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O Mendigo e a Rosa
Europa Sanzio

Numa quinta-feira Rosa viu que um mendigo dormia debaixo da marquesa do prédio em frente a sua janela. Na sexta ele voltou, no fim de semana desapareceu, mas na segunda estava de volta, com outras roupas, porém com a mesma pele ensebada, a mochila velha pendurada no ombro, um boné vermelho que colocava ao lado para dormir. E aquele maltrapilho fora lhe aparecendo quase todos os dias; nos primeiros apiedou-se e quis levar-lhe comida, nos seguintes quis somente observar como dormia, quando acordava — sempre um pouco antes das seis da manhã, quando a igreja dava o primeiro sino e ele despertava de seus sonos agitados para calmamente urinar num canto, de costas para a rua, e escovar os dentes com a água que levava num cantil. Às vezes, só às vezes, ensaboava o rosto com um sabão que se parecia como que de aroeira para Rosa.
A menina via mal até as coisas mais próximas e no embasado que turvava o homem e sua mochila ela o via bem. Por que ele lá e eu aqui? Via-se perguntando enquanto metia nos dentes a escova de cerdas suaves, para em seguida ir para a escola ter sua aula de inglês.
Notara uma noite que o dono da loja detentora da marquesa apercebeu-se do maltrapilho à sua porta nas madrugadas. Rosa notou pois o dono resolvera manter acesa as luzes da marquesa, a única da rua, para ver se assim afugentava o mendigo de seu sono em sua calçada. Desapareceu ele por quase um mês inteirinho e Rosa quis tacar pedras na lâmpada debaixo da marquesa para que quebrasse, a escuridão viesse e com ela o sono do mendigo... queria aquele ninguém por ali, pois a rua era deserta de madrugada e ela gostava assim, mas a solidão lhe era incômoda de certa forma. O mendigo era um ninguém que abaixava a cabeça para tudo, um anônimo que não lhe roubava a solitude da rua, nem lhe perturbava em uma agitação de multidão; sendo um ninguém guardado naquele corpo humano tornava-se o equilíbrio de Rosa. Mas um dia ele voltou para dormir debaixo da marquesa e da luz.
Quão humano era aquele ninguém. E Rosa sabia porque o observava. O mendigo, lá para as três ou quatro da manhã, costumava levantar-se para dar uma espiada no céu, naquela coisa de não haver outras coisas no mundo, fosse sua marquesa ou sua escovinha de dente ou o amanhã com seu sino que o despertaria para a parte que Rosa não conhecia dele. E queriam afugenta-lo com luz? Pois lá estava ele por debaixo de um céu repleto dela... desafiava como um humano, ria como um humano — era dado a rir sem motivos enquanto remexia por dentro de sua mochila. Era humano aquela nesga de nada e Rosa o queria tanto bem ao vê-lo cochilar de bruços sobre o chão e sob a luz incandescente; ele com a cara enfiada na sarjeta para a luminosidade não lhe incomodar, seu boné vermelho sendo-lhe a única companhia.
Rosa quis conhece-lo, quis quere-lo bem mais de perto, mas era coisa muita para ela que era alguém e ele um ninguém. Principalmente porque ele parecia desconhecer humanidade, mas conhecer bem somente a modéstia, a humilhação, a redenção que tinha ao assentir a tudo e ao aceitar a toda comida que lhe davam, calando-se a qualquer um sobre todas as coisas. E se Rosa se revelasse com sua ternura não lhe levaria pão, roupa ou outra coisa... era-lhe necessário, ela sabia, mas o que não era necessário àquele homem? Faltava-lhe tudo e se não pudesse dar-lhe o que tornava um ninguém em alguma coisa, nada de daria para alimentar seu estado decrépito.
Queria descer até ele numa madrugada, e foi. Sentar ao seu lado do batente que costumava sentar no meio da madrugada para olhar no tempo, e sentou. Fazer-lhe companhia, fez, pegar sua mão judiada e suja, e pegou. Quis fazê-lo alguém, fê-lo.    


Biografia:
Leio desde criança, quando comecei a achar o mundo enfadonho em demasia. Escrevo desde a adolescência, quando senti a necessidade de dissertar sobre aquele mundo tão tedioso. Prazer, sou Europa!
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