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Marionetes sacanas
(Avenida Q: uma ousadia teatral)
Roberto Queiroz

Não se enganem com os bonecos em cena, caros espectadores: Avenida Q, de Jeff Whitty, não é para menores. Pelo contrário: trata-se de uma das maiores ousadias (ou brincadeiras com o conceito de infância, como preferir rotular) que eu pude assistir nos últimos tempos. Só não foi ainda melhor porque não estava presente no teatro, ao vivo, para apreciar.

Isso mesmo: assisti o espetáculo graças a, mais uma vez, bem-vinda ajuda do you tube, meu amigo internético de todas as horas, que exibe a versão de julho de 2009, gravada no Teatro Clara Nunes, na íntegra (e cheia de elogios na caixa de comentários, comparando a versão nacional, dirigida pela dupla arrasa-quarteirão Charles Moeller e Cláudio Botelho, com a americana, com direito a frases do tipo "não deixa nada a dever a versão made in USA. Muito boa!!!!").

Avenida Q é, no final das contas, uma grande cartilha moral sobre os desvalidos - ou outsiders - que vivem em qualquer lugar do mundo, lutando com unhas e dentes para sobreviver à uma vida difícil e cheia de reveses e curvas sinuosas. E dentro desse simulacro da dificuldade, vemos os mais diversos expoentes daquilo que o Brasil e o mundo aprendeu a chamar nos últimos séculos de "necessitados".

Homens e bonecos dividem a atenção do público com metáforas sobre questões da maior pertinência para nosso convívio social: homossexualidade; conservadorismo; relacionamentos amorosos; racismo; a vida noturna na internet; triângulos amorosos; rir da miséria alheia; desemprego e muito mais. E tudo com um toque inteligente e refinado e um humor sarcástico, na ponta da língua (e fazendo a plateia cair na gargalhada a todo momento).

Dentre as vozes que permeiam esse universo temos Princeton, um jovem formado, mas sem rumo na vida, que acaba de chegar na Avenida Q (único lugar em que ele pode pagar o aluguel, e ainda sim com dificuldades) onde pretende dar uma reviravolta em sua história; Kate Monstra, cujo sonho é construir uma escolinha para seres de sua própria espécie; o casal Brian (Renato Rabelo) e Japaneuza (Cláudia Netto), ele um eterno desempregado, tentando ganhar a vida como comediante, ela uma psicóloga sem clientes, juntos sobrevivendo na ponta do arame; Trekkie Monstro, uma criatura viciada em internet e pornografia; Gary Coleman (Maurício Xavier), um ex-astro infantil cuja vida só lhe deixou de sobra a missão de trabalhar como zelador na avenida; Nick e Rod, parceiros de quarto na pensão, o primeiro um homossexual enrustido, o segundo um maladrão, super desorganizado que adora incentivar os outros a se libertar, mas não tem coragem para tomar uma atitude com a própria vida; e Lady de Vassa, uma quase Lady Gaga versão Puppet, cantora da noite e viciada em sexo.

Dentro do elenco fica meu destaque para os atores André Dias (que manipula os bonecos Princeton e Rod) e Sabrina Korgut (responsável por operar a Kate Monstra e Lady de Vassa). Aliás, o trabalho de criação com os bonecos feito por Fernando Gomes é magnífico. Fiquei embasbacado com a liberdade de movimento das marionetes. Não imaginava que estávamos tão avançados nesse setor!

Já na parte técnica gostei muito da direção musical de Marcelo Castro (a banda que acompanha o elenco é excelente) e o trabalho de cenografia de Rogério Falcão, em alguns momentos, me fez lembrar da Graphic Novel Avenida Dropsie, de Will Eisner, principalmente nas cenas mais escuras, à meia-luz, criando um clima quase noir. Pretendo dar uma olhada na internet à procura de mais trabalhos dele!

Ao cerrar da cortina, a plateia aplaude com entusiasmo e o elenco merece. Mesmo que muitos achem o texto em vários momentos abusado em excesso, cheio de palavreados chulos e posturas acusatórias a certos comportamentos típicos da sociedade hipócrita em que vivemos, é facilmente perceptível que o humor ácido, direto é intencional e faz parte da proposta: brincar com a ideia de que teatro envolvendo marionetes é apenas para crianças. Nada disso. É possível transpor a temática para o universo adulto sem perder o sorriso. E a prova está aqui. São mais de duas horas de sacanagem pura, sem ofender ninguém.

Se algum dia reestrear na sua cidade, procure. Vale cada segundo.

Para quem quiser assistir o espetáculo na íntegra, segue abaixo o link:
https://www.youtube.com/watch?v=qhcZqg_wkJY


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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