amigos e amigas de Albuquerque e cidades vizinhas. A voz do moço sumiu e a trilha aumentou de volume.
Após alguns minutos, refeito o rapaz criou coragem e com a voz embargada pela emoção, falou:
– Aviso fúnebre….Sim esse era seu trabalho. Anunciar as mortes, os nascimentos, as festas, os bailes, as missas, as visitas que chegavam de outra região e esperavam na estação do rádio por seus parentes.

– Tenho nessa manhã o triste dever de anunciar o falecimento de… A voz do locutor sumiu e a trilha outra vez se fez ouvir mais alta que de costume.
Após minutos a voz de Rafael parecia refeita, mas o tom triste anunciava que ele havia chorado.

– Queridos ouvintes tenho o triste dever de anunciar o falecimento de Linda Albuquerque, filha de um dos fundadores dessa cidade e que também é minha mãe.
Em todas as casas fez-se silêncio, consternados pela morte da mulher que poucos conheciam mas que era mãe daquele locutor que todos admiravam.

A empregada chegava sempre na mesma hora todos os dias, a não ser aqueles em que parava a alguns metros da casa para enxugar as lágrimas e respirar fundo.
Ou naqueles dias em que feliz sentia-se tão leve que flutuava, quando então adiantava se em alguns segundos.

Trabalhava para Linda, que morava numa casinha sem luxo mas confortável em meio a uma plantação de trigo.
A terra marrom e sem graça, alagada pela chuva, transformava-se dias após a semeadura em um mar verde que quando sacudido levemente pelo vento formava ondas de todas os tons de verde conforme o sol passava.

Para o visitante ao primeiro olhar era um espetáculo o jogos de cores, mas quando dia após dia todas as manhãs Linda abria a janela e dava de cara com o mar verde, remetia o pensamento da senhora a um estado de espírito deprimente.

– Não aguento mais isso, todos os dias esse mar verde, tenho náuseas, disse a senhora para a empregada.
– Isso dá medo senhora. Parece cena de um filme de terror, tenho a impressão de que a qualquer momento sairá dali do meio um louco com uma foice, ou um espantalho assassino.

A velha senhora sorriu, seus olhos perderam-se na imensidão das espigas que se confundiam entre o verde e o quase dourado.
– A safra será boa esse ano. Logo chegarão as máquinas, e os trabalhadores falantes e mal educados. Estou cansada de tudo isso. A empregada sorriu. Desta parte ela gostava.
Aqueles homens fortes, bronzeados, suados.
Aquelas mãos grandes, aqueles encontros furtivos atrás do paiol.. O vento soprou mais forte, e um arrepio passou por seu corpo.

Sacudiu a cabeça, e olhando para a Patroa falou:
– Venha comer senhora, está servido!
– Leda disse ela. Disfarçando o tremor na voz. Não estou com fome.
-São seis horas da tarde senhora. Daqui a pouco escurece, tenho que ir para casa e a senhora não se alimentou o dia todo.
– Comerei quando sentir fome.
– Vou deixar comida em cima do fogão e umas brasas acesas para que fique quentinho.
– Pode ir Leda, ficarei bem. Amanhã será mais um dia.

A empregada saiu encostando a porta. Linda fechou a janela os pernilongos começavam a entrar. Penosamente dirigiu-se ao quarto, na escrivaninha apanhou papel e caneta. Estava cansada de tudo isso.
Do trigo, do cheiro do feijão com alho. Da galinha frita e cozida com arroz.

Cansada de dia após dia, olhar a estrada nua de chão batido, agora quase escondida pela altura do trigo. Dia após dia ficava na janela, esperando o carteiro chegar.
Esperava pela resposta que poderia mudar sua vida…Anos se passaram desde aquele dia.

As lágrimas caíram de seus olhos cansados, desceram pelo rosto enrugado e caíram sobre a folha de papel borrando sua caligrafia floreada e perfeita.
Essa em definitivo será a última carta. Ela ficou segurando-a por momentos diante da luz tremeluzente do lampião a querosene.

O vento soprava, agitando as espigas em um barulho uníssono, ziiiiziiiziii. Faziam as espigas ao se chocarem.
O farfalhar das folhas do trigo misturado aos pingos da chuva que se tornaram fortes. Lester, o velho cão estava abrigado. Mas assustado com o barulho do vento começava a latir.
Ela rapidamente escreveu as palavras que já tinha ensaiada em sua mente… Muitos anos se passaram desde aquela primavera quando ela uma jovem linda e inocente apaixonara-se por um dos ceifadores.

Certo dia ele a convenceu a ficar a sós com ele quando a noite chegasse, e ela foi ao seu encontro. Em meio ao trigal entregaram-se ao amor não só naquela noite, mas nas seguintes.
Um mês depois a surpresa estava grávida.

Seus pais primeiro entraram em choque, depois mais calmos tomaram suas providências. Casaram-na coma filha de um fazendeiro vizinho, cuja índole era comprometedora.
O qual registrou o menino como sendo filho dele.

Linda proibida de falar sobre a paternidade de Rafael, fechou-se no mundo escuro e frio da depressão. Tinha o endereço do rapaz e todos os meses escrevia contando sobre a gravidez e pedindo que ele fosse buscá-la como havia prometido. Mas nunca obteve resposta. Os anos passaram seu marido um dia foi embora e não retornou mais, para ela o fato nem mesmo fez diferença.

Seus pais faleceram, Rafael cresceu, estudou e tomou conta da fazenda de seu avô, não trabalhava no campo, tinha seus empregados. Linda, sua mãe continuou na mesma casa de frente ao campo de trigo, e depois de muitas tentativas achou por melhor deixá-la morar na casa.

Tantas recordações fizeram seu corpo tremer, suas vistas estavam turvas pelas lágrimas, o vento e a chuva continuavam com sua canção triste, o velho cachorro uivava acompanhando a tristeza daquele lugar… Sua cabeça doía, sentiu saudade do seu amor que nunca retornou, saudade do seu filho, que vinha nos fins de semana.
Apagou o lampião, grossas lágrimas molhavam o travesseiro. Amanhã quem sabe o carteiro traga a resposta. Estava cansada demais, precisava dormir…

Na cidade vizinha, um velho peão levantou, acendeu seu fogão a lenha e ligou seu rádio, ouviu a voz triste do locutor:
– Queridos ouvintes tenho o triste dever de anunciar o falecimento de Linda Albuquerque, filha de um dos fundadores dessa cidade e que também é minha mãe.
Ela deixou uma carta para mim, contando minha história e sobre meu pai, e pediu que eu tocasse uma canção e que se seu amor ainda estiver vivo saberá reconhecer. A música encheu o ar…
Estupefatos, os moradores descobriram que aquela era a mesma canção que rodava todas as manhãs.

O velho peão levou um choque, olhou para o porta-retratos em cima da mesa, apanhou a foto e a beijou:
– Adeus meu amor, Só ontem recebi tuas cartas que por ordem do teu pai nunca me foram entregues. Hoje estaria indo te procurar.

Ele então fez sua ligação matinal para emissora, e quando o locutor atendeu ele não pediu nenhuma canção apenas disse:
– Bom dia filho, eu sou seu pai… Colocou seu chapéu sobre a cabeça e acompanhado de seu cachorro, saiu para encontrar seu filho e despedir-se de sua amada.

(Ironi Jaeger 01/09/16) Todos os direitos reservados


Biografia:
Escritora de contos,Romances, Crônicas e Poesias. Curso de Neurolinguística e estudante de Teologia. Gestora e Coordenadora do FLAL-Festival de Literatura e artes Literárias.
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