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Tiro, porrada e bomba
Rafael S.C.


De última hora, me chamam para assistir a um jogo no Pacaembu. Eu já estava conformado que veria aquele jogo no conforto do meu sofá. Mas amigo serve para te “pôr em fria”. Filas, talvez brigas e tentar comprar ingressos no Canindé. O sossego seria substituído pela aventura. Corinthians e River Plate (Argentina), Taça Libertadores da América, o Timão estava bem. Por que não?

Um amigo pertencia à Gaviões da Fiel e, sem questionar, foi nos guiando até o núcleo nervoso da torcida organizada. A próxima etapa talvez fosse assaltar um banco, mas até ali, por que não? O grande diferencial, até aquele momento, era ficar cantando, pulando e batendo palmas. Lembrando dos tempos de escola, eu jurava que essa parte ficava com as meninas, enquanto eu jogava. Se é para dar uma força ao time, por que não?

A equipe estava perdendo e ficando nervosa. A torcida perdia a paciência e também ficava nervosa, só que a diferença é que enquanto os jogadores apenas tomavam gols e erravam passes, a Gaviões prometia agressão física e ameaçava a equipe de morte. E eu entre os possíveis assassinos.

O clima estava cada vez mais estranho, pesado mesmo. Refletindo, cheguei à conclusão de que aquele não era um dia legal para ver um jogo no meio da Gaviões da Fiel, e que a definição “torcida organizada” era apenas um eufemismo. Mas esse intuito virou uma questão de honra, o desafio da minha vida. E nessa toada fui, chamando a Polícia Militar pra porrada e ameaçando de morte os jogadores e a torcida adversária.

Aquilo tinha virado um barril de pólvora, e alguém acendeu o pavio. Parte considerável da facção desceu e, sem pedir licença, abriu o portão que dava acesso ao gramado. Sem querer, eu estava fazendo parte de uma massa, com o ímpeto dos seguidores de Gengis Khan, ensandecida e sedenta por sangue; ou um bando de fanáticos dispostos a cometer suicídio coletivo. Eu não saí de casa querendo essa experiência.

O dilema estava na mesa: eu poderia agir como alguém que se sentiria arruinado porque perdeu uma partida de futebol e ser temido eternamente por ter uma foto na capa do jornal adentrando o prédio da Polícia Civil; ou fugir dali porque eu sabia que aquilo era apenas um jogo. Pessoalmente, eu tinha muito a perder e precisava manter a ficha limpa. Não tive dúvida, saí daquela arquibancada.

O nosso grupo estava disperso. Meu amigo estava alucinado, querendo invadir o campo. Apesar de ele ser mais alto que eu, puxei-o para fora do estádio. Lá fora, parecia pior: brigas, balas de borracha, bombas, rojão disparado na horizontal, correria e ambulâncias. Clima de guerra no Pacaembu.

O Corinthians perdera de três a um e estava eliminado de mais uma Libertadores. O combo da desgraça estava quase completo, só faltava eu apanhar da Polícia. A partir do momento em que escapei do estádio, quanto mais longe, melhor.

Isso foi um dia comum para uma derrota do Corinthians na Libertadores.


Este texto é administrado por: Rafael da Silva Claro
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Ensaios Tiro, porrada e bomba Rafael S.C.


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