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BERGSON E O RISO:
TESTE PARA EMPREGO
Rubemar Costa Alves


O homem usava bengalas de cores variadas, apenas uma era branca, a dos sábados, trânsito mais espalhafatoso no bairro. Não parecia exatamente um cego, inseguro, apenas um reumático, sei lá. Raras pessoas sabiam, discretas. Este narrador custou muito a acreditar. Beirando talvez uns sessenta anos. Aspecto vigoroso. Divorciado, sem filhos. Professor de História e Filosofia, aposentado, dizia ele sem detalhes, “por precipitação médica”. Altíssimo intelectual e poliglota. (Não fala mandarimnem javanês.)   Óculos variadíssimos, lentes de todas as cores possíveis, nigérrimas compradas na Disney, numa gaveta do móvel da sala.
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O jornaleiro culpado pelo recado acabara de se formar em Direito e optara em banca de jornais e períodicos pela manhã e escritório iniciante à tarde. (Mas não comigo.........) Culpado? Sim. Indicou vaga para ela em “outro” escritório. (Melhor seria ficar em casa, forno-fogão-vassoura etc.) Não a queria perto, assumidamente bastava a tentação diária da Geminiana tagarela e versátil em assuntos (pouco mais calada há alguns meses) quando vinha comprar pão e leite na “Padaria da Esquina” (é, sim, nome locativo e comercial), ele trabalhando em banca-lojinha (tipo semi fechada) na calçada, e geralmente conversavam... animados e respeitosos. (Eu sei!) Eu o achava um tipo simpático, bom de conversa social, certeiro futebolista nas horas vagas, mas sempre evitei muita intimidade. Nunca se sabe onde mora o perigo... E o perigo surgiu inocente como agenciador de emprego sério para mulher feminista.
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ELE ditou (super memória) e ELA escreveu usando caneta e papel azuis:
BERGSON (1859/1942) - Atraente figura do pensamento humano; profundas idéias originais, auréola de estima e simpatia. Nasceu em Paris, estudos brilhantes no famoso Liceu Condorcet e lecionou filosofia em vários institutos da capital e do interior. Academia Francesa em 1914.     /Fez uma pausa, pediu à moça que lhe trouxesse água mineral gelada. Poucos minutos e continuou.../   Tese de doutorado, em 1889, sobre o mecanicismo e a liberdade. Escreveu sobre as relações e alma e o corpo. Outros livros. Em 1900, um livro muito falado, porém secundário, “Le rire”.
/Parou de ditar e deu uma gargalhada. Não recomeçou.../ A entrevistada sem entender.
Enigma.
“Gostei. Letra desenhada, espontânea e bonita. Escreveu com muita calma.”
Ainda teste ou não, passaram o resto da tarde arrumando livros que estavam espalhados pela casa. Nacionais e estrangeiros. Não explicou a ELA o porquê dos livros que não lia mais (tantos, tantos...) estarem longe da biblioteca... Pelo cheiro (como?), ELE os identificava e dizia a prateleira correta e a ordem alfabética. Muitas risadas, sim (minha avó filósofa diria: “Muito riso, pouco siso.”), mas não trocaram confidências pessoais. Possível segundo emprego. “Antes de casar, dois anos como secretária de uma advogada no Rio de Janeiro...” ELE percebeu voz ligeiramente trêmula. Deu um telefonema no aparelho fixo. Fim de semana gratuito para o marido e ELA em Campos do Jordão, descansasse muito na segunda-feira, mas comparecesse pontualmente para trabalhar na terça, às 8 horas. “E não me agradeça porque estou plantando uma árvore em terra fértil.” (Preferi nem tentar entender.)
Aprovada no teste: única que não perguntara sobre a perda de visão nem pedira conselhos íntimos.

                          F I M


Biografia:
PARVUS IN MUNDUS EST. (O MUNDO É PEQUENO DENTRO DE UM LIVRO) Ser dedicado, paciente, ousado, crítico, desafiador e sobretudo enlighned são adjetivos de um homem cosmopolita que gostaria de viver mais duzentos, ou quem sabe trezentos anos para continuar aprendendo e ensinando. Muitos de nós acreditam que uma vida de setenta, oitenta anos é muito longa, contudo refuto esse pensamento, pois estas pessoas não sabem do que estão falando. Sempre é tempo de aprender, esquadrinhar opiniões, defender, contestar ou apoiar teses, seguir uma corrente filosófica (no meu caso, a corrente kantiana), não necessariamente crer num ser superior, mas admirar e respeitar quem acredita nele. Entender a diversidade de costumes e culturas denominados de forma polissêmica nas diferentes partes do mundo, falar um ou dois idiomas, se perguntar o porquê e tentar encontrar respostas para as guerras, a segregação racial, as diferenças étnicas, o fanatismo religioso, o avanço tecnológico, o entendimento político. Enfim, apenas estes temas já levaria uma vida para se ter uma compreensão média. A leitura é o oráculo para estas informações, é ela que torna o mundo cada vez menor capaz de se acomodar nas páginas de um livro. É por isso que se diz que não há fronteiras para quem lê. Atualmente as pessoas confundem Balzac com anti-inflamatório, Borges com azeite, Camilo Castelo Branco com rodovia estadual, Lima Barreto com laranja de determinado município paulista, Aristóteles com marca de carro e por aí vai. Embora, eu tenha dissertado sobre o conhecimento culto, os meus trabalhos publicados aqui demonstram o dia a dia das pessoas comuns narrados através de divertidas e curiosas estórias. Meu público alvo são as mulheres. É para elas que escrevo, pois são elas possuidoras de sensibilidade capaz de entender o conteúdo do meu trabalho.
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