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Noites Ordinárias
Europa Sanzio

A menina adorava se deliciar na janela, debruçada, com suas entranhas revirando-se de nervoso. Sua mãe detestava que a garota ficasse com as venezianas abertas, principalmente à noite. Mas como a menina não poderia ficar à espreita durante à noite? Era naquela hora que ele passava em frente à sua rua!

Ela apreciava o som de uma janela rugindo ao longe, sempre tão pontual, ela pensava, às dez em ponto alguém a fecha. Ou será que as abre? Ela só imaginava. Notava o vai e vem dos jovens de um clube ali perto, pareciam estar felizes conversando entre si. Será que eram alegres ou apenas estavam assim, ludibriados pelo contato humano? Ela só supunha. Olhava para o céu e se surpreendia ao notar que as estrelas já não estavam mais no mesmo lugar que na outra semana, quando estava naquele mesmo ponto, esperando. Será que um dia ela saberia o porquê daquilo? Ela só queria.

Focava-se nos detalhes, cada semana com mais frequência. Eles tinham se tornado parte da narrativa mágica que ela vivenciava a cada nova semana, quando esperava por ele. O homem não tinha nada de especial, muito pelo contrário. Parecia estar pronto para servir à primeira que aparecesse, inclusive à menina, mas quando ela investia, ele nem desviava nem tão pouco mergulhava. Ele ria, deixando-a crer que havia gostado. Mas nunca passava daquilo. Ele não dava um passo a frente e em certas ocasiões deixou que a garota soubesse que não estava interessado. Mas ele sorria! Olhava-me de um jeito esquisito! Uma fitada poderia significar muitas coisas, mas a garota era jovem. Para ela, uma simplória palavra carinhosa poderia encaminha-la para um flerte.

Tão boba e ingênua. Ela se contentava com pouco. Tão mínimo eram seus desejos que ela se acostumou a apreciar o que mais ninguém estimava. Aquele homem, por quem ela tanto esperava, nada tinha de belo. As pessoas a indagavam por que diabos ela era tão insistente nele, quando podia arranjar coisa melhor na esquina.

Os nuances mais desprezíveis daquele homem, os que todos concordavam que eram repulsivos em unanimidade, eram justamente os que mais prendiam a atenção da garota. As coisas mais belas que o homem tinha, eram as que ela menos se dava conta que estavam ali. No fim, ela só apreciava o comum. Mas o que era rotineiro, achado em qualquer rosto, ordinário, tinha virado desprezível. As pessoas gostavam do exótico. E isso, aquele homem pouco tinha. Por esse motivo, ela esperava.

Ele passaria em frente a sua rua quando, no relógio, faltasse quinze minutos para às dez. Ela experimentava cada minuto até lá com êxtase, mãos suadas que passavam pelas venezianas de modo frenético. Ela queria ir no banheiro, esvaziar-se, mas se assim fizesse, poderia perder a passagem daquele homem. Ela não poderia!

De cada dez vezes que ela esperava, apenas em uma ele aparecia. Ela ficava debruçada na janela até quase onze da noite, já com a certeza de que não havia chances de ele dar aquele pequeno prazer para ela. Preciso esperar mais um pouco. Só mais alguns minutos. Em um segundo, tudo poderia mudar. Ele poderia sair por detrás da parede e aparecer com seus passos sempre tão apressados, caminhando para longe dela. Ela o veria, dormiria sorrindo! Como sempre acabava por dormir ao vê-lo por sua janela. O riso era o seu troféu; sua espera havia valido a pena.

Quando essas vezes aconteciam, o coração da garota, já tão acostumado a ausência, demorava alguns instantes para assimilar que aquela figura era ele. Esses breves segundos eram o tempo necessário para que ele completasse a sua curta peregrinação de frente àquela casa. Quando a garota enfim se dava conta de que era mesmo o homem, ele já havia partido. Ela não se importava. De fragmento em fragmento, ela o absorvia.

Seus passos eram velozes, ela já sabia disso. Mas havia seu olhar para o relógio no pulso, como se estivesse atrasado. Para onde ele se atrasaria àquela hora da noite? Não havia de ser. Ele parecia contar as horas, como se quisesse chegar a algum lugar o mais rápido possível. Queria correr sobre o tempo. Tão apressado era aquele homem! Veloz demais para nunca se deixar levar pelo que havia a sua volta. Não apreciava o caminho, nem mesmo ousava olhar para cima quando passava em frente à casa da garota. Ele sabia que ela estava esperando por ele e por uma única olhada. Mas ele a negava isso. Estava com pressa. Não havia tempo para pensar em amar o ordinário! A garota não tinha nada de incomum, talvez se ela tivesse, ele gastaria alguns segundos olhando-a sob a escuridão da rua, enquanto ela o encarava, ainda sem ter certeza de que era ele.

Tão apressado ele foi que, mesmo tendo conhecimento de que ela era uma garota comum, não se permitiu parar e dar-se conta de que, comum como ela era, uma hora se cansaria de espera-lo. Acontecia de sempre em sempre com os ordinários; um dia, ao acordar e pôr os pés no frio, a vida havia de sussurrar: não precisa levantar para esperar, volte a dormir.

Uma noite, a garota escutou o movimento dos jovens do lado de fora da janela, de modo abafado, pois as venezianas se encontravam fechadas. Ao se deitar, escutou o ranger da janela desconhecida ao longe. Já não apreciava tanto as estrelas como antes. Ela dormiu, não sem antes um breve sorriso. Naquela noite, ela não havia o visto. Mas ela sabia que havia muita coisa pela qual esperar. Talvez quando despertasse.


Biografia:
Leio desde criança, quando comecei a achar o mundo enfadonho em demasia. Escrevo desde a adolescência, quando senti a necessidade de dissertar sobre aquele mundo tão tedioso. Prazer, sou Europa!
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