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Um pouquinho de Brasil
(reinterpretando Navalha na carne, de Plínio Marcos)
Roberto Queiroz

Vocês já ouviram o trecho em que o cantor João Gilberto canta em isto aqui o que é? a frase "isso aqui ô ô é um pouquinho de Brasil"? Pois é... Esqueçam João - que, aliás, vive dias terríveis, isolado em seu apartamento - e coloquem o dramaturgo Plínio Marcos na roda. Isso mesmo. Se há um dramaturgo que falou a verdadeira língua do país, língua desbocada, suja, travessa, direta, foi Plínio.

E para minha alegria e a de muitos fãs de sua obra somos duplamente recompensados com a maravilhosa notícia de que o Teatro Oficina (de mestre José Celso Martinez Corrêa) traz pela primeira vez ao Rio de Janeiro sua obra-prima, Navalha na carne.

Navalha na carne tem todos os elementos de um escândalo em forma de peça. E nenhuma outra, podem acreditar, explica tanto o país atualmente como ela. Se durante o período militar foi sumariamente proibida; agora, em tempos de Bolsonaro, conservadorismo ganhando força, misoginia, homofobia e racismo declarado nas ruas, ganha ares de incompreensão da parte da legião de ignorantes que acredita ser capaz de eleger o novo (e ético) presidente do país.

Como não faço parte da ignorância coletiva que rege estas terras nos últimos anos (leia-se: 2014 pra cá) fui conferir a montagem realizado no Teatro Nelson Rodrigues. Resultado: meu Deus! Obrigado por me proporcionar tal nível de ousadia!

Marcelo Drummond, diretor do espetáculo, vive Vado, gigolô violento, sarcástico, cruel, que humilha a todo momento Neusa Sueli (Sylvia Prado), prostituta envelhecida e decadente, que já teve seus dias de glória e agora limita-se a viver do passado (cultura essa típica de nosso país, que adora títulos de nobreza, pompas, usar nomes de famílias tradicionais para justificar seu caráter deturpado). Para completar a tríade, Veludo (Tony Reis, brilhante!), homossexual que faz as vias de empregado da casa, mas que mantém uma rivalidade sórdida com Norma, a ponto de várias vezes jogar na cara dela ter sido muito melhor amante do que ela.

A combustão provocada pelos duelos envolvendo essa trinca de personalidades febris é um caos declarado e desmedido (e nesse ponto a luz produzida pela dupla Luana Della Crist e Pedro Felizes deixa um clima de desamparo e angústia muito óbvio).

Interpretação livre de minha parte, confesso: Navalha na carne é o retrato visceral da falência de um país que se sonhou grande, mas nunca teve competência para viver o presente, que dirá o futuro, e agora se esconde atrás da falácia de um discurso vazio e mentiroso chamado "erramos em algum momento do caminho".

Vado, Norma Sueli e principalmente Veludo (digo: nos dias de hoje, com todo o discurso de diversidade sexual e LGBT em voga) são agentes falhos de uma nação perdida - será que é nação mesmo? sempre tive minhas dúvidas - que utiliza-se de subterfúgios e esconderijos para esconder o que realmente são sob o verniz da hipocrisia, elemento fundador dessa pátria adorada salve, salve.

Saio do teatro destruído, mas uma destruição mais do que necessária. Precisamos implodir estruturas se quisermos sobreviver a mestre Plínio Marcos e, claro, a esta terra de Macunaímas e Zé pereiras, fenômenos hedonistas, nossa versão Peter Pan tropical.

Não foi ver? Mesmo?

Então depois não reclama dos seres pensantes que acham que a vida não se resume a McDonald's e novela da Globo.

Certas verdades são indigestas. E precisam ser ditas e vistas doam a quem doer.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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