Num mundo repleto de preconceitos e neuroses, os que advogam para prefeituras sabem bem do estigma que se é vítima por conta delas. De advogados, passamos a réus. Um ativismo que se suporta até com uma certa bravura, sobretudo nos fóruns.
Vivencio essa advocacia pública há alguns anos na Campelo & Campelo Advogados Associados, escritório prestigiado por suas promoções municipalistas.
Ao contrário dos Estados e do Distrito Federal, nem todos os municípios dispõem de um quadro jurídico próprio que resguardem seus interesses, como a boa aplicação da legislação tributária como alternativa de receita. O improviso ainda se mostra, embora as controladorias já sejam uma realidade. Tudo isso rende aos ex-prefeitos o martírio das ações de responsabilidade. É o caso do Piauí.
Nas pequenas localidades, carentes de tudo, aqui e acolá há um conflito judiciário. Circunstância que até dificulta previsão orçamentária.
A solução nesse caso é buscar os escritórios de referência na capital, na forma dos arts. 13 e 25 da Lei nº. 8.666/93 e da Decisão nº. 69/93 do Tribunal de Contas da União (processo TC 022.225/92-7).
Talvez por isso tenha a Constituição Federal consagrado outras procuradorias, e não as municipais, em seu art. 132 (“os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exercerão a representação judicial e a consultoria das respectivas unidades federadas”).
No caso dos Municípios, a Constituição previu a possibilidade de que cada um, no exercício de sua autonomia, ao disciplinar sua própria estrutura administrativa, de acordo com suas peculiaridades, decida sobre a criação ou não de uma procuradoria ou de cargos de procuradores.
Um dado relevante é o fato de que esse tipo de contratação vem fortalecendo os atos do executivo, pelo exemplo, pela experiência e pela orientação proporcionada pelas especialidades contratadas; tendo, muitas vezes, um efeito preventivo, evitando o cometimento de falhas que poderiam redundar na proliferação de mais ações contra a municipalidade.
A primeira lição exegética que se aprende é a relevância com que se deve aplicar o direito à vista dos fatos sociais que lhe sobressaem. Enfim, entre várias possibilidades, o julgador deverá optar pela que melhor atenda ao interesse público (primário).
Pois bem. Sabem bem os municipalistas as dificuldades jurídicas por atos das gestões passadas.
Isso porque quando se trata de novo gestor o benefício previsto pela IN/STN n° 1/97 facilmente se aplica. Basta o município providenciar as ações judiciais em face do responsável e, em seguida noticiá-la ao órgão que concedeu os recursos, requerendo-lhe providências quanto à tomada de contas especial (processo administrativo onde verifica a identificação do débito).
O problema que daí surge é quando vem a ser o apontado por tais inadimplências o atual prefeito, circunstância onde surpreendentemente não se admite a mesma ressalva, nem o mesmo entendimento e muito menos qualquer benefício. O que pode vir a acontecer pela alternância entre as lideranças da política local. Circunstância onde o município permanecerá na negativação, ainda que igualmente verificados os prejuízos sociais.
Ora, pondere-se. Nessa nova condição nada de estranho se apresenta quanto às razões que amparam as decisões que socorrem os municípios diante desse infortúnio administrativo. Quem estará suportando o ônus será a população, por ser fato público e notório as sérias dificuldades pelas quais passam essas unidades federativas, sobretudo os da região nordeste, sem expressiva economia. Por isso dependente dos repasses federais.
Quanto a dizer que o gestor, prefeito, novamente, impediria as providências endereçadas ao município segundo as orientações da IN/STN n° 1/97, é suficiente dizer que nessas condições o gestor permanecerá passível das pretensões cíveis e criminais próprias. Se mostrando abusivamente excessivas as restrições impostas aos municípios a pretexto do se cumprir o estrito enunciado da lei, quando sobram meios eficazes e não menos razoáveis a legitimar/justificar uma decisão favorável, mais flexível, ou por que não dizer, tolerável, em prol da coletividade e da autonomia municipal.
Nesse contexto não há como não perceber o princípio federativo brasileiro como uma enorme farsa. Nessa aliança, o que existe é um governo centralizador, que desarmoniza e abusa no seu relacionamento com os outros entes. E, lamentavelmente, vem engabelando também os que deveriam aplicar a lei conforme os fins sociais e às exigências do bem comum. O Piauí costuma encerrar seus exercícios com o absurdo prejuízo decorrente da suspensão dos recursos federais de que dependem seus municípios, pelas casuais dificuldades no acolhimento das demandas municipais.
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